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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.226 Lisboa Mar. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018226.12 

RECENSÕES

HAVIK, Philip J., KEESE, Alexander e SANTOS, Maciel

Administration and Taxation in Former Portuguese Africa 1900-1945,

Newcastle upon Tyne, Cambridge Scholars Publishing, 2015, 255 pp.

ISBN 9781443870108

Bárbara Direito*

*Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa. Campus de Caparica, Edif. VII, Piso 2 — 2829-516 Caparica, Portugal. b.direito@fct.unl.pt


 

Nos últimos anos, um conjunto de investigações tem, entre outros méritos, permitido aproximar a historiografia do antigo império português em África daquela desenvolvida a respeito sobretudo do império britânico e francês, aprofundando por vezes fontes e temas pouco estudados, pondo à prova novas e velhas teorias e recorrendo a perspetivas comparadas. Ainda assim, o “excecionalismo” (p. 1) a que se refere Malyn Newitt, decano da história de Moçambique, no seu prefácio à obra Administration and Taxation in Former Portuguese Africa 1900-1945 – atribuível, como explicam os autores na introdução (pp. 15-21), nomeadamente ao legado do luso-tropicalismo e ao subfinanciamento e ­precariedade da administração colonial portuguesa, bem como ao seu carácter particularmente repressivo – parece continuar a tolher o campo de estudos e a sua afirmação na historiografia internacional.

Menos constrangidos pelos velhos debates que marcaram a agenda historiográfica no passado, e movidos pela vontade de retirar o caso das antigas colónias portuguesas em África de um lugar periférico do ponto de vista explicativo, Philip Havik, Alexander Keese e Maciel Santos – com importantes trabalhos publicados sobre colonialismo na Guiné, em Angola e em Moçambique, respetivamente – procuram nesta obra, publicada em 2015, oferecer uma visão de conjunto sobre políticas fiscais na antiga África portuguesa entre 1900 e 1945, mas integrando-a na história mais larga do colonialismo europeu em África. Baseando-se em fontes documentais consultadas em arquivos em Portugal, França, Angola e Moçambique, assim como na historiografia internacional e em vários contributos teóricos, um dos objetivos dos autores é, declaradamente, demonstrar que não existem “diferenças fundamentais” entre as administrações coloniais portuguesas e outras (p. 21). Por essa razão, optaram por uma “perspetiva comparativa inter e intracolonial”, que é muito bemvinda (p. 25).

A própria organização da obra reflete a opção dos autores por uma perspetiva inter e intracolonial. Depois do prefácio de Malyn Newitt, que situa de forma breve, mas acutilante, o estudo na historiografia colonial dos séculos XIX e XX, declarando-o livre das amarras da ideologia (p. x), a introdução dos três autores representa um importante estado da arte sobre colonialismo e políticas fiscais. Os restantes capítulos estão divididos em duas partes que se complementam entre si. Na primeira parte, os autores procuraram lançar alguns dados essenciais para a compreensão das políticas fiscais coloniais portuguesas em África e do seu impacto, tanto da perspetiva da metrópole, como da perspetiva das colónias e, sobretudo, das populações rurais africanas, os principais sujeitos fiscais dos impostos diretos. Temos assim um primeiro capítulo onde se propõe uma visão de conjunto sobre o peso dos impostos diretos e indiretos nas contas das administrações coloniais nos antigos territórios coloniais portugueses entre 1900 e 1939 (capítulo 1 – Maciel Santos), ao que se segue uma discussão, suportada por alguns dos principais estudos sobre a matéria, sobre o impacto dos impostos nas sociedades coloniais e os diferentes interesses e estratégias que suscitaram, em particular das populações rurais africanas, as mais afetadas por estas políticas (capítulo 2 – Alexander Keese). Na segunda parte, reúnem-se três estudos de caso – Angola, Norte de Moçambique e Guiné (capítulos 3, 4 e 5, da autoria de Alexander Keese, Maciel Santos e Philip Havik, respetivamente) –, onde se olha mais de perto para o contexto em que em cada território foram introduzidos impostos diretos sobre as populações africanas, bem como para as consequências destes nas suas vidas e as suas respostas. Um dos principais fenómenos verificado é o das migrações para colónias vizinhas, onde por vezes vigoravam regimes fiscais menos onerosos para as populações africanas, pondo assim em evidência a dimensão inter-colonial procurada pelos autores.

