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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.226 Lisboa Mar. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018226.11 

RECENSÕES

MARTINHO, Francisco C. Palomanes

Marcello Caetano. Uma Biografia (1906-1980),

Lisboa, Objectiva, 2016, 589 pp.

ISBN 9789896651367

Josep Sánchez Cervelló*

*Departament d'Història i Història de l'Art, Facultat de Lletres, Universitat Rovira i Virgili. Campus Catalunya, Avinguda Catalunya, 35 — 43002 ­Tarragona, Espanha. josep.sanchez@urv.cat


 

O autor quer deixar claro, desde o princípio, que a sua biografia procura, essencialmente, aprofundar questões de ordem política e intelectual. No entanto, a obra não se cinge exclusivamente ao personagem, abarcando também o seu contexto histórico. Como tal, não se centra na intimidade familiar, nem nos círculos económicos ou de interesses, nem sequer nos convívios com os seus discípulos e apoiantes que lhe “aqueceram a cadeira” esperando a sua chegada à presidência do governo como, por exemplo o grupo “da Choupana”, que adotou o nome desse restaurante do Estoril.

Não que estas questões não surjam na obra. Elas aparecem, mas de forma mais tangencial. Tal facto, evidentemente, não mancha o detalhado estudo que faz da personagem biografada, uma vez que o autor trabalhou uma enorme quantidade de fontes documentais, tanto arquivísticas como bibliográficas e hemerográficas, bem como testemunhos orais de grande relevância.

Martinho assinala, reiteradamente, que Marcello Caetano era totalmente previsível e que o era porque manteve ao longo de toda a sua vida o pensamento reacionário com que cresceu. Os seus pais eram originários do distrito de Coimbra e, como frequentemente sucede, as zonas rurais caracterizam-se por um forte conservadorismo. O seu pai era monárquico e um fervoroso católico, que foi viver na sua juventude para Lisboa, onde exerceu diversas profissões até se converter em funcionário público. Casou-se com Josefa Maria das Neves e foi nesse ambiente familiar que cresceu o futuro presidente do Conselho.

No período de entre-Guerras, o contexto português e internacional favoreceu o auge das ditaduras, reforçando as correntes autoritárias, antidemocráticas e ultranacionalistas. Foi neste período que Marcello Caetano aderiu ao Integralismo Lusitano. Os Integralistas pretendiam estabelecer uma monarquia corporativa, em consonância com as correntes mais fraturantes da direita radical europeia. O sidonismo foi igualmente outra peça do puzzle reacionário que ajudou a formatar ideologicamente a direita radical, juntamente com a Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira.

O radicalismo de direita era fruto das sequelas de que padeceu Portugal após a Grande Guerra europeia, tal como sucedeu também em Itália. Ambos os países, apesar de se encontrarem do lado dos vencedores, não obtiveram qualquer compensação. Mas os governos autoritários não foram património exclusivo dos Estados que não conseguiram obter os frutos desejados do conflito. Também Espanha, que foi neutral, acabou sob a ditadura de Primo de Rivera em 1923. Esta vaga autoritária acabou por desembocar no golpe de Estado de 28 de maio de 1926.

Neste contexto, é muito revelador o empenho de Caetano e de Teotónio Pereira em editar a revista Ordem Nova (março de 1926 a março de 1927), que também se definia como “Revista anti-moderna, anti-liberal, anti-democrática, anti-burguesa e anti-bolchevique. Contra-revolucionária, reaccionária, católica, apostólica e romana; monárquica, intolerante e intransigente”. Os seus enunciados evidenciavam já o radicalismo das suas propostas e, evidentemente, Caetano forjou-se no combate contra a esquerda que, à época, possuía também tiques autoritários derivados da influência bolchevique. O jovem Caetano revelou-se também um paladino da Igreja Católica pois, como assinala o autor, o seu pensamento formava parte de uma tradição não somente anti-liberal, mas também anti-iluminista, marinada num profundo pessimismo sobre a condição humana, pelo que confiava na vontade divina para moldar as mentes e as pessoas. Politicamente, e como bom conservador, possuía o sentido do poder e da sua preservação. Não acreditava no papel político das massas, mas antes no das elites superiores que eram o escol que devia conduzi-las e formá-las.

