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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018228.09 

ARTIGOS

Mudança institucional e informações durante o período democrático

Institutional change and intelligence in democratic times

João Estevens*

*IPRI, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Avenida de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal. jestevens@fcsh.unl.pt


 

RESUMO

Mudança institucional e informações durante o período democrático. O tema da mudança institucional continua a estar em destaque na agenda de ciências sociais. O presente artigo visa analisar, em perspetiva comparada, as diferentes transformações institucionais dos sistemas de informações portugueses e espanhóis, após a transição para a democracia (democratização no pós-autoritarismo) e após o 11 de setembro (contexto democrático consolidado). Através da aplicação de um modelo de análise da mudança institucional centrado na articulação entre ideias e interesses e com recurso a uma técnica de mapeamento do processo, determinou-se o impacto das duas conjunturas críticas nas diferentes respostas institucionais verificadas nos sistemas de informações.

Palavras-chave: mudança institucional; informações; transição para a democracia; 11 de setembro.


 

ABSTRACT

Understanding institutional change remains a major theme on the agenda of social sciences. Thus, this working paper analyzes, through a comparative perspective, the different institutional transformations of the Portuguese and Spanish intelligence systems after the transition to democracy and after 9/11.We applied an institutional change model centered on the relationship between ideas and interests, and used process tracing as a technique in order to identify the key drivers and inhibitors that explain the different institutional paths observed in the intelligence systems of both countries after two critical junctures.

Keywords: Institutional change; intelligence; transition to democracy; 9/11.


 

INTRODUÇÃO

As transformações políticas, económicas e sociais das sociedades provocam consequências em diversos modelos institucionais (Rueschemeyer, 2009, p. 210). Para os propósitos deste trabalho adota-se uma definição minimalista de instituição, assente na produção de um conjunto de normas (Steinmo, 2008, p. 123), seja um quadro de normas formais ou informais, que regulam e estruturam comportamentos numa determinada área (North, 1990, p. 3; Steinmo, 2008, p. 126; Rueschemeyer, 2009, p. 210). A partir desta definição é possível analisar as origens, as mudanças e continuidades ou as consequências das instituições, segundo diferentes abordagens: sociológica, histórica ou escolha racional, cada uma com um quadro analítico e de procedimentos empíricos substancialmente diferenciados (Rueschemeyer, 2009, pp. 205-207). Ainda assim, as referidas abordagens apresentam limitações na compreensão do processo de mudança institucional (Mahoney e Thelen, 2009, p. 4), tendo-se desenvolvido, nos últimos anos, duas áreas fundamentais no âmbito da análise institucional: o estudo dos mecanismos responsáveis pela mudança institucional e a avaliação do papel das ideias na evolução política e histórica, ambas conciliáveis numa mesma investigação, podendo até as ideias potenciar uma melhor compreensão da evolução institucional (Steinmo, 2008, p. 129). No entanto, as ideias poderão ser mais ou menos implementadas em função dos interesses das elites que lideram a mudança das instituições (Lacey, 2014, p. 517). É importante ter-se em consideração que a mudança institucional tem um papel crítico na (re)estruturação das relações de poder (Bruneau e Boraz, 2007, p. 4), embora apresente dificuldades várias, desde logo porque a produção de um novo quadro normativo pode promover outras mudanças institucionais paralelas, sendo necessário gerir expetativas e conceder um período de tempo para que os atores se adaptem a um novo enquadramento, assistindo-se, por vezes, a uma proteção da estabilidade e tendo a mudança institucional proveniência em fatores ou estímulos exógenos (Rothstein, 2011, p. 221). Assim, a identificação de conjunturas críticas é fundamental para entender os avanços ou inovações institucionais que possam ter ocorrido (Krasner, 1984; Collier e Collier, 1991; Thelen, 1999; Moore, 2010), tornando-se num elemento indispensável aos modelos de mapeamento de processos (Pierson, 2000; Mahoney, 2000; Ritter, 2014). Contudo, a ênfase colocada nos momentos de conjuntura crítica pode, por vezes, ser excessiva, sendo muitas as continuidades existentes em supostas fases de rutura e muitas as mudanças que sucedem em supostas fases de estabilidade das instituições (Thelen, 2003, p. 211). A importância das conjunturas críticas parece ser, desta forma, mais relevante para o estudo das transformações institucionais, por oposição a um estudo que se centre na origem das instituições.

As informações[1] apresentam-se como um elemento vital para qualquer Estado, na medida em que a sua inexistência ou inoperacionalidade condiciona a conceção de uma política externa, de defesa e económica eficazes (Cardoso, 2004, p. 294). Desde o 11 de setembro que os serviços de informações têm merecido destaque nos média e na agenda política, geralmente devido à sua incapacidade em antecipar atentados terroristas como o 11 de setembro (2001), Bali (outubro de 2002), Madrid (março de 2004), Londres (julho de 2005), Mumbai (novembro de 2008), Paris (novembro de 2015), Bruxelas (março de 2016), Nice (julho de 2016), ou Berlim (dezembro de 2016), tendo, no entanto, os seus relatórios legitimado uma intervenção militar no Iraque, cujas evidências apontadas não se vieram a comprovar aquando da atuação no terreno (Díaz Fernández, 2010, p. 224). Este artigo tem por objetivo a compreensão dos fatores que originaram a mudança institucional nos sistemas de informação portugueses e espanhóis naqueles que se consideram, com base na sua evolução jurídico-organizacional em todo o período democrático (ver Rodrigues e Jesus, 2016; Díaz Fernández, 2016), dois grandes momentos de transformação institucional, que ambos os sistemas experienciaram no período democrático, designadamente a criação do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e do Centro Superior de Información de la Defensa (CESID), numa fase inicial do processo de democratização, e, já num contexto democrático consolidado, a Lei n.º 4/2004, de 6 de novembro, que proporcionou uma revisão de grande envergadura e trouxe profundas alterações à Lei-Quadro do SIRP, e a criação do Centro Nacional de Inteligencia (CNI). Sendo um trabalho que se centra no estudo das transformações institucionais, concebe-se a existência de conjunturas críticas motoras para essas mesmas transformações, procurando-se, assim, a identificação do momento de conjuntura crítica decisivo, que despoletou os referidos processos de mudança institucional.

Considera-se que a comparabilidade dos casos é pertinente, acontecendo as duas transições para a democracia num período temporal próximo, em dois países com semelhanças na sua cultura política (Fernandes, 2015, p. 372), que, por vias distintas, transitaram de um regime autoritário para um regime democrático. Ao mapear-se o processo de mudança, está em crer-se que a transição para a democracia se constituiu enquanto momento de conjuntura crítica, determinando as diferentes respostas institucionais que surgiram nos sistemas de informações portugueses e espanhóis. O período das transformações analisadas no segundo momento histórico surge após o 11 de setembro, acreditando tratar-se de um choque exógeno para os sistemas de informações de ambos os países, que se apresenta como momento de conjuntura crítica para as posteriores transformações institucionais que aconteceram nos sistemas de informação portugueses e espanhóis. Uma última consideração metodológica para justificar a abordagem compreensiva realizada, na medida em que o artigo assenta sobretudo em fontes secundárias, complementadas com elementos jurídicos, devido à ampla literatura jurídica e histórica já produzida sobre os sistemas de informações no período democrático. Em função do supramencionado e com base na análise institucional do sistema criminal efetuada por Lacey (2014), propõe-se um modelo de análise da mudança institucional integrado e assente em duas dimensões: o impacto das ideias e dos interesses. As ideias e a sua circulação transnacional potenciaram um contacto direto ou indireto com diferentes modelos organizacionais dos sistemas de informações, valorizando determinadas premissas no desenvolvimento do nation-buiding securitário dos Estados e determinados princípios e valores aos quais se associavam as informações. Porém, estas ideias, que se baseiam numa perceção das elites, podem ter sido mais ou menos efetivadas em função de interesses específicos dos principais atores com acesso ao processo de transformação institucional, condicionados pelo comportamento e relação de forças dos diferentes intervenientes no processo e pelas exigências em matérias de segurança provenientes dos contextos nacional e internacional.

