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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.231 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2019231.03 

ARTIGOS

Rádio Caos: resistência e experimentação cultural nos anos 1980

Radio Caos: resistance and cultural experimentation in the 1980s

Paula Guerra*
https://orcid.org/0000-0003-2377-8045

*Instituto de Sociologia, Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n - 4150-564 Porto, Portugal. p.guerra@letras.up.pt


 

RESUMO

A década de 1980 é crucial, em Portugal, para a abordagem das transformações sociais, culturais e políticas ínsitas ao desenvolvimento da indústria cultural e ao mercado de entretenimento de massas. Foi nessa década que ocorreu a consolidação das culturas juvenis e se densificaram as pertenças subculturais. Daí, surge como relevante a compreensão das atividades (contra)culturais atinentes às rádios-piratas levadas a cabo por um conjunto de jovens insatisfeitos com o universo dos possíveis culturais existentes em Portugal - descontentamento ainda mais sublinhado na cidade do Porto, e manifestamente patente nas emissões da Rádio Caos. O nosso enfoque incide nesta Rádio - apelidada de pirata, e cuja atividade constituiu paradigma de mudança cultural, artística e musical mobilizada pelos jovens da altura.

Palavras-chave: rádios-piratas; rádios-livres; anos 1980; contracultura; Rádio Caos.


 

ABSTRACT

The 1980s are crucial to the social, cultural, and political transformations in consolidating culture and establishing a mass entertainment industry in Portugal. It was in this decade that the consolidation of youth cultures occurred and subcultural identities were enhanced. We consider it valuable to understand the (counter) cultural activities surrounding the pirate radio stations that were operated in that decade by a group of young people dissatisfied with the universe of cultural possibilities existing in Portugal - a discontent that was even more pronounced in the city of Porto (Portugal) through Radio Caos’ broadcasts. We propose to study this radio station - called “pirate” - that was active from 1982 to 1988 as a paradigm of cultural, artistic, and musical change, mobilized by the youth of the time.

Keywords: pirate radios; free radios; 1980s; counterculture; Radio Caos.


 

Na sequência de um conjunto de trabalhos em torno de movimentos culturais e artísticos das culturas populares urbanas portugueses (Silva e Guerra, 2015), procura-se, aqui, dilucidar um conjunto de movimentos e experimentações artísticas existentes na cidade do Porto na década de 1980. Um dos melhores exemplos de experimentação artística, musical e juvenil - baseado num ethos do-it-yourself[1] - são as rádios-piratas e a sua efervescência nos anos 1980. Neste artigo, privilegiaremos como objeto analítico a Rádio Caos, uma rádio pirata[2] cuja atividade se estendeu entre 1982 e 1988 na cidade do Porto. Além de ter sido uma das primeiras rádios-piratas nacionais, foi particularmente marcante na cena alternativa[3] portuense devido às experimentações que se estendiam para lá da rádio: atingiam áreas como a poesia, a literatura, a música, os fanzines, etc. A análise encetada decorre de uma investigação alargada incidente na cena rock alternativa portuguesa dos últimos 30 anos (Guerra, 2010) - de onde se destaca, neste âmbito em particular, António da Silva Oliveira[4] e Bernardino Guimarães, dois dos principais fundadores da rádio -, a par de uma recolha e análise documental de artigos de jornal e blogues relativos à Rádio Caos.[5]

Em Portugal, a década de 1980 possui significativa importância no âmbito da investigação das culturas juvenis. Não obstante o seu lastro ser anterior (Savage, 2008; Cardão, 2013), foi nessa década que se consolidaram, com todas as implicações socioculturais e multiplicações subculturais. Também por este facto se considera pertinente fazer incidir a nossa reflexão neste contexto particular e peculiar. Por seu turno, a relevância deste exercício é tanto maior quanto o facto de estarmos perante um campo onde rareiam as investigações exclusivamente dedicadas aos media alternativos em geral, e, mormente, à especificidade das rádios-piratas - singular marca do devir comunicativo português.

Neste artigo procuraremos, através de uma análise dos então novos meios de comunicação, realizar, primeiro, um estado da arte relativo aos media alternativos e às rádios-piratas e, segundo, destacar o caso ilustrativo da Rádio Caos, que funcionou entre 1982 e 1988, e marcou o panorama estético-cultural na cidade do Porto nos seis anos em que esteve no ativo, vindo a soçobrar com a aplicação da Lei n.º 87/88, de 30 de julho de 1988, mais conhecida como a Lei da Rádio.

PORTUGAL E PORTO NOS ANOS 1980: PAÍS E CIDADE ALTERNATIVOS OU SEM ALTERNATIVA[6]

Os anos 1980 representam um marco cronológico de grandes mudanças para um Portugal recém-saído do período revolucionário e numa fase de estabilização democrática, de onde se destaca: uma notável expansão do poder de compra e das classes médias (apesar de dois pedidos de ajuda ao FMI, em 1977 e 1983, respetivamente); o processo de adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE)[7] , que resultou numa afluência de investimentos comunitários, na quebra de um certo isolamento internacional e no fim das barreiras alfandegárias (Neves, 1999, p. 14); um forte processo de secularização, ainda que marcado por acentuadas diferenças regionais (Duque, 2014); um consenso constitucional limitado por sucessivas crises políticas, governos minoritários e repetidas eleições (Freire, 2005); terciarização da sociedade portuguesa; progressivo envelhecimento demográfico e diminuição do tamanho do agregado familiar; aumento da escolaridade média (Stoer, 1982)[8] ; reforço da cultura de massas[9] , entre outros indicadores (Barreto, 1996; Santos, 1993; Pereira e Loff, 2006).

De igual modo, tratou-se de uma época em que o sentido migratório começou a inverter-se, iniciando-se uma corrente imigratória oriunda das antigas colónias africanas e do Brasil, que fez com que, em meados dos anos 1990, a população estrangeira residente se situasse em 2% da população total (Barreto, 1996). Particularmente importante foi o processo de integração nacional a vários níveis. Isto é, a integração de várias camadas populacionais como as mulheres e os mais jovens na esfera pública. Em relação a estes últimos, podemos falar do desenvolvimento de culturas juvenis específicas (Guerra e Quintela, 2016; Ferreira, 2008; Pais, 2003; Pais e Blass, 2004; Simões, Nunes e Campos, 2005), associadas simultaneamente a uma extensão da escolaridade e uma evolução económica, que permitiu que os jovens se tornassem numa camada social per se. O que se verificou foi, portanto, o surgimento de uma busca “pelo direito à diferença”, como bem demandou António Sérgio, famoso radialista português (Guerra, 2010). É precisamente essa busca pela diferença, nos mais jovens (e não só) que vai mudar significativamente o panorama cultural português na década de 1980.

