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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.229 Lisboa Dec. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018229.15 

RECENSÃO

Levitsky, Steven, Ziblatt, Daniel

How Democracies Die,

Nova Iorque, Crown Publishing, 2018, 312 pp.

ISBN 9781524762933

George Bronzeado de Andrade*

* Universidade Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rego, 1235, Cidade Universitária - cep 50670-901 Recife, PE, Brasil.


 

Em tempos de “abalos sísmicos agudos” na estrutura institucional dos regimes democráticos e crise disseminada pelas “promessas não cumpridas” pela poliarquia dahlniana, uma recentíssima obra lançada em 2018, traz importantes contribuições teóricas e empíricas para se compreender os gargalos e desafios do regime democrático no mundo pós-moderno. Sob o epíteto direto de How Democracies Die (2018), os cientistas políticos norte-americanos Daniel Ziblatt e Steven Levitsky (que desenvolvem estudos sobre a democracia há mais de 20 anos), buscam entender os acidentes e percalços que percorrem as democracias no mundo, tentando identificar as causas do seu desmoronamento institucional e consequente fenecimento. Levitsky e Ziblatt (2018) trabalham com inferências baseadas em sólida perspetiva histórica, trazendo às páginas teóricas da obra evidências de casos concretos para amparar as conclusões do estudo. Uma das constatações definitivas, é que as democracias não sucumbem do dia para a noite pelo efeito devastador de uma “hecatombe nuclear” ou de um “apocalipse político”, mas que se vão deteriorando paulatinamente até morrer, com a conivência, leniência ou omissão dos atores políticos que compõe o sistema democrático.

Muitas das considerações e reflexões trazidas pelo pensamento de Levitsky e Ziblatt merecem a devida ponderação por parte de políticos, membros das instituições, membros dos poderes constituídos, eleitores e da própria academia, sobretudo atenção especial pelo pensamento dos politólogos americanos e europeus, onde residem as democracias mais solidamente estruturadas do mundo democrático. As inferências teóricas dos académicos estadunidenses, produzidas por um modelo robusto que alia o estudo da perspetiva histórica à pesquisa de cunho empírico, oferecem plausíveis respostas que, se não explicam todas as desrrazões, vícios e desvirtuamentos do modelo democrático do mundo atual, demonstram grande capacidade e poder explicativo, para ao menos, entender os perigos a que estão sujeitas as democracias pelo mundo, inclusive o perigo tratado por Tilly (2007), como o risco da desdemocratização.[1]

Num primeiro quinto de século (XXI) em que as democracias, após a terceira onda democrática huntingtoniana, estão afetadas por uma profunda desconfiança por parte dos nacionais dos Estados democráticos, vivencia-se um período sombrio que ameaça uma derrocada do institucionalismo democrático. Os regimes democráticos, vergados pelo liberalismo exacerbado instigado pelo sistema capitalista (cada vez mais predatório), têm dado constantes sinais de fraqueza e desmoronamento em diversos flancos de análise. As democracias combalidas pelo aumento da desigualdade social que a globalização hegemónica pretendeu falsamente diminuir, desestruturadas pela precarização de direitos da população em benefício do capital rentista e da financeirização da economia, marcadas pela fragilização sindical, desarticuladas pelo aumento da pobreza das populações, pelo crescimento da xenofobia relacionada com as crises migratórias provocadas por guerras, assombradas pelo terrorismo e pelo empobrecimento cada vez maior do mundo periférico, dão o alerta para o perigo da derrocada do sistema que na sua epigénese foi inspirado pelos ideais de justiça, igualdade, distributividade, respeito aos direitos das minorias e ao pluralismo de pensamento. É diante dessa mistura explosiva que ameaça os sistemas democráticos mundo afora, que a obra de Levitsky e Ziblatt pode ser útil, ou pelo menos importante para o não agravamento da crise já instalada. E nesse diapasão, a preocupação central dos autores é proteger o sistema democrático de ruturas institucionais radicais, insufladas por outsiders oportunistas (candidatos políticos estranhos ao mundo da política), que diante da crise político-institucional emergem com discursos populistas que tendem para o autoritarismo, seduzindo não raras vezes os eleitores.