Depois da chegada de Salazar ao poder, uma parte do Integralismo Lusitano optou por diluir-se no Estado Novo, e isso mesmo fizeram Teotónio e ­Caetano. Estes quadros foram chamados a servir o Estado. Marcello, com 23 anos, foi convidado pelo ditador para ser o auditor jurídico do Ministério das Finanças. Três anos mais tarde doutorou-se com uma tese sobre A depreciação da moeda após a guerra, e com 27 anos, quando o regime se institucionalizou, contribuiu para a redação do novo texto constitucional, em conjunto com outros juristas. Nesse mesmo ano ingressou como docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Caetano, na sua juventude e no início da sua idade adulta, fez gala de uma fervorosa fé que, como é sabido, o abandonou no final da sua vida devido, em grande parte, às consequências do Concílio Vaticano II e às politiquices da diplomacia cardinalícia. Também demonstrou ser, ao longo da sua vida, um inamovível pessimista. Este seu traço de carácter, pensa Martinho, pode ter sido potenciado pela doença depressiva da sua mulher.

Um dos aspectos ideológicos que nortearam o pensamento de Caetano foi o corporativismo, entendido como a organização económica e política que permitia conciliar os interesses do patronato e dos trabalhadores, evitando a luta de classes. Este sistema postulava que a economia devia servir, sobretudo, os interesses da nação e beneficiar as classes mais desfavorecidas. Obviamente, a realidade foi outra. A verdade é que nas ditaduras o Estado sempre se colocou ao lado dos patrões, inviabilizando o modelo. Caetano pensou que com a criação de grémios profissionais e sindicatos nacionais o corporativismo se expandiria. No entanto, a revolução corporativa que preconizava não existiu. Para mais, após a vitória aliada em 1945, o corporativismo era o que de mais parecido havia com o regime fascista. Contudo, o Estado Novo pôde contornar muito melhor a situação do que o franquismo, não tendo Portugal sofrido uma guerra civil. Os interesses britânicos e norte-americanos fiavam-se mais em Salazar do que na oposição política, que se restruturou em 1943. A Base das Lages e a necessidade que Portugal refreasse uma suposta intervenção do franquismo a favor do Eixo, beneficiaram o salazarismo.

A miséria desse período de guerra provocou as greves de 43 que, segundo Caetano, eram não apenas inevitáveis como também reconhecidas pela generalidade das pessoas como justas. Esta demarcação, entre outras, de Caetano em relação à postura oficial do regime foram bastante habituais, como forma de assim demonstrar a sua autonomia.

Entre 1940-1944, Caetano foi comissário nacional da Mocidade Portuguesa. Apesar de ser um salazarista convicto, como assinala Martinho, sugeriu, durante este período, que se reduzisse a censura à imprensa e que a Assembleia Nacional fosse mais autónoma em relação ao governo. Pedia também uma maior proteção social para os trabalhadores, o fortalecimento dos sindicatos nacionais e o fim dos abusos praticados na indústria mineira e nas obras públicas. Do mesmo modo, apoiado na sua condição de jurista, criticou os excessos da PVDE/PIDE. A maior parte destas críticas ao regime eram enviadas por correio a Salazar, razão pela qual raramente transpiravam para a opinião pública.

Em setembro de 1944, Caetano foi nomeado ministro das colónias, cargo que ocupou até fevereiro de 1947. Os homens fortes do executivo eram, além de Caetano, Botelho Moniz, ministro do Interior, e Santos Costa, ministro da Guerra. Botelho e Caetano tinham um bom entendimento, o que não acontecia com Santos Costa que tinha um carácter prepotente e desejava o controlo absoluto da corporação militar.