A organização do artigo segue, então, o objetivo traçado, encontrando-se dividido em quatro secções. A primeira dedicada ao entendimento das diferenças nas transições para a democracia em Portugal e em Espanha, seguindo-se uma secção que atenta à evolução dos serviços de informações portugueses e espanhóis antes, durante, e após a transição para a democracia. Na terceira secção reflete-se sobre os impactos do 11 de setembro nos sistemas de informação, com particular destaque para os serviços de informação portugueses e espanhóis. Ao contrário das secções anteriores, que recorrem à literatura existente para efetuar uma descrição de acontecimentos, a quarta secção analisa, em perspetiva comparada, os fatores que determinaram o sentido da mudança institucional nos serviços de informação, de acordo com o modelo de mudança institucional explicitado anteriormente. Por último, conclui-se com a validação das conjunturas críticas para os dois momentos de transformação institucional em estudo e com os contributos da presente investigação.

AS TRANSIÇÕES PARA A DEMOCRACIA EM PORTUGAL E EM ESPANHA

Apesar de não se pretender, nesta secção, entender os determinantes das transformações do regime político nos dois países, amplamente discutidos na literatura sobre os tipos de transição e processos de democratização na Europa do Sul (O'Donnell, Schmitter e Whitehead, 1986; Linz e Stepan, 1996; Gunther, Diamandouros e Sotiropoulos, 2006), parece seguro afirmar-se que Portugal e Espanha se apresentam como duas das primeiras transições da terceira vaga (Huntington, 1991a), sendo as mesmas potenciadas por diferentes atores e constituindo modelos de transição substancialmente distintos (Fishman, 1990, p. 440; Bermeo, 1999, p. 117; Fernandes, 2015, p. 378). Ambas as transições aconteceram num ambiente externo marcado pela Guerra Fria, durante a qual se jogava, também na Europa do Sul, uma luta de poder entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética (URSS) e os interesses da República Federal da Alemanha (RFA) (Pridham, 1991; Schmitter, 1999, p. 377; Nunes, 2003, p. 115; Bruneau e Trinkunas, 2008, p. 53; Castaño, 2012, pp. 22-23; Fonseca, 2012; Sánchez, 2012; Moreira de Sá, 2012). Como afirma Schmitter (1999, p. 397), “todas as mudanças de regime contemporâneas são consideravelmente afetadas pelo contexto político internacional em que ocorrem”, principalmente as transições para a democracia.[2] Todavia, em função dos objetivos do presente artigo, esta dimensão adquire pouca capacidade explicativa, pois não apresenta variação substancial entre os casos.

Uma das principais diferenças entre as transições para a democracia em Portugal e em Espanha é a de que a transição espanhola acabou por não passar por uma fase de revolução social, sendo controlada pelas elites políticas, ou seja, de cima para baixo, através de uma via reformista (Fishman, 1990, p. 429; Bermeo, 1999, p. 151; Fernandes, 2014a, p. 83), representando um modelo de transição por “rutura pactada” (Linz e Stepan, 1996, p. 90; Bermeo, 1999, p. 151). Já o regime de Salazar-Caetano terá sido incapaz de iniciar a reforma do regime, tendo o contexto da guerra colonial, associado às dificuldades de acumulação de capital do país (Santos, 1990, p. 23), precipitado o golpe militar e, consequentemente, uma transformação revolucionária do regime político português (Fishman, 1990, p. 430; Braga da Cruz, 1995, p. 107; Bermeo, 1999, p. 142 e 145; Schmitter, 1999, p. 188; Cerezales, 2003, p. 52; Brito, Aguilar e González-Enríquez, 2004, p. 41). Enquanto a transição para a democracia espanhola foi iniciada pelo regime autoritário, a portuguesa foi agilizada por uma nova elite político-militar. Em função de uma mudança política tão acentuada como uma transição de regime, surgiu um novo desafio para o novo regime emergente, designadamente entender a forma como se iria proceder face às instituições e às elites políticas vinculadas ao regime anterior e face aos indivíduos que foram vítimas da atuação do regime autoritário (Elster, 1998, p. 7; Férnandez, 2004, p. 109).

A transição para a democracia manifestou-se nas elites com duas variantes distintas. No caso espanhol, com uma variante renovadora ou reformista, na qual as principais elites associadas ao período de ditadura aceitaram a democracia com o objetivo de legitimarem a sua governação e continuarem a ser capazes de aceder ao poder, beneficiando, também, de uma insuficiente adesão social da população espanhola aos planos dos ruturistas, que obrigou a que a mudança de regime acontecesse dentro das premissas da paz, da ordem e da estabilidade (Valdeón, Pérez e Juliá, 2014, p. 458). Já no caso português, exemplo clássico do modelo revolucionário, a revolução implicou que as principais elites associadas ao período de ditadura se remetessem para a inatividade política, tendo sido substituídas por oficiais moderados das Forças Armadas (FA) e por políticos civis democráticos que se opunham fortemente quer à ditadura anterior quer aos movimentos extremistas que surgiam no país, no período da transição (Bermeo, 1999, p. 132). Portugal é, assim, um exemplo paradigmático “no qual uma nova elite política utilizou a democracia como uma fórmula legitimadora para um novo regime” (Ibid., p. 133). Esta nova elite representava o legado da oposição à ditadura, resultando desta transformação, no perfil das elites políticas, o desenvolvimento de instituições políticas democráticas que pretendiam a rutura com o passado autoritário (Pinto, 2010b, p. 406). Ainda durante o período de transição para a democracia, uma outra distinção poderá ser encontrada, designadamente nas características das mobilizações sociais, que sendo relativamente similares em termos quantitativos, apresentaram variações radicais e moderadas para Portugal e Espanha, respetivamente. No primeiro caso, esta classificação deriva das ocupações, dos sequestros e expulsões, enquanto no segundo caso se recorre aos tradicionais instrumentos de protesto, como as greves e as manifestações, existindo, assim, níveis médios de transgressão e violência superiores em Portugal face a Espanha (Durán Muñoz, 1997, apud Cerelazes, 2003, p. 31). Deste modo, é possível entender que a violência existente na ação coletiva, neste período, em Portugal, serviu a execução do controlo social (Cerezales, 2003, p. 32).

Wustenberg e Art (2008, p. 73) refletiram sobre a pouca atenção concedida ao entendimento de uma memória coletiva enquanto variável explicativa de algumas transformações no interior dos Estados. Parece evidente que uma mudança de regime político exige que as novas elites no poder enfrentem o legado do passado e reajam institucionalmente face ao mesmo, confrontando ou acomodando este legado na democratização das instituições (Pinto, 2010a, p. 342). Em Portugal, a rutura simbólica com o passado estendeu-se ao afastamento das principais elites políticas da ditadura, bem como de alguns militares conservadores, sendo o tipo de transição para a democracia determinante para a rápida dissolução das instituições do regime anterior e para a criminalização da policia política (Lobo, Pinto e Magalhães, 2016, p. 165). Assistiu-se a um movimento de “Esfascização” ou “saneamentos”, que teve lugar na administração pública e no setor privado. Foi também neste período de transição que surgiram as exigências de incriminação retroativa dos anteriores membros dos organismos repressivos, designadamente da Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) e da Direção-Geral de Segurança (DGS)[3] (Pinto, 2004, pp. 88-89 e 91; Pimentel, 2013, pp. 115-120; Araújo, 2015, p. 346), prontamente dissolvidos pela Junta de Salvação Nacional (JNS) após o triunfo do golpe militar, desde logo devido a algumas das principais figuras políticas do pós-25 de Abril terem sido opositores e dissidentes do Estado Novo, que tinham sido visados pelas atividades abusivas levadas a cabo pela PIDE-DGS (Reis e Silva, 2007, p. 1253). Com a cessação das atividades das comissões de saneamento e com o caminhar para o final da década de 70, em que os militares começaram a libertar espaço na arena política e se assistiu à consolidação dos principais partidos com representação parlamentar, surgiu o clima de reconciliação e pacificação com o passado, procedendo-se progressivamente, a partir de 1976, à reintegração de alguns dos saneados (Pinto, 2004, pp. 103-104; Rezola, 2013, p. 180). O tipo de transição para a democracia acabou por não permitir qualquer rápida reconversão da elite do regime autoritário português (Pinto, 1999, p. 30), estendendo-se a substituição das elites às esferas sociais e económicas além das substituições na esfera política em diferentes níveis (Almeida e Pinto, 2006, p. 54).

