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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.227 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.03 

ARTIGOS

A cor da mestiçagem: o pardo e a produção de subjetividades negras no Brasil contemporâneo

The coloring: colored and the production of black subjectivities in contemporaneous Brazil.

Viviane Inês Weschenfelder*, Mozart Linhares da Silva**

*Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950, Cristo Rei, São Leopoldo - CEP 93020-190, RS, Brasil. vivianeweschenfelder@gmail.com

**Departamento de História, Universidade de Santa Cruz do Sul. Avenida Independência, 2293, Universitário, Santa Cruz do Sul - CEP 96815-900, RS, Brasil. mozartt@terra.com.br


 

RESUMO

A cor da mestiçagem: o pardo e a produção de subjetividades negras no brasil contemporâneo. O texto problematiza as posições ocupadas pela cor/raça parda na dinâmica étnico-racial brasileira e relaciona-as com os processos de subjetivação do sujeito negro no Brasil. A partir das análises da produção historiográfica dos séculos XIX e XX e das narrativas de mulheres negras publicadas no blog Blogueiras Negras, evidencia-se um deslocamento nos usos do termo pardo e uma mudança de ênfase do dispositivo da mestiçagem para o dispositivo da negritude. Operando com alguns conceitos-ferramenta de Michel Foucault, os resultados mostram que essas mudanças interferem na produção de subjetividades negras e são importantes para pensar a educação contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: pardo; sujeito negro; biopolítica; processos de subjetivação.


 

ABSTRACT

This paper problematizes the positions occupied by color/race in Brazilian ethnic-racial dynamics and relates them with the black subjectivity process in Brazil. After an historiographical analysis of the XIX and XX centuries and of black women's narratives posted on the blog Blogueiras Negras, we highlighted a change in the use of the word pardo. Working with some of the tool-concepts of Michel Foucault, we show that the changes identified interfere in the production of black subjectivity and are important for rethinking contemporaneous education.

KEYWORDS: colored; black subject; biopolitics; subjectivity process.


 

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. […] A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos [Carta de Pero Vaz de Caminha, 1500].

NEM PRETO, NEM BRANCO: UMA CATEGORIA NÃO-POLAR

Desde os primeiros registos escritos que constituem a história do Brasil, as questões que envolvem a cor da pele sempre tiveram relevância. Tanto nos modos de descrever os grupos humanos quanto nas formas de produzir diferença sobre eles e hierarquizá-los, boa parte das narrativas que compõem a historiografia brasileira estão atravessadas pela cor e pelas diferentes perceções que ela vem recebendo ao longo do tempo.[1] Numa perspetiva genealógica de análise, de acordo com o filósofo Michel Foucault, as práticas são compostas por técnicas semelhantes, mas com um télos[2] distinto. Desse modo, entendemos que a cor parda, hoje nomeada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE como uma categoria de cor e raça, pode ser posicionada na centralidade desse debate. Na Carta de Pero Vaz de Caminha, o termo pardo era utilizado para caracterizar os nativos do continente americano. Esse é apenas um exemplo de uso do termo e, como podemos ver a seguir, os significados também se alteraram.

Segundo o padre Rafael Bluteau, autor do Vocabulário Portuguez & Latino, publicado em 1720, pardo significa a "cor entre branco e preto, própria do pardal, de onde parece ter vindo o nome". Constam ainda alguns adágios portugueses que ilustram o pardo como cor escura: "maio pardo, junho claro", "de noite todos os gatos são pardos" (Bluteau, vol. 6, 1720, p. 265). Na edição de 1789, atualizada por António Morais da Silva e renomeada como Diccionario da língua portuguesa, acrescenta-se além da designação "cor entre branco e preto, como a do pardal", "homem pardo, mulato" (1789, pp. 159). O Dicionário da Língua Brasileira de 1832, publicado por Luiz Maria da Silva Pinto, designa o adjetivo pardo como de "cor entre branco e preto, mulato" e o substantivo pardo como o "macho da onça ou leopardo" (Pinto, 1832, pp. 788).

Já o Diccionário da Língua Portugueza, de 1783, de Bernardo Baccelar, aponta somente "animal cinzento" (1783, pp. 464). Destaca-se a associação do pardo com o mulato tanto no Dicionário de 1789 quanto no de 1832. Para o verbete "mulato", o padre Bluteau, chama a atenção para o canto 10, oitava 100, de Camões, onde consta a seguinte passagem:

todas da gente vaga, e baça, donde diz, quiere dezir, que la gente dessas partes es de color ni branca, ni negra, que em Portugal llamamos pardo, o amulatado, porque se llaman mulatos los hijos de negro y blanco, a los quales de essa mescla de padres que da esse color dudoso, o neutral entre los dos malistimo sin duia , porque hasta alli sea malo, el ser neutral, cosa aborrecible [Bluteau, v. 5, 1720, pp. 628].

Nem preto, nem branco, de cor duvidosa: esse é um dos sentidos atribuídos ao pardo. Já para o verbete mulato, Bernardo Baccelar afirma apenas: "de cor enegrecida" (1783, p. 447). Em 1832, Luiz Maria da Silva Pinto relaciona mulato com pardo. Assim, os "verbetes" apresentados pelos dicionários mostram que os termos pardo e mulato possuem sentidos similares e que ambos se referem ao meio termo, a uma cor mista entre o preto e o branco. A indefinição do pardo constituiu sobre essa cor/raça uma posição de entre-lugar. Para Bhabha (2007, p. 20), "esses 'entre-lugares' fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação". O pardo marca a passagem de um oposto ao outro e ao mesmo tempo borra qualquer noção de fronteira. Para fins estatísticos, o pardo é uma cor que resulta do cruzamento entre as raças/etnias brancas e negras: é o símbolo da mestiçagem. Mas os seus usos sugerem a necessidade de ir além desse entendimento.

Este texto objetiva problematizar os deslocamentos que o termo pardo assume na dinâmica étnico-racial brasileira.[3] Na medida em que surge no país a noção de população, o pardo adquire uma dimensão biopolítica e torna-se elemento central na questão da mestiçagem. Entendida como a principal característica brasileira, durante boa parte do século XX, a mestiçagem funciona como uma engrenagem que produz verdades e formas de condução da população. Chamaremos à engrenagem dispositivo. A partir do final da década de 1970, no entanto, um conjunto de mudanças políticas e sociais tem descontruído o dispositivo da mestiçagem e tentado produzir outro conjunto de práticas, que correspondem ao que nomeamos como o dispositivo da negritude. A gestão biopolítica da população no Brasil contemporâneo tem produzido outras subjetividades nos sujeitos que se autodefinem como negros, o que pode ser evidenciado através das narrativas de mulheres negras que escrevem e publicam textos em um blog intitulado Blogueiras Negras.