Na empreitada de defender a sobrevivência das democracias, Levitsky e Ziblatt alertam que, para a manutenção de um sistema minimamente democrático em pleno funcionamento, é necessária a manutenção de “filtros” dentro do sistema, uma espécie de porta de proteção, portarias ou “guardiões” (gatekeeping), que impeçam a entrada de “estranhos” no mundo político, sobretudo nos momentos de crise. Uma das chaves para a manutenção do sistema em bom funcionamento é o “barramento” destes outsiders, que não raras vezes ascendem ao poder com discursos populistas de “salvadores da pátria”, candidatos que se “deíficam” como portadores de uma “ética” superior e uma “honestidade” acima do mundo da política. Comumente, esses outsiders conquistam votos dos eleitores insatisfeitos com a degradação do sistema político. O poder elucidativo do modelo dos autores, nesse caso, é tão eficaz que pode explicar, por exemplo, realidades de crises bastante distintas, como a do caso brasileiro[2] e a do caso europeu. Na fenomenologia da disfunção institucional brasileira, o cenário de crise vivenciada pelo desvelo das entranhas pouco republicadas do poder, provoca no eleitorado uma inevitável aproximação de propostas populistas por outsiders oportunistas, que aproveitam o momento agonizante vivido pela população, para seduzir o eleitor com soluções “milagrosas”, estimulando uma espécie de busca por um “super político”. As relações espúrias desnudadas pela operação anti-corrupção, entre a classe política brasileira - o que vai muito além do que a ciência política chamou eufemisticamente de porks[3] - e a casta de grandes empresários brasileiros, evoca no eleitorado uma tentativa desesperada de banir os políticos (de um modo generalizado) do mundo político, apostando nos “estranhos” neófitos ao mundo da política, o que é perigoso. No caso europeu, e pensando apenas na crise democrática que decorre da questão migratória, o perigo dos outsiders e das propostas salvacionistas de que falam Levitsky e Ziblatt na política do velho mundo, é a busca pelo eleitor europeu, de refúgio em propostas radicais e xenófobas, que prometem erradicar para sempre do continente um suposto mal provocado pelo “intruso”, o “estranho”, rótulos que muitas vezes se aplicam aos já fragilizados imigrantes. Isso explicaria a simpatia da população por partidos de extrema direita e a sua margem de ascensão em países como a Alemanha, França e Itália. Nesse sentido, o sociólogo polaco Zygmunt Bauman[4] observou que existe uma espécie de “pânico moral” que se disseminou e se abateu sobre a população da Europa com a crise migratória, provocando a aproximação do eleitor europeu em relação a outsiders e a políticos da extrema direita (Bauman, 2017, pp. 8-9).

Tanto no caso da crise institucional brasileira, quanto na crise da democracia europeia, as lições de Levitsky e Ziblatt (2018, pp.18-19) sugerem a necessidade de união dos partidos e dos políticos do sistema democrático, para o exercício da atividade de filtragem de candidatos com vieses autoritários e populistas, ambas características deletérias à democracia. Para os autores, o antídoto para o populismo e autoritarismo dos oportunistas outsiders que “surfam” na crista das crises da democracia deve ser ministrado pela via “venosa” institucional. Ao invés do rompimento e destruição do sistema para posterior reconstrução (o que é incerto que ocorra), deve-se fortalecê-lo, combatendo por dentro os “germes” que afetam as instituições democráticas, e não destruindo o organismo vivo da democracia. Essa tarefa de blindagem do sistema democrático deve ser posta em prática através dos partidos políticos. Para Levitsky e Ziblatt, foi esse sistema de filtragem que forjou uma democracia tão longeva nos Estados Unidos, embora a eleição de Donald Trump tenha acendido o sinal de alerta na América no Norte, o que supõe que o sistema institucional democrático norte-americano precisa de reforço.

