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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018228.12 

RECENSÕES

RODRIGUES, Maria de Lurdes et al.

Educação 30 anos de Lei de Bases

Lisboa, Editora Mundos Sociais, 2016, pp.

ISBN 9789898536556

José Manuel Resende*

*CICS.NOVA, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Avenida Berna 26 C, 1069-061 Lisboa, Portugal, josemenator@gmail.com


 

A obra Educação 30 anos de Lei de Bases é um livro escrito por uma equipa de sociólogos que trabalham ou que mantêm uma ligação com o Instituto de Ciências do Trabalho e da Empresa do Instituto Universitário de Lisboa. Uma parte significativa dos membros desta equipa é composta por investigadores do CIES-IUL. O livro é editado em 2016 e tem o propósito de comemorar os 30 anos da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n.º 46, promulgada pelo parlamento português a 14 de outubro de 1986. Sendo este o objetivo do livro, a celebração do ato legislativo acaba por ser o melhor pretexto para, a partir dele, os autores, sob a coordenação de Maria de Lurdes Rodrigues, fazerem uma identificação e análise das questões políticas emanadas pelas Bases do Sistema Educativo português aprovadas pelo conjunto dos deputados dos partidos que na altura têm assento na Assembleia da República. Em certo sentido, a importância desta Lei é a de consagrar um conjunto de princípios políticos que são comummente aceites por todos os membros da Câmara Legislativa portuguesa. Isto significa que os referidos princípios outorgados pelo Estado e inscritos nesta Lei resultam de um trabalho de coordenação efetivo entre todos, de modo a pôr em letra de lei os principais normativos que devem nortear as políticas públicas educativas. Neste sentido, esta lei configura-se como uma magna carta que identifica quais os fundamentos doutrinários que têm de regular a construção e conservação do sistema público de educação, quer ao nível da rede escolar, quer ao nível do acesso e do sucesso das aprendizagens oferecidas pela escola, quer ainda ao nível da arquitetura da gestão e administração do sistema educativo nas suas diversas vertentes. Por outro lado, é desejo do legislador que amplos corpos sociais participem e se envolvam nas múltiplas atividades e tarefas ligadas de um lado à construção, mas do outro lado à consolidação e às alterações do Sistema Educativo Público português que não ponham em causa as traves mestras ali consignadas.

Dito assim, fica claro para o leitor que, para interpretar as consequências produzidas pela aprovação e promulgação desta Lei de Bases do Sistema Educativo, os seus efeitos encontram raízes na historicidade da escolarização pública portuguesa das últimas décadas do Estado Novo até aos primórdios da Reforma Educativa desenvolvida num dos governos chefiados por Cavaco Silva sob a coordenação do ministro Roberto Carneiro. Mas este é só um dos ângulos explorado pelos autores deste livro. O outro ângulo é o dos debates políticos proporcionados pela aplicação posterior da Lei, discussões e controvérsias havidas dentro e fora das equipas dos governos constitucionais e dos membros do parlamento entre a data da sua publicação e o ciclo político ocorrido em Portugal após a intervenção da Troika. Dito por outras palavras, dos propósitos de quem resolve pôr em marcha este livro que pretende comemorar a magna carta educativa estabelecida em 1986, saliento a sua sagacidade de olhar para o objeto, não descurando a história da escolarização pública portuguesa que antecede a data desta carta, para depois acompanhar os desenhos das políticas públicas educativas, que nos sucessivos governos constitucionais em funções após esta data ensaiam aplicar os normativos acordados e ali inscritos em corpo de Lei. Assim, para se entender como se chega ao acordo político fechado pela publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986 é fundamental sistematizar um conjunto de problemas educacionais que resultam das transformações observadas no Sistema Educativo português desde os anos 50 do século XX - em pleno período do Estado Novo - até à primeira década, após a refundação da democracia em Abril de 1974.