Com essa análise, pretendemos contribuir para os estudos que procuram compreender as relações que se estabelecem no interior das questões étnico-raciais brasileiras, especialmente no campo da educação. Distanciamo-nos de qualquer tentativa de interpretação que dê conta de uma suposta totalidade da história racial no Brasil. Nesse viés, damos as costas para as estruturas binárias que procuram criar fronteiras entre o branco e o negro, mas ao mesmo tempo entendendo que elas estão postas e são culturalmente produzidas. Do mesmo modo, o pardo (ou o moreno e o mulato) para nós está longe de ser uma categoria essencializada. O nosso objetivo é, justamente, mostrar o quanto ela é cambiante e politicamente interessante para diferentes finalidades, o que contribui para a produção de subjetividades nos sujeitos afrodescendentes. Como mostra Barros (2009, p. 51), "a 'construção social da cor' deu-se e se dá de modo tão particularmente intenso no mundo moderno que todos – 'negros' e 'brancos', ou outras cores que se queira acrescentar – aprendem de um modo ou de outro a enxergar o mundo a partir desta e de outras diferenciações".

Em uma breve esquematização, podemos afirmar que o termo pardo é empregado em três momentos distintos, todos eles com finalidades diferentes:

1.    Segundo a pesquisa realizada por Mattos (2013, p. 41), "a cor era informação sempre presente até meados do século XIX" e todos os nascidos livres eram qualificados como brancos ou pardos. Assim, "a designação de 'pardo' era usada, antes, como forma de registrar uma diferenciação social" (Mattos, 2013, pp. 42). O trabalho de Viana (2007) vai ao encontro dessa constatação. No seu estudo sobre a mestiçagem nas irmandades de pardos no período colonial, Viana (2007, p. 36) mostra que no século XIX a categoria parda era utilizada "para qualificar homens e mulheres livres de ascendência africana que já estavam relativamente distanciados do mundo da escravidão, mas não eram necessariamente mestiços". Assim, nesse primeiro momento, o pardo aparece como um distanciamento da escravidão, pois definir-se ou ser definido como pardo evidencia uma relação com a liberdade. É importante destacar, ainda, que a descrição do sujeito como pardo o associa a uma condição social, mas não o racializa;

2.    Desde os primeiros recenseamentos, no final do século XIX, as categorias moreno e pardo correspondem a significativa parcela da população. Na medida em que a discussão da mestiçagem passa a receber importância para a construção da ideia de nação brasileira, esses índices são utilizados tanto para comprovar o comprometimento da raça, quanto para enaltecer a mestiçagem como identidade nacional, resultando na crença da democracia racial;

3.    A rearticulação do movimento negro, no final da década de 1970, será um dos elementos responsáveis pela contestação dessa suposta democracia, bem como os altos índices de pardos presentes nos censos serão justificados pela ausência de uma narrativa que reconheça a importância do negro para o Brasil. Dos anos 1980 até hoje, vemos a intensificação desse movimento de desconstrução do mito e o deslocamento da categoria cor/raça parda, que agora em conjunto com os autodeclarados pretos, passa a ser nomeada como população negra.

Destes três momentos acima descritos, nos deteremos nos últimos dois movimentos. Além da impossibilidade de "dar conta" destes deslocamentos, entendemos que o segundo e o terceiro momento estão intimamente imbricados, tanto no que se refere à compreensão da dinâmica étnico-racial, quanto aos processos de subjetivação que elas produzem no sujeito negro.[4] Na perspetiva teórico-metodológica em que nos movimentamos, compreendemos que os significados implicados em dar cor aos homens são constituídos por regimes de verdade. Estes significados estão postos na epistemologização da raça e do corpo-espécie da população. É, portanto, no campo da biopolítica que situamos esta reflexão. Segundo Foucault (2002), a partir da segunda metade do século XVIII irá emergir uma nova tecnologia de poder, que ele nomeou de biopolítica. Diferente da tecnologia disciplinar, que age sobre o corpo e produz efeitos individualizantes, a tecnologia de poder biopolítico, ou o biopoder, é centrada na vida, "se dirige à multiplicidade dos homens", uma massa global que será chamada de população. "A biopolítica lida com a população, a população como problema político, como problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e como problema de poder" (Foucault, 2002, pp. 292-293).

Deste modo, é a vida que entra no cálculo do poder, a sua manifestação biológica enquanto espécie que compõe um corpus que suscita intervenção, gestão e normalização. E este é o contexto, entre os séculos XVIII e XIX, em que o Estado passa a lançar mão das recém-descobertas "tecnologias de distância" (Senra, 2006, p. 30), ou melhor, da "ciência do Estado", a estatística (Rabinow, 1999, p. 40). A população que neste contexto já se adensava, sobretudo no meio urbano, deixa de ser uma massa turva e imprevisível e passa a ser mensurada e gestada nos mais variados aspetos. Durante o século XIX, os mecanismos de controlo sobre a população passam a ser cada vez mais refinados, à medida que as descobertas científicas oferecem ao Estado possibilidades de melhor conduzir, ao mesmo tempo, a todos e a cada um. Articulam-se, portanto, o poder disciplinar e o poder biopolítico.

Acompanhando a história dos censos no Brasil, destaca-se um fenómeno interessante para problematizarmos o significado biopolítico da população brasileira, sobretudo se considerarmos o quanto é recente esta ideia de população e o quanto é, da mesma forma recente, a racionalidade governamental que a constitui como corpo-espécie da nação: trata-se da categoria pardo. Ela aparece já no censo de 1872, desaparece do censo de 1890, sendo substituída pela categoria mestiço e ressurge para não mais desaparecer no censo de 1940. Em todos os censos em que o pardo foi considerado, ele figura com número expressivo, ainda que seja notável o seu crescimento substancial entre 1940 e 2010. Em 1940, os pardos correspondiam a 21,2% da população e, em 2010, 43,1%. Considerando que pardo não é uma designação racial ou étnica, mas remete para a cor ou para o que se pretende como uma cor, ainda que indefinida, não deixa de ser interessante perceber como ele se constitui como central quando nos propomos pensar a constituição do corpo-espécie da população nacional.