Por outro lado, a escolha pela publicação em língua inglesa – quando alguns dos trabalhos que estiveram na origem da presente obra tinham originalmente sido escritos em português –, contribui também para o objetivo de encurtar a distância que separa o estudo do colonialismo português do estudo de outras experiências coloniais, permitindo a sua maior divulgação, não apenas junto do público que domina a língua portuguesa.

A principal ideia que retemos dos três capítulos que compõem a segunda parte, e que representam sem dúvida contributos extremamente importantes para a história dos respetivos territórios, mas também para a história dos modos de governar na antiga África colonial portuguesa e das relações profundamente desiguais com as populações africanas, é a da ligação estreita entre trabalho forçado e impostos diretos – os chamados imposto de palhota e imposto de capitação –, por um lado, e entre impostos e financiamento do estado colonial, por outro, ainda que estes tenham tido um peso variável em diferentes territórios, e mesmo dentro de cada território em momentos diferentes. Não era só a economia colonial, em parte suportada pelo cultivo forçado de culturas exportáveis como o algodão (por exemplo no Norte de Moçambique), que assentava nos braços dos africanos, eram também as ­próprias finanças coloniais que, em maior ou menor medida, dependiam da cobrança direta de tributos aos africanos. Destes três capítulos queremos também destacar o pormenor com que são identificados e discutidos os interesses e atitudes de diferentes agentes, dos trabalhadores africanos aos governantes nas capitais das colónias, passando pelos chefes de posto. Estes textos focam igualmente aspetos como a porosidade das fronteiras e o peso das migrações para colónias vizinhas para escapar a regimes mais exigentes e às condições laborais, assim como o papel da corrupção e dos incentivos no funcionamento da máquina administrativa colonial.

Por ser uma obra que tem precisamente o mérito de juntar investigações sobre políticas coloniais portuguesas em diferentes territórios africanos e de procurar encontrar pontos em comum entre elas e sistematizá-las para o período entre 1900 e 1945, mas também a ambição de dinamizar um campo de estudos, teria sido pertinente incluir também um capítulo sobre S. Tomé e Príncipe – território apenas mencionado brevemente na primeira parte –, sobre cujas políticas fiscais, também por causa das particularidades da sua economia de plantação, haveria certamente muito a dizer.

Ainda a respeito da segunda parte, embora os capítulos 3 a 5 incidam essencialmente sobre o tema dos impostos diretos sobre as populações africanas, estes acabam por ser um pouco desiguais entre si, dificultando até certo ponto a comparação intra-colonial ambicionada pela obra. De facto, estes capítulos ­versam sobre períodos históricos ­ligeiramente diferentes (1918-1945; 1929-1939 e 1900-1945, respetivamente), adotam perspetivas diversas (sobretudo das autoridades coloniais, no caso do capítulo 4, e das populações rurais africanas, ou sujeitos fiscais, no caso dos capítulos 3 e 5) e unidades geográficas diferentes (o capítulo 4 olha apenas para o Norte de Moçambique, quando os outros capítulos olham para os territórios coloniais estudados como um todo). Estas diferenças, que resultaram certamente de uma combinação de fatores como o peso das investigações prévias de cada autor, as especificidades dos territórios estudados[1] e até os limites das fontes disponíveis, mas também da vontade expressa dos autores em incorporar as perspetivas “tanto dos colonizadores como dos colonizados” (p. 15), acabam por deixar aparentes algumas tensões entre problemáticas e metodologias mais devedoras da história económica e da história social, entre uma visão das políticas coloniais a partir da metrópole e a partir das colónias, entre a perspetiva das administrações coloniais e a dos sujeitos coloniais.

A obra em apreço constitui, no entanto, um começo auspicioso que esperamos venha a abrir caminho a novas investigações sobre o tema da questão fiscal no colonialismo português.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LEXOPOULOU, K., JUIF, D. (2017), “Colonial state formation without integration: tax capacity and labour regimes in Portuguese Mozambique (1890s-1970s)”. International Review of Social History, 62 (2), pp. 215-252.         [ Links ]

 

[1] No caso de Moçambique, analisado no capítulo 4, a forma como a ligação do chamado “Sul do Save” à África do Sul influenciou as políticas fiscais e o facto de a região central de Manica e Sofala ter sido administrada pela Companhia de Moçambique até 1942, ajudam a compreender a opção pelo estudo apenas da região Norte. Para um recente esforço de estudo das políticas fiscais portuguesas em todo o território de Moçambique entre as décadas de 1890 e de 1970, v. Alexopoulou e Juif (2017).

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