Quais são os problemas públicos identificados pelos autores do livro e que estão na origem da criação da Lei de 1986? Não é possível apontar e tratar todos aqueles que são trazidos aos leitores por quem escreve o livro. Para facilitar a tarefa analítica, e não ignorando os problemas assinalados, dirijo a minha atenção a dois dos princípios que alimentam as políticas públicas educacionais em toda a época moderna, mesmo neste ciclo que denomino como a era da modernidade liberal alargada (Wagner, 1986). Tendo no espírito a decisão tomada pelo raciocínio que me leva a esse juízo, dá-se conta de imediato de uma questão que está recorrentemente presente nas agendas públicas. Essa questão prende-se com a definição dos anos a que deve corresponder a escolaridade obrigatória. Ora desde os anos 50 do século passado que as equipas ministeriais, os políticos com assento na Assembleia Nacional, mas também os técnicos presentes na câmara corporativa fazem deste problema objeto de discussão. É certo que também por parte das agências internacionais, em particular da OCDE, há pressão para que os Estados tomem em consideração a questão. Ao longo de toda a obra este problema está presente, e à medida que o princípio é posto em ação há molduras políticas que são ensaiadas e aparecem resignificadas nas políticas públicas. Por exemplo, se após a refundação da democracia, a câmara corporativa desaparece da arquitetura política, há outras organizações que passam a dispor de espaço e tempo para a participação pública. Os sindicatos são uma dessas organizações. Mas não são as únicas. Os próprios ministérios vão sendo equipados por equipas técnicas que trabalham com o propósito de contribuírem na definição das medidas necessárias para a aplicação do princípio. Estas equipas aparecem ainda nos últimos governos do Estado Novo, em particular, no governo do ministro Veiga Simão (Resende, 2003). No entanto, é com a democratização política que se aceleram as máquinas destinadas a trabalhar os processos de categorização, classificação e hierarquização dos problemas, dos seus dados e informações consideradas credíveis para a resolução dos problemas identificados. É por todas estas razões que a definição e a análise deste princípio é fundador daquilo que é possível designar como processo de escolarização pública moderna. Sem a definição e manutenção pelo Estado deste princípio, a escolarização pública ou não tinha existido, ou deixa de fazer sentido constitucional. E interessa ressalvar que a obrigatoriedade delimitada pelo Estado para que todos os cidadãos estejam incluídos no sistema educativo público, em cada um dos seus momentos históricos, apresenta pelo menos dois significados compostos, isto é, combinados. De um lado, aparece como um dispositivo regulador defendido pelas instâncias estatais, nomeadamente as de cariz republicana. Isto significa que para que os cidadãos se autonomizem e se responsabilizem pelos seus atos, no presente, mas também projetados no futuro, cada um e todos devem fazer o esforço, com os sacrifícios conhecidos, para se matricularem na escola (ato mediado pelos pais) e ali permanecerem até à conclusão dos anos da escolaridade obrigatória. Mas por outro lado é igualmente um dispositivo protetor e emancipador, uma vez que responsabiliza o mesmo Estado a criar todas as condições políticas e materiais para que todos os indivíduos com a idade escolar delimitada pelos anos que compõem a escolaridade obrigatória, definida em cada momento, possam efetivamente estar na escola e realizar nela o trajeto escolar com o selo de obrigatório. E é porque a sua norma contempla em simultâneo estes dois sentidos que ela tem sido politicamente controversa ao longo de toda a história moderna da escolarização, em particular, no momento em que esta apresenta a configuração habitualmente nomeada como “forma escolar moderna” (Vincent, 1994).