Os dados sobre a classificação racial da população evidenciam os desdobramentos de um sistema articulado de saberes e estratégias políticas, ou melhor, estratégias biopolíticas, que fazem da mestiçagem um dispositivo. É sobre essa questão que a próxima secção irá tratar.

DISPOSITIVO DA MESTIÇAGEM E "PARDIFICAÇÃO" SOCIAL

Embora seja amplamente utilizado, o conceito de dispositivo é complexo e exige definições. Para Foucault (2000, pp. 244) o dispositivo é "um conjunto decididamente heterogéneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetónicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas". Estão presentes no dispositivo as relações de saber, de poder e as formas de subjetivação que conformam as práticas discursivas e os sujeitos nelas relacionados. Deleuze (1990, p. 155) auxilia-nos nesse entendimento:

Em primeiro lugar, é uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear. É composto por linhas de natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas homogêneos por sua própria conta (o objeto, o sujeito, a linguagem), mas seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio, e essas linhas tanto se aproximam como se afastam uma das outras. […] Os objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em exercício, os sujeitos numa determinada posição, são como que vetores ou tensores.

A mestiçagem, mais do que um fenómeno atinente a misturas raciais, remete-nos para uma alargada meada discursiva que instituiu uma forma de perceber e organizar o mundo social brasileiro. É preciso entender a mestiçagem como uma racionalidade, uma potência, um fenómeno que podemos historicizar e compreender os seus efeitos. É a mestiçagem que organiza o mundo étnico-racial do país, com desdobramentos decisivos na maneira como a sociedade se institucionaliza, sobretudo a partir dos anos 1930, quando, seguindo a indicação de Gadelha (2009), se pode observar com mais clareza a construção de estratégias biopolíticas do Estado brasileiro. Desse modo, é preciso compreender este processo de construção da mestiçagem enquanto dispositivo de estratégias biopolíticas no Brasil e como ela foi pensada e traduzida politicamente a partir da "epistemologização da raça".

A "invenção" da raça do ponto de vista moderno é contemporânea à "invenção" do Estado-nação. Estas são, na realidade, construções imbricadas. Um dos grandes princípios norteadores da construção da nação foi a ideia de que a cada Estado cabia uma nação, ou melhor, uma população entendida em sua uniformidade, homogeneidade e previsibilidade. A invenção da raça do ponto de vista científico permitiu que a nação pudesse ser pensada enquanto formada por um corpo-espécie. A entrada da vida humana no cálculo do poder, portanto, torna a raça, ou melhor, o racismo, uma política, ou ainda, uma biopolítica de Estado.

Para Foucault,

foi nesse momento que o racismo se inseriu como mecanismo fundamental do poder, tal como se exerce nos Estados modernos, e que faz com que quase não haja funcionamento moderno do Estado que, em certo momento, em certo limite e em certas condições, não passe pelo racismo [Foucault, 2002, p. 304].

O racismo será o "método" da defasagem, no interior da população, de alguns grupos em relação a outros, ou seja, de separar, classificar, inferiorizar e hierarquizar o corpo-espécie da população (Foucault, 2002). Deste modo, a construção da nação moderna é tributária desta introdução do racismo como mecanismo do poder e não será outro o sentido do discurso racial do século XIX que não seja a busca pela homogeneização e especialização ou melhoramento do corpo-espécie da população nacional. Este é, vale notar, o sentido da própria eugenia, termo cunhado por Francis Galton, em 1869, baseado nas teses de Charles Darwin (seu primo).

Os teóricos racialistas do século XIX não se cansaram de apontar o risco da miscigenação, considerada degenerativa e perniciosa para a eugenia da raça nacional. Dentre os muitos naturalistas, cientistas e filósofos que se manifestaram neste sentido destacamos o conde Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), autor do famoso Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1858), cujas opiniões sobre o Brasil são bem conhecidas. Gobineau, por ocasião da sua estada no Brasil como embaixador francês, tornou-se amigo de D. Pedro II,

com quem se correspondeu até o final da vida. As suas impressões sobre a experiência no Brasil são, no entanto, desalentadoras. Em artigo publicado no Le Correpondant, em 1873, intitulado L' emigration au Brésil, o conde afirmou que a miscigenação levaria à destruição da população brasileira num período de 270 anos (Gobineau, 1996, pp. 85). A opinião de Gobineau não era isolada, e sim traduzia, de certo modo, o imaginário europeu e norte-americano oitocentista, que percebia a miscigenação como algo pavoroso (Skidmore, 2012, p. 98).

Entre os intelectuais e cientistas brasileiros do século XIX e início do século XX, opiniões pessimistas sobre o devir da nação não foram raras. A geração do médico e prócere da Escola de Medicina da Bahia, Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), do crítico literário Sílvio Romero (1851-1914) e do ensaísta Euclides da Cunha (1866-1909), enfrentou o "problema" da miscigenação para a civilização brasileira. Romero fez parte da chamada geração de 1870, responsável, de certo modo, pela receção e tradução das teorias positivista, evolucionista e darwinista no Brasil. Romero lutou na sua obra por uma autenticidade da cultura brasileira e neste processo a mestiçagem não poderia ser contornada. É conhecida a sua afirmação, na introdução de História da Literatura Brasileira, de 1888: "todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas idéias". Para Souza (2004), esta afirmação indicava o quanto a miscigenação fora fundamental nas reflexões de Romeiro e marcaria o conjunto da sua obra. Contudo, o que Romero avaliava como positivo na miscigenação era, maioritariamente, a possibilidade que ela aventava para o branqueamento do país. Perspetiva essa que já não fazia sentido para o sergipano no final da sua vida, tendo afirmado que o branqueamento seria "viável apenas no século XXIV" (Skidmore, 2012, p. 100).

Nina Rodrigues, introdutor das ideias do antropólogo Cesare Lombroso, nome mais importante da Escola de Antropologia Criminal italiana, construiu uma visão pessimista sobre os mestiços brasileiros. No livro As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brazil, Rodrigues (1894) chega a propor que o Brasil tenha mais do que um Código Penal em função das diferenças morais entre as raças que compunham a população nacional. Nesta obra, Nina faz largo uso de Herbert Spencer, de quem retira a seguinte afirmação sobre os males da miscigenação: "a mistura entre raças de homens muito dessemelhantes parece produzir um typo mental sem valor, que não serve nem para o modo de viver da raça superior, nem para o da raça inferior, que não presta emfim para genero algum de vida" (Rodrigues, 1894, p. 133). O autor de Os Sertões (1902), Euclides da Cunha, também deixou impressões profundamente racistas sobre o mestiço brasileiro.