Levitsky e Ziblatt reforçam a sua teoria comparando casos históricos, porém aplicando e confirmando o modelo teórico aos casos do presente, pois como bem disse há muito o literato norte-americano Mark Twain, “a história não se repete, mas rima”. Com esse olhar voltado para o passado histórico, tratam de casos de ditaduras fascistas, como a de Benito Mussolini em Itália; fazem referência ao regime nazi de Hitler na Alemanha; trazem à baila o recente caso de Hugo Chaves na Venezuela, entre outros exemplos históricos, como o de Getúlio Vargas no Brasil, Perón na Argentina, o caso do atual regime de Recep Tayyip Erdogan na Turquia e o fenómeno mais detalhadamente analisado, a eleição controversa do presidente Donald Trump nos EUA. Os autores demonstram que na imensa maioria dos casos, o próprio sistema político-democrático falhou ao exercer o seu poder de exclusão e afastamento de outsiders perigosos ao sistema democrático. Pior ainda, o sistema não somente foi exageradamente permeável na seleção política, mas cooptou figuras como Hitler, Chaves e Trump, colocando personagens de perfil autoritário, populista e antidemocrático no comando de nações como a Alemanha, Venezuela e EUA, implodindo o próprio sistema por dentro. Para Levitsky e Ziblatt, a subversão da democracia inicia-se quando o próprio sistema permite, através dos partidos políticos, a cooptação de figuras populares com discursos populistas para disputar as eleições. Isso acontece porque os partidos pretendem maximizar as suas chances eleitorais, no intuito de aumentar as bancadas no parlamento e eleger o maior número de candidatos para o executivo. Os partidos e seus líderes assumem uma responsabilidade que pode fugir ao controlo ao cooptarem os outsiders, tendo em vista que não há mecanismos eficientes para supor que exercerão algum domínio sobre esses candidatos “forasteiros” da política, o que invariavelmente, como mostram os autores, se revela um grande problema. Muitas vezes, essas “crias” eleitorais (candidatos que não fazem parte do meio político) atravessam rapidamente a ponte do discurso populista para o autoritarismo, ao assumirem o comando do sistema pelas vias eleitorais, o que legaliza e legitima a sua ação. Em grande parte dos exemplos históricos trazidos pelos autores, o regime comandado pelos outsiders originou alguma espécie de autoritarismo. Os autores lembram os casos de Hitler e de Mussoline, sugados para o interior do sistema com a conivência de líderes e partidos políticos, assim como o caso recente de Chaves na Venezuela, um político de perfil autoritário que ascendeu ao poder com o assentimento e a legitimidade dos partidos políticos, por via legal. Vale lembrar que em tempos de crise institucional, como a encruzilhada em que se encontra a política brasileira dos últimos anos, às vésperas de eleições presidenciais[5], o alerta dos autores para a preocupação com outsiders populistas, e com os seus discursos de uma ética superior, pode ser de grande utilidade política.

