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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018228.10 

RECENSÕES

GONÇALVES, Leandro Pereira

Plínio Salgado: um Católico Integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2018, 381 pp.

ISBN 9789726713982

Maria Inácia Rezola*

*Escola Superior de Comunicação Social (ESCS-IPL) e Instituto de História Contemporânea (IHC-NOVA), Campus de Benfica do IPL - 1549-014 Lisboa, Portugal. irezola@escs.ipl.pt


 

Resultado da adaptação de uma tese de doutoramento apresentada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2012, a obra Plínio Salgado: um Católico Integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)[1] analisa o percurso político mas também, e sobretudo, o pensamento filosófico-doutrinário do líder integralista brasileiro que, “exaltado e idolatrado por uns, esquecido e ocultado por outros devido ao radicalismo de direita” (p. 355), é uma figura incontornável da política brasileira da época contemporânea.

De extrema utilidade para estudiosos e todos os interessando no fenómeno das direitas radicais, a revisão da literatura que o autor, Leandro Pereira Gonçalves, apresenta no início da obra, deixa patente o amplo interesse que quer a figura de Plínio Salgado, quer o integralismo brasileiro suscitaram, dando lugar a uma relevante e profícua produção bibliográfica. Através dessas publicações é possível reconstituir as principais etapas da vida de Plínio Salgado (1895-1975) e da sua intervenção política, assim como conhecer a organização, estrutura e características do movimento que fundou – a Acção Integralista Brasileira (AIB). Por isso, mais do que uma monografia sobre o Integralismo, ou uma biografia no sentido estrito do termo, o que o autor se propõe é desenvolver um estudo que contribua para a construção de um retrato mais profundo e exato de Plínio Salgado – o intelectual, o político e o líder religioso, o histórico integralista de base cristã, anticomunista, antiliberal e nacionalista –, procedendo, para tal, a uma minuciosa explanação e análise do seu pensamento. A perspetiva adotada revela-se particularmente interessante e original, correspondendo, em última análise, às próprias inquietações de Plínio Salgado, segundo o qual “o escritor não deve ter outra biografia, senão as suas obras” (p. 357).

Adotando uma estrutura cronológico-temática, em cinco capítulo, o estudo acompanha a evolução do pensamento de Plínio Salgado através da sua intensa produção literária, doutrinária e religiosa patente em livros e escritos, entrevistas, depoimentos, manifestos, conferências, etc.

O propósito de proceder a uma leitura analítica do pensamento político de Salgado, cuja intervenção política e epistolar/doutrinária se inicia na década de 1910 e se prolonga por mais de meio século, obrigou Leandro Pereira Gonçalves a um trabalho de fontes notável. Desde logo no que diz respeito ao levantamento e análise da designada bibliografia ativa: um total de cerca de 100 obras de cariz literário, político e religioso (publicadas entre 1919 e 1974), duas dezenas de documentos oficiais (manifestos, diretrizes, regulamentos, estatutos, etc.), mais de 50 manuscritos e documentos arquivísticos (produzidos entre a década de 1920 e a de 1960), mais de uma centena de artigos publicados em periódicos (1916-1975), a par de múltiplas entrevistas (cerca de 40, concedidas entre 1940 e 1975) e do registo das suas intervenções parlamentares no período de 1959 a 1974. Um labor meticuloso e paciente que deixa patente as qualidades do autor, mas também a pertinência da perspetiva de análise por ele adotada nesta obra.

A par da documentação produzida por Plínio Salgado, Leandro Pereira Gonçalves procurou também perscrutar o que sobre ele se disse e escreveu, percorrendo para o efeito uma multiplicidade de arquivos brasileiros, portugueses e italianos, assim como um número considerável de publicações periódicas do Brasil, Portugal e países como Moçambique, Vaticano e Espanha, num intenso levantamento de imprensa que não se circunscreve a títulos de âmbito nacional, explorando igualmente a imprensa regional e local.

O cuidadoso e rigoroso trabalho de fontes desenvolvido é, sem dúvida, uma das mais-valias do estudo em apreço que, por si só, justificaria a publicação deste livro. Dele resulta um mapeamento da vida intelectual de Plínio Salgado que nos desvenda novas facetas do perfil do polémico líder integralista brasileiro; dimensões menos conhecidas ou enfatizadas do seu comprometimento intelectual; os ritmos e etapas evolutivas do seu pensamento, influências e principais fontes de inspiração (nomeadamente o catolicismo social, a Action Française, o Integralismo Lusitano e o fascismo); as estratégias que planeou e aplicou em diferentes momentos e conjunturas; e, entre outras coisas, a complexa teia de relações que estabeleceu ao longo da vida.

