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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.18 

RECENSÕES

BIRMINGHAM, David

Breve História da Angola Moderna [séculos XIX-XXI],

Lisboa, Guerra & Paz, 2017, 208 pp.

ISBN 9789897022425

Michel Cahen*

*CNRS/Sciences Po Bordeaux. CNRS/Sciences Po Bordeaux - 33607-Pessac Cedex, França. m.cahen@sciencespobordeaux.fr


 

David Birmingham é um dos principais especialistas da história portuguesa, em particular colonial, autor de livros e artigos importantíssimos (Trade and Conflict in Angola: the Mbundu and their Neighbours under the Influence of the Portuguese, 1483-1790, Oxford, Clarendon Press, 1966). Muito pouco depois da terceira edição da sua A Concise History of Portugal (Cambridge University Press, 2014 [2003]) saiu A Short History of Modern Angola (Londres, C. Hurst & Co, 2015) que foi bem acolhida pela crítica científica, e que agora se publica em português. É um livro pensado para uma difusão ampla em Portugal – e esperemos que seja também o caso em Angola e no Brasil – mas não deixa de ser um livro de historiador. Precisamente porque é uma "breve história", as grandes tendências da história devem ser postas em evidências, e é preciso fazer escolhas. É um livro sem referências nem notas de rodapé, mas com bibliografia final indicativa, como guia de leituras complementares (voltaremos a isso infra). Além de um breve prefácio, o livro contém uma cronologia, nove capítulos e mais um apêndice.

O prefácio serve para "posicionar" a história de Angola na história do sistema-mundo capitalista – visto não fazer sentido falar do espaço "Angola" antes do século XVI, precisamente porque os reinos africanos tinham as suas próprias histórias. Serve também para explicar a posição do próprio autor – por sinal o inventor da palavra "lusófono", em 1973, passada para português logo em 1974 – no fabrico da história angolana. A cronologia recua até 1483, apesar de o livro tratar do período posterior a 1822, até 2002 – e é pena não ter continuado até 2014 (atendendo a que a versão inglesa é de 2015).

O capítulo 1, "O forjar de uma colónia" (pp. 19-33) é de uma importância fundamental, sendo quase uma breve história da Breve História, apresentando uma reflexão sobre o quão difícil e complexo foi o forjar de uma colónia num século ("dos anos 20 do século XIX aos anos 20 do século XX", p. 32), uma colónia que, chegada a 1960, tinha uma riqueza "equiparável à do império francês na África ocidental" e uma população colonial igual à britânica na Rodésia" (p. 20). Assim, o autor não embarca em teses habituais sobre o "arcaísmo" da colonização portuguesa em África – o que foi bem arcaico foi o colonialismo português perpetuado até a exaustão.

O capítulo 2, "A cultura urbana da cidade de Luanda" (pp. 35-52), faz-nos entrar no que será o estilo do resto do livro, quase escrito como uma novela, ou pelo menos um documentário. Assim, este capítulo sobre o século XIX assenta quase integralmente no relato de George Tams, médico britânico chegado a Luanda em novembro de 1841. A sua leitura remete-nos para a Luanda escravista, e acompanhando o médico podemos perceber como a totalidade dos aspetos da vida económica, social, cultural e até cultual da cidade era condicionada pela escravatura – "Noventa por cento das exportações de Angola eram ainda compostas por escravos nos anos 40 do século XIX" (p. 36), mas nem todos os escravos eram exportados (p. 45).

O capítulo 3, "Comércio e política no interior" (pp. 53-72) segue o mesmo estilo, mas agora partindo da narrativa de Ladislau Magyar, um viajante e comerciante húngaro. Este visitou o Norte de Angola, e depois outras regiões, e testemunhou que Angola se podia tornar um novo Brasil, com a existência de alguns fazendeiros que utilizavam parte dos seus escravos para tarefas produtivas em quintas em vez de exportá-los, tal como a famosíssima D. Ana Joaquina no Cazengo (pp. 54-55). Mas, como salienta o autor, os "ministros coloniais [sic] em Lisboa haviam sonhado com um "Novo Brasil", mas não o iriam encontrar no Cazengo: 3 000 escravos não se comparavam aos 300 000 escravos que continuavam a trabalhar no Brasil e 3 000 toneladas de café não tinham comparação com as 300 000 toneladas produzidas pelo Brasil" (p. 56). O fim do trato dos viventes em Angola não provocou a transformação dos traficantes negreiros numa elite agrícola produtiva – salvo poucas exceções individuais, e as grandes empresas do século XX vieram da metrópole ou do exterior. Também os ambaquistas (quase uma casta de africanos letrados em português, que trabalhavam para chefes e outros lugares, pp. 58-64) não puderam tornar-se uma pequena burguesia africana – a burguesia tinha de ser branca, como no Brasil. Este capítulo descreve também a conquista efetiva de Angola pelos portugueses, no século XIX, bem como o congresso de Berlim convocado em 1884 para encontrar uma "solução" para o rio Congo. Depois de um capítulo principalmente virado para o Norte, o capítulo 4 mantém-nos no século XIX, mas é relativo à "Terra e trabalho no Sul" (pp. 73-90).