Com a preocupação da derrocada da democracia para o autoritarismo, Levitsky e Ziblatt constroem um modelo teórico baseado na obra do cientista político Juan Liz, The Breakdown of Democratic Regimes” (1978). Os pensadores norte-americanos erigiram importantes parâmetros para filtragem dos candidatos inadequados ao regime democrático. Deve-se mensurar, segundo os autores, quatro sinais comportamentais fundamentais dos atores: em que medida os candidatos rejeitam, através de ações ou palavras, as regras do jogo democrático; em que medida esses candidatos negam a legitimidade política dos adversários; em que medida toleram ou encorajam a violência, e em que medida os candidatos dão sinais de que pretendem reduzir as liberdades dos oponentes e da oposição, sobretudo no que tange aos media (Levitsky e Ziblatt, 2018, p. 18). Para os autores da obra, os candidatos políticos que pontuam alto segundo os critérios acima citados são extremamente perigosos para o sistema democrático, e curiosamente, eles constatam, segundo a própria teoria, que o último presidente eleito dos EUA, Donald Trump, se enquadra nesse perfil. Para os cientistas políticos, os “guardiões”[6] da democracia norte-americana falharam miseravelmente em “filtrar” o candidato republicano, um outsider oriundo do mundo dos negócios e do show business, que se revelou um “quebrador” de regras democráticas em série. Conforme demonstram exaustivamente os autores no capítulo 8 do livro, uma dezena de atos do presidente norte-americano, logo no primeiro ano de presidência, desrespeitaram “acordos tácitos” ou regras não-escritas, ou informais, inerentes ao jogo democrático (idem, pp. 98-114). Para os estudiosos de How Democracies Die, os “guardiões” do sistema político norte-americano vêm falhando frequentemente, à medida que se tornam cada vez mais permeáveis aos candidatos populistas. Segundo os autores, de 1945 a 1968, somente Eisenhower conseguiu furar o bloqueio dos gatekeeperes, como um “forasteiro” do sistema político. Enquanto isso, entre 1972 a 1992 (período em que se iniciaram as regras das primárias), oito candidatos “estranhos” ao sistema concorreram ao pleito presidencial, num aumento dos outsiders ao pleito presidencial. Por sua vez, entre 1996 e 2016, 18 candidatos estranhos ao sistema disputaram as eleições presidenciais norte-americanas, o que confirma a constatação da fragilização do sistema de filtragem apontado pelos autores.

Para os politólogos de How Democracie Die, os partidos políticos, sobretudo no mundo subdesenvolvido, buscam aumentar o seu coeficiente eleitoral e aumentar o número de cadeiras no parlamento, no caso das eleições proporcionais, lançando como candidatos uma miríade de personagens “famosos”, provenientes da televisão, desportistas, humoristas, empresários, entre outros outsiders com pouquíssima ou nenhuma experiência política, o que favorece a cultura dos “salvadores da pátria”, aplicando-se essa lógica também para os cargos do Executivo. Levitsky e Ziblatt (2018, p. 27) asseveram que o grande dilema da democracia e a maior tensão hodierna é equilibrar a escolha de um candidato popular e ao mesmo tempo afastar os demagogos.

Numa outra consideração teórica importante, os autores assinalam que a longevidade de uma democracia depende de uma conjunção de fatores como instituições fortes e eficientes, mecanismos de “filtragem” de demagogos e “estranhos” ao nicho político e respeito às normas não-escritas que devem vigorar numa democracia. Como salientou Bobbio (2000, pp. 20-21), a manutenção das regras não-escritas ou informais são fundamentais para a manutenção da engrenagem democrática e para o seu salutar funcionamento.[7] Regras informais da política democrática pairam até mesmo acima do absolutismo dos dogmas mais legalistas, pois um sistema que não observe a transação, a negociação, a discussão e o diálogo, um sistema que não considere as divergências e o pluralismo para formação de mínimos consensos, não pode prosperar no terreno democrático e destrói-se a si mesmo. Não se pode portanto, criminalizar as negociações legais entre o parlamento e os sindicatos, o empresariado e outros setores da sociedade, assim como não se pode criminalizar as disputas legais de apoios em troca de distribuição de ministérios nos parlamentos, “regras do jogo” que funcionam em qualquer parte do mundo. Os sistemas democráticos têm ruído, muitas vezes, pelo questionamento judicial de regras naturais do mundo da política, quando se confunde miseravelmente a “ética da responsabilidade” weberiana, que vigora no mundo da política, com a “ética da convicção”, que funciona na vida privada.