O foco escolhido – análise do pensamento – está também na base de uma outra opção metodológica de Leandro Pereira Gonçalves: a atenção dedicada à reconstituição dos contextos culturais, sociais e político, dos diferentes tempos e espaços, em que Plínio Salgado se moveu. Desta forma é possível descortinar, por exemplo, a importância das suas origens familiares na formação de um pensamento de inspiração católica tradicional, nacionalista e autoritário; analisar a sua inserção em novos espaços de sociabilidade (grupos intelectuais de São Paulo) no contexto da consolidação do regime republicano brasileiro e início do percurso em direção ao nacionalismo conservador; ou ainda, o início da sua intervenção política e a aproximação às novas propostas autoritárias e totalitárias que tanto sucesso conheceram na Europa nos anos 20 e 30 do século passado.

Segundo Leandro Pereira Gonçalves, a relação com Getúlio Vargas e o exílio português (1939-1946) foram elementos fundamentais na evolução do discurso e pensamento político de Salgado dedicando-lhes, por isso, uma parte substancial do seu estudo (capítulos 2, 3 e 4). Antes de mais, analisando a evolução das relações de Plínio Salgado com o novo chefe de Estado até à instauração do Estado Novo brasileiro - um percurso agitado, que nos conduz dos momentos das expectativas iniciais até à rutura. Depois, estudando profunda e detalhadamente o exílio do dirigente integralista brasileiro, a sua inserção nas redes do conservadorismo português, as suas ligações à hierarquia e aos círculos católicos portugueses, dando conta de como progressivamente o cristianismo emerge como uma via para construir uma “estratégia de sobrevivência” e renovação do seu discurso, promovendo uma imagem de teólogo e impulsionador de reflexões de cariz cristão.

A análise da “trajetória luso-brasileira” e dos sete anos do exílio luso revelam-se de particular interesse para o leitor português constituindo, em nosso entender, outro argumento forte para a publicação desta obra. Destaque-se, neste domínio, o seu contributo para o conhecimento das elites católicas e do Estado Novo português no contexto da II Guerra Mundial, mas também para o aprofundamento do estudo do Salazarismo. De acordo com Leandro Pereira Gonçalves, uma das pedras de toque do pensamento de Plínio Salgado, que transcende mesmo os anos do exílio, foi a ideia de efetivação de uma comunidade luso-brasileira. Seguindo diferentes caminhos e pistas para analisar a inserção do que designa de “valores lusitanos” no pensamento pliniano, Leandro Pereira Gonçalves constata como Salgado transformou o Estado Novo num “elemento sedutor”, promovendo uma nova imagem da ditadura e do ditador português particularmente conveniente no contexto do pós-Guerra. Reconhecimento pelo acolhimento que o povo lusitano lhe proporcionou? Manifestação sincera da sua admiração por Salazar e pelo Estado Novo português? Independentemente das leituras interpretativas que possam ser apresentadas, é impossível ignorar como Plínio Salgado procurou retirar dividendos desta intervenção, apelando para valores portugueses no sentido de alcançar visibilidade pública e intelectual.

A par dos argumentos até aqui apresentados que, por si só, se nos afiguram como suficientes para fundamentar a pertinência e interesse da obra, cumpre ainda destacar aquele que nos parece ser um dos seus principais méritos: o seu contributo para um melhor entendimento das relações Brasil-Portugal. Como observa Leandro Pereira Gonçalves, foi seu objetivo lançar “um olhar profundo sobre o pensamento político do líder em um traçado ainda não trilhado, com o objetivo de compreender o percurso do integralista e a importância de Portugal no decorrer de sua trajetória, tendo como fundamentação central a hábil produção do autor e suas articulações políticas” (p. 37). Em suma, a sua proposta de análise do pensamento do líder brasileiro e da teia de relações que tece, não apenas com os seus congéneres lusos, mas também com a elite conservadora portuguesa, possibilita uma revisão e um melhor entendimento do integralismo e das relações luso-brasileiras.

Leandro Pereira Gonçalves, atualmente a exercer funções docentes no Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), dispõe de um sólido currículo académico construído nos dois lados do Atlântico. Com Plínio Salgado: Um Católico Integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975) dá mais um importante contributo para os estudos das direitas radicais e dos estudos transnacionais.

A obra é prefaciada por Hélgio Trindade e António Costa Pinto, destacados académicos e nomes de referência dos estudos do integralismo e das direitas radicais.

 

[1] O livro acaba de ser também publicado no Brasil pela Fundação Gétulio Vargas – Gonçalves, Leandro Pereira, Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975), Rio de Janeiro, FGV Editora, 2018.

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