As mudanças na cultura portuguesa dos anos 1980 foram uma verdadeira “revolução cultural” (Barroso et al., 2006, p. 98). Muitos artistas portugueses sentiram que era a altura de um novo começo, de romper com a cultura dominante: o trilho traçado foi de uma certa recetividade ao (pós)-modernismo, e ao que tudo isso implicava em termos do papel da arte e do próprio artista (Nogueira, 2013; Dias, 2016; Melo, 2007). É neste caldo cultural e de recetividade perante a novidade que surge o boom do rock português, que, apesar de alguma polémica relativamente à sua extensão temporal, se situa grosso modo entre os anos 1980-1984 (Galopim, 2003). Um período temporal curto, mas extremamente frutuoso. Foi aqui que se deu o corte com o que era tido como tradicionalmente nacional, particularmente a música de intervenção e o fado. As influências sonoras advêm de outros quadrantes, nomeadamente da cultura anglo-saxónica, não obstante a esmagadora maioria das canções serem cantadas em português (Guerra, 2013; Magalhães, 2003).[10]

Deste processo ressalta um fator particular: este boom foi impulsionado por um conjunto de atores-chave que se situavam, em larga medida, nas classes média/média-alta, os quais, uma vez detentores de meios que possibilitavam o contacto com o exterior, mantinham-se informados sobre o que se passava relativamente às novidades culturais e musicais (Cadete, 2009, p. 65; Guerra, 2013). Paralelamente, desenhavam-se alterações contextuais importantes, que impulsionaram a mudança ao nível do consumo cultural em geral e da música popular em particular: a institucionalização de festivais pelo país (Guerra, 2016; Zamith, 2003), como o retorno do Festival Vilar de Mouros, em 1982, ou o Festival Só Rock, em 1981; o irromper do rock nas rádios e televisão portuguesas, os programas de rádio que fizeram história, como Rotação (1976-1979), Rolls Rock (1980-1982), Som da Frente (1982-1983), Louras, Ruivas e Morenas (1984), ou o Rock em Stock (1979-1982).[11]

Dada a forte importância e a penetração da rádio, estes programas serviram como introdutores de um conjunto de novas sonoridades em Portugal (Silva e Guerra, 2015). Foram, assim, cruciais para a “socialização e consolidação da identidade musical de quem nos anos oitenta estava a viver a adolescência e a juventude” (Guerra, 2010, p. 242). Muitos destes programas de rádio musicais colmataram uma falha do mercado musical português, relacionada com o grande atraso da chegada dos discos a Portugal, potenciando o conhecimento de bandas estrangeiras e do que se passava lá fora. Concomitantemente, foram fulcrais para divulgarem um conjunto de novas bandas portuguesas que entretanto surgiram.[12] Para um número maior de jovens relativamente a décadas anteriores, ampliava-se a busca de novas modas, estilos, sensações e experiências, em que o consumo surge como a variável estruturadora da vida quotidiana (Featherstone, 1991). Os paralelismos com a então sociedade portuguesa são claros:

Assim, e em primeiro lugar, a assunção de que a cultura do consumo está na origem da produção capitalista que conduziu à acumulação da cultura material sob a forma de bens de consumo parece evidente no campo do chamado rock português e mercados correlacionados; assim a vivacidade das editoras discográficas, da edição de jornais musicais, da proliferação de espaços de fruição musical, de modas e indumentárias vanguardistas parece despoletar no início dos anos oitenta, do século XX, em Portugal. Tudo isto resultou no acréscimo de atividades de lazer e de consumo nas sociedades portuguesa, nomeadamente juvenil e metropolitana [Guerra, 2010, p. 235].

Relativamente à cidade do Porto, esta era uma cidade em que as novas tendências estéticas e culturais chegavam muito lentamente. Segundo vários relatos, era uma cidade em que se abafava culturalmente. A verdade é que esse deserto cultural impulsionava, paradoxalmente, tentativas de dinamização e renovação cultural, geralmente underground ou alternativas. A crescente abertura a novas sonoridades e experiências estético-culturais era atestada pelo surgimento de novos locais para concertos e sociabilidades, como o Solar da Cruz Vermelha, em Massarelos, o Pavilhão Infante Sagres, o Pavilhão Académico, o Aniki-Bóbó e o Luís Armastrondo.[13] Locais onde era possível assistir a concertos das novas bandas emergentes, como Mão Morta, Essa Entente, Entes Queridos, Seres, Melleril de Nembutal, Bramassaji, Terra Mar, Linha Geral, Cagalhões, Emílio e a Tribo do Rum, SPQR e Ocaso Épico, entre outras.

Uma boa forma de auscultar tal contexto estético-cultural poderá ser através dos fanzines portuenses dessa época.[14] Um dos exemplares mais emblemáticos é o fanzine Confidências do Exílio, que, na sua segunda e terceira edições, inicia um roteiro dedicado à cena cultural alternativa portuense intitulado: “Porto em busca de alternativa”. A ideia era que a cidade do Porto estaria a passar por um novo dinamismo cultural, uma “incondicional adesão ao vanguardismo criativo”, desde as artes plásticas, patentes em galerias como a Roma e Pavia, o Espaço Lusitano, a Cooperativa Árvore, até à existência (reduzida) de discotecas e locais de encontro, como o Moinho de Vento, Griffon’s, Aniki Bóbó, Batô, No Sense, Meia-Cave e às lojas de discos. Todavia, a ideia de uma cidade num processo de renovação cultural não era de todo unânime. Numa resposta aos artigos do fanzine Confidências do Exílio, o fanzine Tosse Convulsa lança, no artigo “Porto sem alternativa”, uma opinião diametralmente oposta. Utilizando ironicamente a palavra cultura sempre entre aspas, os autores subescrevem que a cidade do Porto, longe de estar a iniciar um processo de vanguardismo estético-cultural, está, isso sim, numa situação cultural marcada pela “decadência”, longe de ser alternativa:

Não acreditamos que o Porto tenha alternativa, pelo menos em termos musicais (…). movimento, em si, pode ser alternativo, mas para isso é necessário que os seus componentes e outros fora dele, mas honestos, se mexam e tentem fazer alguma coisa para poderem acender o rastilho que poderá despoletar coisas mais interessantes e que sejam alternativos [Tosse Convulsa, 1988, p. 5].

Independentemente das posições antagónicas enunciadas, certo é que as vivências culturais caldeavam a mudança e desenhava-se um novo quadro de experimentação estético-cultural, ao qual se ligava inexoravelmente o movimento punk. Este, quer na cidade do Porto, quer em Portugal, constituiu não só uma componente importante da cultura juvenil nacional, como também uma essencial forma de cosmopolitismo. O movimento punk traduziu uma necessária abertura às novidades estético-culturais que ocorriam no estrangeiro, em contraposição com um país ainda isolado e tradicionalista. Contribuiu para novas sociabilidades, assentes numa maior fruição da diversidade e na abertura a novas culturas e valores, não apenas ao nível musical, mas também ao nível cultural, artístico e normativo. Tratou-se de um movimento que permitia um confronto entre o individual e a identidade grupal e contra os valores dominantes, do qual resultava uma celebração radical da diferença, diversidade e individualidade.

A LIBERDADE TRANSGRESSORA DAS ONDAS DO ÉTER

E qual é o papel das rádios-piratas? O que caracteriza intrinsecamente os media alternativos? Em primeiro lugar, um conteúdo alternativo ou radical, orientado para uma mudança social. Geralmente uma recusa total ou desejo de alteração das políticas e valores estabelecidos (O’Sullivan, 1994). Para obter estas mudanças, estes meios de comunicação necessitam de envolver as populações. De igual modo, não basta que as notícias tenham um conteúdo oposicionista, é também importante identificarem-se diferenças acentuadas ao nível da apresentação e organização, a par do entendimento de que os indivíduos não são um mero objeto, podendo aqui realizar todas as suas potencialidades; um local em que ocorre um empoderamento através da participação direta dos indivíduos nestes media (O’Sullivan, 1994).