Os autores explicam minuciosamente as bases em que assentou a democracia norte-americana, demonstrando que o mecanismo do sistema eleitoral misto (voto popular somado à escolha por um colégio eleitoral de notáveis), foi criado para coibir a ascensão de pessoas do povo (“perigosas”) ao poder, preservando o governo para uma elite “mais preparada” para governar em prol de todos. Com o tempo, esse mecanismo completamente exclusivo do passado exerceu um papel de “filtro” utilitário ou grande “guardião” para o futuro da democracia norte-americana, não no sentido de excluir todo e qualquer candidato por questões de renda, classe social ou raça (o que aconteceu em parte, sobretudo no século xix), mas para afastar os outsiders do campo da política, como aconteceu no século xx com o empresário Henry Ford, que teve a sua candidatura vetada pelo sistema partidário eleitoral (Levevitsky e Z0iblatt, 2018, pp. 28-30). Para os pensadores de How Democracies Die, voltando os olhos para o presente, o sistema político norte-americano precisa de novos ajustes e necessita de voltar as suas energias para o controlo mais rígido, na seleção e exclusão de figuras de perfil populista e autoritário que pretendem disputar cargos eletivos. Referindo-se ao caso do presidente Trump, os cientistas políticos afirmam que desde a época da campanha, Trump sempre se comportou como um insurgente, operando a desconstrução da democracia, na medida em que questionava a legitimidade dos adversários e atacava (e ainda ataca) rotineiramente os veículos de imprensa. Enquanto presidente eleito, o mandatário maior da nação norte-americana, não raras vezes, questiona juízes do supremo tribunal, coloca em causa os próprios serviços de inteligência e as suas investigações, fala e age muitas vezes de forma xenófoba e racista, tem uma retórica belicosa e pouco conciliatória no meio internacional, desqualificando normas tácitas que se impõem para o bom funcionamento democrático dos EUA e para o entorno institucional internacional.

A instigante obra How Democracies Die deve ser lida não só por académicos e politólogos especializados nos estudos da democracia, mas por todos os que se interessam por política, democracia e instituições, e se preocupam com os destinos das suas sociedades e da democracia.

O estudo traz novas e importantes reflexões sobre as encruzilhadas e impasses em que se encontram as diversas democracias pelo mundo, e sobre os perigos da intromissão na política de figuras salvacionistas de cunho populista, por vezes mesmo autoritário. Constitui um importante exercício para se repensar as saídas institucionais para as dificuldades por que passam os diversos regimes democráticos pelo mundo, e também um alerta para a importância da filtragem de candidatos pelos guardiões do sistema político. Ao reforçar a importância desses “guardiões” do sistema, os autores evocam o imprescindível respeito às normas não-escritas que “engraxam” a engrenagem dos regimes democráticos. Sistemas democráticos convivem com diferenças, divergências, pluralismo de pensamento, e por isso é imprescindível a negociação, a transação, a diplomacia e o diálogo para formação de consensos, sem desrespeitar os direitos das minorias, pois é da essência do processo democrático a dicotomia, tricotomia de pensamento. Por isso, o respeito pelas regras não-escritas é fundamental para a sobrevivência das instituições democráticas, as quais não podem sobreviver somente sob o estigma do legalismo absoluto, pois assim o sistema destruir-se-ia a si mesmo.

A reflexão teórica dos autores leva-nos a pensar que é preciso encarar a refundação das instituições democráticas e a renovação política sem fórmulas mágicas, longe das propostas disruptivas dos outsiders que prometem falsamente um “novo reino” da moral e da ética, criminalizando políticos profissionais e desprezando o sistema político partidário,

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, N. (2000), O Futuro da Democracia, São Paulo, Paz e Terra.         [ Links ]

BAUMAN, Z. (2017), Estranhos à nossa Porta, Rio de Janeiro, Zahar.         [ Links ]

TILLY, C. (2007), Democracia, Petrópoles, Vozes.         [ Links ]

ZAVERUCHA, J. (2005), FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia (1999-2002), Rio de Janeiro, Record.         [ Links ]

 

[1] Charles Tilly (2007, p. 13) fala na possibilidade do efeito reverso à democratização que podem sofrer as democracias (desdemocratização), “ondas reversas” no dizer de Huntington. Também Jorge Zaverucha, professor da Universidade Federal de Pernambuco, alertou para a preocupação com o modelo “semidemocrático” brasileiro, a transição sob a batuta dos militares e a porta entreaberta para uma volta ao militarismo (Zaverucha, 2005, p. 49).