O autor mostra bem como, até esse momento, Benguela tinha sido uma colónia quase autónoma desde 1617, e como foi profundamente afetada e "integrada" pelo comércio internacional, em primeiro lugar pelo comércio do marfim nos anos 30, depois pelo da borracha selvagem, e finalmente pelo "revivalismo do velho comércio de trabalhadores, na verdade escravos, que eram enviados para a ilha de S. Tomé já não para o cultivo do café, mas antes do cacau" (p. 73). Neste capítulo continuamos a seguir os passos de Ladislau Magyar, desta vez nas terras altas por trás de Benguela. Nestas zonas consideradas pelos estrangeiros como terra incognita, o húngaro constatou que a penetração portuguesa antiga tinha deixado rastos importantes e que essas terras não precisavam de ser descobertas de novo (p. 76). Além do comércio lícito, a exportação de escravos era a atividade dominante nos anos 1840. Depois, seguimos de novo relatos de viajantes, em particular Henry Nevinson, o qual não considerava a condição dos trabalhadores "contratados" pior em Angola do que a dos coolies no império britânico, mas constatava que nunca eles eram repatriados, pois eram escravos (p. 83). Também é utilizada uma raríssima autobiografia escrita por um escravo angolano, Solomo, que conseguiu escapar e foi educado numa missão suíça dos Camarões alemães (pp.82-83, 84). O ultimato britânico de 1890 obrigou os Portugueses a voltar à realidade, acabando com o sonho do Mapa Cor-de-Rosa, de ligação da costa à contracosta.

Com a data de 1890, ano do ultimato de Lord Salisbury, evocado na primeira página do capítulo 5, entramos, na verdade, no século XX. David Birmingham insiste no contraste entre os dois países: "Na história diplomática britânica, o ultimato de 1890 não merece sequer uma nota de rodapé. A "resposta leve" de Salisbury não foi considerada de especial significado. Em Portugal, anunciou o fim da velha ordem colonial" (p. 91). Também provocou o fortalecimento das ideias republicanas, que não eram em nada anticoloniais. É o tempo de governadores-gerais enérgicos, Paiva Couceiro e Norton de Matos, que sonham com uma Angola branca. Nesse sentido, até se idealizou uma imigração massiva de judeus oriundos da Europa do Leste, em ligação com o avanço do caminho-de-ferro de Benguela. Falhou, porque o projeto de Israel Zangwill passava por criar uma "pátria judaica" em Angola, quando Portugal só queria aceitar imigrantes individuais, que se tornariam perfeitos portugueses. Mas não esmoreceu o sonho de Norton de Matos de substituir a velha elite mestiça de Luanda "por uma nova geração de imigrantes portugueses brancos" e de criar uma população branca (homens e mulheres) trabalhadora na agricultura (p. 97). O golpe de 1926 acabou com este sonho, afirmando que os trabalhadores negros é que deveriam ser recrutados com prioridade para uma Angola financeiramente sustentável (p. 100). Mas o novo regime continuou a defender a separação racial até aos anos 50 do século XX (p. 101), empurrando para baixo a velha elite crioula. No entanto, ao lado desses "velhos assimilados", o crescimento urbano fez aparecer o fenómeno dos "novos assimilados", africanos negros que vieram fazer concorrência ao meio social intermediário dos mestiços (p. 106). Chegados à Segunda Guerra Mundial, "a tentativa de transformar Angola numa colónia branca estava longe de concluída" (p. 107).

