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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.228 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018228.01 

ARTIGOS

As eternas aprendizes de Euterpe: mulheres que escrevem sobre música em círculo(s) de sociabilidade (1901-1930)

The eternal apprentices of Euterpe: Women writing on music in circle(s) of sociability (1901-1930)

Ana Luísa Fernandes Paz*

*Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - 1649-013 Lisboa, Portugal. apaz@ie.ulisboa.pt


 

RESUMO

As eternas aprendizes de Euterpe: mulheres que escrevem sobre música em círculo(s) de sociabilidade (1901-1930). Este artigo debruça-se sobre nove mulheres musicistas-escritoras, i.e., professoras, intérpretes ou compositoras, que, entre 1901 e 1930 publicaram em Portugal obras sobre música e sua educação. Foi uma época de extraordinário impulso e procura de ensino artístico – mas o que as levaria a publicar? O surgimento como autoras peritas ou divulgadoras invalida a interpretação de se dedicarem à escrita ao incorporarem o tradicional papel de mulher-educadora, geralmente prolongando a sua atividade docente. Propõe-se compreender o papel das escritoras-musicistas na constituição de uma expertise musical e a especificidade dos seus círculos de sociabilidade.

Palavras-chave: história das mulheres; história cultural; século XX; expertise musical; sociabilidade.


 

ABSTRACT

This paper focuses on the published work of nine female writer-musicians on the topics of music and its education in Portugal between 1901 and 1930. This is a period marked by an extraordinary drive and demand for art(istic) education. However, the advent of these authors as experts in the music field invalidates the notion that writing could emerge only within the familiar boundaries of the “female educator”, a traditional role in which it became an extension of the teaching profession. Writer-musicians will be framed in the twofold movement that seems to both legitimize and support them: the establishment of a musical expertise and their specific forms of sociability.

Keywords: women's history; cultural history; 20th Century; musical expertise; sociability.


 

INTRODUÇÃO

Apresenta-se uma prosopografia ou biografia coletiva de mulheres que foram, simultaneamente, musicistas e autoras de obras especializadas sobre música.

O objetivo deste exercício é procurar compreender as dinâmicas que levaram a que estas mulheres deixassem de ser apenas musicistas e passassem a acumular também a ocupação (esporádica ou constante) de escritoras.

O conjunto de musicistas-escritoras foi identificado no âmbito de uma investigação anterior sobre o ensino e a educação musical portuguesa entre 1868-1930, um período marcado pela expansão da procura pelas formações artísticas (formais e não formais[1]), e pelo fechamento da música como área disciplinar (Paz, 2014). Ao explorar as modalidades de escrita sobre música (e.g., temas, filiação disciplinar) a partir de um inventário de 492 títulos de monografias publicadas nesta época (portuguesas ou trazidas para o país), apercebi-que de que, nos inícios do século XX, e pela primeira vez nessa cronologia, nove mulheres portuguesas interligaram conhecimentos musicais e práticas de escrita. Também pela época (tardia) de aparição, o modesto número de escritoras contrastava com uma muito mais vasta população de escritores masculinos. De facto, sempre se encontraram em Portugal músicos-escritores, mas as mulheres apenas começaram a publicar a partir do século XX. Ademais, como se irá discutir neste estudo, elas apresentavam características socioeconómicas diferenciadas dos colegas masculinos – pertenciam aos altos estratos da burguesia ou à recente nobreza de sangue. Os músicos-escritores estavam claramente definidos em dois grupos socioeconómicos. Por um lado, os diletantes, oriundos de estratos da alta burguesia (como estas senhoras), acumulavam a sua profissão liberal com a escrita sobre música, por prazer. Por outro lado, os músicos profissionais, pertencentes aos estratos da classe média inferior e média, geralmente sem outros meios de subsistência para além da sua profissão, desdobravam-se em diversas atividades musicais remuneradas, sendo a escrita uma parte inerente ou um prolongamento da sua profissão.

Procurei, em estudos precedentes, compreender o que teria levado a que estas nove mulheres, mais ou menos na mesma época, tivessem passado a escrever sobre música. Feminismo (Paz, 2014), republicanismo (Paz, 2017), maçonaria (Paz, 2015), sem conseguir explicar esta irrupção. Este artigo move-se, assim, pela seguinte interrogação: o que levou estas mulheres a passarem os seus conhecimentos para texto, publicando-os sob a forma de uma monografia? Coloca-se como hipótese a existência de alguma dinâmica de sociabilidade mais ou menos restrita, e que, portanto, não seria visível num movimento (estético, político). Para perceber se havia ou não alguma possibilidade de relacionar escrita autoral e sociabilidade feminina, analisaram-se as suas trajetórias através de uma biografia coletiva, com o propósito de entrever aspetos comum entre elas, que permitissem compreender o seu interesse pela publicação dos saberes musicais.

A prosopografia como possibilidade metodológica torna assim equivalentes, à superfície da investigação, nove figuras que, na verdade, foram tratadas de modo desigual pela historiografia, musicologia, pela biografia e até pelos meios de comunicação (imprensa periódica genérica e especializada). Sobre algumas destas mulheres sabe-se, na verdade, muito pouco.

A hipótese do círculo de sociabilidade ter funcionado como móbil para a escrita sobre música foi desta vez parcialmente positiva. A sociabilidade é um fator que pode ter contribuído para o desenvolvimento de hábitos de escrita e publicação, uma vez que estas mulheres estavam em contacto. Encontrei, nas suas publicações, evidências explícitas da sua autorreferenciação. Porém, não se apresentam como um conjunto coeso, antes se perfilam pequenos grupos de peritas (ou aspirantes), que parecem mesmo ter existências quase autónomas no tempo e no pequeno espaço em que se moviam. Espera-se que este artigo possa contribuir para a autonomização da questão aqui colocada, e para o desenvolvimento de um estudo aprofundado sobre o papel feminino na emergência da música como um saber específico.

INTERSEÇÃO NOS ESTUDOS DE GÉNERO

A presente investigação parte da história da educação, mas procura agora movimentar-se para os estudos de género, tendo por referência os trabalhos oriundos dos campos especializados da musicologia e da história cultural, de onde procurou colher as indicações mais autorizadas quer sobre as dinâmicas dos músicos, quer sobre as práticas de escrita.