[2] O Brasil tem enfrentado uma crise político-democrática que tem o seu gatilho na operação anticorrupção designada por Operação Lava-Jato. Essa operação desvendou o maior escândalo de corrupção do país, disseminado nos poderes executivo e legislativo. A operação anticorrupção foi iniciada em março de 2014 e já conta com mais de quatro anos de atividade, com 51 operações de investigação de empresários e políticos brasileiros (a quinquagésima primeira operação foi apelidada de “Dejá Vu”) até à presente data (maio de 2018). Segundo os dados contidos no site do Ministério Público Federal, atualizados até 14 de maio de 2018, a operação produziu: 1 765 procedimentos instaurados, 953 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva, 114 mandados de prisões preventivas, 120 mandados de prisões temporárias, 6 prisões em flagrante, 441 pedidos de cooperação internacional, 163 acordos de delação premiada realizados com pessoas físicas, 11 acordos de leniência, 74 acusações criminais contra 309 pessoas (sem repetição de nome). Até ao momento são 203 condenações contra 132 pessoas, contabilizando 1 959 anos, 2 meses e 20 dias de pena. Os crimes já denunciados envolvem r$ 6,4 bilhões em propina, dentre os quais r$ 11,5 bilhões são alvo de recuperação por colaboração premiada. Até abril de 2017 havia 29 senadores e 42 deputados envolvidos em investigações, incluindo o presidente da República, o presidente da câmara, o presidente do Senado, governadores de Estado, entre outros políticos. Até maio de 2018, temos o presidente Michel Temer do MDB envolvido em denúncias, o ex-presidente Lula (PT) condenado em segunda instância e preso, e a ex-presidente Dilma sendo investigada por vários crimes. Dados disponibilizados pelo Ministério Público Federal brasileiro em: http://www.mpf.mp.br/para-o-cidadao/caso-lava-jato/atuacao-na-1a-instancia/parana/resultadohttp://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2017/04/11/interna_politica,698723/fachin-divulga-lista-de-inqueritos-na-lava-jato.shtml [consultado em 14 de maio de 2018].

[3] Porks seria, grosso modo, a expressão consagrada pela Ciência Política para qualificar espécies de transferências de recursos legais, por via institucional, no intuito de sedimentar arranjos políticos dentro do sistema político.

[4] No livro Estranhos à nossa Porta, Bauman (2017) refere que as sociedades que se vêem inundadas pela grande “onda” migratória, são tomadas por uma espécie de “pânico moral”, um sentimento de ameaça ao bem estar da sociedade e ao “sonho” do mundo idealizado pelo liberalismo. Bauman explica que a fragilidade existencial e a precariedade das condições sociais humanas nos tempos globalizados, insuflada pela competição pelo mercado de trabalho e melhores condições de vida, criam uma profunda incerteza e medo nas sociedades invadidas pelos “estranhos”, que batem a “nossa porta” e a quem se torna mais fácil culpar por todos os males gerados pela conjuntura política e económica da globalização.

[5] O processo eleitoral brasileiro ocorrerá em pouco mais de dois meses e meio (outubro de 2018), com eleições para presidente da república, Deputado Federal, Senador, Governo dos Estados e deputação dos Estados membros da federação.

[6] Os autores denominam gatekeeping, ou “guardião” (numa tradução livre), o sistema político corporificado nos partidos políticos e lideranças políticas, responsáveis em muitos sentidos pela seleção dos representantes dos partidos que se candidatam às eleições norte-americanas, exercendo o papel de filtros políticos de candidatos “perigosos” e inadequados à democracia pelo seu perfil autoritário.

[7] Assunto tratado, sobretudo, no capítulo 5 da obra de Levitsky e Ziblatt.

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