Ao contrário do caso português, em Espanha existiu uma menor rutura e confrontação com o passado (Encarnación, 2008, p. 147; Humlebaek, 2010, p. 426; Rezola, 2013, p. 177), em grande medida devido à política de consenso do caso espanhol (Del Aguila e Montoro, 1984, p. 284; Morodo, 1997, p. 111), que permitiu que, após a morte de Franco e o posterior início da fase de transição, não houvesse processos de saneamento das elites políticas vinculadas ao anterior regime (Fishman, 1990, p. 432; Pinto, 2010a, p. 350), fruto de um entendimento tácito entre as elites políticas para a não instrumentalização do passado, explicando-se a moderação dos partidos mais esquerda, em parte, com uma consciência histórica do período de guerra civil dos anos trinta (Fernández, 2004, pp. 109-110). Este adiamento em lidar com o passado foi sobretudo alimentado pelo pacto entre ex-franquistas e antifranquistas (Colomer, 1998, p. 177; Fernández, 2004, p. 148; Valdeón, Pérez e Juliá, 2014, p. 465). Atendendo à permanência de grande parte das elites políticas e económicas espanholas no novo regime democrático, apesar da substituição de uma parte considerável da elite ministerial (Bermeo, 2006, p. 235), devido às amnistias concedidas aos dirigentes da ditadura (Fernandes, 2015, p. 387), poder-se-á entender as continuidades institucionais na administração pública do Estado, pese embora se assinale também algumas transformações, desde logo com a eliminação de alguns corpos especiais de polícia (Fernández, 2004, p. 132). Para Buck (1998, p. 1630), uma transição a partir de cima estabilizará mais facilmente, mas apresentará maiores limitações, designadamente ao nível da continuidade de determinadas práticas não democráticas provenientes do regime não democrático anterior.

O processo de reconstituição do Estado português, que só se iniciaria a partir de 1976, acarretou uma rutura nas dinâmicas organizacionais das instituições do Estado, produzindo uma grave crise de Estado (Lobo, Pinto e Magalhães, 2009, p. 143), que foi além do colapso generalizado das estruturas do Estado com características fascistas, designadamente “(…) o partido único, a polícia política, as milícias para-militares, o tribunal plenário (para julgamento dos crimes políticos), os presos políticos, a repressão da liberdade de expressão e de associação” (Santos, 1990, p. 27), caracterizando-se o período da transição como uma fase de desmantelamento do Estado autoritário (Loff, 2015, p. 29), onde polícia e repressão pareciam ser incompatíveis com o desenvolvimento de um novo regime democrático (Cerezales, 2015, p. 290), mas também pelos constrangimentos provenientes de uma supremacia militar e de movimentos revolucionários de massas, que condicionaram a reforma judicial e de outras estruturas do Estado (Fishman, 1990, p. 431; Magalhães, 1995, p. 67). No período da transição coabitavam diferentes dinâmicas: (1) por um lado, uma elevada mobilização popular, decorrente de um sistema de recompensas mais imediato, consequência de uma participação política mais direta, com respostas mais imediatas para as exigências efetuadas ao sistema político, bem como reduzidos custos políticos; e (2) por outro lado, uma inoperância da validade da ação repressiva, na medida em que as novas elites apresentavam dificuldades em distinguir quais os instrumentos coercivos que faziam parte do legítimo monopólio estatal da violência e aqueles que eram específicos e característicos do aparelho repressor do regime anterior (Cerezales, 2003, p. 65 e p. 107). Assim se justifica que logo após o inicio do período de transição, o Movimento das Forças Armadas (MFA) tenha adquirido o controlo sobre a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), que passaram a ter reduzidas competências na gestão de conflitos e na manutenção da ordem pública, ao mesmo tempo em que careciam do reconhecimento da sua autoridade por parte da população, sendo necessário o apoio político e governamental para evitar o isolamento corporativo, apoio esse que nem sempre existiu. Também a substituição da polícia pelas FA na manutenção da ordem pública se revelou ineficaz em termos de ganhos na validade da ação repressiva, pois evitava-se recorrer à força e ao conflito no espaço público e nem sempre existia a necessária distância social para a constituição da indiferença moral (Domingos, Gago e Salgado de Matos, 1977, apud Cerezales, 2015, p. 291). Em Portugal, a recuperação do controlo efetivo das forças coercivas só aconteceu após o 25 de novembro, contragolpe liderado pelo General Ramalho Eanes, que retirou o domínio do espaço público, em particular dos meios de comunicação, à extrema esquerda, e trouxe a dissolução da unidade antimotim, o Comando Operacional do Continente (COPCON), entrando-se na fase de menor conflito social do período revolucionário (Cerezales, 2003, p. 103) e constituindo a terceira derrota, a definitiva, para o processo revolucionário (Rosas, 2015, p. 202). O início de 1976 marcaria o regresso da polícia às ruas e dos militares aos quartéis, iniciando um processo de adaptação das polícias à atuação em contexto democrático e de compreensão das novas elites políticas sobre a necessidade da violência organizada em todos os Estados, incluindo em regimes democráticos (Cerezales, 2015, p. 296).

Lobo, Pinto e Magalhães (2016, p. 166) apontam a institucionalização do MFA como um fator determinante para a dispersão e paralisação de algumas das instituições do sistema penal e dos seus mecanismos de controlo social, ao qual se poderá acrescentar a herança do duplo legado, do Estado Novo e da transição revolucionária. No caso espanhol, a democratização da polícia acabou por ser mais rápida e profunda do que a portuguesa, em parte devido a uma maior militarização no período autoritário, mas também com recurso a instrumentos simbólicos como a alteração da cor dos uniformes policiais para alimentar a perceção de transformação do Estado no exercício do controlo social (Cerezales, 2010, p. 439 e p. 445), resultando do bloqueio do sistema policial português um alargamento do espaço da transgressão e uma elevada tolerância face às ações ilegais provenientes da expansão e contexto dos movimentos populares (Cerezales, 2003, p. 69 e p. 104). Em Espanha, os reformadores procuraram, no período da transição, controlar as forças policiais sem as alienar do projeto democrático (Cerezales, 2010, p. 438), estendendo a mesma premissa às FA, que acabariam por não intervir de forma substantivamente ativa ou violenta no processo da transição, apesar de alguma contestação militar, gerando o seu comportamento essencialmente neutral um contributo para o modelo de transição, sendo certo que também não tiveram muito espaço para agir diferentemente, pois os reformadores civis, apoiados pelo Rei, monopolizaram a agenda de transição, desde 1976, com as reformas desencadeadas por Suárez, até à constituição de 1978. Isto não invalida que mesmo com FA divididas, a questão militar tenha ficado resolvida na transição, na medida em que não se evitou um aumento da tensão entre poder militar e civil já na fase de consolidação democrática, que culminou com a tentativa de golpe de 1981 (Agüero, 2000, p. 55 e p. 67).

Em suma, estes diferentes modelos de transição para a democracia entre Portugal (revolução) e Espanha (negociação) acarretaram diferenças na forma como os novos regimes políticos percecionaram e restruturam o Estado. No caso português registou-se uma crise do Estado, que implicou ruturas nas suas continuidades, com quebras na capacidade de coesão, disciplina e coerção do Estado, permitindo elevadas mobilizações radicais de base popular, que transformaram profundamente as estruturas sociais e económicas, bem como os processos culturais e políticos, resultando na purga de instituições e indivíduos associados ao anterior regime. Em Espanha, houve continuidade do Estado e uma reforma do regime, sendo a transição orientada para o consenso e dirigida por reformadores, que, em parte, já pertenciam ao regime existente, e membros da oposição democrática, originando compromissos partilhados pelos principais atores em relação a soluções para questões historicamente divisivas e a ausência de purgas nas instituições do Estado, resultando em políticas mais moderadas e restritivas (Fishman, 1990, pp. 434-440; 2010, p. 283).