A este primeiro princípio junta-se outro que surge na sequência do primeiro. Falo do princípio da igualdade de oportunidades. No que toca a Portugal, pese embora a questão tenha sido objeto de debate na I República e nos primeiros anos da Ditadura Militar (1926-1933) (Resende, 2003), este princípio adquire uma maior expressão pública nos últimos anos do Estado Novo, nomeadamente, aquando da apresentação e discussão dos traços gerais da Reforma Veiga Simão. Após a refundação do Estado democrático em 1974, o princípio da igualdade de oportunidades escolares apresenta-se cada vez mais como um dos problemas públicos mais destacados, naquilo que diz respeito à esfera educativa. Ao longo da história mais recente da escolarização portuguesa, dos anos 50 até à institucionalização da Lei de Bases do Sistema Educativo português, o questionamento à volta quer da qualificação do princípio, quer das normas e regras da sua aplicação, é permanente, vivo e apaixonado. É uma questão pública que vai mobilizar distintos atores individuais e coletivos, e apresenta-se como objeto de debate em diferentes fóruns, para além das arenas públicas onde habitualmente o problema é discutido - das arenas sindicais às arenas partidárias; das arenas governativas às arenas parlamentares, seguindo os diversos ciclos políticos de Abril de 74 até à formação do primeiro governo com maioria parlamentar de um só partido (PSD). Se as raízes nacionais da intensificação e do alargamento do debate sobre a democratização não podem ser desprezadas, é importante também afirmar que aquelas não brotam das agendas públicas de forma inaugural, resultante exclusivamente de operações críticas automobilizadas por atores individuais e em coletivos como notoriedade pública. As discussões são também animadas em resultado do conhecimento público de relatórios de agências internacionais que vão dando conta, por comparação com outros países, do atraso da escolarização portuguesa, e ao facto de o problema estar ligado à inexistência de políticas públicas que tomem medidas para a sua expansão, com resultados efetivos, quer em relação à redução das taxas de analfabetismo, quer em relação ao cumprimento da escolaridade obrigatória, com a diminuição do excessivo número de alunos que abandonam precocemente a escolarização, quer ainda com a atenção acrescida para taxas de insucesso escolar que são consideradas como demasiadamente elevadas, e que levam ao questionamento sobre a eficiência do Sistema de Ensino. Para além dos impactos públicos destes relatórios convém destacar as consequências para estas discussões públicas de estudos que vão sendo publicados em revistas nacionais, em particular na Revista Análise Social. A partir dos anos 60 e após a refundação da democracia portuguesa esta revista apresenta aos públicos, académicos e outros, um conjunto de artigos que mostram que um dos efeitos das políticas públicas educativas é justamente a questão das desigualdades de acesso e de sucesso escolar. Convém também referir que o questionamento do problema das desigualdades escolares e sociais, das suas origens e das suas consequências na sociedade portuguesa, está também presente em outras revistas de Sociologia que entretanto aparecem na academia portuguesa. Para não ser exaustivo, saliento as revistas Sociologia - Problemas e Práticas, a Revista Crítica das Ciências Sociais, o Caderno das Ciências Sociais, o Fórum Sociológico e a Sociologia. Finalmente, a formação pós-graduada que se desenvolve no Sistema Público do Ensino Superior a partir dos anos 80, nomeadamente nas universidades, é também um domínio a destacar quando se pretende olhar para a problemática das desigualdades escolares como um problema público. A partir daquela formação são conhecidas teses de mestrado e de doutoramento que o elegem como um dos objetos relevantes das ciências sociais, em particular da sociologia, antropologia e história da educação.

Se os debates à volta destas questões são frequentes e animados, e, por isso, são objeto de publicitação pelos órgãos de comunicação audiovisuais e escritos, estes não se esgotam no período da reforma Roberto Carneiro. Com outras tonalidades e formas de qualificação, estes não deixam de fazer a sua história como é abundantemente mencionado no livro. A talho de foice, chamo a atenção para os debates à volta da escola segura - a propósito da indisciplina e violência -; para as controvérsias que são suscitadas pelas medidas que estão na base de atribuir uma maior autonomia às escolas com a transferência de responsabilidades para os municípios e para os estabelecimentos de ensino; os dilemas gerados pela definição e aplicação do princípio da escola inclusiva, consagrando o normativo que a escolarização é para todos, descartando-se qualquer motivo moral e político que justifique a exclusão de qualquer pessoa em idade escolar; às dúvidas, às hesitações e à tomada de medidas que levam ao encerramento de escolas e à definição das cartografias que vão reconfigurar a territorialização da rede escolar que instigam polémicas públicas diversas; a inclusão de novas áreas curriculares como por exemplo, a Educação para a Cidadania, a Educação para a Sexualidade, etc. (Resende, 2010).