A segunda metade do século XX, que começa em 1945, é abordada no capítulo 6, "colonialismo vs. nacionalismo" (pp. 109-127): "Em 1945, Salazar pôs as bandeiras a meia haste quando soube da morte do Hitler" (p. 109). Desta vez, seguimos os passos de Basil Davidson e de Henrique Galvão. É o período do boom do café com base no trabalho forçado dos Ovimbundos, obviamente mal vistos pelos Bacongos, cujas terras tinham sido expropriadas pelos colonos (p. 111). É o período de expansão das culturas forçadas do algodão, que levou à revolta de janeiro de 1961 na baixa de Cassange (p. 114) e da grande revolta do Norte, em março do mesmo ano, com atrocidades dos dois lados (p. 116), passando pela revolta do 4 de fevereiro em Luanda. Nascem grupos anticolonialistas ("nacionalistas") com as suas divisões permanentes (pp. 119-124): "escrever uma história da FNLA, do MPLA e da UNITA representa um duro desafio", reconhece o autor (p. 122).

O que é certo é que esses foram surpreendidos pela Revolução dos Cravos (pp. 126-127). Assim, o capítulo 7, "As lutas dos anos 70" (pp. 129-143) aborda as "dores de parto de uma nova nação" (p. 129) e as guerras angolanas. David Birmingham divide-as entre a guerra de intervenção (agosto de 1975 a março de 1976), a Guerra Fria (1976-1991) e a guerra civil (1992-2002). É durante o período intermédio entre a "guerra de intervenção" e a guerra fria que ocorreu a dita tentativa de golpe de Estado de Nito Alves (17 de maio de 1977) (pp. 137-141) provocada pelo descontentamento de parte da base do MPLA frente a um governo indiferente à situação social. Mas se a tentativa de golpe fez 15 mortes, as "represálias que o Governo abalado tomou […] foram de tal modo selvagens que Angola foi lançada para um caminho descendente de uma espiral de violência que ultrapassava as crueldades da Guerra Colonial e as brutalidades da guerra de intervenção. [O governou usou] as forças de segurança políticas para reprimir qualquer independência de pensamento que pudesse inflamar as aspirações da população urbana" (p. 141). Reprimida a "fação" nitista, começou já a "fermentar um novo conflito, que consistia, mais uma vez, numa guerra civil e internacional", que é estudada no capítulo 8, "Sobrevivência nos anos 80" (pp. 145-165).

Com efeito, é durante esta nova guerra que o regime do MPLA vai transitar de um "estilo de comando-gestão soviético [para] um estilo de mercado livre americano", sem que isso detivesse o apoio cubano ao governo e o apoio sul-africano à UNITA (p. 147). Este período é também o do retorno de muitos antigos bacongo do Congo para o Norte de Angola ou para a cidade de Luanda, onde serão muito ativos no renascimento de uma economia de mercado tolerada pelo governo e aproveitada pela elite (pp. 147-150). Também é o período de uma migração gigantesca de populações rurais rumo às cidades. Este avanço do capitalismo não foi em nada um avanço da democracia: ao contrário, "a centralização do poder foi continuamente reforçada pela receita do petróleo" (p. 156), que não impediu o avanço da UNITA, sobretudo depois de 1984, com apoio sul-africano e, doravante, americano (p. 161). A batalha militarmente indecisa de Cuíto-Cuanavale (janeiro de 1988) foi politicamente decisiva, convencendo a África do Sul que se devia negociar. Em troca da partida dos cubanos, esta aceitou a independência da Namíbia. Em maio de 1991 foi assinado o cessar-fogo de Bicesse para permitir eleições em Angola (p. 164) entre beligerantes, tendo perdido "os seus patronos da Guerra Fria" (p. 165).