OS SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES NAS TRANSIÇÕES PARA A DEMOCRACIA

Os sistemas de informações constituem-se enquanto um elemento fundamental do poder dos Estados, podendo estabelecer-se como uma fonte de pressão para países no início da sua democratização (Jervis, 2007, p. xix). Assim, um dos potenciais focos de tensão entre poder civil e poder militar nas transições para a democracia prende-se com o controlo das informações (Bruneau, 2008, p. 456), não só devido a um legado do passado associado a um regime autoritário, mas também com a própria natureza das atividades dos serviços de informações, por vezes evidenciando algum anacronismo com a transparência e proteção de direitos, liberdades e garantias comummente associados a um regime democrático (Bruneau, 2001, p. 321). Compreendendo o caráter secreto e confidencial da produção de informações, os serviços de informações num Estado de direito democrático necessitam de ver inscritos os limites da sua atuação no ordenamento jurídico nacional (Ferreira, 2007, p. 73). Apesar de se reconhecer a importância das informações para o poder e de se consagrar constitucionalmente a segurança como um valor, nas novas democracias, nem sempre é fácil que a mudança institucional ocorra, na medida em que se manifestam várias forças de resistência, sendo variável a forma como se democratizam os serviços de informações nas novas democracias (Estévez, 2013, p. 220). Reconhecendo a influência dos legados autoritários nos sistemas de informações democráticos (Numeriano, 2007, p. 364) e as dificuldades inerentes em transformar uma instituição que serviu durante décadas o regime autoritário (Rodrigues e Jesus, 2016, p. 303), é compreensível a necessidade de criar mecanismos de controlo e de fiscalização político-jurídicos, em função do caráter excecional da natureza das atividades levadas a cabo pelos serviços de informações no contexto de uma democracia liberal (Esteves, 2004, p. 439). No âmbito deste artigo, a análise centra-se nos casos de Portugal e Espanha, países que possuíam uma fraca cultura de informações, emergida somente no contexto pós autoritário, ao contrário da de vários países ocidentais que data do pós II GM (Díaz Fernández, 2010, p. 228), tendo-se desenvolvido um modelo de fiscalização mais intenso no caso português do que no caso espanhol (Esteves, 2004, pp. 450-452).

Em relação ao período anterior à transição para a democracia, a historiografia portuguesa recente parece atestar que a atividade da PIDE-DGS não se entrava na produção de informações, apresentando funções administrativas e de repressão e prevenção criminal (Araújo, 2015, p. 332), atuando fortemente ao nível do controlo e da perseguição dos opositores do regime político (Gouveia, 2013, p. 68), sendo a sua ação no campo das informações insuficiente (Pimentel, 2007, p. 510).[4] Durante o PREC, qualquer tentativa para reconstruir uma estrutura de informações civil parecia significar um regresso ao passado e um renascer da PIDE-DGS (Araújo, 2015, p. 346). Assim, após o 25 de Abril, coube à 2.ª Divisão do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) a centralização e coordenação de todas as atividades de informações a nível nacional, tendo-se procedido à pronta extinção da PIDE-DGS (Pimentel, 2013, p. 115). Ainda em 1974, por iniciativa do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, registou-se uma tentativa para a criação de um serviço de informações, designado como Departamento Nacional de Informações (DNI), mas infrutífera, desde logo face à escassez de meios para alimentar os dois serviços. Posteriormente, em maio de 1975, houve mais uma tentativa para o desenvolvimento do sistema de informações com uma outra estrutura, o Serviço Diretor e Coordenador de Informações (SDCI), que também nunca seria realmente implementada, extinguindo-se no decurso do próprio ano, logo após o 25 de novembro (Cardoso, 2004, pp. 288-289; Marques Pinto, 2004, pp. 481-486). Apesar das dificuldades, Ramalho Eanes, à época o presidente da República, parecia estar sensibilizado para a necessidade de um serviço de informações capaz de apoiar a decisão política e garantir a segurança do país, criando, em julho 1977, um grupo de trabalho, presidido por Pedro Cardoso, com vista à criação de um serviço de informações civil (Monteiro, 2004, p. 460; Numeriano, 2007, p. 223). O ímpeto reformista do PREC não se estendeu, no imediato, ao sistema de informações do Estado devido, em certa medida, a quebras na continuidade do Estado, com repercussões nas instituições e nas práticas do sistema de informações (Araújo, 2015, p. 346), existindo, simultaneamente, uma memória coletiva ainda muito presente das atividades levadas a cabo por duas das principais instituições do regime autoritário português (PIDE-DGS) às quais se associava a produção de informações (Carvalho, 2007, p. 219; Ferreira, 2007, p. 77; Pereira, 2012, p. 19; Gouveia, 2013, p. 68; Araújo, 2015, p. 346).

A consagração do sistema de informações no quadro constitucional português só aconteceria a partir da revisão constitucional de 1989 (Araújo, 2015, p. 349), ficando a constitucionalização da atividade de informações como instrumento da segurança do Estado reservada para a revisão de 1997 (Gouveia, 2013, p. 66). Tal como é defendido por Gouveia (2013, p. 69), o período entre 1974 e 1984 fica caracterizado pela inexistência de serviços de informações civis, sendo este espaço parcialmente coberto pelos serviços de informações militares. Não obstante a exclusividade da responsabilidade dos militares na produção de informações, neste período, a Divisão de Informações (DINFO[5]) também produzia algumas informações estratégicas com interesse para o poder político, em termos de segurança interna e segurança externa, bem como no âmbito da OTAN (Martins, 2010, p. 131), porém insuficientes, na medida em que extrapolava as suas competências e capacidades (Carvalho, 2007, p. 219). A forte presença das FA na vida politica portuguesa parece ter contribuído para o adiamento da democratização das informações e, neste caso, para a criação de uma estrutura civil de produção de informações, embora se reconheça a pouca vontade política demonstrada por outras instituições e pelos próprios partidos políticos no que concerne a criação de um serviço de informações imparcial (Cardoso, 2004, p. 293).

A criação do SIRP aconteceu sem a atribuição de quaisquer competências policiais e de investigação criminal e com a divisão de competências entre diferentes serviços, como garantia suplementar contra potenciais atuações abusivas, devendo-se a sua criação, sobretudo, à necessidade que o contexto potenciou e a um clima político que se pretendia de reconciliação com o passado, mas sem que se esquecesse o espetro da polícia política do regime anterior (Pereira, 2004, p. 515; Portela, 2007, p. 1006; Reis e Silva, 2007, p. 1252; Araújo, 2015, p. 350). Assim, não terá sido de somenos importância a expetativa de integração europeia (Pereira, 2012, pp. 18-19) e a presença da ameaça terrorista em território português, materializada numa série de acontecimentos: (1) a intensificação das atividades da Rede Bombista do Norte e, principalmente, das Forças Populares 25 de Abril (FP-25) com ataques bombistas, homicídios e assaltos à mão armada; (2) a tentativa de homicídio contra Ephraim Eldar, a 13 de novembro de 1979, embaixador de Israel em Portugal, levado a cabo pela Organização Nasserista para a Libertação dos Presos no Egito; (3) a ação terrorista do Exército Arménio Revolucionário (ARA) contra um adido da embaixada da Turquia de 7 de junho de 1982, que levou à morte do diplomata turco; (4) o atentado terrorista perpetrado pela Organização Terrorista de Abu Nidal, com sede na Líbia, que culminou no assassinato do médico Issam Sartawi, representante da Organização para a Libertação da Palestina, a 10 de abril de 1983, à entrada do hotel Montechoro, no Algarve, no último dia do XVI congresso da Internacional Socialista, presidido por Mário Soares; e (5) o assalto terrorista à embaixada da Turquia, de 27 de julho de 1983, reivindicado pelo ARA, tendo provocado dois mortos (Monteiro, 2004, p. 461).

