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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018228.13 

RECENSÕES

MARCHI, Riccardo

A Direita nunca Existiu. As Direitas Parlamentares na Institucionalização da Democracia Portuguesa 1976-1980

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2017, 480 pp.

ISBN 9789726713975

Filipe Nobre Faria*

*IFILNOVA, Universidade Nova de Lisboa, Avenida Berna 26 C, 1069-061 Lisboa, Portugal. filipefaria@gmail.com


 

Dada a ascensão de partidos nacional-populistas em grande parte do ocidente, a atual inexistência destes fenómenos populistas na democracia portuguesa permanece uma questão relevante em ciência política. O livro A Direita Nunca Existiu, de Riccardo Marchi, insere-se na investigação alargada desta questão, nomeadamente através do estudo das direitas radicais ou, como são definidas no livro, das direitas extra-parlamentares.

Com esta obra, Marchi visa encontrar potenciais razões para que ao longo das várias décadas de democracia nenhum partido à direita do CDS tenha atingido representação parlamentar. Para esse efeito, a investigação faz uma recolha exaustiva de dados históricos sobre as direitas extra-parlamentares entre 1976 e 1980, sendo este o período que o autor define como central para se entender o atual estado das direitas portuguesas. Este período é visto como sendo constituído por inúmeras redefinições políticas e por oportunidades para as forças políticas das direitas radicais no seguimento do contra-golpe de 25 de novembro de 1975. Contudo, é concluído que tais oportunidades não foram aproveitadas por esta área política.

O livro divide-se em 6 capítulos, sendo os primeiros 5 focados no período de 1976 a 1980 e o último na alvorada dos anos 80. Ao longo dos capítulos, Marchi reúne dados e informação histórica sobre os desenvolvimentos das direitas extra-parlamentares (atores, doutrinas, organizações) e a sua relação com as organizações parlamentares, em especial as relações com as organizações do centro-direita. Após uma exaustiva e pormenorizada descrição de artigos de imprensa, entrevistas, programas políticos, entre outras fontes, o autor sugere dois tipos de causas para o insucesso das direitas extra-parlamentares em Portugal: endógenas, ou seja, causas da responsabilidade desta área política, e exógenas, isto é, causas da responsabilidade de agentes externos à área.

Talvez a causa endógena mais relevante seja a falta de rumo identitário destas direitas. Estas nunca conseguiram cristalizar algo que as definisse. Em geral rejeitavam a identificação com o Estado Novo e definiam-se como democráticas e abertas ao paradigma da democracia liberal, mas revelando ao mesmo tempo algum saudosismo pelo Portugal imperial e uma permanente preocupação em reestabelecer o papel da igreja católica na organização social do país. Esta indefinição, por vezes contraditória em várias reivindicações, fez com que não fosse claro o que as direitas extraparlamentares estariam politicamente a oferecer que o centro-direita não fosse capaz de concretizar. Estas direitas, que têm no MIRN, PDC ou PDP exemplos de insucesso, sofriam também de um assinalável personalismo da elite dirigente, que usou este campo político para encetar projetos individuais e pouco flexíveis que colapsaram perante a existência de alta conflitualidade. Ademais, o facto de estes movimentos estarem baseados em Lisboa e de não terem grande expansão no resto do país contribuiu igualmente para a falta de resultados eleitorais positivos.

Ao nível dos fatores exógenos, o mais relevante foi “a indisponibilidade de todos os atores parlamentares para se envolverem oficialmente com as direitas extraparlamentares” (p. 449), mas especialmente a indisponibilidade das forças parlamentares mais à direita, ou seja, o PSD, CDS e PPM, que investiram fortemente numa retórica pública antifascista e de denúncia das direitas extraparlamentares. Destes partidos parlamentares, “o mais empenhado no boicote à sua direita foi, sem dúvida, o CDS” (p. 450), demonstrando uma forte determinação em demarcar-se do legado dito de direita. Através da formação de uma aliança democrática, estes partidos conseguiram captar “largas faixas de eleitorado de direita, pelos vistos indiferentes aos detalhes ideológicos (…) e mais preocupadas com o sucesso de uma proposta governativa pragmática” (p. 452). Chegados a 1980, e com o sucesso eleitoral da Aliança Democrática (constituída por PSD, CDS e PPM), a organização à direita desta aliança “perde qualquer funcionalidade e torna-se, aliás, um entrave para muitos atores externos e para muita da sua base de apoio” (p. 453).

Perante o insucesso eleitoral, a partir de 1980 as direitas extraparlamentares manifestam-se apenas ao nível meta-político de discussão ou promoção de ideias, sendo “a ruptura mais assinalável nas últimas décadas do século XX (…) a passagem do imaginário político imperial, centrado no multirracialismo, ao etno-nacionalismo identitário” (p. 453). E mesmo neste ponto não houve uma clara definição, visto que a discussão entre uma visão da lusofonia multirracial vs. uma visão etno-identitária permanece uma constante nas direitas extraparlamentares até aos dias de hoje, assim como o seu afastamento do poder representativo.

Este livro constitui um excelente contributo para o estudo das direitas em Portugal. A descrição dos acontecimentos é exaustiva e minuciosa, mas executada de forma a que o leitor se sinta integrado na narrativa, a qual tem um seguimento lógico, interpretativo e claro. A ideia de que a direita nunca existiu em Portugal (após o 25 de Abril) é sintomática da aversão que o termo “direita” provoca entre as forças parlamentares, e até mesmo em algumas direitas extraparlamentares. Mas a obra suscita igualmente a ideia de que a direita talvez nunca tenha existido porque não conseguiu chegar ao parlamento e fora do círculo de poder não é mais do que um fenómeno marginal. Contudo, tal como é sugerido no seu término, talvez estas tenham sempre existido “nem que seja através da permanência das suas idiossincrasias” (p. 455).

Uma das mais importantes identificações feitas na obra é a de que estas direitas extraparlamentares no período 1976-1980 não tinham realmente uma identidade coerente que lhes permitisse oferecer soluções particulares e distintas ao eleitorado. A citação de Kaúlza de Arriaga do MIRN representa, na essência, o sentimento e objetivo último deste campo político: a ideia de que era necessário “conduzir a Europa e Portugal para o caminho da civilização cristã (…), ou, por desvario, generalizar a barbárie marxista e ateia” (p. 335). Visto que o parlamento estava já bem representado por forças antimarxistas e era constituído por uma representativa aliança democrática de pendor democrata-cristão, o esvaziamento das direitas extraparlamentares não é de todo surpreendente. Aos olhos externos, estas últimas acumulavam o legado de um Estado Novo (derrotado e vilipendiado) com intenções que estavam já representadas pelo centro direita no parlamento, tornando-as assim possivelmente redundantes e dispensáveis. Talvez tivesse sido interessante constatar uma maior exploração interpretativa da falta de visão presente nestas áreas políticas, embora as contradições das mesmas fiquem evidentes ao longo do livro.

A Direita Nunca Existiu tem a principal virtude de reunir dados históricos de alto valor explicativo que permitem ao leitor várias interpretações para além daquelas que o autor oferece em conclusão. Desta forma, o valor da obra vai para além das conclusões que nela constam. Mesmo que se questione a escolha da dicotomia esquerda-direita como útil para entender o fenómeno em causa ou a interpretação que o autor faz de determinadas causalidades, o livro mantém a sua importância como documento histórico. Neste sentido, ao oferecer argumentos históricos para a ausência de partidos parlamentares à direita do CDS, a obra proporciona igualmente um ótimo contributo para o entendimento do atual estado dos fenómenos populistas e identitários na democracia portuguesa.

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