Bailey et al. (2007), numa sistematização do estado da arte, distinguem quatro abordagens que remetem para as diferentes perspetivas existentes relativas aos media alternativos. Uma primeira abordagem é a dos media comunitários, na qual se defende a participação de membros de uma determinada comunidade na produção e difusão dos conteúdos informativos. Uma segunda, encara os media alternativos como uma mera alternativa aos media mainstream, operacionalizada em termos de contrastes ou antinomias, designadamente: organizações hierárquicas/não-hierárquicas e horizontais; larga escala/pequena escala (geralmente locais); discursos hegemónicos/múltiplos contradiscursos (Bailey et al., 2007). Esta encontra-se próxima da perspetiva de Atton (2006), na justa medida em que os media alternativos são indissociáveis da noção gramsciana de hegemonia. Uma outra abordagem considera os media alternativos, assentes na sociedade civil, como uma terceira voz entre os media estatais e os media comerciais. Por fim, a quarta abordagem é a dos modelos rizomáticos, que postula um afastamento de subordinações hierárquicas e em que todos os elementos podem afetar os restantes.[15]

Em relação a tudo isto, impõe-se uma ressalva - nem todos os media alternativos se pautam por conteúdos informativos declaradamente políticos ou oposicionistas. Watson (2016) e Howley (2010) consideram que grande parte dos media alternativos são de facto, e sobretudo, média Do-It-Yourself (DIY), pautados por estruturas organizativas não-hierárquicas, não-profissionais e modos de produção culturais não-comerciais. O que balizou, em larga medida, o esboroamento das fronteiras entre produtores e audiências e o desenvolvimento da comunicação democrática postulada por Williams (1963). Esta cultura DIY, ou Do-It-Ourselves (DIO) como defende Atton (2006, p. 120), muito associada à cena punk e seus fanzines (Gauntlett, 2011), possui um ethos que rejeita (e critica) a cultura de massas, e aposta numa abordagem independente e criativa sobre um conjunto de temáticas, desde política à música, mesmo sabendo que o seu mercado é reduzido. Caracteriza-se, portanto, por uma elevada dose de autonomia, assente em processos democráticos de produção, por ser não-comercial e sustentar-se, grosso modo, em voluntários. Neste sentido, estes media DIY, além de serem uma das mais cabais formas de participação coletiva na produção de coisas, veem as suas audiências como um todo, o que é possível verificar nas suas programações ou páginas, nas quais se verifica uma efetiva diversidade de tópicos (o que não impede que existam temáticas mais abordadas que outras). Watson (2016, p. 3) corrobora, considerando estes media como uma comunhão de interesses que representam uma comunidade, servindo, para além disso, para desenvolver identidades em comum e difundir as mensagens dessa comunidade para além das suas fronteiras.

Posto isto, entramos no objeto que detém a nossa atenção neste artigo: as rádios-piratas. Na grande diversidade de rádios-piratas podemos encontrar, desde a sua génese, praticamente todas as características acima mencionadas. Por isso, na nossa opinião, constituem um dos exemplos mais significativos no que respeita ao potencial participativo nos media. Este potencial de participação é assinalado teoricamente já na década de 1930. Assinala-se, neste âmbito, um conjunto de teorizações sobre as possibilidades empoderadoras e emancipatórias do rádio, em dissonância com os argumentos de massificação e nivelação associados aos meios de comunicação em massa. Brecht (1983) defendia, então, que existia margem para que a rádio se tornasse um sistema de comunicação em vez de um simples sistema de distribuição, desde que sustentado no envolvimento do ouvinte. Este não devia apenas ouvir, deveria também falar e participar.

Algumas das características das rádios-piratas assemelham-se às acima mencionadas. Uma das grandes particularidades, e influência, é a cultura DIY (Deuze, 2006, p. 273). Estamos a considerar não só uma filosofia, um ethos característico, mas também uma praxis. Por exemplo, para fazer frente à escassez de recursos, era usual os membros destes media alternativos, amadores, pagarem os custos associados do seu próprio bolso (apesar de ser possível também fazer coletas comunitárias); ou, ainda, que alguns membros assumissem múltiplas funções na rádio, o que implicava deter algumas competências técnicas específicas como o saber-fazer eletrónico, isto é, a capacidade de criar transmissores e outros instrumentos indispensáveis a partir de vários materiais, ou a capacidade de reparar e conservar os poucos que possuíssem (Theodosiadou, 2010).[16]

O localismo é um outro fator determinante nestas rádios. Além do facto de, em muitos casos, as rádios-piratas estarem limitadas pelo alcance das frequências FM a determinadas zonas, a insatisfação com as notícias dos meios de comunicação generalistas, tidas como afastadas das preocupações das populações locais, não é de desvalorizar. De salientar, além da participação da comunidade em várias rádios-piratas, a existência de uma preocupação em produzir programações direcionadas para as comunidades em que se situam (Bonixe, 2012; Cammaerts, 2009). É particularmente complexa a tarefa com vista à sistematização e conceptualização das rádios-piratas, dada a enorme heterogeneidade que o fenómeno reveste. Efetivamente encontramos exemplos de um ativismo político mais vincado, outros em que, apesar de rádios-piratas, os projetos seguiam praticamente os moldes organizativos das rádios comerciais ou, ainda, experiências estético-culturais alternativas. Se tomarmos como referência a dimensão internacional, vislumbramos ainda maior complexidade, já que o surgimento destes meios de comunicação geralmente respondia a um conjunto de questões específicas de cada país.

Não obstante a complexidade e o inerente polimorfismo do fenómeno em estudo, consideramos de particular interesse referenciar a tentativa de sistematização das quatro características-chave das rádios-piratas avançada por Theodosiadou (2010). Uma primeira característica prende-se com o funcionamento ilegal destas rádios e suas implicações; a segunda remete para as programações alternativas e inovadoras, por oposição ao modelo organizativo e de transmissão de notícias veiculado pelas estações públicas e comerciais; uma terceira característica com a mobilização para responder a um conjunto de interesses específicos, desde a veiculação de notícias locais até aos tipos específicos de estilos musicais; por fim, a quarta característica assenta no facto de se estar a considerar projetos/emissoras nas quais existe uma inequívoca redefinição da relação entre o locutor e a audiência.

Por outro lado, e numa perspetiva inovadora, Martínez (2013) postula que o surgimento das rádios-piratas, e podemos estender aos restantes media alternativos, foi uma resposta a uma situação que apelida de “anomia comunicacional”, que caracterizava as democracias da Europa do Sul nas décadas de 1970 e 1980 - algumas recentemente saídas de períodos ditatoriais. E o que caracteriza(va) estes países (Portugal, Espanha, Itália, França e Grécia)? Primeiro, o direito à informação e à liberdade de expressão são considerados como eixos estruturantes de uma sociedade livre. Porém, e paradoxalmente, na sua atuação, os governos concentraram a difusão informativa através de empresas estatais ou privadas, ligadas a grupos dominantes. A pluralidade de escolha estaria assim comprometida. Numa conceção althusseriana, podemos falar de uma situação em que os diferentes aparatos ideológicos estatais, dominados pelos grupos dominantes, consideravam o direito à informação e à liberdade de expressão como objetivos culturalmente legítimos para todos os indivíduos da sociedade. Não obstante, simultaneamente, encontramos um segundo elemento desta estrutura detida por grupos dominantes que regula e legisla os modos considerados como admissíveis para alcançar o direito à informação e à liberdade de expressão (Althusser, 1998). Mais, era um modelo em que as populações apenas se limitavam a receber passivamente as notícias, não tomando parte ativa no processo de gerar informações e notícias. Isto é, um sistema informativo centralizado, burocrático, vertical, incapaz de se renovar e atender às preocupações e exigências dos diversos públicos. Enfim, a inexistência de uma democratização dos meios de comunicação.