De acordo com um dos últimos balanços globais da produção portuguesa sobre história de género e história das mulheres portuguesas realizado por Irene Vaquinhas (2016), este artigo insere-se na fronteira entre duas das novas tendências desta disciplina e procura interrogar duas categorias tradicionais. Filia-se, por um lado, na historiografia das práticas, exercícios profissionais e contributos femininos para a construção da história e epistemologia dos saberes disciplinares, e por outro, insere-se na linha que a autora designou como desdobramento de outras linhas, onde se aprofundam questões tão díspares quanto a toponímia feminina ou os trabalhos de musicologia[2], que têm vindo a abordar temas de género, em larga medida na perspetiva da biografia e para uma cronologia entre os finais do século XVIII e a atualidade (Cymbron, 2012; Ruiz, 2004). Por último, este estudo realiza ainda uma incursão no campo mais explorado das práticas de leitura e de escrita feminina, além de contribuir para uma expansão do acervo de biografias. Mas não se limita, contudo, a difundir e ampliar a informação já disponível, pretende também utilizar a biografia como ferramenta metodológica.

Ademais, absorvendo as indicações dos estudos pioneiros da perspetiva feminista, implantada no final dos anos 1980, o trabalho procura concatenar uma vertente local com uma tentativa global de escapar a uma “história compensatória”, a qual durante os finais do século XIX e inícios do século XX permeou os esforços de cartografar as mulheres como compositoras, intérpretes e intelectuais da música (Cook e Tsou, 1994, p. 4). A historiografia musical reivindicou, nas últimas três décadas, o género como construto social, permitindo-se identificar novos objetos, que permitem compreender o papel da mulher (e do homem) na música, como sejam as relações com os espaços públicos e privados, ou a predileção por certas formas musicais, como a sonata (Citron, 1994).

O estudo contribui também para a história da disciplina de música em Portugal. Sendo um país da “periferia”, o saber expert sobre esta arte tem sido interrogado tendo em vista o ponto de chegada da sua (difícil) legitimação académica, um processo longo que só teve maior visibilidade graças à formação dos cursos de musicologia, já nas últimas décadas do século XX (Vargas, 2011, pp. 120-122). Até ao segundo decénio do século XX, a escrita sobre música vinha da pluma de músicos, mas também de autores com formações multidisciplinares, alguns deles sem quaisquer conhecimentos específicos. Neste aspeto, tem sido assinalada a contribuição expert feminina, mas sem atribuir qualquer significado a essa evidência (Paz, 2013, pp. 132-135).

De facto, a música enquanto disciplina começou por se implantar no campo cultural, irradiando, desde finais do século XIX, pelo chamado “mundo ocidental”. A escrita sobre música começou por se afirmar pelo impulso de escritores maioritariamente masculinos e localizados nos “centros” culturais e económicos (Vargas, 2011). Sem pretender participar no complexo debate acerca da origem da musicologia enquanto disciplina, é no entanto fundamental referir que, nas décadas finais do século XIX, a expansão da escrita expert sobre música se ampliou em termos de edições e visibilidade académica e pública, vindo a delimitar e consolidar uma área disciplinar. Para efeitos deste trabalho, assinala-se o surgimento de um campo de estudos de música nesta época, em que a complexificação técnica e a delimitação disciplinar (acabada para uns, em formação para outros), coincidem, de uma parte, com a emergência dos primeiros intelectuais profissionais (Charle, 1996) e, de outra parte, com a consolidação de uma escrita disciplinar especializada. Esta tendência da legitimação das novas profissões intelectuais foi acompanhada por uma nova forma de escrita disciplinar, dirigida já não ao leitor comum, ou seja, a qualquer membro de uma classe educada, mas tendencialmente dirigida a audiências especializadas, que partilham as convenções escritas da sua profissão ou disciplina (Russell, 2002, pp. 4-5).

No que respeita à simultaneidade entre escrita sobre música e atividades musicais, alguns estudos sobre personalidades musicais portuguesas têm cuidado de ressaltar essa ligação, como no caso da compositora Francine Benoît, que durante décadas foi crítica musical de diversos jornais (Braga, 2013; Calado, 2010; Vieira 2011), ou da violoncelista Guilhermina Suggia, que, radicada na Grã-Bretanha, foi excecionalmente convidada a escrever artigos na qualidade de instrumentista para a Music & Letters (Pombo, 1993; Mercier, 2008).

A proposta de uma pesquisa centrada nas práticas de hibridez entre a atividade de musicistas e a da escrita por parte de elementos femininos, não é, assim, inteiramente desprovida de antecedentes, embora se trate, geralmente, de breves passagens, com o intuito de atingir outros objetivos de investigação. Neste artigo, procura-se individualizar a musicista-escritora como agente social e tentar perceber o seu móbil de ação, neste caso o da manutenção de um círculo de amizades musicais femininas.

PRINCÍPIOS TEÓRICOS E CONCEPTUAIS

O presente estudo mobiliza uma apropriação híbrida da sociologia crítica de Pierre Bourdieu, do pós-estruturalismo de Michel Foucault, e da história cultural, partindo das intersecções da história intelectual de Jean-François Sirinelli para o conceito de sociabilidade.

No que respeita à sociologia crítica, perpassa aqui a noção de distinção social, assim como os conceitos operativos de espaço social, campo (sendo o económico e o cultural os mais importantes), assim como os diversos capitais que lhes estão associados (Bourdieu, 2008). Proponho ainda os termos de subcampo musical e de capital musical, para entender o estado de campo – um momento histórico marcado pela mudança das estruturas internas a esse campo – que derivam da proposta de Bourdieu (1996; 2001). O motor da história seria, neste quadro, a luta pelo reconhecimento e pela autonomização de cada campo em relação ao outro, internamente marcada pela emergência de novos subcampos, por sua vez em luta pelo mesmo. Na minha interpretação, estamos perante um subcampo musical no Portugal desta época. Apesar da valência do capital musical – o capital específico e único deste campo –, objetivado na especificidade da linguagem (e. g., notação), técnicos e pessoas habilitadas para falar e realizar música (e. g., musicólogos, instrumentistas), o músico era obrigado a desdobrar-se em múltiplas ocupações (pagas ou não), mantendo-se dependente de outros capitais. As mulheres afirmaram-se justamente durante este estado de campo pela acumulação deste capital musical com outros capitais (simbólico, social e económico).