Nos anos 1910, a miscigenação ganha um novo campo de tensionamentos em meio às discussões sobre o devir da nação. Este é um contexto de adensamento do debate sobre o corpo espécie da população onde encontraremos uma pluralidade de ideias e posturas que transitaram pelo racismo, sanitarismo, eugenia e culturalismo. A população é algo novo no imaginário nacional do início do século XX. Na realidade, ela é suscitada por um conjunto de fatores, entre eles a descoberta do sertão e do sertanejo. Os Sertões de Euclides da Cunha e a publicação da Viagem Científica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, Sul do Piauí e de Norte a Sul de Goiás, dos médicos Artur Neiva e Belisário Pena (1999 [1916]) tiveram papel significativo nesta descoberta da população. À sua maneira, estas obras colocaram o problema da população na agenda intelectual e política do país. Destacam-se, ainda, as missões científicas de Oswaldo Cruz (1912-1917), do Marechal Rondon (1915) e de Roquette-Pinto (1920), que alimentavam o movimento pelo sanitarismo deste "imenso hospital", conforme expressão do médico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Miguel Pereira. Segundo Ponte:

Os sanitaristas trouxeram de suas expedições uma visão de nossos sertões diversa da que prevalecera até então, romântica e ufanista. O retrato do Brasil era pintado com pinceladas fortes e mostrava um povo doente e analfabeto, abandonado pelo Estado e entregue à própria sorte [Ponte, 2010, p. 76].

Ao lado das posições adotadas pelo movimento sanitarista, que tendiam a ver no problema brasileiro uma questão de saúde pública e não de inferioridade racial, somam-se posturas claramente eugenistas, como as defendidas por Renato Kehl, o fundador, em 1918, da Sociedade Eugênica de São Paulo, a primeira da América Latina. A partir de palestras, livros e revistas, como é o caso da Revista Annaes de Eugenia, publicada por Monteiro Lobato a partir de 1919 e do Boletim de Eugenia, publicado entre 1929 e 1933 sob coordenação de Renato Kehl, a eugenia difundiu-se entre intelectuais, cientistas e sociedade em geral. O movimento eugenista, em seu primeiro momento, entre a primeira tese defendida sobre eugenia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, da autoria de Alexandre Tepedino, em 1914, até a década de 1920, foi muito próximo do sanitarismo, chegando mesmo a confundir-se com ele. A partir do final dos anos 1920, entretanto, o movimento aproxima-se do mendelianismo[5] e passa a uma postura mais radical e racista.

A partir da ascensão do governo nacionalista de Getúlio Vargas, em 1930, as questões relacionadas com a população e a raça passam a ter um lugar privilegiado na agenda do governo. Já em 1931 é criada a Comissão Central Brasileira de Eugenia, sob direção de Renato Kehl. Ao Ministério da Educação e Saúde Pública, criado no primeiro ano do governo, acresce-se, em 1931, a Diretoria Geral de Informações, Estatística e Divulgação, renomeada em 1939 como Serviço de Estatística da Educação e Saúde (SEES), comandada pelo nacionalista Teixeira de Freitas que, em 1936, encabeçou a fundação do Instituto Nacional de Estatística, transformado em 1938 no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Educação e saúde, os dois pilares das discussões sobre os destinos da nação, ou melhor, do corpo-espécie da nação, são unificados no mesmo ministério e tem nas instituições de pesquisa estatística uma nova racionalidade para a gestão. A estatística, ou ciência do Estado, foi estratégica para a biopolítica, pois não apenas permite o conhecimento da população, a sua composição, a saúde, morbidade, óbitos, raças, etc, como permite o planeamento de políticas que a conduzem e a moldam. A população é entendida agora, de acordo com Branco (2015, p. 102), como o "conjunto dos indivíduos submetidos às técnicas de biopoder".

Compreender como a miscigenação se institui como um dispositivo fundamental na biopolítica do Estado implica em olhar para o processo de construção das condições de possibilidade para que a população pudesse ser incluída nos cálculos do poder. Como vimos acima, o imaginário sobre a miscigenação não era nada favorável ao devir da nação brasileira, pelo menos até a primeira década do século XX. No entanto, a partir desta década, um novo elemento deverá ser considerado nos debates sobre a miscigenação: trata-se da positivação da miscigenação enquanto mecanismo de branqueamento da população. Sonho antigo, aventado por muitos, mas nada sistematizado, o branqueamento enquanto projeto de nação encontra a partir da célebre conferência do diretor do Museu Nacional, Batista de Lacerda, realizado em Londres, em 1911, recebendo status de discurso oficial. A ideia era heterodoxa e invertia o que até então estava em voga no meio científico. Apostava-se na superioridade do sangue branco nos processos de cruzamento racial com a raça inferior, o que deveria levar ao gradual branqueamento da população. Lacerda (1912) previa que em 100 anos o Brasil estaria branco e livre dos negros e índios que, segundo seus cálculos, ao fim deste período já deveriam ter desaparecido.

A ideia de branqueamento ofereceu à miscigenação a sua redenção, e se o branqueamento da população era possível pela via da mestiçagem, soma-se a ele a imigração de tipos eugénicos para irrigar o corpo-espécie de pele alva e, ainda, potencializar as misturas com tipos europeus, considerados desde sempre superiores (Koifman, 2012). Skidmore mostra que mesmo considerando a diversidade de posturas sobre a questão racial entre as elites daquela época, uma perspetiva era comum a "todos", "o desejo básico de ver a população embranquecendo" (Skidmore, 2012, pp. 271).

