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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.229 Lisboa Dec. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018229.12 

RECENSÃO

Castaño, David, Fonseca, Ana Mónica, Lains, Pedro e Marcos, Daniel

Os Petróleos em Portugal: do Estado à Privatização 1937-2012,

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2017, 136 pp.

ISBN 9789726713814

Paulo Nuno Martins*

* Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Campus da Caparica, Edifício VII, Piso 2 - 2829-516 Caparica, Portugal.


 

O presente livro corresponde a um convite do Eng.º Ferreira de Oliveira, então presidente da Galp Energia, que pretendia “um estudo de carácter científico sobre as mudanças de propriedade no sector dos petróleos em Portugal”, tal como descrito pelos autores, na parte dos Agradecimentos (p. 9). Daqui resultou um livro cujo objetivo de estudo é a História dos Petróleos em Portugal, desde 1937 a 2012.

Na minha perspetiva de engenheiro químico (IST-UL), que fez consultadoria para a Petrogal (1991-1993), e estudou a história da Petrogal (bolsa de pós-doutoramento, da FCT, em História da Ciência) (Martins, 2018), considero que o referido trabalho apresenta um elevado mérito científico, pois os autores conseguiram abordar um tema de grande complexidade, com grande rigor histórico, nas vertentes políticas e económicas, evidenciando desde logo as suas formações. Os investigadores de pós-doutoramento Ana Fonseca e David Castaño são licenciados e doutorados em História Moderna e Contemporânea (ISCTE-IUL), ambos com particular interesse na história da democracia. Daniel Marcos é licenciado e doutorado em História Moderna e Contemporânea (ISCTE-IUL), com interesse por estudos políticos. Pedro Lains é licenciado em Economia (UNL) e doutorado em História (IUEF), com agregação em Economia (UNL), tendo particular interesse na história económica dos séculos xix e xx.

O conteúdo temático está muito bem estruturado e organizado. Na Introdução do livro (pp. 11-17), os autores fazem o enquadramento do tema, referindo-se à história da indústria em Portugal, atribuindo o nosso atraso económico ao facto de termos sido dos últimos países europeus a industrializar-se. Isto deveu-se não só a uma política conturbada, mas também a causas que remontam às Companhias Pombalinas, que faziam a exploração sob a proteção do Estado. No entanto, podemos identificar outros fatores, nomeadamente os científicos, que foram igualmente relevantes para o atraso da indústria petrolífera em Portugal. Vejamos, por exemplo, o artigo de Spigolon et al. (2011), em que se refere: “A exploração de petróleo nas bacias portuguesas remonta ao século passado, mais especificamente a partir do final da década de 30, quando foram emitidos diversos alvarás de concessão para pesquisas envolvendo aquisição de dados geológico-geofísicos. Desde então, foram realizados uma série de levantamentos sísmicos, gravimétricos e magnetométricos, bem como a perfuração de mais de uma centena de poços exploratórios na área terrestre e marítima, dos quais muitos deles apresentaram fortes indícios de óleo e gás, indicando a presença de sistemas petrolíferos ativos. No entanto, mesmo com uma extensiva campanha exploratória, apenas duas sondagens produziram quantidades subcomerciais na Bacia Lusitânica, o que inibiu significativamente os investimentos por parte das grandes companhias a partir do final de década de 70 (p. 133)”.

De facto, a prospeção petrolífera de hidrocarbonetos em Portugal à escala industrial começou em 1938, sendo considerada de risco por não existirem (até hoje) descobertas com dimensões comerciais. Este assunto é relevante para a história da indústria em Portugal porque as empresas que estiveram na origem da Petrogal, como a Sacor, eram essencialmente empresas de refinação (e não de prospeção), exatamente porque em termos geológicos, a bacia Lusitânica não é (até hoje) economicamente rentável.