Esta perspetiva completa-se com a lição deixada por Foucault (1997) acerca da produção dos discursos, ou mais exatamente dos mecanismos que têm mantido o seu estado de rarefação, entre os quais a função-autor. As regras implícitas no jogo social de acesso à cultura letrada – por sua vez formulada por uma elite que dita as condições de produção de obras – tem contribuído para que só a alguns fosse acessível a criação, sendo as mulheres uma parte excluída desse processo (Bourdieu, 1996).

Revertendo de estudos da história cultural e da musicologia, o conceito de sociabilidade começou por ser uma hipótese de trabalho. Acabou por ser central na compreensão sobre as práticas de escrita das eternas aprendizes de Euterpe, a musa da música e também da poesia lírica, que serve aqui de referente simbólico para essa ligação entre a performance musical feminina e as relações com o domínio da palavra. Importa, por isso, introduzir a dimensão da história dos intelectuais, que se impôs a partir dos anos 1970, com os estudos sobre microcosmos criados a partir de uma “sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades”, a partir dos quais se nutrem “o desejo e o gosto de conviver” (Sirinelli, 2003, p. 246), e ainda os estudos sobre as sociabilidades de músicos em contexto individual (Medeiros, 2013), nomeadamente os trabalhos que abordam a formação de sociabilidade locais em salões, onde se exibe uma forte presença feminina (Chimènes, 2004; Cascudo, 2017), ou através de outras redes femininas mais ou menos informais (Silva, 2014).

Com o objetivo de padronizar trajetórias (Burke, 2006, pp. 256-257), optou-se pela metodologia prosopográfica para organizar, descrever e analisar os percursos de vida das musicistas-escritoras e avaliar a possibilidade de as suas formas de sociabilidade num circuito de experts musicais terem contribuído para as práticas de escrita sobre música.

ASPETOS METODOLÓGICOS

A presente investigação não decorre, assim, de um dado natural, mas de uma outra investigação. Com efeito, baseia-se num inventário de 492 monografias sobre música e sobre o seu ensino publicadas entre 1868 e 1930[3], um período que coincidiu com uma época de expansão da procura de ensino musical, interrompido pelo Decreto n.º 18.881 de 25 de setembro de 1930, que veio conter o aumento desmedido da população de alunos através de uma política explícita de elitização do Conservatório Nacional.

Foram deste modo identificados 44 homens que, entre 1868 e 1900, publicaram obras sobre música. O grupo mais significativo apresentava 31 músicos-escritores, vários deles anónimos, quase todos ligados ao ensino (apenas 3 não eram professores) e com obra vinculada à docência (e. g., manuais). O outro compunha-se de 13 diletantes, que exerciam outras profissões ligadas ao universo das atividades liberais (engenheiro, professor, médico, jornalista…).

Entre 1901 e 1930, contabilizaram-se 67 escritores com obra publicada, o que comprova o crescimento deste setor. Os músicos-escritores eram agora 35 autores, pouco mais do que na época anterior, e os diletantes eram 32, quase o triplo do período anterior, mostrando que a expertise musical tendia a expandir-se através de obras assinadas por diletantes. Neste contexto, enquanto no período de 1868 a 1900 assistimos à ausência de obras publicadas no país sob pena feminina[4], a partir de 1901 são contadas nove mulheres-musicistas escritoras e uma diletante. Verifica-se aqui o advento da mulher musicista que escreve sobre música, problema central deste estudo.

Demarcou-se assim o grupo de nove autoras femininas nacionais, que surge nesta cronologia entre 1901-1930. Sendo um número relativamente baixo, ganha sentido circunscrever o subgrupo feminino pelo contraste. Tanto porque no período anterior não se identificam quaisquer autoras, aparecendo todas no dealbar do século XX, como ainda pelo facto de apresentarem características de origem e filiação socioeconómica que as distinguem também dos seus “colegas” músicos-escritores. Enquanto eles escrevem no prolongamento das suas profissões docentes e se destacam pela edição de numerosos manuais, elas dedicam-se à escrita batendo-se pela ampliação dos saberes disponíveis no subcampo musical. Mesmo quando escrevem sobre temas da educação ou ensino musical, poucas vezes se reportam a práticas docentes. Ademais, essas publicações são voluntárias, não derivam de nenhuma obrigatoriedade de publicação (caso dos manuais afetos ao Conservatório).

Num universo essencialmente masculino, as obras femininas tendem a contribuir com novos elementos, quer pela criação de repertório (e. g., infantil e/ou em língua portuguesa), quer pela exploração de conhecimentos gerais e técnicos. A este respeito, diferenciam-se na sua atividade, mesmo quando trazem textos enquadráveis como história da música e biografias (temas geralmente abordados por diletantes), pela visão técnica e conhecimentos de teoria e prática musical. A novidade de haver mulheres a escrever sobre música trouxe, assim, a fortaleza de conhecimentos técnicos e específicos, ao mesmo tempo que os seus textos eram geralmente enriquecidos com a experimentação performativa, em contextos de salão ou de ambientes de aprendizagem.

A pesquisa procura, a partir das obras monográficas deste período, enfatizar as especificidades femininas das práticas de musicistas-escritas, e compreender as relações sociais e artísticas que poderiam ter ajudado a configurar este universo de escrita feminina sobre música.

MULHERES, MUSICISTAS E ESCRITORAS

Quem eram então estas senhoras, quais os seus contextos familiares, profissionais e musicais, qual a sua relação umas com as outras, como agiam e perspetivavam o saber e a prática musical através da relação com a escrita? Pode ou não falar-se de um grupo de mulheres, musicistas e escritoras com um programa ou uma ação definida para o desenvolvimento cultural do país? Estamos perante um fenómeno de que natureza? Estas foram algumas perguntas realizadas na análise das trajetórias. Veja-se no quadro 1 uma apresentação muito sumária das autoras, que, como se verifica, é em alguns casos bastante incompleta.