Salientar a importância destes dois princípios que estão presentes na definição daquilo que o Estado vai determinar como sendo as Bases mais justas, e justificadas, para o incremento do Sistema Educativo, requer pensar que um e o outro se encontram conectados. Neste sentido, todo o debate desenvolvido sobre os normativos que devem acompanhar o desenvolvimento prático das arquiteturas jurisdicionais da democratização do ensino caminham a par de toda a discussão à volta das possibilidades reais de se acelerar ou não os anos de escolarização que se entendem como adequados para o estabelecimento da escolaridade obrigatória. Todas as conexões entre um e o outro destes dois princípios são mencionados no livro que está a ser objeto destas notas de leitura. E estando ali presentes, os dois princípios expressam simultaneamente as narrativas que combinam a sua defesa, isto é, concertam a tese de que a conservação de uma carta que oriente a regulação do sistema educativo e de ensino não pode pôr em causa as potencialidades emancipadoras dos seres escolarizados, que se devem manifestar expressamente nas aquisições de autonomia e de responsabilização que a educação e o ensino proporcionam a todos. Dito de outra forma, a carta magna que proclama as bases da educação e do ensino dá forma, com combinações diversas, às narrativas que exploram as economias para a regulação da expressão dos corpos naquilo que vai sendo socialmente aceitável, e ao mesmo tempo são edificadas, para proporcionar por um diapasão não tão diferente do primeiro, as habilitações indispensáveis para a obtenção da autonomia e da responsabilidade sob diversos ângulos e patamares. Se os sentidos das narrativas da disciplina e da liberdade, que têm estado a dar forma à modernidade política europeia e portuguesa (Wagner, 1996), (Resende, 2003, 2010), têm sido e continuam a ser objeto de amplos debates decorrentes de um sem número de casos polémicos, por isso, publicamente questionáveis, desencadeando paixões políticas e morais entre os seus prós e seus contra, os princípios normativos e morais da carta magna educativa, espelhando aquelas mesmas narrativas, não se livram também das controvérsias e dos dilemas que aquelas recriam habitualmente, pese embora as suas reatualizações apareçam com sentidos que se vão apurando, ou, ao invés, exibem significados que não se encaixam como peças de puzzle nos mapas de sentido anteriormente publicitados. É o que acontece no ciclo político do resgate financeiro, que a propósito do questionamento à volta da qualidade das aprendizagens escolares, são projetadas políticas públicas que geram polémicas diversas, e que muitas vozes proclamam que as consequências da aplicação das suas medidas estão a gerar uma redefinição perigosa daquilo que está consubstanciado na referida Lei de Bases e das suas atualizações que foram realizadas entre 1995 e 2011.