Regressando a Martínez (2013), verificamos, então, um desfasamento entre os objetivos culturalmente definidos e os meios institucionalizados da sociedade. Isto é, um desfasamento entre a importância conferida ao direito à informação e à liberdade de expressão e os meios institucionalizados para os alcançar, produzindo-se o que Durkheim (2001), e posteriormente Merton (1970), apelidam de anomia. Para o primeiro autor, um sentimento de desespero, de falta de sentido, característico da modernidade e da sua falta de regulação social. Para o segundo autor, que retrabalhou este conceito, trata-se da exaltação de um conjunto de fins que conduz a uma desinstitucionalização dos meios (Merton, 1970). Nos países do sul da Europa a situação é semelhante: apesar da importância dada ao direito à informação e à liberdade de expressão, encontramos a concentração dos meios de comunicação em poucas mãos, geralmente no Estado e em poucos conglomerados privados. E é aqui que entra o movimento das rádios-piratas, como resposta de um setor da sociedade face a uma situação de anomia comunicacional.[17] Enquanto meios de comunicação alternativa, ou de contrainformação, oferecem múltiplas vozes como alternativa aos meios de comunicação social estatais e institucionalizados (Martínez, 2013).

Por outro lado, e tendo em conta o que foi acima mencionado relativamente aos meios de comunicação, podemos considerar que as rádios-piratas alteraram significativamente as normas de aceitabilidade do que era feito e permitido nesse mundo de comunicação (Peters, 2011, p. 282). Na Europa na década de 1960 (Chapman, 1992) e na Europa do Sul em finais de 1970 e na década de 1980, as rádios-piratas foram aproveitadas por uma emergente cultura juvenil para exprimir as suas insatisfações face à sociedade e a instituições anquilosadas. Os jovens aproveitavam para se definirem por e através da sua participação, direta ou indireta, nas rádios-piratas (Theodosiadou, 2010). Importa relevar um outro fenómeno emergente, que se prende com uma maior popularidade da música pop (que estava longe de ser entendida como património cultural, como é atualmente) e que veio revolucionar a forma de fazer rádio. Este facto foi também, seguramente, uma das razões para o surgimento, nos anos 1960, de inúmeras rádios-piratas na Europa.[18] O caso britânico é paradigmático: a estação estatal BBC encontrava-se completamente impreparada para responder à crescente popularidade do rock and roll e da música popular. Em vez de integrar essas novas exigências sociais por parte dos mais jovens, a BBC (e muitas outras estações públicas) continuou com o mesmo estilo de programação, percecionado pelos jovens como paternalista e desfasado dos seus interesses. Tal resultou no facto de os mais jovens, para os quais a música se tornava um elemento cada vez mais estruturador das suas vidas e identidades sociais, tivessem de procurar em outras paragens programas que satisfizessem os seus interesses culturais (Chapman, 1992, p. 27; Skues, 2009; Hind e Mosco, 1985, pp. 1-2; Peters, 2013; Rudin, 2007).[19]

Em Portugal, na década de 1980, a cultura juvenil procurava uma rutura com o passado e formar uma identidade à qual pudessem chamar sua. As estações públicas eram associadas aos poderes vigentes e, por isso, vigorosamente criticadas e colocadas em causa. Daí que os modelos alternativos respondessem mais diligentemente às exigências de uma dada comunidade, do que aqueles fornecidos pelos meios de comunicação dominantes, com as suas programações estandardizadas (van der Hoeven, 2012, p. 936). Em todo este processo, releve-se o papel central da música, quer na vida social dos membros, quer enquanto motivo para o estabelecimento de várias rádios-piratas. Apesar de na década de 1980 ser possível encontrar já vários programas radiofónicos dedicados exclusivamente a determinados segmentos musicais, a verdade é que isso não impediu que vários piratas sentissem a necessidade de partilhar os seus gostos musicais com as audiências (Guerra, 2010). Se, no caso português, verificamos uma enorme importância da divulgação da música cantada em português, Theodosiadou (2010) e van der Hoeven (2012), para o caso grego e holandês respetivamente, notam a importância dedicada à música anglo-saxónica, bem como a novos géneros musicais, como a música de dança.

ROCKIN’ IN A NEW FREE WORLD: RÁDIOS-PIRATAS[20] EM PORTUGAL

As rádios-piratas foram um verdadeiro caos no vetusto espectro radiofónico português. Uma nova forma de experienciar a rádio, menos hierarquizada e estruturada de fazer rádio, que teve a sua génese nos anos 1970, no período pós-revolucionário. Importa, pois, analisar o papel da rádio durante o período revolucionário. Dada a sua importância nos lares portugueses, foi um dos protagonistas da revolução e, por isso mesmo, um palco das várias lutas políticas que atravessaram Portugal (Reis, 2014, p. 10). Neste contexto, é de salientar o processo de nacionalização da rádio, que desemboca na criação da Radiodifusão Portuguesa, Empresa Pública (RDP), resultado da junção de várias emissoras. O motivo foi o facto de este meio de comunicação ser considerado “um serviço público devotado a uma importantíssima função social” (Decreto-Lei n.º 674-C/75 de 2 de dezembro de 1975 in Reis, 2014, p. 10).

Ainda nos anos 1970, mais especificamente em 1977, ocorre a alteração ao Regulamento das Radiocomunicações de 1959. No fundo, consistiu num processo de liberalização e alargamento do limite superior de banda FM para 180MHz. Foi esta a decisão que levou ao aumento do número de rádios-piratas em Portugal (Azevedo, 2001; Santana, 2009), apesar de o boom ser geralmente situado em 1984.[21] Não obstante todas as diferenças relativas entre o contexto que potenciou as rádios-piratas em Portugal e no resto da Europa, Reis (2014, p. 13) aponta duas características similares: por um lado o desejo, por parte de indivíduos, de possuírem um meio de comunicação que escapasse aos media dominantes, que neste contexto histórico estavam muito ancorados no modelo BBC; e, por outro lado, a impossibilidade legislativa para entidades privadas desenvolverem as suas próprias emissões. Portugal, na aceção de Cordeiro (2007, p. 380), pautava-se por um duopólio ao nível radiofónico: o Estado e a Igreja, situação que potenciou o surgimento de emissões ilegais.

A todo este processo não se pode dissociar o caldo sociopolítico que possibilitou a explosão de rádios-piratas em Portugal. Além das questões mais globais acima mencionadas, impõem-se a referência a outros fatores como a abertura de cursos universitários de jornalismo; o regresso a Portugal de profissionais radiofónicos vindos das antigas colónias, particularmente de Angola, com uma cultura radiofónica inovadora em relação à que se fazia em Portugal; os processos de liberalização dos meios de comunicação social, com a abertura de novos projetos, a par da privatização daqueles que estavam sob a alçada estatal desde o período revolucionário; uma maior facilidade em adquirir os equipamentos necessários para assegurar emissões radiofónicas, entre outras questões (Reis, 2014, pp. 14-15; Cordeiro, 2007).

Relativamente ao processo do aparecimento e difusão das rádios em Portugal, Bonixe (2012), numa tentativa de sistematização, estabelece dois períodos: o primeiro, entre 1977 e 1984, que assentava na carolice, e o segundo, de 1985 e 1988, marcado por projetos mais profissionais e sustentados.[22] Foi uma explosão curta, mas intensa, que teve o seu principal impacto na descentralização e dinamização do campo radiofónico nacional, apesar da hegemonia das duas principais estações radiofónicas portuguesas nunca ter sido verdadeiramente contestada (Reis, 2014, pp. 16-17).

Um outro aspeto relevante em todo o processo remete-nos obrigatoriamente para a importância primordial que as rádios universitárias tiveram no nosso país. O caso mais antigo, e provavelmente mais conhecido, é o da Rádio Universidade de Coimbra, fundada em 1949 e que foi uma rádio-pirata até à sua legalização em 1988 (Cordeiro, 2007; Reis, 2014, pp. 20-21). Esta importância não só é devida às influências sociais, políticas e musicais junto das comunidades académicas, mas também ao facto de estas rádios se terem constituído como veículos de socialização para um elevado número de indivíduos, mormente dos que viriam a ingressar numa carreira radiofónica, profissional ou pirata. As rádios universitárias (e as rádios-piratas no geral) permitiram dotar um conjunto de indivíduos de um saber-fazer radiofónico e elétrico e de uma capacidade para conseguir realizar o seu trabalho com poucos meios, forjando uma nova escola para uma nova forma de fazer rádio, e que os marcou nas suas posteriores trajetórias profissionais.