 

 

Importa, em primeiro lugar, sublinhar que este grupo não se apresenta de modo coeso na sua totalidade, embora seja possível, com recurso aos sumários estudos biográficos e à obra deixada pelas autoras, reconstituir algumas sociabilidades. Observa-se que musicalmente tinham conhecimentos de piano (de acordo com os programas curriculares vigentes desde finais do século XIX, essenciais na aprendizagem de canto e composição), instrumento que tende a conotá-las com o universo musical burguês que se vinha expandido desde finais do século XIX em Portugal (Gomes, 2002). Eram mulheres com profissões ou ocupações variadas, em torno quer da música, quer da escrita. O perfil feminino coaduna-se, neste particular, com o perfil dos profissionais masculinos, evidenciando o estado embrionário do campo cultural português.[5] Esta época corresponde a um estado do campo em que não se chegava a atingir um nível de especialização, uma vez que cada músico tinha de se desdobrar em múltiplas atividades. Ao contrário destes homens, estas mulheres, em geral, não tinham a docência como atividade principal; aliás, três delas eram ainda alunas, como veremos mais adiante. De seguida, passo a apresentar as frações que permitem uma melhor caraterização social e estética das posições destas nove mulheres, enquanto musicistas e escritoras: as convertidas, as republicanas, e as alunas consagradas. Como veremos, todas elas colocadas como discípulas sempre que escrevem sobre a arte de Euterpe.

AS CONVERTIDAS: DO SANGUE SE FAZ CULTURA

Entre as escritoras encontramos duas representantes da nobreza de sangue, um grupo social em desaparecimento. Por via do seu compromisso musical, tiveram a possibilidade de reconverter os títulos para a elite culta e cultivada, estabelecendo-se agora como nobreza cultural (Bourdieu, 1996, pp. 108 e seguintes; Chimènes, 2014, p. 15). As Condessas de Proença-a-Velha e de Carnaxide são, pela sua idade madura, as mais velhas representantes das escritoras-musicistas. Abriram caminho a partir das suas posições ambíguas. Por um lado, eram as dominadas entre os dominantes, isto é, pertenciam aos altos estratos, mas ocupando posições femininas (Bourdieu, 1996, pp. 185-287). Por outro lado, o valor real do seu título – entregue a partir de 1910 às controvérsias da desvalorização política e social – permitia arriscar o seu nome na praça pública, quer como cantoras e instrumentistas, quer como escritoras, em nome desse valor maior que era a música.

Proença-a-Velha, a matriarca do círculo de musicistas-escritoras e divulgadora das práticas da elite parisiense, apresentou-se na que parece ser a primeira obra da musicologia feminina publicada em Portugal, Os Nossos Concertos (1902). Contam os testemunhos que ela mesma cantava admiravelmente. Perseverou em várias batalhas que tiveram por objetivo atualizar e refinar o gosto musical da sociedade portuguesa. Essa missão autoatribuída, permitiu inaugurar certa posição ou trazer uma novidade, e ilustra bem o papel feminino no campo cultural (Cascudo, 2006, 2017).

Elisa Baptista de Sousa Pedroso (1881-1958), filha do visconde de Carnaxide, o violinista amador António de Sousa Pedroso, herdou, além do título e património adjacente, uma sólida formação musical em piano com Alexandre Rey Colaço, José Viana da Mota, Francisco Baía. Durante os anos de 1930, e já viúva do advogado Alberto Pedroso, a pianista tornou-se uma escritora mais assídua. Entre finais da monarquia e durante a república, reputava-se como uma das melhores intérpretes, passando pela escrita de modo apenas episódico.

Nestas duas aristocratas, observa-se a mesma estratégia de conversão da nobreza de sangue em nobreza cultural através da sua vinculação à música. Ainda durante a monarquia, a nobreza de sangue estava associada a práticas sociais e culturais, com garantia das condições socioeconómicas de acesso privilegiado a ambientes de aprendizagem. A conversão desta herança de sangue na passagem e aceitação (senão liderança) da nova nobreza cultural, que vingará com a república, teve o apoio desta nobreza originária, que garantiu a transmissão da herança em termos de bens simbólicos, e os recursos necessários, incluindo tempo, dinheiro, instrumentos, espaços, e conhecimentos expert. Outras mulheres irão reconhecê-las como modelos e patronas.

AS REPUBLICANAS… QUANDO NASCEM, NÃO NASCEM IGUAIS

O principal núcleo de mulheres-musicistas parece, apesar do vanguardismo das musicistas de sangue, residir entre a nova nobreza cultural consagrada pelo republicanismo, instaurado politicamente em 1910, mas com implantações familiares a montante e a jusante. Encontramos assim quatro “filhas” desse movimento ligadas às “matronas aristocráticas”, que mantinham entre si relações de uma intimidade variável, como veremos.

Laura Wake Marques (1879-1957), filha do musicógrafo Joaquim José Marques (1836-1884), aluna de Rey Colaço e Ruy Coelho, era já por esta época reconhecida como pianista de vulto. Com as sessões no Palácio da Liga Naval, ficou também ligada à defesa do lied cantado em português. Embora seja a mais velha musicista-escritora republicana, foi a que mais tarde permitiu a publicação dos seus textos, em particular das conferências realizadas ainda em finais da década de 20 (Marques, 1932). Foi aqui incluída a propósito de uma obscura obra literária e psicologizante, de temas dispersos, que se inicia pelo retrato autobiográfico da sua aprendizagem musical (Marques, 1929).

Ema Romero Santos Fonseca (1897-1968), filha de um militar republicano e esposa do republicano Luís Câmara Reis (1885-1961), é um dos exemplos da ascensão social e rápida legitimação cultural. Estudou harmonia com José Henrique dos Santos, canto com Eugénia Mantelli, e iniciou o seu périplo de escritora pelos anos 20, publicando em jornais e revistas sob o pseudónimo de Vera Gahhrb. Assinou sempre com combinações diferentes dos seus apelidos e pseudónimo. Ema Reis ascendeu à nova nobreza cultural republicana, uma fração da classe média alta vertida em elite culta. As origens sociais desafogadas com um grande volume de capital social foram cumuladas com os conhecimentos musicais específicos. O capital económico familiar permitiu a manutenção de um salão, mas também foram fundamentais a disposição e a boa vontade para investir em artefactos culturais e práticas musicais de Ema e por Luís Câmara Reis. Dos anos 20 em diante, o salão deste casal substituiu o salão da Condessa de Proença-a-Velha, marcando simbolicamente a transição entre uma nobreza com origem de sangue e a cultura de uma nobreza self made.