Sendo a história das políticas públicas ligadas ao Sistema de Ensino Público português o eixo central do livro, convém dizer que importa também destacar as ações públicas (Cantelli, Genard, 2007) que decorrem da sua definição, aprovação, e, posterior publicação. Entendo por ações públicas todas as medidas consignadas pelas Leis e Decretos-Leis. Umas aparecem inclusas nos quadros jurisdicionais (Abbott, 1988) outorgados pelo Estado. Outras são também licenciamentos estatais, mas que precisam de posterior regulamentação. Num e noutro caso, nos documentos oficiais que trazem para o espaço público os desenhos das políticas e das medidas das ações públicas mostram através delas um conjunto de crenças doutrinárias, ideológicas e mesmo utópicas, umas heterodoxas outras ortodoxas, sobre a esfera educativa, nomeadamente sobre as promessas a retirar das consequências dos processos de escolarização, quer no âmbito da aquisição bem sucedida dos conhecimentos (dos saberes no sentido amplo do termo) na escolaridade obrigatória, como das habilitações obtidas após o fecho dos ciclos obrigatórios (Resende, 2010). Estas crenças reatualizam-se em cada momento da história da escolarização pública, apresentam-se com novas ou velhas roupagens, mas alimentam as discussões em geral, mas em particular, em problemas que são considerados como questões controversas. Os quadros culturais que estão na base da maquinaria jurisdicional (Abbott, 1988) promulgada pelo Estado dão forma e conteúdo às referidas crenças e às promessas que trazem para as artes de fazer a própria escolarização - de a pôr em marcha nas suas cartografias, que variam ao longo do tempo - mas sobretudo, nos seus efeitos nas artes de fazer as socialidades modernas (Simmel, 1999). Ora num caso como no outro importa dar atenção acrescida tanto aos dispositivos como aos mecanismos e modalidades empregues pelos atores que se encontram envolvidos tanto na sua definição, aprovação e publicação, como na sua discussão, interpretação e aplicação das referidas maquinarias jurisdicionais. Importa sobretudo captar a confluência de sentidos que se geram nas discussões trazidas a público nas mais diversas circunstâncias, mas também os sentidos que se colhem nos estudos realizados nos terrenos educacionais, que vão para além dos muros das escolas. Trazer à tona as significações produzidas nos modos como os atores operam os propósitos das políticas e as ações públicas de cariz educacional é fundamental para enriquecer a análise das qualidades e respetivas economias requeridas pela escolarização. Na verdade, a escolarização moderna traz o desafio circunscrito àquilo que tenho denominado como a Socialização Política (Resende, 2010). Nas atividades e exercícios que são requeridos pelos processos de escolarização para a realização da Socialização Política, as políticas e ações públicas exigem dos atores um trabalho de subjetivação sobre si próprios (Cantelli, Genard, 2007; Resende, Gouveia, 2013; Vieira, Pappamikail, Resende, 2013), e quando os ganhos de autonomização e responsabilização não são os esperados, há no decurso destes processos a intervenção de outros atores que intervêm nas escolas para auxiliarem os professores nos referidos exercícios (Dionísio, 2011, 2015). Dotar as gerações em idade escolar de dispositivos para trabalharem sobre a sua subjetivação está hoje no centro de diferentes controvérsias escolares. Definir e trabalhar tanto os projetos escolares em cada uma das escolas agrupadas, como os projetos individualizados dos alunos, pressupõem um esforço acrescido à governação escolar. É por isso que muitas das tensões suscitadas nas escolas, no decurso do seu dia-a-dia exige cada vez mais num conjunto de políticas localizadas que estão no centro do acolhimento e da habitabilidade dos atores que ali trabalham, mas também outros exercícios em formas diversas (Thévenot, 1986) que implicam uma atenção mais fina aos fenómenos da hospitalidade e da decência na escola. É, neste sentido, que ao problema público das desigualdades escolares se adiciona o problema público das diferenciações sociais (Resende, 2002, 2005). O cruzamento destes dois problemas públicos já tem uma história, mas hoje ele está cada vez mais presente nos estabelecimentos de ensino. E nem sempre as políticas públicas e as ações públicas têm dado a relevância às consequências que dão mostras à confluência das desigualdades com as diferenças sociais na escola e ao longo da escolarização obrigatória. Dar corpo às políticas de inclusão escolar exige essa atenção permanentemente reatualizada em cada ano letivo.

Posto isto, finalizo com o regozijo de este livro ter sido organizado e publicado. Para além de percorrer a história recente das políticas públicas educacionais, o livro apresenta em anexo um quadro com a legislação de 1954 a 2014, um quadro com dados estatísticos e no anexo III apresenta a própria Lei de Bases do Sistema Educativo. Contudo, e para além destas informações, são outros os desafios deixados que instigam a curiosidade do leitor. Mas para o leitor investigador o fomento da curiosidade até pode ser outro: o de continuar na senda dos enigmas trazidos pela escolarização, e pelos seus efeitos nos futuros desenhos das políticas públicas educacionais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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