Em suma, foi só no decurso da década de oitenta que se seriam efetivados os primeiros passos para a criação de um serviço de informações totalmente civil, de onde se destacam três momentos:

•     Em 1982 com a previsão legal de um sistema nacional em função do expresso no artigo 67.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, onde se evidenciaria a sujeição do serviço de informações militares das FA à fiscalização que viesse a ser definida para a comunidade de informações;

•     Em 1984 assistiu-se à fundação legal do sistema com a publicação da Lei-Quadro n.º 30/84[6], de 5 de setembro, na sequência do trabalho desenvolvido por uma comissão presidida por Mota Pinto, que definia as bases gerais do SIRP, os limites de atuação e os órgãos e poderes de fiscalização. Ficavam previstos três serviços de informações: o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED)[7]; o Serviço de Informações de Segurança (SIS); e o Serviço de Informações Militares (SIM);

•     O arranque oficial da atividade operacional do SIS aconteceria em fevereiro de 1986 sob a direção de Ramiro Ladeiro Monteiro, convidado para o cargo pelo então ministro de Estado e da Administração Interna, Eurico de Melo (Ibid., p. 464).

Em Espanha, a partir de 1968, a produção de informações esteve a cabo de uma estrutura que viria a ser, mais tarde, designada por Organización Contrasubversiva Nacional (OCN) e, posteriormente, a partir de 1972, do Servicio Central de Documentación (SECED) (Díaz Fernández, 2006a, p. 22), cuja fusão com o Servicio Exterior del Alto Estado Mayor (AEM), originaria, através do decreto real 1558/77, o CESID, já após as primeiras eleições do período democrático e um ano antes da aprovação da constituição, precedente do atual CNI (Ferrer, 2005, p. 83). A criação do SECED, em 1972, surgiu no sentido de fazer face a duas dinâmicas que surgiam no território espanhol. Por um lado, a crescente ameaça do grupo terrorista Euskadi Ta Askatasuna (ETA) no país basco e, por outro, a agudização da oposição ao regime franquista, tornando este período, simultaneamente, num período de crise e de preparação da mudança. O SECED tinha, assim, por missão primordial a produção de informações internas no âmbito dos movimentos estudantis, políticos e sindicais (Carvalho, 2007, p. 216). A oposição ao regime franquista evidenciou-se no meio estudantil, justificando o surgimento da organização “Conde”, de onde derivaria, em 1971, a OCN, alargando também a esfera de ação a qualquer forma com potencial impacto subversivo no regime. As funções da OCN foram revistas com a criação do SECED e acabariam por se dissolver nas atividades do SECED com o decurso do tempo, extinguindo-se formalmente com a criação do CESID, em 1977, dependente do novo ministério da defesa (Peñaranda y Algar, 2005, pp. 107-108). A criação do CESID representou uma escolha atípica, na medida em que se constituiu um serviço único, distinto dos principais modelos ocidentais no que concerne a tradicional separação entre as esferas nacional e internacional da Guerra Fria e mais próximo dos modelos existentes em regimes autoritários (Díaz Fernández, 2016, p. 362). Durante o período da transição, em particular no período após a morte de Franco e até à criação do CESID, coabitaram diferentes organizações que possuíam serviços de informações, como a Division de Intelligencia do Alto Estado-Mayor, nas FA, o Servicio de Informaciones de la Guardia Civil (SIGC), a Jefia de Informaciones (JI) e o Comisariado Generale de Investigacion Social (CGIS) em matérias de pesquisa interna e externa e de vigilância a opositores e contraespionagem, respetivamente, ambas as estruturas inseridas na Direccion General de Seguridad (DGS), e, por último, o Servicio de Informaciones del Movimento Nacional (SIMN) no âmbito da pesquisa em matérias de política interna (Carvalho, 2007, p. 216). Após a criação do CESID, o sistema de informações espanhol ficaria completo com o SIGC e a unidade de informações da Polícia (Díaz Fernández, 2016, p. 363). Apesar do desenvolvimento de atividades contra os grupos de oposição ao regime autoritário de Franco, à medida que a via democrática surgia, os serviços de informações contribuíram para a transição democrática, perdendo a dimensão contra subversiva espaço relativo nas atividades da organização. A transição para a democracia espanhola alimentou o desenvolvimento dos serviços de informações ao mesmo tempo que estes contribuíram para a mudança de regime, de um regime autoritário para uma monarquia parlamentar democrática (Peñaranda y Algar, 2005, p. 115 e p. 119; Díaz Fernández, 2016, p. 361).

À semelhança de outras instituições do aparelho repressivo do Estado, a transição para a democracia implicou a reforma dos serviços de informações espanhóis, adaptando-os à realidade e legalidade democráticas e evitando a duplicação de funções e a falta de comunicação entre os diferentes serviços como se registou no regime anterior, desde logo porque havia três tutelas ministeriais distintas para os órgãos militares, correspondentes aos diferentes ramos das FA (exército, marinha e força aérea), o que dificultava uma abordagem integrada da política de defesa nacional. Durante o período da transição, as elites políticas dirigentes asseguraram que não aconteceria uma divisão do sistema de informações franquista, sendo essencial controlá-lo e mantê-lo ao serviço do poder civil, entendendo-se, assim, a tutela do ministro da Defesa, Manuel Gutiérrez Mellado, um homem de confiança do presidente do Governo, Adolfo Suárez (Díaz Fernández, 2016, p. 363). A organização do serviço passou a centrar-se em três divisões, com sedes próprias, nas áreas interna, externa e técnica e colocava o seu foco em duas ameaças principais que potenciaram um clima de violência que caracterizou os anos setenta de Espanha: (1) as atividades do grupo terrorista ETA e, em menor escala, de outros grupos como os Grupos de Resistencia Antifascista Primero de Octubre (GRAPO); e (2) os movimentos contra regime, da extrema-direita, que pretendiam a rutura com a democracia e o regresso ao anterior regime (Fernández, 2004, p. 114). Contudo, a adaptação organizacional ao novo contexto democrático não foi fácil, experienciando-se, entre 1977 e 1981, um período de inexistência de liderança e objetivos claramente definidos, afetando a produção de informações proveniente do serviço e a eficiência das mesmas para os decisores políticos (Díaz Fernández, 2006a, p. 25). O início da década de 80 ficaria marcado por ataques da ETA contra alvos militares, levando a um crescente mal-estar nas FA e a uma posterior tentativa de golpe de Estado, que contaria com o apoio de vários membros do CESID, culminando na substituição do então diretor, Narciso Carrera, pelo tenente-coronel Emílio Alonso Manglano, iniciando-se, a partir de 1981, uma fase de maior estabilidade no sistema de informações (Brandão, 2012, p. 84).