Estava no terceiro ano de Engenharia Mecânica e a RUT (Rádio Universitária do Tejo) emitia para Lisboa inteira e fui convidado a participar num programa para levar os discos, uma DJ battle e ganhei 5 vezes consecutivas; depois, convidaram-me para ser colaborador de um programa (…). Os meus pais ficaram preocupados na altura, mas também souberam que eu era maluquinho por músicas…. E que se calhar não havia muito a fazer… [Rui Vargas, DJ, Produtor e Programador, Lisboa].

As rádios-piratas ganharam imenso com o encanto da experimentação, do erro e do prazer, que acabou por ser francamente marcante na carreira de muitos profissionais que ainda hoje estão no ativo, eu incluído [Henrique Amaro, realizador e produtor de rádio, editor, Lisboa].

No Verão de 1988, assiste-se a uma mudança fundamental de contexto, aquando da publicação da Lei da Rádio, traduzida no encetamento do processo de legalização das rádios-piratas em Portugal. Este processo termina em 24 de dezembro de 1988, com mais de 300 legalizações e com o abandono de muitas rádios das ondas hertzianas.[23] Todo este processo e contexto se fez sentir igualmente na cidade do Porto. Para aqueles que desejavam alterar o panorama cultural da cidade, as rádios-piratas foram uma possibilidade demasiado boa para deixar escapar. O blogue História da Rádio de Portugal (Silva, 2016) numera treze rádios-piratas existentes na cidade do Porto entre 1975 e 1988: Rádio Activa, Rádio Caos, RCN - Claquete Emissora do Norte, Rádio Clube do Porto, Rádio Clube Portuense, Rádio Concerto, Rádio Cultura, Rádio Delírio, Rádio Festival, Rádio Onda Livre, Rádio Placard, Rádio Polis e Rádio Universitária do Porto.

A CAOS: “VOCÊ ESTÁ A SINTONIZAR AQUILO QUE NÃO DEVIA”[24]

Fazer o Impossível. Há trinta anos um punhado de jovens planeava invadir o futuro, via éter com um kit-emissor de dois watts e, se mal o planeou melhor o executou, com mais ou menos teoria e toda a prática de impossível lá engravidamos as ondas eletromagnéticas, libertando o bipolar sistema de rádio difusão. Nos oito anos seguintes e em espírito de emissão fizemos prova de que sem Rádio Caos o futuro, as ondas eletromagnéticas e o sistema de radio-difusão entraram de novo em depressão, deflação, disfunção e imbecilidade tecnopológica [Rádio Caos, s/d].

Na enorme vaga de rádios-piratas surge, em 1982, a Rádio Caos, que foi a primeira rádio pirata portuense (Santana, 2009).[25] Apesar de ter surgido em 1982, a rádio apenas começou verdadeiramente a funcionar em 1984 e durou até 1988. Emitia na frequência 102 MHz FM, apenas sintonizável na cidade do Porto. A Rádio Caos teve a sua génese a partir de uma necessidade prosaica: era preciso reparar um transístor. Daqui resultou a iniciativa de vir a realizar-se emissões de rádio. Mas apesar de ter surgido de uma necessidade prosaica, o seu nascimento insere-se num tumultuoso ambiente cultural dos anos 1980, com um gosto pela experimentação e quebra de barreiras estabelecidas.

Ao longo da sua história, passaram pela Rádio Caos um conjunto de pessoas com vontades e desejos muito diversos.[26] Bernardino Guimarães considera “que não tem sentido enumerar pessoas. Seguramente passaram por lá centenas de pessoas que tiveram algum papel naquilo.” De qualquer forma, quer como radialistas, quer como audiência, tratava-se de uma juventude da classe média urbana, residente no grande Porto (eixo Porto-Gaia-Matosinhos), frequentadora dos cafés e espaços de tertúlia da cidade e da Universidade - designadamente das áreas de jornalismo, engenharia, letras e belas artes. Juventude urbana instruída, masculina primordialmente: pois na década de 1980, o espaço público de ação e sociabilidade no Porto ainda era objeto de uma dominação masculina acentuada.

O objetivo primordial desta rádio consistia na problematização da situação cultural na cidade do Porto, cidade que consideravam cultural e esteticamente parada no tempo.[27] Ou seja, o propósito, e sem desconsiderar o prazer e as fortes sociabilidades que aí se forjaram, era bem sério. Existia a preocupação em estimular a participação de várias associações locais, de forma a estabelecer uma ligação entre a rádio e contexto local onde se encontrava inserida. Consistia numa “necessidade regional, nunca um veículo importado, brincadeira ou passatempo. (…) uma consequência da própria democracia” (in Mendes e Macedo, 1983, p. 17)

Dada a estagnação da cidade, nomeadamente no que respeita a locais de lazer, como discotecas e lojas de discos, as rádios-piratas detinham um importante papel de divulgação musical da nova música que se ia fazendo em Portugal ou no estrangeiro.[28] Uma clara alternativa face às emissoras legais e ao que percecionavam como a “macrocefalia que vigora na rádio portuguesa” e, desta forma, dar “expressão ao poder da fantasia e do maravilhoso, quebrando os dogmas conservadores que atrofiam a radiodifusão portuguesa” (Guerra, 1983, p. 24). José Carneiro, membro da Rádio Caos, em outra entrevista (Bonjour, 2012), afirma que “era uma altura em que havia rockabilly, psychobilly, punk, skinheads, góticos e tudo isso gerava conteúdos musicais muito específicos, alternativas àquilo que era universalmente aceite e apreciado, como o fado” (Carneiro in Bonjour, 2012). Notamos, portanto, uma preocupação eclética, associada a uma forte criatividade e vontade de intervenção:

Na Caos foi sempre ponto de honra albergar todo o tipo de experiências musicais e estéticas “fora da caixa” - mesmo as de qualidade muito desigual - e é assim que fenómenos como o punk e as estéticas alternativas não podiam deixar de surgir com alguma força - a Caos era a referência das inúmeras bandas que proliferavam na cidade e interligava-se com muitos fanzines que estavam longe de serem apenas sobre música. Recordo a atenção que foi dada sempre aos autores portugueses [entrevista a Bernardino Guimarães].

Uma outra preocupação desta Rádio prendia-se com a difusão de notícias sobre a realidade local, uma vez que os media generalistas pouca relevância conferiam aos problemas locais. Este facto potenciava a própria difusão das rádios-piratas, cativando assim um conjunto de ouvintes insatisfeitos com as opções jornalísticas e editoriais das rádios dominantes.

A esta preocupação com o localismo associava-se uma preocupação em estabelecer uma comunicação democrática (Williams, 1963). Ou, segundo palavras de António da Silva Oliveira, “rádio-poesia”, uma rádio que almejava “quebrar uma barreia” entre o “fazedor de rádio e o ouvinte”, que recorria, nesse sentido “à linguagem do povo”, procurando “intervir com as pessoas”. Não é, portanto, acidental que Mendes e Macedo (1983, p. 16) caracterizassem a Caos como uma “rádio carnal”. A nível estético-cultural, segundo António da Silva Oliveira, a Rádio Caos situava-se no chamado Movimento Literário dos anos 1980, que redundou numa “importância política tremenda”, sendo que “as rádios livres foram as únicas que encostaram o poder à parede”:

Hoje temos o que mais desejavam os surrealistas. O livro/texto evapora-se nas ondas hertzianas e suicida-se na imaginação do ouvinte. Fazer rádio livre é ser poeta; ultrapassar/liquidar o movimento de livre difusão é ser pós-poeta [entrevista a António da Silva Oliveira].