O último e nono capítulo vai até ao século XXI e aborda a "Guerra civil e o rescaldo colonial" (pp. 167-186). "Quando o fardo da guerra foi temporariamente levantado, os dezoito meses entre Maio de 1991 e Setembro de 1992, representaram o mais espectacular período de optimismo e liberdade que Angola alguma vez testemunhara" (p. 167). De acordo com a minha interpretação, esse período durou pouco, frente a um acordo de Bicesse cego ao problema da desmobilização e a uma missão da ONU sem poder. Segundo David Birmingham, as eleições de 1992 dividiram os cidadãos angolanos "entre os da cidade e os do campo", os primeiros votando a favor do MPLA e os segundos da UNITA (p. 168), que foi oficialmente derrotada. A "guerra civil" estalou a 1 de novembro de 1992 "e foi diferente da guerra colonial de 1961, da guerra intervencionista de 1975 e da guerras [sic] de destabilização dos anos 80. Os três conflitos anteriores tinham sido travados, acima de tudo, no campo […]. A guerra de 1992 dizia respeito "a cidades inteiras" (p. 169). Este novo período provocou não somente ainda mais centralização, mas sobretudo personalização do poder do presidente José Eduardo dos Santos, e também uma onda organizada de racismo popular contra as etnicidades tidas como não apoiantes do governo (p. 175). Angola entrou no século XXI, num "conflito depravado entre um governo corrupto enfeitiçado pela riqueza e uma oposição desumana obcecada pelo poder" (p. 177) e não parecia "estar à vista nenhuma solução para o confronto militar entre o governo central e as guerrilhas" (p. 179). Só que o governo estava doravante apoiado pelos EUA e Israel, e mercê dos meios técnicos deles, o chefe da UNITA, Jonas Savimbi, foi encurralado e morto a 22 de fevereiro de 2002. Assim terminou a última das guerras angolanas. Mas, como adverte David Birmigham, "a complexa realidade da Angola do pós-guerra só pode ser compreendida com referência ao seu passado. Os visitantes bem-intencionados, nos primeiros anos do século XXI, apressaram-se a falar de um "regresso à normalidade", mas isso representa uma incapacidade para compreender a História" (p. 180). Além do terrível legado das minas antipessoais, as tensões sociais subiram com a crise das terras em Luanda e a expulsão de muceques ligada à especulação imobiliária. A alta dos preços do petróleo a partir de 2003 permitiu um locou enriquecimento de uma ínfima elite e as suas espetaculares compras de empresas na antiga metrópole colonial. Como diz o autor , o país "foi administrado por um governo altamente centralizado, presidencial, mas foi um governo livremente escolhido por eleição popular. Até a oposição parlamentar falou com optimismo acerca das perspectivas futuras de Angola" (p. 186).

Essas duas últimas frases permitam frisar aspetos que merecem discussão, e é com pena que referimos que o livro  deveria ter sido atualizado, pelo menos com uma adenda sobre a década 2003-2013, sobre os preços altos do petróleo e sobre os últimos anos (2014-2017), quando José Eduardo dos Santos anunciou que não se iria recandidatar. Foi neste período que nasceu uma nova oposição político-cultural, a dos jovens Revus ("Revolucionários"). Também a bibliografia (pp. 203-207) não foi atualizada, o que deixou de fora dois livros indispensáveis: o livro de Ricardo Soares de Oliveira, Magnifica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil, Lisboa, Tinta da China, 2015 e o livro de Justin Pearce, A Guerra Civil em Angola 1975-2002, Lisboa, Tinta da China, 2017.

No difícil género das "Breves histórias", o livro de David Birmigham é fundamental, mesmo tendo em conta as escolhas drásticas que foram feitas. Talvez este livro seja demasiadamente "português" no sentido de que podia ser dada maior ênfase, sobretudo para o século XIX, aos Estados africanos do Centro, Sul e Este de Angola que, até ao terceiro quarto do século, mantiveram a hegemonia na relação económica e política com os portugueses, como mostrou Isabel Castro Henriques (Percursos da Modernidade em Angola, Lisboa, IICT, 1997). O que aqui se demonstra muito bem é o fracasso do "novo Brasil", apesar do espetacular desenvolvimento económico de Angola no colonialismo tardio. Em contrapartida, a revolta da Baixa de Cassange (que é evocada sem ser citada, p. 114) e, sobretudo, a grande revolta do Norte, mereciam mais desenvolvimentos (é estranho falar de "uma organização política exilada do outro lado da fronteira do Congo", p. 116, sem citar a UPNA-UPA-FNLA). A propósito do processo do "poder popular" em Luanda durante a transição (1974-1975), animado pelos militantes dos Comités Amílcar Cabral (CACs), não citados, é abusivo dizer que foi apoiado pela "liderança local do partido" (p. 129, p. 139). Foi uma espécie de situação de duplo poder entre essas estruturas bairristas lideradas pela extrema-esquerda e a direção de um MPLA muito enfraquecido pelas suas crises anteriores e manipulando essa nova geração antes de reprimi-la (Leonor Figueiredo, O Fim da Extrema-Esquerda em Angola, Lisboa, Guerra & Paz, 2017).