Oliva Guerra (1898-1982), a mais jovem das republicanas, surge como a figura emblemática da escrita musical feminina, sendo a única que assumiu simultaneamente o papel de escritora, pianista e, mais tarde, professora. A formação musical deve-se a António Eduardo da Costa Reis, Viana da Mota e Alexandre Rey Colaço (Guerra, c. 1926). Apresentou-se como divulgadora literária e musical em círculos sociais mais ou menos restritos, e começou a publicar as suas conferências a partir de 1919, estreando-se com Os Grandes Mestres do Piano.[6] Editou também as conferências musicais realizadas desde 1922 nas casas da condessa de Proença-a-Velha, Ema Romero Santos Fonseca e Elisa Batista de Sousa Pedroso, e no Palácio da Liga Naval (Guerra, 1928), não deixando dúvidas quanto ao pequeno circuito em que se movia no intuito de adquirir capital social específico. Em 1923 chegou a figurar como editora de A Semana Musical, um efémero periódico especializado, onde manteve o “Consultório musical”, de onde veio a resultar o Breviário do Pianista, dado à estampa com um prefácio de novembro de 1926.[7] Essa obra remete duplamente para os seus mestres: faz eco do Breviário do Músico, publicado em 1917 por Rey-Colaço, e contem os ensinamentos técnicos de Viana da Mota, que a autora propunha aí retransmitir sem crítica. O papel da aluna retransmissora parece aliás corresponder a um perfil valorizado na época (Igayara-Souza, 2011).

Francine Benoît (1894-1990) nasceu em Paris e veio com a família para Lisboa em 1906, tendo obtido naturalização em 1929. Foi aluna do Conservatório Nacional entre 1914 e 1935, retornando à terra natal entre 1918 e 1919 para estudar com Vincent d'Indy na Schola Cantorum. Exerceu a profissão docente na Escola Oficina n.º 1 desde 1920 a 1931, onde se envolveu no projeto de aplicação dos princípios pedagógicos da Escola Nova, sob a direção do anarquista Adolfo Lima. Assalariada e celibatária, tendo o salário como única fonte de rendimento, representa neste grupo uma tendência ainda em devir. É também a única sobre a qual não se encontram referências explícitas de pertença a salões da elite musical, a não ser a integração, mais tarde, na Academia de Amadores de Música de Lisboa (AAM). Em todo o caso, a estreia como compositora, em 1930 foi acompanhada também da atividade de escrita para os jornais, como crítica.

AS DISCÍPULAS: CONSAGRADAS DO ACASO OU A VITÓRIA DAS LETRAS

Por último, note-se o conjunto de três (jovens?) alunas, cuja presença se deve certamente ao efeito de arquivo que as políticas de conservação documental geraram. A presença de Helena Sousa, Maria Ana Pereira e Alice Ferreira como autoras foi interpretada como sintoma da expansão das práticas de escrita às musicistas que, dotadas de capital cultural genérico, isto é, um bom nível de leitura, escrita e conhecimentos literários, realizaram exercícios escritos, dentro das suas disciplinas escolares, sendo consideradas merecedoras de preservação, dentro deste pensamento de salvaguarda.

Dois traços permitem caracterizar o grupo das “alunas”. Em primeiro lugar, o facto de serem colocadas no limiar de uma posição autoral, muito típica do exemplo encontrado mesmo no corpo docente musical feminino, em que a transmissão de ensinamentos se realizava por uma antiga aluna, “ouvinte atenta”, sem que nela estivesse contida a sua visão crítica (Igayara-Sousa, 2011, p. 214), e que aqui se verifica ainda enquanto discípulas. Em segundo lugar, a sua origem social que, de acordo com o perfil das alunas a frequentar o Conservatório e a AAM nesta época, teria de se situar entre a média e a alta burguesia (Gomes, 2002).

ESCRITOS FEMININOS SOBRE MÚSICA

As 18 obras analisadas podem ser representadas numa tábua cronológica, onde se observa que a maior parte da produção se situa nos últimos anos do regime republicano. O quadro 2 regista os nomes das obras, a data de publicação e a idade aproximada destas mulheres aquando da respetiva edição.

 

 

De acordo com a pesquisa, apenas em 1902 se publicou no país a primeira obra monográfica sobre música, concretamente uma recolha das publicações e materiais da experiência da Schola Cantorum, pela mão da sua promotora, a condessa de Proença-a-Velha (1902). A sua ação foi fundamental para a renovação dos hábitos culturais da elite intelectual portuguesa, em particular trazendo de Paris as conferências musicais, que passou a oferecer em sua casa a partir de 1899 (Cascudo, 2006). O seu voluntarismo cultural situou-se essencialmente na produção, conservação e divulgação de música antiga e de repertório português em obras como Ecos do Passado (Proença-a-Velha, 1904), nomeado à sombra da obra do mestre Jean-Baptiste Weckerlin, Échos du temps passé (Cascudo, 2017, p. 206). Compôs música sobre poemas de Almeida Garrett, António Correia de Oliveira e Teófilo Braga, este último frequentador assíduo do seu círculo (Cascudo, 2006, pp. 20-21). É curioso notar que nos tempos de convulsão final da monarquia, a condessa desaparece de cena, apenas voltando a editar, já no início dos anos 20, literatura infantil sobre o pseudónimo de M. Grisalde, e retomando a escrita sobre música nos inícios da ditadura militar que conduziu ao Estado Novo.