No capítulo 1 do livro (pp. 19-37), os autores descrevem os factos que deram origem à criação da Petrogal, nomeadamente as empresas Sacor, Sonap, Cidla e Petrosul. Estes referiram-se com muita clareza aos aspetos históricos, na área económica e política, nomeadamente o golpe de Estado no 25 de Abril de 1974, a nacionalização das quatro empresas referidas e a sua fusão, a entrada em 1986 de Portugal na cee e a abolição do protecionismo às companhias Portuguesas. Assim, a Petrogal ficou sujeita à economia de mercado, pelo que o Governo português decidiu privatizá-la, de modo a torná-la competitiva face à Shell, bp, Repsol. No entanto, o presente estudo ganharia em referir, de igual modo, os aspetos tecnológicos que foram também determinantes para o aparecimento da Petrogal. Vejamos, por exemplo, o seguinte artigo i de Santos e Diogo (1989), onde são referidos alguns aspetos ligados à refinação na Sacor: “Esta primeira unidade dispunha de duas colunas de destilação… uma operava à pressão atmosférica e procedia ao fraccionamento do petróleo bruto; a outra operava sob vácuo e permitia extrair das fracções pesadas do petróleo bruto, e alguns tipos de lubrificantes… A concepção tecnológica é de uma empresa checoslovaca, a Bruno Konigsfelder Maaren, já que em Portugal não havia qualquer experiência neste tipo de tecnologia. Como instalações auxiliares possuía uma central eléctrica, constituída por duas caldeiras Babcock e Wilcox, que produziam 8 a 10 t/h de vapor a 22 Kg/cm2 cada uma, e por duas turbinas Suizer acopladas a dois alternadores Secheron de 240 Kw cada, que forneciam a electricidade necessária à unidade, e um laboratório que apoiava o estudo e a análise de matérias-primas e produtos refinados. Além da destilação havia um tratamento químico complementar do petróleo com soda cáustica e hipoclorito de sódio ou ácido sulfúrico e um tratamento químico suplementar da gasolina (do tipo semelhante ao anterior) e dos óleos lubrificantes (ácido sulfúrico seguido de filtração)”. Estes aspetos tecnológicos continuam a ter uma grande importância no desenvolvimento económico da Galp Energia. Por exemplo, desde 2009 que as refinarias de Sines e Matosinhos têm uma função complementar, quanto à capacidade refinadora, mais adaptadas ao mercado nacional e internacional, tendo sido construídas unidades de destilação de vácuo e visbreaker, unidade de hidrocraqueamento (hydrocracker) e de reformação com vapor (steam reformer).

No capítulo 2 do livro (pp. 39-67), os autores referem os anos de 1992-1999, correspondentes ao período da privatização da Petrogal EP, que envolveu a Total e a Finpetro. Em 1992, estas uniram-se dando origem à Petrocontrol SGPS, que juntamente com o Estado Português constituíram a nova estrutura acionista da Petrogal. Em 1995, com a saída da Total da Petrocontrol, os autores referem que a Petrogal entrou numa fase de “estabilidade e de reforço estratégico e operacional… (p. 65)”.

No capítulo 3 (pp. 69-121), os autores fazem referência aos anos de 1999-2012, correspondentes à emergência da Galp Energia ou Galp sgps, resultante da fusão da GDP, Trangás e Petrogal, defendendo que esta teve como principal objetivo tornar o setor energético “internacionalmente competitivo” (p. 70). Para isso houve várias mudanças de acionistas de acordo com a estratégia da Galp Energia. Considero que os autores fizeram uma excelente descrição das temáticas dos capítulos 2 e 3, sempre muito elegante (em termos de imagens visuais) e pertinente na sua justificação histórica.

A conclusão do livro (pp. 123-126) sintetiza muito bem as causas do sucesso da Galp Energia, nomeadamente uma gestão globalmente positiva do negócio da Galp Energia, bem como grandes investimentos internacionais em prospeção petrolífera de hidrocarbonetos. No entanto, poderiam ter sido dados alguns exemplos mais técnicos, nomeadamente na exploração de petróleo e gás natural no Brasil (Ricaldi, 2013), que produziram um efeito positivo no desenvolvimento económico da Galp Energia.

Quanto aos Apêndices (pp. 128-131), Fontes, Créditos Fotográficos e Bibliografia (pp. 133-136), os autores citam as fontes bibliográficas mais importantes sobre a presente temática, embora pudesse, também, ter sido referida alguma bibliografia de cariz mais científico e tecnológico, nomeadamente os artigos mencionados nesta recensão, bem como livros que analisassem as várias fases da cadeia do produto (Pulido e Fonseca, 2004).

Em conclusão, considero este livro de leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela história dos petróleos em Portugal, desde o século xx a princípios do século XXI, sendo um excelente contributo para esta temática tão atual.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTINS, P. (2018), “A concise history of Petrogal (portuguese oil industry): an essay”. International Journal of Engineering and Management Research, 8(3), pp. 153-156.

PULIDO, J., Fonseca, P. (2004), O Petróleo e Portugal, Lisboa, Tribuna de História.         [ Links ]

RICALDI, A. (2013), Análise das Atividades de Perfuração de Poços Exploratórios Terrestres para Óleo e Gás nas Bacias Sedimentares Brasileiras. Tese de mestrado, Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.         [ Links ]

SANTOS, A. M., Diogo, M. P. (1989), “A história do petróleo em Portugal”. Revista Petrogal, artigo I (1938-1953), II (1954-1970), III (1971-1989).

SPIGOLON, A. L. D. et al. (2011), “Geoquímica orgânica de rochas potencialmente geradoras de petróleo no contexto evolutivo da bacia lusitânica”. Geociências da Petrobras, 19(1-2), pp. 131-162.

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