Simultaneamente, a importância da Rádio Caos ultrapassava o facto de ser uma rádio de livre informação e publicação, já que atuava num espaço em que era possível levar a cabo experimentações culturais, em que se destacava, por exemplo, um “movimento fanzineiro” que emergiu no seio desta rádio. Na verdade, praticamente todos os programas emitidos possuíam um fanzine com um propósito de divulgação (Alexandre, 2013). Por outro lado, e ainda nesta ótica de romantismo radiofónico de uma “rádio de palavras”, a Rádio Caos procurou reabilitar o teatro radiofónico: o caso mais conseguido foi a Correspondência Amorosa entre Salazar e Marilyn Monroe.

A nível organizativo, a Rádio Caos possuía características que são de salientar: apesar do seu inicial e grande objetivo de ser uma organização autogestionária, completamente livre de burocracias e com caminho aberto para um maior experimentalismo e liberdade criativa, a verdade é que desde muito cedo foi necessário estabelecer a Rádio Caos como uma cooperativa[29] que fornecesse uma base legal, mínima, e que abrisse as portas para uma potencial legalização. O que é interessante e paradoxal: apesar de ser uma rádio-pirata e de criticar fortemente o establishment radiofónico, a Rádio Caos nunca deixou de ponderar a possibilidade de se legalizar. Porventura, a legalização possibilitaria a concretização plena da sua missão: “O que queremos acima de tudo é comunicar, estabelecer uma comunicação de ruptura perante as exigências de integração num espírito novo. Tudo isto, tendo em vista a proposta de uma alternativa aos modelos tradicionais de fazer radio” (António da Silva Oliveira in Guerra, 1983, p. 24).

A constituição enquanto cooperativa permitiu um duplo registo em termos organizativos. Por um lado, enquanto cooperativa, com as contas em dia e órgãos eleitos; por outro lado, enquanto organização informal, assente numa “prática de assembleia onde muitas coisas podiam ser geridas com maior participação e liberdade” (entrevista a Bernardino Guimarães). Por exemplo, para além de se ter vindo a constituir como cooperativa, em que todos os membros pagavam quotas, levavam material próprio, etc., consistia numa nova forma de experienciar a rádio, completa, em que cada um possuía inúmeras funções na cadeia de produção e emissão. Um pouco de amor pelo necessário, mas, acima de tudo, uma filosofia DIY, uma forma de empoderamento e de celebração da individualidade, autonomia e criatividade, sem necessidade de recorrer às lógicas dominantes de produção e/ou consumo (O’Connor, 2008). Consubstanciava-se, assim, uma praxis DIY onde o trabalho de cada um era substituído por um desejo intersecional de alcançar a criatividade e construir uma comunidade (Eversley, 2014, p. 35). Os próprios apoios e publicidade da Caos eram sintomáticos disso mesmo: a loja de discos Tubiteck cedia alguns discos; a discoteca Griffon’s e o bar Lá Lá Lá disponibilizavam algumas entradas como prémio de concursos.

Impõe-se ressalvar que esta rejeição de um tecnicismo despersonalizante e alienante não é sinónimo de amadorismo. A Rádio Caos chegou inclusivamente a realizar inovações técnicas, como uma emissão a partir de Vilar de Mouros, da Torre dos Clérigos, entrevistas a membros do Frente Democrático Revolucionário, de El Salvador, da Comissão Justiça e Paz, da Guatemala, a realização de concertos - nomeadamente dos Bourbonese Qualk em março de 1987 -, entre outras atividades (Mendes e Macedo, 1983, p. 17).

Quem colaborasse com a rádio pagava uma quota e era sócio da Caos. Tinha de ser assim para controlar a cena, até porque na altura uma agulha de vinil custava mil escudos. Os gajos chegavam lá com uma ideia e eu não gostava de dizer que não, ia para o estúdio com eles e via. Ao fim de cinco minutos dizia “estás a ver como é que isto funciona? Tens de estruturar o programa para cinquenta minutos” [entrevista a António da Silva Oliveira].

Não obstante todo o processo de rutura, inovação e disrupção que temos vindo a descrever, impõe-se assinalar o facto de estarmos perante um projeto que, durante oito anos, não deixou de possuir as suas próprias idiossincrasias, vicissitudes e dificuldades. Note-se, por exemplo, que António da Silva Oliveira assumia o papel de líder. O protagonismo e a ação de Oliveira, patentes designadamente nos seus programas - acutilantes, irónicos -, conduziram a várias manifestações por parte de alguns membros da Rádio Caos, nomeadamente tentativas de dissuasão dessa direção. Destes processos resultaram cisões e, destas, inclusive, a fundação, em 1985, de um novo projeto - a Rádio Delírio. Nas suas palavras:

Todos os colaboradores podiam publicar, mas passava tudo pela minha mão primeiro. Isso era obrigatório, senão aquilo tinha acabado antes. (…) Eu não tinha de selecionar nada, mas quando mandavam os esboços eu pedia para eles trabalharem aquilo melhor e alguns ficavam ofendidos e não apareciam mais, mas outros não [entrevista a António da Silva Oliveira]

A par do percurso iminentemente interno e respetivas dificuldades, merecem ser assinaladas algumas dificuldades externas, ainda que estas possam ser expectáveis, revestidas de alguma estruturalidade, uma vez comuns a todas as rádios-piratas. Considere-se, não só, as dificuldades que provinham diretamente das entidades fiscalizadoras, que obrigavam que a sede da rádio rodasse para evitar que o local fosse conhecido de antemão pelas entidades fiscalizadoras (Reis, 2014, p. 19), como também as advindas da concorrência com outras rádios-piratas e legalizadas - que exigiam respostas céleres no sentido de manter as audiências.

Depois, para o final, é que começaram os lobos a querer atacar a Caos porque pensavam que era uma grande estrutura. Nós ainda lutamos para legalizar a rádio, mas depois começamos a ver que não podíamos lutar contra certas rádios [entrevista a António da Silva Oliveira].

A história da Rádio Caos pode ser dividida em dois períodos. O primeiro, que vai até 1985, denominado por Bernardino Guimarães como “romântico” ou “nómada”, em que a ausência de um estúdio próprio fazia com que as emissões fossem intermitentes e tecnicamente problemáticas, além da rotação dos locais de emissão como mencionado anteriormente. Porém, a partir de 1985, e até ao seu término, a Rádio Casos entra numa segunda fase mais profissional: a aquisição, em 1985, de instalações próprias e com qualidade, na rua de Santa Catarina, o que implicou um salto de qualidade e maturidade. Uma situação que ainda se desenvolveu mais no ano seguinte, em finais de 1986, com a mudança para um estúdio mais sofisticado na Praça da República, que lhe permitiu desenvolver um trabalho mais organizado e expandir a sua acção para áreas como a informação. Apesar de a Rádio Caos ser alvo de fiscalizações pelo facto de ser uma rádio-pirata e ser alvo das rádios que monopolizavam as ondas hertzianas portuguesas, por vezes surgiam apoios inesperados:

É verdade, quando nós fomos falar com o Secretário de Estado eles disseram que a rádio não foi apagada porque havia um juiz do Porto que disse que aquilo era cultura e não deixava intervir, isto é importante [entrevista a António da Silva Oliveira].