Somente mais de uma década depois voltamos a encontrar um modesto folheto sobre a música contemporânea espanhola, correspondente a uma conferência de 1917 e com data de edição ainda por apurar. Trata-se de um exemplar de 12 páginas sobre música espanhola contemporânea, editado numa tiragem de 100 exemplares fora do mercado (Pedroso, 1917). O tema, tão vanguardista quanto desconhecido, leva a autora a quase o contornar, fazendo apelo aos conhecimentos sobre história de Espanha. Em todo o caso, o gesto pode ser interpretado como a abertura de uma via estética que não estava ainda assegurada por nenhum homem. Esta edição coincide com a ação do casal Sousa Pedroso na Sociedade de Concertos de Lisboa, como sócios fundadores desta coletividade erigida nesse mesmo ano pela Marquesa do Cadaval, com direção artística de Viana da Mota (Bastos, 2010).

Entretanto, cerca de um par de anos depois, era dado à estampa o texto que serviu de base para a apresentação de Oliva Guerra numa conferência realizada no salão nobre do Conservatório Nacional, em 10 de junho de 1918, numa audição de apresentação dos alunos do professor Costa Reis. Ali a autora apresentou as biografias e alguma informação sobre as obras daqueles que considerava os maiores vultos da cultura pianística. Uma vez que este foi seu professor, ficamos sem saber se Oliva Guerra fez uma apresentação na qualidade de conhecedora desta matéria, ou se este ato se integra em mais um exercício escolar.

Em 1923, Ema Romero deu à estampa o seu primeiro livro, Folhas Dispersas, composto por crónicas musicais previamente publicados na imprensa (A Nação Portuguesa, Contemporânea, Vida Musical e Imprensa Nova). A escolha poética do título do segundo livro publicado no ano seguinte, À Luz da minha Alma, não deve confundir o conteúdo. Trata-se de uma antologia de técnica de canto. Nesta obra, composta por crónicas editadas na revista Vida Musical e inéditos, as questões foram colocadas a partir da experiência pessoal da autora, de bibliografia atualizada e de referências a personalidades marcantes, como a professora Eugénia Mantelli ou José Viana da Mota. Um pouco mais tarde, publicou ainda A Arte do Canto (1927) como um aprofundamento deste ensaio. Assumiu-se como divulgadora do canto – arte que praticava – e passou a assinar com nome próprio, geralmente o de solteira (Fonseca, 1923, 1924, 1927). Os seus textos refletem o uso de estratégias literárias, tanto narrativas quanto poéticas, para fixar conhecimentos técnicos. A própria Ema Romero revelava não ter nenhum desejo de publicação e “receando que tenha erros, não desejo iludir o público apresentando um livro que, depois de folheado, não lhe desperte grande interesse, e o aborreça por ter empregado mal o seu tempo”. “Destino-o às pessoas da minha amizade, que saberão desculpar-lhe os defeitos, e, para esse gesto de bondade, vai todo o enlevo da minha alma, todo o carinho do meu coração”, acrescentava (Fonseca, 1924, p. 166). A atividade autoral, repercutida nas monografias com edição de autor, tiragens pequenas e de circulação não comercial, era secundária em relação à principal atividade que a destacava na sociedade musical da época: os concertos temáticos que, na sua casa de Lisboa, oferecia a um conjunto muito seleto de convivas e sobre os quais publicou ela mesma os textos de conferências, do repertório de concertos e de clichés dos participantes (Fonseca, 1929-1940), a que tornaremos mais adiante.

Em meados dos anos 1920 surge na cena artística alfacinha uma jovem presença feminina que se veio a impor como escritora expert, saindo um pouco dos círculos pró-aristocráticos e inserindo-se diretamente na cultura de profissionalismo musical que começou, por esta época, a ser advogada por figuras como Luís de Freitas Branco. Ainda ligada às experiências pedagógicas anarquistas e em transição para a Academia de Amadores de Música, Francine Benoît apresenta os primeiros escritos impressos (Benoît, 1925, 1930), como resultado da fixação de textos de conferências, ou como peças experimentais (e. g., repertório infantil em português) (Benoît e Porto, 1926).

Estreou-se como autora de monografias com o texto de uma conferência realizada em Lisboa a 1 de maio de 1925, O Génio e as suas Manifestações Artísticas, onde a autora afrontava diretamente um conceito fundamental do ensino artístico na tradição ocidental e em 1930 vinha replicar esta estratégia de edição de uma conferência. Em 1926 dava-se à estampa um repertório próprio para a população infantil, por Francine Benoît, de César Porto e de Adolfo Lima. Apesar do trabalho empreendido aqui pela pianista no campo educativo, é de salientar que nenhuma destas mulheres produziu qualquer manual. Nem o alastramento do campo musical nas primeiras décadas do século XX se deu por via da docência, nem as mulheres portuguesas tiveram nesta profissão um ponto de apoio para se constituírem como autoras. Mesmo Francine Benoît, apesar destes títulos que se ligam a uma fase mais experimentalista da sua carreira, se firmou publicamente na escrita não como pedagoga, mas como crítica musical.

Como referido, foram localizados dois exercícios escritos por alunas, com datas de 1925 e 1926. A Academia de Amadores de Música (AAM) conserva um exemplar datilografado de um curso de composição com o subtítulo Trabalho oferecido e dedicado ao ilustre professor do Conservatório Nacional de Música de Lisboa António Eduardo da Costa Ferreira como prova de muita estima e respeito, pelas alunas Ana Maria Pereira e Helena da Gama de Oliveira. Trata-se, provavelmente, de uma sebenta elaborada por ambas no decorrer dos trabalhos escolares, mas nada mais sabemos sobre as autoras do Curso Elementar de Composição, sendo de especular o estabelecimento de ensino a que estavam afetas. O seu professor pertencera por largos anos ao quadro da AAM, mas era já docente na escola oficial em 1925 – teria deixado este exemplar na Academia ou teria sido feita a oferta?

Outro exercício escolar foi publicado com o título As épocas e as escolas na história da evolução musical e trata-se de um texto impresso que fixa, como indica o subtítulo, a Conferência realizada na primeira audição de discípulos do Prof. Eduardo Libório (em Junho de 1926). O professor surge mais uma vez como referência. Embora, como muitos outros, concedesse aulas em privado, Libório integrou o corpo docente do Conservatório Nacional muito jovem e, como é sabido, foi um dos mais apaixonados propulsores da disciplina de História da Música, pelo que se depreende que Alice fosse sua aluna no Conservatório. O texto ilustrava aspetos da história da música, em que a autora e leitora seria acompanhada por trechos ao piano (Ferreira, 1926) e inseria-se numa longa linhagem de divulgação do modelo de conferência artística aplicada aos espaços educativos (Paz, 2013, pp. 138-139). A ação pedagógica de Libório incide aqui em dupla mão na divulgação e consolidação de formas de sociabilidade artísticas – a que os seus alunos poderiam ter acesso também por via familiar – assim como na tentativa de implementar entre nós a figura do músico-intelectual, aquele que não se limitava a ser um executante.

Ainda em novembro de 1926, Oliva Guerra assinou o prefácio do seu Breviário do Pianista[8], uma obra publicada agora em monografia, mas cujo conteúdo remetia para a coluna “Consultório pianístico” da revista Semana Musical, dirigida em 1923 pela própria musicista e escritora. No prefácio, aduzia argumentos para a reedição destes textos. Em primeiro lugar, por estar consciente de que “as únicas cidades que entre nós possuem conservatórios” eram Lisboa e Porto, e consequentemente só essas dispunham de certos conhecimentos essenciais aos “cultores da arte pianística”. Nessa revista, decidiu então abrir um espaço que, de acordo com o seu testemunho, proporcionou “uma espécie de lecionação por escrito”, mas ao deparar-se ainda com ausência “em português” de qualquer obra “sobre este assunto”, julgou serem de “certa utilidade algumas das observações” então “compendiadas nesse Consultório”. Reuniu assim “num pequeno volume portátil e facilmente manuseável essas respostas” aí “refundidas, ordenadas e ampliadas”, de modo a permitir “um processo fácil de resolver uma determinada dificuldade” (Guerra, c. 1926, pp. 7-10).

Pelo título, esta obra faz assim ecos do Breviário do Músico, “pequena compilação de pensamentos, preceitos, leis e decretos de estética” do pianista e professor de Oliva Guerra, Alexandre Rey-Colaço (1917), mas no seu conteúdo mostra-se muito mais prático. Como o apresentava a autora, “este livrinho, minúsculo como um sapatinho quimérico de Cendrillon, poderá ser de algum modo um sintético prontuário do pianista, uma espécie de catecismo onde ele encontrará mais ou menos resumida uma tábua de mandamentos da técnica do seu instrumento”. Como ele, almejava “propagar em quase todos os detalhes do seu entrecho o método de ensino do grande mestre de piano, que é Viana da Mota”. Nesse sentido, a nota de abertura do Breviário servia de salvaguarda à qualidade dos ensinamentos propostos. O diretor do Conservatório Nacional, introduzia os seguintes comentários acerca da obra da sua antiga aluna da classe de virtuosidade: “Nos artigos que formam o presente volume, soube resumir, em estilo claro e preciso, os principais pontos da moderna técnica pianística. É este livro, pois, de muita utilidade para rememorar o ensino do professor e mesmo para auxiliar este nas suas lições” (Mota, 1926, p. 6). A nota de Viana da Mota era um selo de qualidade que institui Oliva Guerra como “porta-voz” do mestre. Coloca-a no limiar de uma relação pedagógica e autoral muito típica do corpo docente musical feminino, que as coloca enquanto docentes como eternas discípulas (Igayara-Sousa, 2011, p. 214).

É porém em Ritmos (1928), obra composta por textos de conferências musicais e artigos previamente editados, que encontramos elementos comprovativos da conexão entre a maior parte destas senhoras. Com efeito, o próprio índice permite já afiançar a sua relação com Elisa de Sousa Pedroso, Ema Fonseca, e, no Palácio da Liga Naval, embora não o refira, com Laura Wake Marques.[9]

Desponta assim, nesta cronologia bibliográfica a compilação de Ema Fonseca (1929-1940) em cinco volumes, uma obra inicialmente designada Seis Anos de Divulgação Musical, mas que logo passou a Divulgação Musical. Recolheu os prefácios, programas, conferências e críticas dos saraus musicais, tanto os realizados em sua casa, quanto os que tiveram a sua participação, desde 1923 até 1939. Todos os volumes são guarnecidos com clichés de participantes e contêm índices cuidados das apresentações, com lista nominal de colaboradores. Interessa-nos, em particular, o 1.º volume, editado em 1929, e que recolhe a produção de 1923 a 1928, e o 2.º, que segue por 1929 a 1933. Estas obras contêm uma lista de nomes onde se identificam Oliva Guerra (conferente), a própria Ema Romero Santos Fonseca e Laura Wake Marques (cantoras solistas), Elisa Baptista de Sousa Pedroso (pianista) (Fonseca, 1929). No segundo volume, traz como conferentes Laura Wake Marques, cantoras solistas, a autora, agora Ema Romero Santos Fonseca Câmara Reys, Laura Wake Marques, pianistas: Francine Benoît, Laura Wake Marques, entre outras futuras musicistas escritoras, como Maria Antonieta Lima Cruz (Fonseca, 1934).

A cronologia torna a fechar, para esta época, com a mesma autora. Numa compilação de textos essencialmente sobre canto, a condessa de Proença-a-Velha (1930) refere-se com insistência, entre outras senhoras, a Laura Wake Marques, a Elisa Baptista de Sousa Pedroso e a Ema Romero Fonseca.

FECHANDO UM CÍRCULO

Num olhar retrospetivo sobre as nove mulheres que, após 1901 e até 1930 produziram literatura especializada em música, verifica-se que se trata de um grupo heterogéneo mas marcado por evidentes pontos de contacto (e. g., os mesmos mestres) e alguns circuitos autorreferenciados (e. g., salão dos Câmara Reis). Não constitui, como a pesquisa inicialmente parecia sugerir, um grupo coeso que, mantendo objetivos e práticas comuns, se tivesse procurado afirmar no campo cultural, a partir do início do século XX. Trata-se de sociabilidades que se constituem em espaços físicos (salões de Proença-a-Velha e Ema Reis e ambientes de aprendizagem), onde a escrita passa a ser suportada em heretoreferenciação. Essa referenciação da escrita como técnica de transmissão de conhecimentos, mas também consubstanciação de uma arte em si mesma, ocorre tanto com relação aos escritos de mestres masculinos (e. g., escolha de títulos), como ainda por constante citação de estudos, eventos e práticas musicais ocorridos no universo estritamente feminino.

Observando as trajetórias e os seus padrões, importa destacar alguns traços. No que respeita às dinâmicas familiares e posteriores capitalizações, note-se que desde a primeira educação ao casamento (ou celibato), as possibilidades de reconversão de trajetória ficam marcadas pela disponibilidade de tempo e investimento em bens culturais com pouco ou nenhum retorno monetário a curto prazo. Dito por outras palavras, se a prática musical exclusiva não poderia sustentar um músico profissional, a escrita sobre música, aqui editada para a distribuição entre familiares e amigos, mostra que não existe a tentação de obter ganhos económicos, apenas existem benefícios simbólicos. Sem dúvida que a escrita completa, legitima e mesmo sustenta o circuito de rede grupal. Sugiro que a sociabilidade não introduz um simples fenómeno mimético, o qual pode ser sugestionado pelo facto de a autorreferenciação ser constante, e de todas estas mulheres escreverem e publicarem quando estão na capital, fisicamente muito próximas umas das outras. Pelo contrário, estamos diante de um núcleo de perceções sobre a música e as possibilidades práticas de rentabilizar o know-how destas mulheres pela escrita, que dificilmente se suportaria de modo individual. Neste sentido, a conjugação entre as perspetivas de sociabilidade com a emergência de um saber expert em música fecham uma interrogação que tinha acompanhado esta pesquisa.

Com efeito, a ação pessoal destas musicistas, contribuiu de modo decisivo para que a disciplina de música passasse a ser um saber perfeitamente individualizado, com regras de construção discursivas próprias, e onde só determinadas perspetivas, conhecimentos técnicos e linguagem específica são aceites. Lembre-se que, conforme foi sublinhado, na época em que apareceram estas mulheres-musicistas, era admitido que diletantes sem conhecimentos técnicos musicais escrevessem sobre música. As mulheres, com o seu tempo e energia disponíveis, contribuíram para o fechamento do campo, sob este aspeto, gerando aliás novas formas de divulgação e de criação de modalidades de conhecimento especializado (diferentemente do amante de música, que não era sequer amador). Veja-se, a este respeito, que o elemento que acompanhou a escrita feminina foi o formato de “conferência musical”, de que o texto monográfico se torna suporte e emanação. Foi uma modalidade introduzida por mão feminina, depois apropriada e democratizada até ao circuito do final da década 20, tanto na versão pós-aristocrática do salão de Ema Fonseca, como nas conferências musicais realizadas em contexto escolar. A este respeito, sublinhe-se o papel de eternas aprendizes em que as mulheres se posicionam, e, concomitantemente, a sua emergência como alunas-autoras.

 

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Recebido a 17-07-2017.

Aceite para publicação a 23-03-2018.

 

[1]       Não pretendo discutir estes termos, aceitando para efeitos deste estudo a proposta de considerar como ensino formal aquele que se pratica em conservatórios ou escolas de ensino primário, secundário e normal, e ensino não formal aquele que se verifica nas aulas particulares (Polifonia, 2007).

[2]       No âmbito da história de género têm-se realizado balanços frequentes e detalhados, sobre as tendências e as zonas de sombra da investigação nesta área. No início do nosso século, a historiografia sobre a história das mulheres não circunscrevera ainda estas leituras, cingindo-se ainda à problemática mais global das relações laborais (Vaquinhas, 2002, p. 213).

[3]       Em depósito nas principais bibliotecas e arquivos de música, patentes na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), na Biblioteca Sottomayor Cardia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa (BMSC/FCSH-UNL) e na Academia de Amadores de Música (AAM).

[4]       Não cabe aqui explicitar as razões pelas quais parece improvável que as obras finisseculares identificadas possam ser femininas (anónimas ou sob pseudónimo). Uma nova pesquisa nos acervos poderá aumentar este espetro (em particular incluindo títulos que não foram considerados por falta de elementos de datação), assim como o desdobramento de pseudónimos na imprensa periódica especializada.

[5]       Por exemplo, Bernardo Valentim Moreira de Sá (1853-1924), um dos músicos mais emblemáticos dos finais do século XIX português, chegou a acumular as seguintes atividades: violinista solista, diretor de orquestra, fundador e diretor do Orpheon Portuense, professor particular de violino e piano, professor de música, matemáticas e línguas na Escola Normal do Porto, autor de manuais escolares, editor da Moreira de Sá, publicista e musicólogo. A abertura do Conservatório Municipal do Porto deve-se em larga medida à sua ação pessoal, tendo sido, além de diretor, o autor dos regulamentos e programas iniciais.

[6]       Provavelmente, ainda como aluna do Conservatório. A ficha bibliográfica descreve uma conferência realizada no salão nobre do Conservatório Nacional, em 10 de junho de 1918, numa audição de apresentação dos alunos do professor Costa Reis. O exemplar em depósito na BNP encontra-se temporariamente inacessível.

[7]       Publicado entre esta data e janeiro de 1927 – de acordo com dedicatória a Pimentel Levy, no exemplar em depósito na BNP.

[8]       Publicado entre esta data e janeiro de 1927 – de acordo com dedicatória a Pimentel Levy, no exemplar em depósito na BNP.

[9]       Contém os seguintes textos: César Frank e a sua obra: conferência realizada em casa da Exm.ª Sr.ª D.ª Elisa Baptista de Sousa Pedroso no dia dum festival franquista em 21 de fevereiro de 1922 (pp. 5-23); Elogio da Arte: conferência realizada na Escola Primária Superior Adolfo Coelho por ocasião duma sessão solene em homenagem aos heróis portugueses na batalha de La Lys em 9 de abril de 1923 (pp. 25-39); Eric Satie e “os seis”: conferência realizada em casa da Exm.ª Sr.ª D.ª Ema Romero dos Santos Fonseca num festival de música moderna no dia 24 de junho de 1923 (pp. 41-67); O romantismo de Chopin e Liszt: conferência realizada pela autora no seu ‘Recital Romântico' no Palácio da Liga Naval na noite de 21 de maio de 1924 (pp. 69-109); “Danças de Espanha”: conferência realizada pela autora no seu recital de danças espanholas no palácio da Liga Naval na noite de 31 de maio de 1927.

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