A miscigenação terá, ainda, outro contorno político, que será o elemento central do chamado "mito" ou "ideologia" da democracia racial, instituindo-se a partir dos anos 1930 como o discurso oficial do Estado brasileiro. Grosso modo, a "ideologia" da democracia racial nega o racismo e os conflitos raciais no Brasil e aponta para uma construção social harmónica e não-conflituada. Entendemos a democracia racial como a materialidade do poder, como o efeito de estratégias de governamento biopolítico que efetivamente moldaram a narrativa político-cultural da nação. A ideia de um país sem racismo, livre de conflitos raciais é uma construção que vem ganhando forma desde o início do século XIX, contexto caracterizado, segundo Chalhoub, pelo "haitianismo", o medo difundido entre as elites da época de uma revolução escrava, a exemplo da Revolução de São Domingos (1791 e 1804) (Chalhoub, 1990, p. 193). Efetivamente, esta ideia de um paraíso racial no Brasil, uma sociedade livre do racismo, transcendeu as fronteiras do próprio país, tornando-se um discurso corrente, tanto nos EUA quanto na Europa. Célia Azevedo, por exemplo, cita uma palestra de 1858 proferida em Nova Iorque pelo ex-escravo e abolicionista norte-americano Frederick Douglass, em que ele afirma que no "império brasileiro os homens 'de cor', livres ou libertos, eram cidadãos como quaisquer outros", ao contrário do que ocorria nos EUA (Douglass apud Azevedo, 2005, p. 313). No mesmo sentido, quase um século depois da palestra de Douglass, Guimarães (2001) chama a atenção para uma fala do ativista negro Abdias do Nascimento, em que a miscigenação é relacionada com a democracia racial no Brasil. Assim se manifestou Abdias no I Congresso do Negro Brasileiro, em 1950:

Observamos que a larga miscigenação praticada como imperativo de nossa formação histórica, desde o início da colonização do Brasil, está se transformando, por inspiração e imposição das últimas conquistas da biologia, da antropologia, e da sociologia, numa bem delineada doutrina de democracia racial, a servir de lição e modelo para outros povos de formação étnica complexa conforme é o nosso caso [Guimarães, 2001, p. 148].

O que nos informa a relação entre miscigenação e a democracia racial? A miscigenação torna-se o nexo que articula o não-racismo, pois inscreve-se na narrativa da nação como a "prova material" de que o racismo não existe, posto que um povo que se miscigena não pode ser racista. Neste sentido, a miscigenação atua como antídoto ao racismo ao mesmo tempo que funciona como estratégia de branqueamento, atendendo ao propósito eugenista. A democracia racial faz da miscigenação o dispositivo que organiza a narrativa do não-racismo simultaneamente ao branqueamento do corpo espécie da população. O mestiço é o símbolo desta unidade nacional construída sob a égide da harmonia racial e da eliminação das linhas de cor como fator determinante da dinâmica social. Em uma narrativa deste tipo não há espaço para o racismo, ao contrário, como entendeu Fernandes já na década de 1950, esta é uma sociedade que tem "preconceito de ter preconceito".

A miscigenação gesta outro elemento fundamental na construção da democracia racial, qual seja, a "pardificação" da população, resultado da fratura das polaridades raciais e de processos de subjetivação que interditam a identidade racial ou mesmo de dessubjetivação de sujeitos negros que percebem no branqueamento o caminho para melhores posicionamentos sociais. O pardo é uma categoria que coloca em funcionamento o cromatismo e defasa no interior da população mesmo aqueles sujeitos que se afastam das polaridades. O que os dados censitários revelaram, conforme mostramos no final da primeira secção, é que o pardo se configura, justamente, como o entrelugar destas polaridades, em um deslizamento constante de cores que não podem ser fixadas numa categoria essencial.

Por último, o dispositivo da miscigenação não apenas permite a negação do racismo, mas faz do branqueamento uma perspetiva e um devir civilizatório. Neste arranjo civilizatório, a miscigenação inclui o negro numa narrativa que o exclui, que perspetiva o seu desaparecimento. O proselitismo do mestiço como símbolo nacional, a inclusão dos elementos de uma "cultura africana" na narrativa identitária da nação, a absolvição da capoeira, do violão, do samba e da feijoada ilustram este processo celebratório em que o mestiço se constitui como articulador de uma narrativa que, ao mesmo tempo em que inclui o sujeito negro no corpo-espécie da população, o faz desaparecer no cromatismo e na pardificação.

Assim é que o pardo faz funcionar o fenómeno da miscigenação para moldar e regular os processos de subjetivação que negam as polaridades, sobretudo a negra. Como dizia Batista de Lacerda, em 1911, ao defender a miscigenação como via do branqueamento, "provavelmente antes de um século a população do Brasil será representada, na maior parte, por indivíduos de raça branca" (Lacerda, 1912, pp. 94-95). Entende-se, nesse sentido, como a biopolítica do branqueamento implica na constituição da população negra como população-sacer, para usar a expressão de Agamben (2002), pois esta encontra-se fadada à "vida nua", à vulnerabilidade e ao desaparecimento. A pardificação foi este elemento que, agindo na realidade da população, pode constituí-la, normalizá-la, impedindo a proliferação de heterogeneidades efetivas. O pardo acabou por se constituir numa estratégia de segurança que fez funcionar o dispositivo da miscigenação. A democracia racial teceu os fios destes dispositivos para fundar uma narrativa identitária calcada no que ficou consagrado na obra de Gilberto Freyre como "equilíbrio de antagonismos". Gilberto Freyre não inventou a democracia racial, mas sua obra é, certamente, o "paradigma" mais efetivo que pode ser desdobrado do dispositivo da mestiçagem e de seus efeitos mais evidentes: a negação do racismo, o branqueamento da população e a pardificação como subjetivação.

Embora o Brasil ainda vivencie fortes resquícios desse processo que chamamos de pardificação social, já que eles estão presentes nas pequenas práticas quotidianas da população de todas as descendências, aos poucos essas manifestações esmaecem-se e cedem lugar a um novo conjunto de discursividades, que valoriza a negritude e coloca em cheque o mito da democracia racial, bem como a sua herança. Ao tratar sobre a história do movimento negro no Brasil, a pesquisa de Pereira (2010, p. 240) mostra "o caráter transnacional dos movimentos negros no mundo e o conjunto de referenciais estéticos, políticos e culturais" que constituíram estes movimentos. A busca pelo "mundo negro" (Pereira, 2010) é algo comum aos movimentos, mas o modo como a dinâmica racial brasileira passa a ser governada para a composição deste mundo negro merece ser compreendido, especialmente quando essa governamentalidade se materializa nas experiências dos sujeitos afrodescendentes. É sobre esse deslocamento que a próxima seção se dedica.