O 11 DE SETEMBRO E OS SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES

Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 evidenciaram uma fragilidade dos serviços de segurança e defesa americanos que se desconhecia, em particular do sistema de informações, cujas falhas levaram à não identificação da ameaça terrorista, não existindo qualquer hipótese para os atores políticos agirem antecipadamente no sentido de acionarem os meios necessários à mitigação ou supressão da ameaça (O'Connell, 2006, p. 1655). O 11 de setembro deu o mote para o desenvolvimento da defesa preventiva internacional, sendo a cooperação um dos grandes pilares, aceitando-se as dificuldades que um Estado de direito democrático possa ter no combate ao terrorismo sem ter de restringir ou suspender liberdades (Pereira, 2004, p. 532). Este acontecimento representou uma crise em matéria de segurança internacional, sendo os serviços de informações uma das estruturas mais visadas aquando do apuramento de responsabilidades (Carvalho, 2007, p. 229). Não obstante os sucessos dos serviços de informações durante o período da Guerra Fria (Odom, 2003, p. 185), as suas transformações na década de noventa (Kim e Moon, 1996) e o reconhecimento da necessidade das informações no combate ao terrorismo (Bruneau, 2008, p. 459), o relatório da comissão criada para analisar o ataque de 11 de setembro, publicado em julho de 2004, veio demonstrar as falhas existentes, apontando cinco grandes recomendações para a reorganização do sistema de informações americano (O'Connell, 2006, p. 1664): (1) maior cooperação entre os serviços de informações estratégica e planeamento operacional no combate ao terrorismo islâmico radical dentro e fora do território americano com recurso a um centro nacional de contraterrorismo; (2) criação de um diretor nacional de informações que coordenasse os serviços de informações; (3) integração das várias unidades de contraterrorismo numa rede transnacional de cooperação e partilha de informações; (4) reforço dos mecanismos de fiscalização dos serviços de inteligência; e (5) reforço dos meios do Federal Bureau of Investigation (FBI) e de outros serviços e forças de segurança interna. Estas propostas decorreram das evidências sobre a fragmentação do sistema e da pouca partilha de informações entre os diferentes serviços de informações, que possuíam, isoladamente, pistas que ao serem agregadas a outras pistas pertencentes a outros serviços poderiam ter permitido a identificação da ameaça (de Bruijn, 2006, p. 267; Díaz Fernández, 2006b, p. 7; Best Jr., 2011, p. 2). As consequências do 11 de setembro nas informações estenderam-se para além do sistema de informações americano, iniciando-se, a partir desse momento, um novo ciclo na produção de informações (Rodrigues e Jesus, 2016, p. 299), assente na partilha, interna e externa, de informações com base no reforço dos mecanismos de cooperação e numa maior centralização, que potenciaria um maior controlo das atividades dos diferentes serviços. Estas novas premissas, a partir das quais se deveriam reger os sistemas de informações, apresentam uma dimensão paradoxal, na medida em que o need to share se pode opor em algumas circunstâncias ao need to know e que o controlo centralizado implica a perda, pelo menos parcial, da autonomia dos serviços no desenvolvimento de atividades de cooperação (de Bruijn, 2006, p. 285). O 11 de setembro também contribuiu para o esbatimento de uma perceção dicotómica entre segurança interna e defesa externa, que legitimava a unificação dos serviços de informações num só serviço com competências internas e externas (Pereira, 2004, p. 517), e para o reforço da necessidade de acomodar “novas” funções nos sistemas de informações, designadamente uma maior reflexão sobre as atividades levadas a cabo, o desenvolvimento de técnicas de análise prospetiva no âmbito da política externa e da segurança e o consequente reforço do apoio à decisão política nestas áreas (Díaz Fernández, 2006b, p. 37).

Em Portugal, ainda antes da aprovação a Lei de Combate ao Terrorismo, Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, a partilha das informações foi colocada em prática com a criação da Unidade de Coordenação Antiterrorismo[8] (UCAT), em fevereiro de 2003 (Portela, 2009, p. 506), numa clara resposta aos acontecimentos do 11 de setembro (Carvalho, 2007, p. 231; Ferreira, 2007, p. 80) e em antecipação à organização do Campeonato da Europa de 2004 (Guedelha, 2013, p. 17), tendo a sua criação representado um primeiro passo na cooperação horizontal entre diferentes serviços, na coordenação da segurança e na partilha efetiva de informações entre SIS e SIED (Pinto, 2012, p. 173), ainda que se possam ter identificado vários desafios por superar numa fase inicial deste novo ambiente institucional: competição entre os diferentes serviços, falta de cultura de partilha de informações, inexistência de coordenação e agenda concertada (Portela, 2009, pp. 506-507). No período após o 11 de setembro e já após o 11 de março, que aproximou a ameaça do terrorismo internacional do território português (Pinto, 2012, p. 161), o sistema de informações sofreu um reforço de meios, humanos e financeiros (Diogo, 2012, pp. 86-87), e uma transformação estrutural com a aprovação e publicação da Lei Orgânica n.º4/2004, de 6 de novembro, que efetuou a revisão da Lei-Quadro do SIRP, colocando os dois serviços de informações, SIED[9] e SIS, na dependência direta do primeiro-ministro e criando o cargo de secretário-geral do SIRP para coordenar os serviços de informações, que é equiparado a secretário de Estado, exceto no que diz respeito à nomeação e em situação de exoneração do governo no poder. Deste modo, a tutela dos serviços de informações passou a ser exercida diretamente pelo primeiro-ministro, ao invés da anterior dependência ministerial, como constava da Lei n.º 4/95, de 21 de fevereiro, na qual o SIS estava dependente do primeiro-ministro através do ministro da Administração Interna e o então SIEDM do ministro da Defesa Nacional (Araújo, 2015, p. 350). A eliminação das tutelas intermédias já tinha sido um dos contributos centrais para criação de uma estrutura coordenadora dos dois serviços, designada por Autoridade Nacional de Informações (ANI), cuja criação estava prevista para 2002, acabando por nunca ter sido efetivada, tendo-se posteriormente avançado para a Lei n.º 4/2004 supramencionada (Ferreira, 2007, p. 81). Em novembro do mesmo ano é provido, pela primeira vez, o cargo de secretário-geral do SIRP, com a nomeação de Domingos Jerónimo, ao qual sucede, em 2005, Júlio Pereira, que se mantém em funções até aos dias de hoje. Em 2007, com a Lei 9/2007, de 19 de fevereiro, procedeu-se à colocação do SIED e do SIS na dependência direta do primeiro-ministro e à criação de estruturas administrativas comuns de apoio à atividade do SIED e do SIS, designadamente ao nível dos recursos humanos, da área financeira, das tecnologias de informação e da segurança, mantendo cada um dos serviços centros de dados autónomos. Uma vez mais, esta reforma do SIRP parece ter acontecido no seguimento dos acontecimentos do 11 de setembro e do 11 de março (Numeriano, 2007, p. 228; Araújo, 2015, p. 351).

A criação do CNI, em Espanha, 2002, com a Ley 11/2002, de 6 de maio, veio reconhecer o sistema unitário e integrado, reforçando o controlo parlamentar e judicial com a Lei Orgânica 2/2002, também de 6 de maio. A transformação do CESID no CNI, cujo diretor passou a deter o estatuto de secretário de Estado, veio efetivar uma centralização da comunidade espanhola de informações (Carvalho, 2007, p. 217). Este redesenhar do sistema de informações poderá ter derivado maioritariamente de dinâmicas internas próprias[10] e de uma desadequação da estrutura organizacional do CESID, pese embora o sistema já estivesse na dependência funcional do presidente do Governo (Ibid.), ao invés de uma consequência direta do 11 de setembro (Díaz Fernández, 2006b, p. 21; Numeriano, 2007, p. 234), desde logo porque já se tratava de um objetivo inicial do governo chefiado por José María Aznar, em 1997. Não obstante, só foi possível reunir os consensos necessários, em particular junto do PSOE, para a reforma do então CESID no seu segundo mandato, em 2001 (Villalonga, 2005, p. 161). É durante a fase de gestação normativa do CNI que se dá o 11 de setembro, não se podendo ignorar o seu impacto em alguns princípios organizacionais, designadamente ao nível da cooperação, do que viria a ser o CNI e no ritmo dos trabalhos técnicos e parlamentares (Ibid., p. 162; Numeriano, 2007, p. 237). A adicionar a três décadas de luta contra o terrorismo dentro do próprio território (Enamorado, 2005, p. 227), em Espanha assistiu-se ao intensificar da ameaça terrorista internacional com os atentados terroristas de 11 de março de 2004, em Madrid, implicando um aumento do orçamento do CNI, à semelhança do que acontecera no pós 11 de setembro em grande parte dos países (Díaz Fernández, 2006b, p. 24). Em maio do mesmo ano foi criado o Comité Ejecutivo para el Mando Unificado de las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad del Estado (CEMU), tutelado pelo ministério do interior, e, ainda durante o mesmo mês, o Centro Nacional de Coordinación Antiterrorista (CNCA) (Ibid., pp. 26-27), na linha de uma das recomendações propostas pela Comissão do 11 de setembro. Estas medidas, tal como a criação da Dirección General de Infraestructuras y Material de Seguridad (DGIN) e o Consejo de Defensa Nacional (CDN), com a Lei Orgânica da Defesa Nacional, Ley 5/2005 de 17 de novembro, surgem após o debate que emergiu acerca do funcionamento dos serviços e forças de segurança espanhóis, onde se incluem os serviços de informações, na sequência do 11 de março (Díaz Fernández, 2010, p. 228 e pp. 239-241). Por último, não se poderá deixar de referir que foi, ainda, no enquadramento do pós 11 de setembro que aconteceu o debate acerca da dependência do CNI ao ministério da defesa, como defendia o então ministro da defesa Federico Trillo-Figueroa y Martínez-Conde, que não conseguiu levar os seus intentos adiante, ficando o CNI na dependência direta do Presidente do Governo (Díaz Fernández, 2006a, p. 34).

