SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número228A Igreja Católica e o Estado Novo SalazaristaContra o Vento: Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960) índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018228.15 

RECENSÕES

CASTRO, José Esteban, FOWLER, Bridget, GOMES, Luís (eds.)

Time, Science and the Critique of Technological Reason. Essays in Honour of Hermínio Martins

Londres, Palgrave Macmillan, 2018, 390 pp.

ISBN 9783319715186

João Príncipe*

*Departamento de Física, Universidade de Évora, Colégio Luís António Verney, Rua Romão Ramalho, 59 - 7002-554, Évora, Portugal. jpps@uevora.pt


Passados três anos da morte de Hermínio Martins (1934-2015), antigos colegas e distintos membros de Universidades do Reino Unido uniram-se para lhe prestar uma homenagem em nome da academia britânica, na forma de um livro com contribuições de autores que dialogam com o seu pensamento, tópicos, ou que dão testemunho do seu trabalho e papel no ensino superior e na investigação em ciências sociais naquele país.

Nas duas últimas décadas de vida, Hermínio Martins refletiu sistematicamente sobre a tecnociência, culminando esse trabalho com a publicação do seu livro Experimentum Humanum: Civilização Tecnológica e Condição Humana (2011). Esta obra é uma contribuição fundamental para uma sociologia filosófica da tecnologia, na qual se analisa as consequências, de transformação e de totalização, para a humanidade do avanço tecnológico acelerado num quadro dominado pela marketização de tudo. De facto, o todo da sua obra, que abrange um leque amplo de problemáticas que vão da filosofia das ciências, passando pelas reflexões sobre o tempo e a transformação social, até ao estudo do período do Estado Novo e da mudança social e política do Portugal contemporâneo, comprova ter ele sido um praticante notável de uma sociologia filosófica e historicamente reflexiva, a qual se foi fazendo para além das distinções e espartilhos das áreas disciplinares institucionalmente canónicas, inspirando-se frequentemente em pensadores fora de moda (no que seguiu a inspiração de maîtres à penser como António Sérgio), desde que neles encontrasse reflexões pertinentes para a compreensão da nossa condição humana, indo além do status quo disciplinar que se recusava a enfrentar tais questões.

O livro que agora se apresenta agrupa um conjunto de textos os quais, por um lado, mostram o reconhecimento da importância de Martins no quadro do pensamento sociológico anglo-saxónico, e por outro permitem introduzir o leitor à vida e obra do homenageado. Entre os autores que se associaram neste festschrift contam-se os seguintes académicos: José Esteban Castro, Professor Emérito de Sociologia da Universidade de Newcastle e Investigador Principal do CONICET (Argentina); Bridget Fowler, Professora Emérita da Universidade de Glasgow; Steve Fuller, detentor da Cátedra Auguste Comte da Universidade de Warwick, Fellow da Royal Society of Arts, da UK Academy of Social Sciences e da European Academy of Sciences and Arts; Mike Gane, Professor Emérito de Sociologia da Universidade de Loughborough; José Luís Garcia, Investigador Principal do ICS-UL; Luís Gomes, leitor na Universidade de Glasgow; Helena Mateus Jerónimo, Professora no ISEG-UL; Richard Kilminster, Honorary Research Fellow em Sociologia da Universidade de Leeds; Peter McMylor, Professor de Sociologia na Universidade de Manchester; Stephen Mennell, Professor Emérito de Sociologia da University College Dublin e membro da Royal Irish Academy e da Acadaemia Europaea; William Outhwaite, Professor Emérito da Universidade de Newcastle e membro da Academy of Social Sciences; Roland Robertson, Distinguished Service Professor da Universidade de Pittsburgh; Leslie Sklair, Professor Emérito de Sociologia e de Filosofia da LSE; Charles Turner, Professor Associado da Universidade de Warwick; Laurence Whitehead, Senior Research Fellow in Politics no Nuffield College, da Universidade de Oxford.

Este reconhecimento internacional é felizmente acompanhado por um razoável reconhecimento no seu país de origem, o qual se manifestou em volumes coletivos quais Razão, Tempo e Tecnologia: Estudos em Homenagem a Hermínio Martins (Imprensa de Ciências Sociais, 2006), co-editado por Manuel Villaverde Cabral, José Luís Garcia e Helena Mateus Jerónimo, ou Évora Studies in the Philosophy and History of Science. In Memorian Hermínio Martins (Caleidoscópio, 2015) editado por João Príncipe, ou na publicação da obra póstuma As Mudanças de Regime em Portugal no século XX (Imprensa de Ciências Sociais, 2018), organizada por Rui Graça Feijó.

O livro inicia-se com uma ampla introdução da pena de Bridget Fowler, à qual se seguem uma entrevista a Hermínio Martins, conduzida por Helena Mateus Jerónimo, um tocante depoimento biográfico de sua esposa Margaret Martins, três depoimentos de colegas e alunos e uma série de 12 estudos sobre tópicos centrais para os seus interesses intelectuais e cívico-políticos. Estes estudos foram agrupados em três rúbricas: 1.ª Thomas Kuhn e a teoria das Revoluções Científicas, valorizando-se assim a contribuição fundamental presente no artigo de 1972 “The Kuhnian ‘Revolution' and its implications for Sociology”, o primeiro ensaio em língua inglesa escrito por um sociólogo sobre a obra de Kuhn; 2.ª Patrimonialismo e desenvolvimento social em Portugal; 3.ª Estruturas sociais e o ethos tecno-científico: a abordagem feita a partir da teoria social. A maioria dos estudos (9 dos 12) inscrevem-se nesta última rúbrica.