As guerras, que são o pano de fundo dos três últimos capítulos do livro, são classificadas pelo autor como "guerra de intervenção" (1975-76), "guerra fria" (1977-1991) e "guerra civil" (1992-1994-2002). Esta classificação induz em erro quanto à natureza civil das duas primeiras guerras. Ora a guerra civil não começou depois da independência, mas logo durante a guerra de libertação, com ações violentas de movimentos contra outros movimentos. Essa "guerra civil longa" tem uma forte historicidade. Não se trata de subestimar o peso das intervenções exteriores, mas essas intervenções sobrepuseram-se às guerras civis e não as criaram. Nunca foram meras guerras proxy. A melhor prova é que a pior das guerras foi a última, quando já não havia os ditos "patronos" (p. 165). E mesmo quando se trata de intervenções exteriores, não se pode dizer que a África do Sul do apartheid era o braço armado dos Estados Unidos, tinha a sua própria estratégia regional. E Cuba também não era um mero fantoche da URSS.

Outro ponto é as eleições de 1992 e 2003. O autor qualifica o regime de José Eduardo dos Santos (no poder de 1979 até 2018) de "presidencialismo totalitário" (p. 174) e fala de um "ditador" (p. 179). Mas considera que as eleições de 1991 "haviam sido claramente livres e justas" (p. 171) e que, como já vimos, as de 2003 ditaram "um governo livremente escolhido por eleição popular" (p. 186). Vejo aqui uma imensa contradição. O aparelho de Estado ficou sempre totalmente controlado pelo MPLA, mesmo em 1992, e não é preciso vir uma orientação superior para uma fraude local generalizada porque é inconcebível perder o poder. Mesmo se se considerar que a fraude foi insuficiente para inverter os resultados, não se pode dizer que as eleições angolanas tenham sido alguma vez livres e justas. Também dizer que, em 1992, o campo e a cidade votaram de maneira oposta (p. 168) me parece um pouco simples, mesmo se é verdade que as raízes sociais do MPLA eram mais urbanas que as da UNITA.

Outra crítica que me permito fazer incide sobre a qualidade da tradução. O título Short History of Modern Angola devia ter sido traduzido como Breve História da Angola Contemporânea. Há vários outros erros de tradução. Na página 104, por exemplo, a palavra native foi traduzida como "nativo", o que é errado tratando-se dos indígenas enquanto estatuto social colonial. Na página 123, relativamente à atividade da PIDE-DGS, fala-se de "entrevistas" quando se trata de interrogatórios. Na página 129 os ativistas do "poder ao povo" na cidade de Luanda são obviamente os do "poder popular" como eram apelidados e se apelavam. Na página 205, uma secção da bibliografia é chamada "outros materiais angolanos" quando, com toda a evidência se trata de "outros materiais sobre Angola", que inclui obras portuguesas, brasileiras, francesas, etc.

Aliás, a bibliografia deveria ser reestruturada: num livro em português, porquê começar a bibliografia com uma secção "outras leituras em inglês"? E na já citada secção "outros materiais [sobre Angola]", é de lamentar que não haja nada de José Curto sobre a escravatura (por exemplo, Enslaving Spirits: the Portuguese-Brazilian Alcohol Trade at Luanda and its Hinterland, c. 1550-1830, Leiden, Brill/Boston, Prometheus Books, 2004), de Jean-Michel Mabeko-Tali sobre o MPLA (Dissidências e Poder de Estado: Ensaio de História Política: o MPLA perante si Próprio (1962-1977), Luanda, Nzila, 2001), e que haja apenas uma referência a Christine Messiant, quando a página 174 sobre a Fundação José Eduardo dos Santos é claramente inspirada num artigo desta autora ("La Fondation Eduardo dos Santos (FESA): à propos de l''investissement' de la société civile par le pouvoir angolais". Politique africaine, 73, 1999, pp. 82-102) e que tinha sido publicada em tempo para poder ser citada a sua obra póstuma (L' Angola postcolonial. Vol. 1, Guerre et paix dans démocratisation. Vol. 2. Sociologie politique d'une oléocratie, prefácio de G. Balandier, Paris, Karthala, 2008-2009).

Apesar destas críticas avulsas, parece-me óbvio que este livro será de grande utilidade como livro curto sobre a longa duração e a complexidade.

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