Porém, independentemente dos apoios, ainda que inesperados, não foi possível impedir o seu inevitável encerramento. Com a Lei da Rádio, publicada em julho de 1988, e a subsequente legalização das rádios-piratas em Portugal, muitas destas não sobreviveram. A Rádio Caos foi uma delas: em 1988, ouviu-se a última emissão desta rádio nas ondas hertzianas. Uma emissão emotiva que durou uma noite inteira. Bernardino Guimarães adianta que:

A luta pela legalização tinha-nos levado até aos deputados da Assembleia da República e à organização de encontros nacionais de rádios livres e locais (…) Mas foi a legalização que acabou calando o que os perigos da ilegalidade nunca tinham conseguido - o fim da voz da Caos. Fomos capazes de apresentar, num esforço titânico, um projeto completo de candidatura a uma frequência, e nem ficámos mal classificados. Mas abaixo da linha de água que o governo impôs e implementou. Objetivamente, o que aconteceu foi um processo intencional para destruir o movimento das rádios livres em tudo o que tinham de originalidade. [entrevista a Bernardino Guimarães]

Da Rádio Caos sobrevive, acima de tudo, o que ela própria foi enquanto projeto e, sobretudo, manifestação cultural: um espaço de intensas sociabilidades, de experimentação, em que indivíduos com trajetórias e interesses similares vivenciavam todo um universo dos possíveis estético-cultural, pondo à prova as suas ideias mais experimentalistas. Um espaço de pertença, e por isso uma comunidade de afetos, de orientações estéticas e políticas: “A Caos não é nenhum sítio de emoções fracas, nenhum ‘dancing’, nenhum centro de repouso. É assumidamente um lugar de prazer, um espaço de interpretação” (Oliveira in Guerra, 1983, p. 24).

A CAOS FECHOU OS MICROFONES EM 1988 PARA NÃO VOLTAR ÀS ONDAS HERTZIANAS. MAS O CAOS NUNCA ACABOU

O caso da Rádio Caos poderá ser entendido como emblemático e precursor, dada a sua relevância exemplificativa de um contexto de mudança social e cultural. De igual modo, não podemos esquecer o facto de as rádios-piratas terem sido um “tubo de ensaio” para muitos jovens de então. Um fenómeno que os marcou indelevelmente nas suas disposições e trajetórias, nomeadamente profissionais, com vários destes radialistas piratas a tornarem-se jornalistas, radialistas profissionais, músicos e DJs; as suas disposições e saber-fazer adquiridos nas rádios-piratas influenciariam a forma de fazer rádio, jornalismo e música em Portugal. A Rádio Caos, durante os seus anos de existência, foi um caso exemplar das mudanças socioculturais que afetaram a cidade do Porto e o país em geral: a busca de novas fruições culturais que rompessem o existente e, acima de tudo, a procura de um cosmopolitismo que tardava em chegar. Estas preocupações encontram nas rádios-piratas um meio de luta, plasmada numa maior preocupação em romper, neste caso, com o domínio dos grandes meios de comunicação social, e uma forma de tecer uma relação mais localizada e aproximada entre os media e os seus públicos. Então porque acabou a Rádio Caos?

Nós seguimos um modelo que foi semelhante ao que aconteceu em França. (…) Eu lembro-me que nas primeiras entrevistas que demos nós dizíamos que não eramos legalizados porque não havia um quadro legal e quando houvesse nós candidatar-nos-íamos. E mais, muitos disseram isso e não cumpriram. Chegou ao fim e fizeram uma lei que era totalmente desigual e armadilhada para rebentar todos os projetos que tivessem independência, já no Governo do Cavaco em 1987/1988, mas nós esfolámo-nos todos, financeira e em termos de trabalho, e apresentámos um projeto de candidatura com estudos técnicos e económicos e até com grelha. Porque é que isso não foi para a frente? Porque o Porto tinha cinco frequências, ou seja, legalizaram cinco rádios e nós ficámos em oitavo lugar, acho eu. Portanto, ficámos de fora, atolados de dívidas e sem condições de continuar [entrevista a António da Silva Oliveira].

Importa salientar que, apesar do seu desaparecimento após a Lei da Rádio de 1988, a recordação das atividades da Caos perdura até hoje, em grande parte devido ao trabalho assinalável de um pequeno grupo de entusiastas - o que Bennett e Jansen (2016) denominam de preservacionismo DIY. Isto é, entusiastas que se dedicam à preservação das memórias de fenómenos culturais (geralmente) locais e que são secundarizados pelas narrativas oficiais. Basicamente, estamos a referir projetos que emergem das comunidades de fãs de música popular: onde alguns grupos de pessoas interessadas criam lugares (físicos e/ou online) para armazenar e exibir algumas materialidades da cultura musical (Flinn, 2007 e 2010). Nestes lugares, as pessoas (largamente entusiastas e voluntárias) não são especializadas em tarefas associadas ao arquivo e à preservação deste património, mas desenvolvem competências próprias para darem seguimento à preservação de memórias e de materialidades que o valorizam (Baker e Huber, 2013). E não é por acaso que na atualidade António da Silva Oliveira e Bernardino Guimarães procuram recolher, catalogar e divulgar toda a informação relativa à Rádio Caos, usando para tal algumas das ferramentas da internet: blogues e páginas de Facebook. Trata-se de um trabalho de recuperação e preservação de memórias e de afetos para o grupo de entusiastas da Caos, para a comunidade, para a geração dos jovens dos anos 1980, que descobriram a música alternativa pela rádio.

 

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Recebido a 28-02-2018.

Aceite para publicação a 21-11-2018.

 

[1] Tanto o acrónimo DIY como a expressão “do-it-yourself” têm vindo a tornar-se de uso corrente. Referem-se, frequentemente, a um modo de produção musical - simbólico e ideologicamente distinto dos circuitos comerciais da indústria popular massiva. Habitualmente, destacam-se dois marcos históricos ao longo do século XX associados à sua emergência: a ação Internacional Situacionista nos anos 1950 e a eclosão do punk em finais da década de 1970.

[2] A expressão “rádio pirata” foi usada pela primeira vez em 1952 quando um navio norte-americano, aportado em Rodes, transmitiu a Voz da América para o sudeste da Europa (Peters, 2011).

[3] As expressões “cena alternativa” ou “música alternativa” decorrem da discursividade dos entrevistados e eram de uso recorrente nos anos 1980 em Portugal para significar a adesão a uma sonoridade e estética pós-punk.

[4] António da Silva Oliveira (n. 1958) foi (e é) uma figura central do movimento underground portuense e nacional. Escritor, poeta, editor e performer.

[5] No quadro do desenvolvimento de um projeto de doutoramento acerca do rock alternativo português (1980-2010) onde foram entrevistados 196 agentes-chave da cena musical e artística alternativa portuguesa (Guerra, 2010). Essa mesma informação foi complementada com a realização de duas entrevistas em profundidade a António da Silva Oliveira e Bernardino Guimarães em janeiro de 2017, cujo foco se situou particularmente na Rádio Caos. Mais recentemente, em julho de 2018, foram realizadas mais duas entrevistas aos mesmos protagonistas tendo como objetivo esclarecer, explicar e compreender as dimensões de abordagem da Rádio Caos, especificamente no tocante à grelha de programação, radialistas participantes e principais marcos evolutivos.

[6] Expressões inspiradas em textos dos fanzines portuenses Confidências do Exílio (1985) e Tosse Convulsa (1988).

[7] Através da apresentação da candidatura ainda em 1977, e da efetiva adesão em 1985.

[8] Em 1981, a taxa de analfabetismo era de 18,6%, a mais elevada do continente europeu.