AS TRANFORMAÇÕES INSTITUCIONAIS NOS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES EM PERSPETIVA COMPARADA

Com base no modelo de análise da mudança institucional anteriormente proposto e considerando o mapeamento dos acontecimentos, efetuado nas secções primeira e segunda, pode-se afirmar que a transição para a democracia se constituiu como o momento de conjuntura crítica determinante para a rutura e para a reforma do sistema de informações em Portugal e Espanha, respetivamente, com impactos ao nível das relações entre poder militar e civil, da via ruturista/reformista nas organizações do Estado e do afastamento ou permanência das anteriores elites políticas. Nesta tentativa de democratização dos sistemas de informações civil, houve diferentes fatores a condicionarem as respostas institucionais, tendo emergido elementos que contribuíram para potenciar a democratização do sistema de informações civil e outros que inibiram esta democratização, tal como conta do Quadro 1.

 

 

No caso português, durante a fase de transição, não existia estabilidade política, nem estava definido o equilíbrio de poder entre os diferentes órgãos do poder político, dificultando a criação de um modelo de informações consensual ou de uma estratégia coordenada e integrada para a segurança nacional e para a democratização das forças e serviços de segurança, ainda que se reconhecesse a sua indispensabilidade. Posteriormente, com a aprovação da constituição de 1976, houve a formalização da presença das FA nos órgãos de soberania, provida de uma legitimidade revolucionária, ao mesmo tempo que prevaleceu uma atuação que privilegiou a rutura nas instituições do aparelho repressivo do Estado, explicada através de uma crise de Estado. O processo de justiça de transição integrou uma política de saneamentos intensa, que contribuiu para a substituição das elites políticas e administrativas do Estado Novo, tendo a nova elite dirigente uma memória coletiva da atuação da PIDE-DGS, no anterior regime político, associada ao sistema de informações, evitando-se um extenso debate sobre o papel das informações civis no desenvolvimento securitário de um Estado democrático nesta fase inicial. Também a institucionalização das FA, quer com o MFA, quer com o Conselho da Revolução (CR), dificultou a compreensão da necessidade de um sistema de informações que comportasse uma dimensão civil e não só militar, criando vários focos de tensão numa eventual extensão civil do sistema de informações, durante a fase de transição e mesmo numa fase inicial do período pós-constitucional. A criação do SIRP surgiu após a revisão constitucional de 1982 e a consequente extinção do CR, permitindo, assim, a subordinação do poder militar ao poder civil e o desenvolvimento de serviços de informações civis, tendo a memória coletiva do binómio informações-polícia política ficado submetida ao desejo de reconciliação com o passado e consolidação da jovem democracia portuguesa, bem como da crescente ameaça terrorista existente que se fez sentir após a transição para a democracia. Deste modo, apesar de se reconhecer a importância das informações para o poder político e para o desenvolvimento securitário do Estado, houve uma conjugação de fatores, originários da transição revolucionária portuguesa, que não potenciou a democratização dos serviços de informações durante ou imediatamente após a transição, bloqueando esta transformação até à década de oitenta.

Em Espanha, a transição para democracia estabeleceu-se com um modelo de “rutura pactada”, o que potenciou uma renovação das elites políticas sem que as anteriores fossem necessariamente afastadas, bem como maiores continuidades institucionais na administração pública do Estado. Simultaneamente, e apesar de algumas tensões entre poder militar e poder politico, como no golpe de Estado de fevereiro de 1981 e com a tentativa de um outro no ano seguinte, houve um controlo do poder militar por parte do poder civil. Este resultado da transição espanhola permitiu a adaptação dos serviços de informações durante o período de transição, tendo mesmo contribuído para a implementação da democracia em Espanha, bem como o desenvolvimento imediato de uma estratégia integrada para a segurança nacional, de onde constava a democratização das forças e serviços de segurança. Face à necessidade do acesso às informações por parte do poder político e à muito forte ameaça terrorista e separatista que se vivia durante os anos da transição, os serviços de informações, à semelhança do que sucedera com outras instituições, sofreram uma mudança institucional, que permitiu a sua democratização durante a transição sem que houvesse uma interrupção na produção de informações.

Tendo em consideração a terceira secção, é possível percecionar o 11 de setembro como o momento de conjuntura crítica que originou novas ideias sobre a organização e as atividades dos sistemas de informações. O início do debate acerca destas ideias até pode ter precedido o 11 de setembro, contudo estes ataques terroristas conceberam um momento de oportunidade política para a mudança institucional nos sistemas de informações ao mostrar a incapacidade de adaptação dos serviços de informações para fazer face a uma ameaça em transformação. As atividades de contraterrorismo ganharam espaço relativo nas agendas dos diferentes sistemas de informações e, consequentemente, recursos. Colocando o sentido da mudança institucional em três dimensões, nomeadamente na maior partilha de informações, na maior integração dos serviços e na maior centralização do controlo das informações, procede-se, através do Quadro 2, à análise dos fatores potenciadores e inibidores da esperada mudança institucional, que culminou com a manutenção do serviço único no CNI e dos dois serviços, interno e externo, no SIRP.

 

 

O debate sobre a organização institucional dos serviços de informações, em particular sobre a existência de um serviço unitário ou de dois ou três serviços (interno, externo e militar) é anterior aos ataques terroristas de 11 de setembro. No entanto, concluiu-se que estes tiveram um papel determinante nas mudanças institucionais dos serviços de informações no período que se seguiu, principalmente porque acarretaram novas ideias organizacionais, num ambiente securitário em que os Estados se apresentavam enquanto coprodutores de segurança, numa escala global, e onde se registou uma suavização dos limites de separação entre segurança interna e externa, que potenciariam a mudança. Se em Espanha a mudança já estava em curso devido a uma forte ameaça terrorista interna e a relatos de alguma ineficiência organizacional do CESID, que garantiram o consenso politico para a mudança, o reforço da dimensão cooperativa e a manutenção do serviço único parecem ter sido influenciados pelos acontecimentos do 11 de setembro e, posteriormente, pelo 11 de março. Em Portugal, apesar de se ter verificado um processo de mudança institucional potenciado pelas ideias que emergiram neste período, há que referir que se tratou de uma reforma institucional sobretudo ao nível da coordenação e centralização do controlo das informações, não se estendendo à integração dos serviços, embora se verificasse, a partir de 2003, a partilha de informações na UCAT e, a partir de 2007, a partilha de estruturas administrativas comuns de apoio à atividade do SIED e do SIS. A não integração dos dois serviços num serviço único poderá ter derivado de uma relativa satisfação do poder político com o desempenho do SIRP com dois serviços, reconhecendo-se, ainda, que a integração do SIED no funcionamento do SIRP, já no decurso da segunda metade da década de noventa, representava uma transformação institucional recente na sua orgânica. Ainda assim, os interesses específicos das elites no poder parecem ter sido decisivos para explicar os diferentes caminhos seguidos pelos sistemas de informações portugueses e espanhóis, parecendo, no caso português, continuar a evitar-se a concentração das atividades de informações num só serviço, podendo especular-se se as elites políticas ainda se regiam, no início da passada década, por uma política da memória em que se continuava a associar o SIRP a um passado das informações durante o regime autoritário do Estado Novo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo tinha por objetivo a compreensão da mudança institucional nos sistemas de informações aquando da democratização num contexto de pós autoritarismo e da transformação da gestão da segurança num contexto democrático consolidado, identificando-se diferentes padrões de variação institucional entre os casos. Através do mapeamento dos acontecimentos que acabariam por originar as diferentes respostas institucionais dos sistemas de informações portugueses e espanhóis, validam-se a transição para a democracia e o 11 de setembro como os dois momentos de conjuntura crítica que originaram processos de mudança institucional relativamente dissemelhantes.