NARRATIVAS DE MULHERES NEGRAS E O FORTALECIMENTO DA NEGRITUDE

2014 é o ano do meu nascimento. Durante três décadas, ou desde o dia em que tenho lembranças de quem fui ou tornei-me a ser, fui morena clara; morena e também achei-me branca. Mas, eu negra? Não, não; Ouvia frases do tipo: "olha que morena mais bonitinha" [Shirlene Marques, junho de 2014].[6]

O depoimento acima é um fragmento de texto escrito por uma mulher negra e publicado em um blog chamado Blogueiras Negras. O termo blog significa uma junção de rede (web) com diário de bordo ou registro sistemático (log). Diário online, portanto, parece ser a tradução mais adequada na língua portuguesa para web log. O Blogueiras Negras é descrito pelas suas administradoras como "um instrumento de publicação que tem como principal objetivo aumentar a visibilidade da produção de blogueiras negras". Esse é um espaço exclusivo para mulheres negras publicarem textos sobre diferentes assuntos, geralmente denunciando o preconceito racial, de género e sexual e narrando experiências com a negritude. As autoras possuem diferentes profissões, faixas etárias e orientações sexuais, além de residirem em diferentes estados do Brasil. Essa diversidade não impede, no entanto, que possamos criar um "perfil comum" das autoras, especialmente com relação à sua escolaridade (nível superior) e atuação política. Pela potência do material publicado no blog, entendemos que esse é um espaço educativo, político e de resistência. Desse modo, o Blogueiras Negras é tomado como um campo privilegiado em que podemos visibilizar como o discurso do movimento negro contemporâneo vem sendo recebido e ressignificado por esses sujeitos, fortalecendo a negritude. Além disso, o blog permite-nos entender como essas mulheres ativistas que se autodeclaram negras, se relacionam consigo mesmas e com as outras, produzindo novas subjetividades.[7]

A negritude é um termo francês utilizado pela primeira vez em 1939 pelo poeta antilhano Aimé Césaire. Inicialmente, négre era um termo usado para ofender o negro. A partir deste uso, a proposição passou a ser a reversão do seu significado, para que a negritude pudesse ser utilizada com o intuito de valorizar as comunidades afrodescendentes. Como explicita Domingues (2007), as propostas do movimento da negritude foram trazidas para o Brasil nos anos 1940 pelo Teatro Experimental Negro. Em função da Ditadura Militar, o Movimento Negro nesse período ficou enfraquecido, só retornando no final da década de 1970. Como estratégia de combate ao Mito da Democracia Racial, a negritude é retomada e passa a ser fortalecida também como movimento identitário. De acordo com Domingues

[a] negritude passou a ser um conceito dinâmico, o qual tem um caráter político, ideológico e cultural. No terreno político, negritude serve de subsídio para a ação do movimento negro organizado. No campo ideológico, negritude pode ser entendida como processo de aquisição de uma consciência racial. Já na esfera cultural, negritude é a tendência de valorização de toda manifestação cultural de matriz africana [Domingues, 2005, pp. 25-26].

Trabalhar com o conceito de dispositivo para entender a negritude na contemporaneidade torna-se interessante na medida em que consideramos o conjunto de mudanças ocorridas no Brasil a partir da década de 1970, especialmente com relação à população negra. Um dos primeiros movimentos nessa direção foi a publicação de estudos que permitiram reconhecer a existência do racismo no Brasil, para além das teses que apontavam o preconceito como um traço histórico relacionado com o escravismo ou mesmo com as questões de classe social, como encontramos nos importantes trabalhos de Florestan Fernandes, por exemplo. Em 1978, no contexto de crise da ditadura militar, a articulação do Movimento Negro Unificado foi um passo importantíssimo no rumo da luta antirrascimo. Os "resultados" destes movimentos tornam-se mais expressivos a partir dos anos 1990, sobretudo depois do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reconhecer oficialmente o racismo no Brasil. Nesta mesma década tinham início as preparações para a participação do Brasil na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e às Formas Correlatas de Intolerância foi realizada em Durban (África do Sul), em 2001. Assumia-se, a partir de então, a necessidade de discutir as políticas afirmativas voltadas para a população negra no Brasil (Guimarães, 2008).[8]

As políticas de ação afirmativa podem ser vistas como formas de discriminação positiva. De acordo com Castel (2008, p. 14), "pode ser útil, ou até indispensável, tomar como alvo as populações marcadas por uma diferença que para elas é uma desvantagem, visando reduzir ou anular essa diferença". No caso do Brasil, diversas pesquisas apontam as disparidades económicas e sociais quando se trata da população negra, o que justifica a importância de ações específicas para esse contingente. As políticas afirmativas só se tornam ações concretas a partir de 2003, nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Além da criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), tivemos a implantação da política de cotas para negros nas universidades (hoje regulamentada pela Lei n.º 12 711 de 2012) e a inclusão do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas instituições de ensino do país (Lei n.º 10 639 de 2003). Em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial regulamentou ações sistemáticas em relação à população negra.

Como podemos verificar, são importantes avanços no campo da negritude brasileira, especialmente no que se refere à consolidação de políticas públicas, resultado de décadas de articulação dos movimentos negros. Obviamente, esses avanços não ocorrem sem a existência de conflitos e descontinuidades. Percebemos esses embates nas narrativas dos ativistas negros e, no terreno da linguagem, numa busca pelo abandono de alguns termos (como o moreno e o mulato) e pela ressignificação do conceito ou dos usos da categoria raça. Essa passou a ser entendida "como uma construção social, histórica e cultural" (Schwarcz, 2012, p. 34), enquanto o termo negro assume um significado positivo, sendo o modo politicamente mais adequado para nos referirmos aos afrodescendentes no Brasil. Assim, quando nos desafiamos a tratar sobre negritude, a cada dia somam-se novos elementos ou modificam-se os fios que tecem os discursos que atravessam esse campo. Como explicita Marcello (2004, p. 211), "ao trabalharmos com o conceito de 'dispositivo', não estaremos lidando com uma estrutura fechada, organizada, cujos elementos em jogo estão previamente dados, mas, antes, com aquilo que é da ordem do imprevisível, da ordem da criação: o acontecimento".