[9] A década de 1970 constitui um período dourado da imprensa portuguesa, com 1316 jornais e periódicos - um claro aumento face aos 468 da década de 1960. O cinema, por outro lado, com o fim da censura, conheceu um boom na década de 1970: 32,8 milhões de espetadores em 1974 e 40,5 milhões em 1976. Números que decaíram para cerca de sete milhões de espetadores até à década de 1990. Loff (2006, p. 161) refere que uma das razões para esta pujança do cinema remete para o impacto tardio da televisão em Portugal, que apenas surge em 1957 e sem cobertura em todo o território nacional. Por exemplo, em 1967 calcula-se que apenas um quarto da população nacional acedesse à televisão; entre 1985 e 1988, nos meios urbanos, o patamar atinge quase os 90% em termos de espetadores de televisão (nos meios rurais não ia para além dos 67%); em 1984, apenas 24% da população possuía televisão a cores. Relativamente à leitura de livros: em 1988 cifrava-se, para Portugal, em 59%, muito abaixo dos países nórdicos ou da França, que registavam valores acima dos 70% (Freitas e Santos, 1992). O consumo regular de teatro em Lisboa não ultrapassava, em 1988, os 3%. Reportando-nos ao mesmo marco temporal, encontramos a mesma escassez nas saídas musicais: em 1988, o público habitual, em Lisboa, para concertos de música pop-rock não passava dos 4%, subindo 7% para um público ocasional (Pais et al., 1994).

[10] Além do boom do rock português, podemos também falar da constituição de um ambiente sonoro na juventude portuguesa: no período compreendido entre o final da década de 1980 e primeiros anos da de 1990, 60% dos jovens portugueses diziam ouvir diária e regularmente rádio e 80% música. Por outro lado, verificava-se uma exiguidade no acesso aos suportes audiovisuais (Pais et al., 1994).

[11] Sem falar de vários outros programas importantes na cena musical portuguesa, tais como programas como Meia de, Pop/Top/Rock, Nós por Cá, Cor do Som, TNT, O Fogo e o Gelo, O Crepúsculo dos Deuses.

[12] Regressando ao boom do rock português, Magalhães (2003), num exercício de síntese, estabelece três ciclos: um de explosão comercial e mediática a que ficaram ligados os UHF, os Táxi, os GNR e Rui Veloso, entre outros; outro de apogeu comercial ligado aos one-hit-wonders, associado ao Grupo de Baile e aos Roquivários por exemplo; e um terceiro mais orientado para o futuro, dada a importância conferida a novas experiências estilísticas.

[13] O Luís Armastrondo foi o espaço por excelência de concertos no Porto nos anos 1980.

[14] Para uma análise mais detalhada dos fanzines portugueses, cf. Guerra e Quintela (2016).

[15] “Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer, e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza, ele põe em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos. O rizoma não se deixa reduzir nem ao uno nem ao múltiplo (…) Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades” (Deleuze e Guattari, 1995, p. 31).

[16] Daí a grande importância, e presença, de pessoas com conhecimentos de eletrónica, profissionais ou amadores, no seio destes grupos.

[17] Cada rádio-pirata, ou tipologias de rádios-piratas como a postulada por Aguilera (1985, pp. 150-151): sociais, políticas e epicúrias, implica diferentes níveis de compromisso no combate contra a anomia comunicacional.

[18] As inovações tecnológicas têm aqui o seu papel: os desenvolvimentos na produção de rádios cada vez mais baratos e pequenos permitiu que os jovens criassem o seu próprio espaço musical (até então dominado pelos seus pais) e desenvolvessem identidades musicais e subculturais (Van Dijck, 2007).

[19] Para uma análise do caso francês, marcado igualmente por um forte centralismo dos meios de comunicação, confrontar Bradley (1991).

<[20] Pirata, s. m. aquele que cruza os mares para roubar navios; corsário; navio de piratas; ladrão (Dicionário da Língua Portuguesa, 1999, p. 762).

[21] O que foi um regresso aos primórdios dos tempos radiofónicos portuguesas, já que em Portugal as primeiras rádios foram feitas por aficionadas, os senfilistas, com os seus próprios equipamentos (Reis, 2014, p. 9).

[22] De realçar a Comissão Coordenadora das Rádios Livres Portuguesas, um grupo de pressão, que foi fundado após o I Encontro Nacional na Junta de Freguesia de Canelas, em Vila Nova de Gaia, a 29 de maio de 1983 (Reis, 2014, p. 21).

[23] É particularmente interessente analisar as semelhanças do caso português e espanhol. Neste país, as rádios livres nasceram nos finais da década de 1970, aproveitando o período da transição que se iniciou após o falecimento de Francisco Franco, em 1975. Inicialmente o centro deste movimento de rádios livres foi a Catalunha, que recebia mais facilmente as influências dos movimentos alternativos franceses e italianos. Porém, depressa Madrid, na década de 1980, se converteu no epicentro do movimento da rádio livre espanhola, essencial para se compreender as lutas sociais nesse marco histórico. À semelhança do caso português, em Espanha o final foi decretado por uma lei em tudo semelhante à Lei da Rádio portuguesa: a Ley de Ordenación de las Telecomunicaciones, de 1989.

[24] In Guerra (1983, p. 24).

[25] Os membros da rádio recusavam o epíteto de “pirata”: “Não curtimos o carisma de clandestinidade” (in Mendes e Macedo, 1983, p.16). De igual modo, o nome, que nada tem de inocente e que denota um claro desejo de confronto, é proveniente de uma quinta de um dos fundadores em Vila Nova da Gaia, chamada Caos.

[26] Não nos foi possível identificar todos os membros da Rádio Caos. Entre os vários membros encontramos Alberto e Luís Guimarães, Alexandre Vieira, Alfredo Alexandrino, Alfredo Bastos Silva [Fritz], Alfredo Leite, António da Silva Oliveira, António Salvador, Armando Queirós, Bernardino Guimarães, Carlos Vieira, David Pontes, João Nuno, Marcelino Valente, Nuno Alaio, Óscar Pinho, Ricardo Alexandre, Sandra Pereira e Davi Soldstein.

[27] Um dos objetivos a médio prazo da rádio passaria por “gradualmente a ser uma rádio local, ligada ao imediato temporal e espacial que nos envolve” (Hermenegildo in Guerra, 1983, p. 24).

[28] Devido ao seu ecletismo, a Rádio Caos não pode ser associada a um determinado género ou influência musical. Entre vários programas, o Melografias, em que se divulgava, de forma integral, praticamente todos os géneros musicais, desde a música erudita até a musicalidades não-ocidentais. De realçar os nomes iconoclastas dos vários programas: Punhetas de Wagner, Leite, Literatura e Assassinos, Os Cogumelos da Masmorra, Os Binários do Planeta em Vigor, Chiu que o Pai está no Penico, Correspondência Amorosa entre Salazar e Marilyn Monroe, Estudos 69, A Mafia das Máscaras, A Tampa do Lixo, Beijinhos e Abraços, entre outros.

[29] A rádio designava-se como “Rádio Caos, Cooperativa de Responsabilidade Limitada” desde janeiro de 1985 e tinha como cooperantes os seguintes cidadãos: José Manuel de Almeida Freitas Hyde, Alfredo Manuel Bastos da Silva, Luísa Maria de Campos Ferreira Gomes, Alexandre Manuel Vieira da Silva e Sousa, Bernardino Luís de Moura Machado Guimarães, Alfredo Alexandrino Pereira Monteiro, Carlos Eugénio Vieira da Silva e Sousa, Joaquim António da Costa Ferraz, Miguel Mendonça Ferreira, Vitor Manuel Peixoto Ferreira da Silva e António José Ribeiro - todos residentes no concelho do Porto; António da Silva Oliveira, residente no concelho de Vila Nova de Gaia; e Acílio de Sousa Castro, residente no concelho de Gondomar.

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