A aplicação de um modelo de análise da mudança institucional integrado, incorporando, simultaneamente, as ideias provenientes das perceções das elites com acesso a este processo e os interesses específicos dos atores num determinado contexto, parece ter proporcionado uma compreensão mais alargada das dinâmicas existentes, que contribuíram para potenciar ou inibir uma determinada evolução institucional esperada. Assim, é possível identificar a combinação entre fatores associados a uma memória coletiva com fatores provenientes das relações entre poder civil e militar ou da atuação das elites do novo regime face às instituições do Estado como os determinantes da mudança institucional, sendo as variações destes fatores determinantes para os diferentes caminhos institucionais seguidos pelos sistemas de informações portugueses e espanhóis aquando da transição para a democracia. A literatura existente sobre a democratização dos serviços de informações nem sempre parece ter em consideração a totalidade dos fatores com impacto no resultado da variável dependente, fornecendo, nesses casos, explicações parcelares para a compreensão da mudança institucional. O mesmo sucede no estudo da evolução dos sistemas após o 11 de setembro, onde a incorporação de ideias transnacionais sobre o modelo organizacional dos sistemas de informações, embora amplamente aceite pelos agentes da mudança institucional, foi mais ou menos efetivada em função de diferentes interesses específicos produzidos pela realidade nacional. Assim, está em crer-se que esta discussão analítica representa um contributo para o debate teórico acerca da mudança institucional, acrescentando, ainda, conhecimento marginal no âmbito dos estudos comparativistas sobre os impactos dos diferentes modos de transição para a democracia, em Portugal e em Espanha, em diferentes domínios societais, como, por exemplo, a sociedade civil (Fernandes, 2014; 2015), os processos constituintes (Fortes, 2009), a memória coletiva (Brito, González-Enríquez e Fernández, 2004), a evolução do poder militar (Agüero, 1995) ou o emprego e a política laboral (Fishman, 2010).

 

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Recebido a 26-07-2016.

Aceite para publicação a 14-07-2017.

 

[1]       Não há consenso no que diz respeito à definição de informações, conceito similar a intelligence, existindo definições várias, maximalistas e minimalistas, para o mesmo conceito (Fiães Fernandes, 2014, p. 79). Em todo o caso, consideram-se as informações como o produto de um processo que, com recursos a uma metodologia e técnicas analíticas próprias, visa a criação de conhecimento especializado de valor acrescentado (Krizan, 1999, p. 7) para auxiliar a tomada de decisão de um determinado destinatário (Muller-Wille, 2004, p. 7), neste caso o Estado.

[2]       A fase de consolidação democrática é formalmente iniciada com a aprovação da constituição, a 2 de abril e 1976, e as eleições de 25 de Abril de 1976 para a Assembleia da República, pese embora se possa considerar, de acordo com os critérios de Linz e Stepan (1996, pp. 6-7), o alargamento do período de transição até à subordinação das FA ao poder civil com a extinção do Conselho da Revolução em 1982 (Moreira, 1999, p. 207), período que marcou o término do conflito de legitimidades entre órgãos de soberania não eleitos democraticamente, que se reivindicavam de uma legitimidade revolucionária, e órgãos de soberania democraticamente eleitos e com legitimidade eleitoral democrática. Em Portugal, à semelhança do caso espanhol, a subordinação do poder militar ao civil saiu reforçada com a integração europeia (Huntington, 1991b, p. 14; Schmitter, 1999, p. 381). Ainda assim, ao contrário de Portugal, já membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) desde a sua fundação, a adesão espanhola a esta instituição facilitou o controlo civil das FA no período que se seguiu à mudança de regime (Schmitter, 1999, p. 395).

[3]       As exigências para a criminalização dos elementos anteriormente pertencentes à PIDE-DGS intensificaram-se após a queda de Spínola, sendo aprovada a Lei n.º 8/75, de 25 de julho, a lei penal incriminadora dos quadros dirigentes e técnicos da PIDE e da DGS, com caráter retroativo (Raimundo, 2015, p. 18), que previa uma moldura penal de dois a doze anos de prisão, variável em função da responsabilidade dos indivíduos nas instituições. Todavia, com o fim do PREC alterar-se-iam as características incriminatórias da Lei n.º 8/75 (Pimentel, 2013, p. 119 e p. 122).

[4]       Também o atraso das suas técnicas, quando em comparação com outros organismos, como a Central Intelligence Agency (CIA), era reconhecido (Casaco, 2003, p. 88 e Pimentel, 2007, p. 122, apud Araújo, 2015, p. 341). Esta consciência parece derivar do elevado contacto com serviços congéneres na esfera internacional, apresentando os corpos dirigentes da PIDE e da DGS fortes ligações pessoais com membros de serviços de informações de países democráticos (Araújo, 2015, pp. 341-343). Noutro sentido, é importante mencionar que as relações entre informações militares e civis, provenientes da PIDE, nem sempre se caracterizaram por completa articulação (Vegar, 2007, p. 133 e Marques Pinto, 1995, p. 478, apud Araújo, 2015, p. 341), pese embora o apoio da última ao esforço militar durante a Guerra Colonial (Mateus, 2004, p. 420). De resto, derivado de alguma tensão entre as FA e a DGS, parece ter existido um total desconhecimento das movimentações do MFA no período que antecedeu o 25 de Abril de 1974 (Pimentel, 2007, pp. 504-509; Araújo, 2015, pp. 342-343).

[5]       Sobre algumas das atividades levadas a cabo pela DINFO, entre 1976 e 1988, ver Serra (1998).

[6]       A orgânica do SIRP contemplava, além do secretário-geral e do SIS e SIED, o Conselho de Fiscalização (eleito pela Assembleia da República), o Conselho Superior de Informações (órgão interministerial presidido pelo primeiro-ministro) e a Comissão de Fiscalização de Dados (constituída por três magistrados do Ministério Público). Ainda no mesmo ano, é aprovado o Decreto-Lei n.º 372/84, de 28 de novembro, que criava a orgânica da Autoridade Nacional de Segurança (ANS), sendo da sua responsabilidade a segurança de toda a informação classificada, em especial no âmbito da OTAN (Araújo, 2015, p. 349).

[7]       O arranque da atividade operacional do SIEDM só aconteceria em 1997 após a Lei n.º 4/95, de 21 de fevereiro, com a extinção do SIM e atribuindo ao SIEDM competência exclusiva para a produção de informações estratégicas de defesa e militares, mantendo-se na esfera das FA a Divisão de Informações Militares (DIMIL), criada com o Decreto-Lei n.º 48/93, de 26 de fevereiro, atuando sobretudo no campo das informações relativas à segurança militar (Ferreira, 2007, p. 79). Um dos desafios que se colocou à afirmação do SIED foi, primeiramente a necessidade de consolidação do SIS e, posteriormente, a existência de uma estrutura de informações militares nas FA, designadamente a DINFO (Monteiro, 2004, pp. 464-465).

[8]       De acordo com o disposto no artigo 23.º da Lei n.º 53/2008, a Lei de Segurança Interna, de 29 de agosto, integram a UCAT os Secretários-Gerais do Sistema de Segurança Interna e do Sistema de Informações da República Portuguesa, o comandante-geral da Guarda Nacional Republicana, os diretores nacionais da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Judiciária e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e os diretores do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança, bem como a Autoridade Marítima Nacional.

[9]       Nesta revisão, o SIEDM voltou a ficar desprovido de funções de produção de informações militares, passando a SIED e autonomizando as informações militares.

[10]      Algumas das práticas desenvolvidas pelos serviços de informações espanhóis foram questionadas publicamente em relação ao seu enquadramento legal. Estes acontecimentos associados à inexistência de mecanismos de fiscalização externos “abalavam a credibilidade do alegado controlo governamental sobre o Serviço” (Esteves, 2004, p. 453).

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