Para Foucault (2014) a constituição do sujeito é um processo amplo e complexo que envolve a objetivação e a subjetivação, completando-se por meio da relação com os saberes e da relação que o indivíduo desenvolve com os outros e consigo mesmo. Entendemos as experiências vivenciadas pelas mulheres que passam a perceberem-se como negras como uma subjetivação que ocorre por meio de um processo. A escrita, neste sentido, é entendida como prática que permite, ao mesmo tempo, o duplo movimento de objetivação e subjetivação. Ao tratar sobre a escrita de si, Foucault chamou a atenção para o ato de escrever, descrevendo-o como um exercício, um trabalho sobre si mesmo que, ao mesmo tempo que aproxima o outro, é também um gesto de exposição, no qual estão implicadas verdades que constituem aquele sujeito (Foucault, 2004a). Entre as questões comummente abordadas nas narrativas das mulheres negras (blog Blogueiras Negras), está presente a crítica à mestiçagem, como podemos ver nos excertos a seguir:

Meu pai é negro, minha mãe nasceu com a pele branca…]. Eu sou negra de pele mais clara, mas na minha infância nunca consegui entender exatamente de que lado eu estava. […] invejava e desejava ser como as crianças pretas que eu via brincando […] Me via pela metade. […] Olho quase todos os dias para meu rosto no espelho, ou para fotos antigas, procurando os traços que comprovam a minha negritude [Gabriela Pires, janeiro de 2014].[9]

Até os meus 13 anos eu vivia letárgica: a ideia de ser negra; não era parte da minha identidade, afinal eu não era negra, era morena como ouvira tantas vezes. Melhor do que isso, era uma morena linda com traços de branca, morena jambo. Certamente o racismo me incomodava mas via aquilo como algo que acontecia com terceiros, não em gente como eu. Era confortável viver ali, não me identificando com a luta e as dores que o nosso povo tem [Kelly Matias, abril de 2014].[10]

Em diversas publicações, as blogueiras relatam que foram educadas para se perceberem como mulatas, mestiças, morenas, mas nunca como negras. Isso é entendido como algo extremamente negativo, como uma recusa do direito de afirmação da descendência africana. De modo geral, a crítica à mestiçagem está presente também nas produções académicas e nas mobilizações negras, que denunciam o discurso da democracia racial e seus efeitos perversos para a população afrodescendente, uma vez que amorteceu qualquer luta antirracista. A blogueira Shirlene Marques sintetiza o que entendeu após ler sobre o tema: Eis que as respostas chegaram: a denominação de uma pele morena, no Brasil, é usada para camuflar a pertença à raça negra, de ter o sangue negro no corpo.[11] Essa possibilidade discursiva faz parte do contexto atual, mas está diretamente vinculada às mudanças ocorridas a partir do final da década de 1970, nomeada por Domingues (2007) como a Terceira Fase do Movimento Negro. Segundo o autor,

O movimento negro ainda desenvolveu, nessa terceira fase, uma campanha política contra a mestiçagem, apresentando-a como uma armadilha ideológica alienadora. A avaliação era de que a mestiçagem sempre teria cumprido um papel negativo de diluição da identidade do negro no Brasil [Domingues, 2007, p. 116].

Na medida em que a mestiçagem é severamente criticada, quase que demonizada, a afirmação da identidade negra ganha cada vez mais espaço. Essa valorização da identidade também está relacionada com o movimento da consciência negra, que embora receba uma data específica no calendário brasileiro (20 de novembro), pode ser pensada para além desse momento de "festejo reflexivo". De acordo com Munanga (2015, p. 43), "aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele reivindica-se com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e de feiura como qualquer ser humano 'normal'". Desse modo, olhar para si, conhecer os aspetos históricos que posiciona o afrodescendente nos lugares que ele ocupa socialmente, entender o conjunto de ações políticas que tem proporcionado uma mudança nessas posições: tudo isso resulta num processo de subjetivação que, alicerçado na valorização da cultura africana e na autoestima, produziriam outros modos de ser sujeito negro na contemporaneidade. As narrativas a seguir mostram essa apropriação discursiva:

Quero que um dia as meninas pretas não demorem tanto quanto eu, quero que as meninas pretas se enxerguem em cores, amores e poesia. Quero as mulheres pretas na luta, olhando seu reflexo e dizendo: SOU PRETA! [Luma de Lima Oliveira, abril de 2014].[12]

Como poderia eu contentar-me com o status de "bastarda", de "animalesca", de "coisificada", de "proibida", que a sociedade via para mim? O máximo que eu poderia alcançar dentro dessa escala seria o status de "entre branca e negra" a que se refere o termo pardo ou seria melhor dizer "branca-suja"? […] Poder declarar-me mulher negra, é fazer visível o laço invisível da minha ancestralidade, identidade legítima e que me aceita, esfera onde eu deixo de ser bastarda [Aline Djokic, agosto de 2014].[13]

O posicionamento das autoras está fortemente associado à participação destes sujeitos nos movimentos sociais, tanto negro como feminista, ou ainda de espaços intersecionais, como o feminismo negro. O próprio blog assim se define: "Partimos do princípio que nossa espinha dorsal é o feminismo negro intersecional e a experiência da mulher negra".[14] Para Crenshaw (2002), a intersecionalidade contribui para a não fragmentação das discussões sobre as diferentes formas de discriminação sofridas pelas mulheres negras, fortalecendo também estes sujeitos que se sentem pertencentes a um grupo que compartilha diversas características. Sendo o Blogueiras Negras um espaço aberto a mulheres negras e público em seu conteúdo, as autoras reforçam a importância do blog e convocam outras mulheres à participação política, o que evidencia tanto o caráter educativo deste espaço, quanto produtor de regimes de verdade.

Em uma pesquisa semelhante, Melo e Moita Lopes (2014) mostram que a mulher negra associa a sua transformação a um renascimento. Existe um "ponto de virada", para usar a expressão dos autores, que faz com que a mulher narre sua história em dois momentos: antes e depois de sua afirmação como negra. Estas experiências evidenciam um processo de subjetivação que, aliado a tradução de uma identidade cultural específica, corre sempre o risco da essencialização. Considerando que as narrativas são publicadas num espaço exclusivo para mulheres negras e que visa fortalecer este grupo, em alguns casos o essencialismo evidenciado nos textos pode ser estratégico, conforme demonstrado por Spivak. Embora o essencialismo possa fazer parte da luta por representação e dos jogos por negociação cultural, não podemos perder de vista de que tudo é perigoso. Numa entrevista cedida em 1982, Foucault concorda que a identidade é útil e importante, mas na medida em que ela é "apenas um jogo, apenas um procedimento para favorecer relações". A identidade torna-se problemática quando ela se torna "a lei, o princípio, o código de existência", pois ela sugere que sejamos os mesmos e de certo modo nos aprisiona (Foucault, 2004b, p. 265).