A admiração pelas qualidades de Hermínio Martins é geral: Bridget Fowler designa-o como sendo “a great mind” sublinhando a sua perspicácia analítica, a vastidão das suas leituras e uma capacidade de memória ímpares, bem como um notável sentido ético e político. Na introdução, a autora, em cuja obra se destacam trabalhos sobre feminismo marxista, sociologia da cultura e sobre Pierre Bourdieu, fornece ao leitor uma visão de conjunto da obra de Hermínio Martins.

 A entrevista, datada de 2011, exibe as preocupações do homenageado, por exemplo a falta de interesse pela teorização nas ciências sociais entre nós ou os atuais mecanismos de dominação na Academia.

Quanto aos estudos presentes no volume:

William Outhwaite dá-nos uma perspetiva atual sobre as questões levantadas no artigo de 1972 sobre Kuhn, nomeadamente sobre a discussão sobre os paradigmas nas ciências sociais e sobre a sociologia do conhecimento científico (SSK).

Bridget Fowler, ao considerar o estatuto artístico da fotografia no quadro dos seus interesses pelas mudanças culturais, usa como fontes teóricas os trabalhos de Pierre Bourdieu e de Hermínio Martins, considerando que a contribuição deste é mais ajustada ao reconhecimento atual da fotografia como uma forma de arte maior.

Luís Gomes usa tópicos de história da literatura, estudando em detalhe a vida e obra de Vasco Mousinho de Quevedo (1570-1631), para iluminar o carácter ideológico do Estado Novo através dos juízos sobre o carácter patriótico das obras literárias.

José Luís Garcia descreve a trajetória intelectual do homenageado para depois analisar geneticamente o imperativo tecnológico atual, associado a uma versão do princípio da plenitude e concluindo pela desconexão, em geral, entre o atual imperativo que promove o ativismo tecnológico e a consideração racional dos fins humanos.

Charles Turner considera os desenvolvimentos do questionamento colocado pelo artigo de Martins Time and Theory in Sociology (1974), no qual surgem dois conceitos chave, o de “cesurismo” e o de “nacionalismo metodológico”. Turner assinala que do ponto de vista macro-sociológico existe um renovar do interesse teórico pela questão do tempo histórico-sociológico.

Steve Fuller retoma a temática martiniana das consequências do neodarwinismo, da biotecnologia e da eugenia marketizada, analisando os interesses pela eugenia e pelo trans-humanismo de alguns dos mais distintos pensadores e membros da Fabian Society e mostrando a deriva neo-liberal desta associação, a qual inicialmente desenvolveu um pensamento socialista associado à formação do Partido Trabalhista Britânico.

Peter McMylor estuda a obra de dois pensadores da tecnologia, Marshall McLuhan and Régis Debray, sob a perspetiva de sociologia histórica reflexiva de Árpád Szakolczai, o qual se ocupou do estudo das condições sociais e políticas que permitem avanços conceptuais revolucionários.

Richard Kilminster aborda novas perspetivas sobre Karl Marx, mostrando o processo de construção, feito a partir de sucessivas edições das obras de Marx (maioritariamente póstumas), do estatuto científico do pensamento marxista. Os textos anteriores a 1848 são considerados em detalhe, mostrando-se como muitos dos conceitos chave de Marx eram partilhados por contemporâneos (sobretudo franceses); o estudo termina com uma detalhada análise das Teses sobre Feurbach.

Stephen Mennell analisa as diferenças e mudanças de pronúncia da língua inglesa no Reino Unido e nos Estados Unidos ao longo dos séculos, seguindo a inspiração de estudos anteriores de Norbert Elias, mostrando os mecanismos do processo de regulação que produzem uma pronúncia hegemónica, assinalando a diferença entre as duas nações, e mostrando nomeadamente o papel dos meios de comunicação (ex: BBC) e das classes sociais (ex: papel da classe média norte-americana).

Mike Gane trata da história dos movimentos estudantis dos anos de 1960 no Reino Unido e nos Estados Unidos, mostrando como o radicalismo estudantil foi associado ao carácter gratuito e público do sistema de educação, favorecendo assim os adeptos de perspetivas neoliberais que têm defendido com sucesso a substituição do modelo republicano da Universidade pelo modelo do estudante como cliente.

Laurence Whitehead considera a aceleração tecnológica patente na proliferação dos telemóveis e da Internet e as suas consequências para o funcionamento dos regimes democráticos; contrariamente às perspetivas totalizantes e mono-causais, o autor defende que as mudanças (a inclusividade sendo uma delas) não serão radicais, independentemente do contexto nacional, notando em particular a divisão digital em países mais pobres, como é o caso do México; o autor crê que partidos políticos, divisões éticas e de classe persistirão.

No último estudo do volume, “Thinking about think tanks: politics by techno-scientific means”, Stephen Turner mostra como as conclusões que são utilizadas para a decisão política (no sentido de “policy”) resultam cada vez mais de estudos estatísticos e não da narrativa histórica, sendo esses estudos realizados por grupos de “tecnologia social” (Think tanks). O autor detalha um estudo de caso ao considerar o Massachusetts Bureau of Labour no período 1869-1920 e termina referindo que a institucionalização dos Think tanks tem hoje nas mudanças populistas, associadas ao ressurgimento de uma direita que propõe um poder carismático, um novo e sério adversário.

No seu conjunto, este livro constitui uma boa introdução à obra e problemáticas desenvolvidas por Hermínio Martins e também um excelente estímulo à nossa auto-estima coletiva, à curiosidade intelectual e ao espírito de inquérito.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons