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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.19 

RECENSÕES

FREIRE, André, LISI, Marco e VIEGAS, José Manuel Leite (orgs.)

Participação e Representação Política na Europa em Crise,

Lisboa, Edições Assembleia da República​, 2016, 394 pp.

ISBN 9789725566329

Elisabetta De Giorgi*

*Instituto Português de Relações Internacionais, Universidade Nova de Lisboa. Rua de Dona Estefânia, 195, 5.º D - 1000-155 Lisboa, Portugal. elisabettadegiorgi@gmail.com


 

Durante a recessão económica, instituições políticas como os governos nacionais, os parlamentos e os partidos políticos, bem como instituições supranacionais como a UE, têm sido objeto de crescente desconfiança e desilusão entre os cidadãos europeus. Mas a destruição da confiança nas instituições políticas registada desde 2008 até 2014 foi certamente maior nos países do Sul da Europa. Isso teve um impacto relevante na perceção da representação política, bem como no nível de participação nos mesmos países. Por isso, o volume organizado por André Freire, Marco Lisi e José Manuel Leite Viegas é, sem dúvida, atual e interpelante.

O livro representa um dos vários outputs do projeto "Eleições, liderança e responsabilização: a representação política em Portugal – uma perspetiva longitudinal e comparativa", que procura analisar de forma sistemática as transformações e as continuidades na representação política que emergiram com a deflagração da crise económica e financeira em 2008. Num primeiro livro, Crise Económica, Políticas de Austeridade e Representação Política, tinha sido analisada a mudança longitudinal nas modalidades de representação política, focando o caso português antes e depois do início da crise. Mas os organizadores desse livro (os mesmos que agora organizam o presente volume) perceberam desde logo que era necessário ampliar o escopo da análise para incluir outros países que também haviam sido atingidos pela crise económica. Neste sentido, propõe-se aqui analisar a evolução da representação política em Portugal em perspetiva comparada.

O primeiro objetivo do livro é o de examinar o impacto da crise económica e financeira, e da consequente intervenção da troika, sobre a representação política e a relação entre eleitos e eleitores. De acordo com a teoria do governo partidário responsável, os partidos deveriam ser responsáveis perante o próprio eleitorado, mas também pelo que fazem no governo. Estes dois conceitos tornaram-se cada vez mais incompatíveis na última década devido à crise e à intervenção de atores externos no processo de decision-making nacional. Consequentemente, a crise e as políticas de austeridade que se seguiram alteraram tanto o discurso e os comportamentos dos atores políticos, como a relação entre eleitos e eleitores e a visão que os últimos tinham dos primeiros, com efeitos importantes sobre a representação política e os padrões de participação e mobilização.

Apesar de algumas limitações, das quais os organizadores estão perfeitamente cientes – como a perspetiva de curto prazo que o livro inevitavelmente tem, sendo muitos dos estudos relativos ao período até 2014 – o volume tem muitos méritos. O livro propõe, de facto, uma análise comparada sistemática da variação das respostas à crise económica em diferentes contextos. A comparação entre a Grécia e Portugal feita na primeira parte deste volume apresenta um bom exemplo desta variação em termos de eleições e resultados eleitorais, novos governos, aprovação das medidas de austeridade e aceitação das suas consequências. E esta variação é ainda maior se alargamos o âmbito da comparação a outros países da Europa do Sul, como os autores fazem na segunda parte do volume. Uma comparação como a que se pode encontrar nesta secção, entre os vários países afetados pela crise económica e financeira, ajuda-nos a compreender o impacto dos novos temas e das novas políticas criadas pela crise sobre o alinhamento entre eleitos e eleitores, as novas tendências de participação, e a representação em geral, mas também o eventual aumento dos sentimentos anti-europeus, bem como a crise de legitimidade dos partidos e dos governantes nos vários países.

A estrutura do livro responde a essas funções, dividindo-se em três partes. A primeira, como referimos, propõe uma comparação entre a Grécia e Portugal para analisar alguns dos efeitos da implementação das medidas de austeridade e da intervenção da troika sobre a representação política, variando das atitudes das elites e dos cidadãos face às políticas de austeridade e às suas consequências, às campanhas eleitorais antes e depois do bailout; do impacto da recessão no espaço ideológico na Grécia e em Portugal, à comparação das atitudes face à representação entre massas e elites; do apoio à integração europeia antes e depois do resgate, ao apoio à democracia em geral nos dois países. A segunda parte do volume alarga a perspetiva a outros países membros da UE. Todos os estudos têm uma dimensão comparativa, alguns analisando as atitudes e/ou comportamentos de eleitos e eleitores, outros apenas dos representantes políticos. Esta segunda parte abrange os temas da participação política, da comunicação política e das campanhas eleitorais, da crise e da organização do parlamento, bem como da mediatização da crise por parte dos media. O facto de alargar o objeto da análise a um número importante de países enriquece os resultados através da inclusão de vários aspetos sistémicos, institucionais, sociais, que num simples estudo de caso seriam difíceis de evidenciar. Finalmente, a terceira parte do livro debruça-se diretamente sobre a crise, mas de maneira diferente do que no resto do volume, ou seja, dando a palavra aos deputados, e aos respetivos partidos parlamentares, para obter uma visão principalmente política sobre o estado da representação e da participação política na Europa em crise. Esta terceira parte representa provavelmente o ponto menos convincente do volume: apesar do objetivo declarado de dar voz diretamente aos deputados e aos partidos sobre os diferentes problemas políticos da sociedade portuguesa, as evidências mostram que as intervenções não são suficientemente coesas, sendo por isso difíceis de confrontar em termos de conteúdos.

De qualquer maneira, se os investigadores portugueses continuarem nos próximos anos a desenvolver trabalhos densos como este que aqui se analisa, a compreensão das dimensões dos fenómenos em questão e as ferramentas metodológicas disponíveis para académicos, mas também para insiders e cidadãos, serão sem dúvida aprimoradas, com efeitos importantes sobre o conhecimento das instituições representativas e da participação política em Portugal. Enquanto aguardamos pela atualização dos resultados, sugerimos a leitura detalhada deste volume.

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