Vejamos mais um excerto de narrativa:

Foi por meio do feminismo que me reconheci pela primeira vez como negra, que não me bastou mais chamarem-me de "morena", "mulata" ou "café com leite"; foi aí que eu aprendi a gritar, viver e resistir: SOU PRETA! Foi uma ruptura que me abriu um mundo, não menos doloroso – contudo, com mais força para que eu conseguisse compreender e enxergar o verdadeiro sentido da resistência [Luma de Lima Oliveira, abril de 2014].[15]

A afirmação identitária, uma vez sendo necessária para os indivíduos acessarem as políticas afirmativas e lutarem contra as diversas formas de discriminação, é interessante para o Estado, que exerce o controle biopolítico da população que governa. Numa sociedade democrática e neoliberal, a produção de subjetividades negras ocorre também porque parte-se do princípio da liberdade individual e da autonomia diante da condução das próprias condutas de cada sujeito. Baseado numa lógica de autorreflexão, o sujeito negro é convidado a assumir a sua identidade e a tornar-se protagonista, fazendo parte do jogo à sua maneira. Por mais que pareça paradoxal, essa forma de governar e ser governado implica "em um controle social sobre os indivíduos, através do trabalho sobre as populações, […] de modo que eles se acreditem cidadãos livres, participativos e peças centrais no jogo democrático" (Gallo, 2015, p. 337). Portanto, "governar em um meio de democracia liberal significa governar por meio da liberdade e das aspirações dos sujeitos, e não governar apesar destes" (Rose, 2011, p. 216).

Como procuramos mostrar, o Blogueiras Negras é um espaço que articula e coloca em circulação uma dimensão específica da negritude, que é essa valorização da identidade negra e do rompimento com qualquer elemento da mestiçagem. Nesse sentido, negar a pardização e o posicionamento dos seus corpos nesse lugar deslizante é uma tentativa de ficar fora da zona de fronteira que o pardo reafirma. Isso porque o pardo (assim como o moreno e o mulato) não só racializa os sujeitos, mas também os inferioriza, retirando a possibilidade da produção de outras subjetividades negras. O que gostaríamos de problematizar, no entanto, é o quanto essa negação da mestiçagem tem sido assumida por esses sujeitos como uma verdade inquestionável, o que pode contribuir para a simplificação e a essencialização de um tema tão complexo num país continental como o Brasil.

Compreender o deslocamento do dispositivo da mestiçagem para o dispositivo da negritude é uma tarefa que não se esgota nessa análise, mas que pode justamente mostrar o quanto a dinâmica étnico-racial brasileira merece ser tema de pesquisas, em diferentes perspetivas teóricas. É esse trabalho analítico que pode favorecer outras possibilidades de pensar a educação das relações étnico-raciais, já que as mudanças precisam de ser mapeadas e avaliadas. Para além do entendimento dos processos de subjetivação que se produzem com esses deslocamentos, nosso interesse é contribuir para a extinção do racismo e para que se abram novas possibilidades de viver com o outro na sua diferença.

 

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Recebido a 22-08-2016. Aceite para publicação a 01-08-2017.

 

[1]       Até mesmo a ausência das definições da cor são indícios de sua relevância, como mostrou Mattos (2013) na sua obra Das cores do silêncio. Antes da abolição, o silêncio sobre a cor "sugere que, por trás dele, se encontra mais que uma ideologia de branqueamento, construída e imposta de cima para baixo" (Mattos, 2013, pp. 31).

[2]       Segundo Marín-Diaz (2012, p. 28), "a expressão télos ou tele vem do grego e refere-se aos fins, aos pontos ou ao estado para os quais ou pelos quais se movimenta uma realidade. O télos é entendido como a finalidade, o objetivo, o alvo". Desse modo, ao historicizarmos as práticas, olhamos não apenas para o modo como elas são desenvolvidas, mas para as finalidades que desempenharam em cada período histórico.

[3]       Texto produzido a partir de pesquisas financiadas pela Capes, CNPq, Fapergs e Unisc.

[4]       Segundo Foucault (1995, p. 235), há dois significados importantes para sujeito: "sujeito a alguém pelo controlo e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a".

[5]       O mendelianismo, oriundo das teses de Gregor Mendel (1822-1884), contesta a possibilidade prevista por Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) de que os caracteres adquiridos por indivíduo no decorrer de sua vida possa ser passado a gerações futuras. Para o mendelianismo o fator hereditário é determinante. O ambiente, assim como os hábitos, não promoveriam alterações genéticas, portanto.

[6]       Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/06/19/nasci-negra/. Acedido em 15-06-2016. Além disso, como o blog Blogueiras Negras é um espaço público, em que as autoras se identificam, os excertos serão acompanhados do nome completo das escritoras e do link para acesso aos textos na íntegra.

[7]      A análise dos textos do blog dá-se a partir de 35 narrativas autobiográficas, publicadas entre os anos de 2013 e 2016. O nosso olhar para as narrativas envolve um posicionamento externo à comunidade virtual Blogueiras Negras. Nenhum dos autores participa ativamente do blog, o que gera implicações para a análise. Ainda assim, comprometemos-nos com o posicionamento do Blogueiras Negras e procuramos contribuir para a visibilidade das narrativas e das demandas políticas das autoras.

[8]       A participação do Movimento Negro na Conferência de Durban possibilitou novas perspectivas internacionalistas e mais sintonizadas ao movimento afro-americano. Essa conferência produziu efeitos importantes, pois foram exigidos posicionamentos dos governos com relação ao racismo e as demais formas de discriminação.

[9]       Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/01/14/fragmentos-descobrir-se-ne gra/. Acedido em 15-06-2016.

[10]      Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/04/23/e-belo-ser-irma-e-belo-ser-negra/. Acedido em 15-06-2016.

[11]      Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/06/19/nasci-negra/. Acedido em 15-06-2016.

[12]      Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/04/16/caminhos-de-resistencia-reconhecer-se-negra/. Acedido em 15-06-2016.

[13]      Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/08/05/a-historia-da-minha-negritu de/. Acedido em 15-07-2016.

[14]      Informações disponíveis em: http://blogueirasnegras.org/faq/. Acedido em 15-02-2017.

[15]      Texto disponível em: http://blogueirasnegras.org/2014/04/16/caminhos-de-resistencia-reconhecer-se-negra/. Acedido em 15-06-2016.

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