Caetano era tudo menos heterodoxo no que tocava à colonização e aos direitos de Portugal sobre os territórios que administrava. Contudo, assinalando alguma originalidade no debate sobre o futuro dos impérios coloniais, mostrou-se por diversas ocasiões partidário da autonomia progressiva e participada, o que incomodava os militares integracionistas e os salazaristas de longa data. Era também bastante cáustico com o partido único da ditadura: a União Nacional (UN), que como ficou demonstrado nas eleições de 1945 foi incapaz de superar a mobilização opositora.

Em fevereiro de 1947, Salazar levou a cabo uma remodelação ministerial e demitiu Caetano devido às suas reiteradas críticas à UN, cuja comissão executiva dizia ser apenas uma espécie de agência geral dos interesses regionais junto do executivo de Lisboa e que, nos diversos distritos do país, era uma casca vazia de conteúdo.

Contudo, Salazar, entendendo que valia mais manter o seu assíduo colaborador por perto do que afastado, convidou-o, em março de 1947, para presidente da Comissão Executiva da UN. Marcello ocupou o cargo até 1949 e, após a sua demissão, Salazar atraiu-o de novo para a área governativa nomeando-o procurador da Câmara Corporativa, da qual viria a ser presidente, entrando também mais tarde para o Conselho de Estado.

Em 1949, o presidente da República, marechal Carmona, estava com 80 anos. Ainda assim, Salazar propô-lo de novo como candidato à reeleição. Face a esta situação, Caetano, através dos seus apoios na UN e na administração, propôs que Oliveira Salazar avançasse para a Presidência da República, esperando suceder-lhe à frente do governo. Salazar, no entanto, opôs-se veementemente pois não queria um cargo representativo sem poder efetivo e preferia manter-se na presidência do Executivo.

Em 1951, e perante a crescente hostilidade internacional ao colonialismo luso, foi efetuada uma reforma constitucional com a qual se enterrava o império português, substituindo-o pelas denominadas províncias ultramarinas. Portugal convertia-se, no papel, num estado pluricontinental e multirracial “do Minho a Timor”.

Nesse mesmo ano falece o marechal Carmona. Salazar, com o apoio das Forças Armadas, apresentou para o cargo o general Craveiro Lopes, que contou com a colaboração de Caetano na sua campanha para as eleições que, inevitavelmente, o regime venceu.

Em 1955, Caetano regressa ao governo, desta vez como ministro da Presidência, esforçando-se por exibir, neste cargo, a sua face mais amável. Em nome do chefe do executivo, deslocava-se às reuniões internacionais da NATO, da EFTA, etc. Procurou também coordenar, no âmbito da sua pasta, os ministros e os diversos escalões da administração do Estado, visando uma atuação harmoniosa. Apesar dos esforços de atualização do regime, o desentendimento entre Santos Costa e Caetano e entre o primeiro e o presidente da República Craveiro Lopes, provocaram uma importante crise. ­Salazar perdeu a confiança no presidente da República e apoiou a nomeação para o cargo do submisso almirante Américo Thomaz. A oposição, por seu lado, escolheu o general Humberto Delgado que, superando todas as expectativas, realizou uma campanha brilhante, direta e contundente, denunciando as misérias da ditadura e garantindo que se vencesse as eleições demitiria o ditador. O governo recorreu à violência policial e à desinformação, através dos meios que controlava, acabando por obrigar o “general sem medo” ao exílio no Brasil.

Ultrapassado o tufão Delgado e com o almirante Américo Thomaz na Presidência da República, Salazar ficou com as mãos livres para realizar uma remodelação do gabinete cujo objetivo era promover a saída tanto de Santos Costa como de Caetano e reforçar o fragilizado governo que se via afetado tanto por divisões na instituição militar, como pela incapacidade da União Nacional para liderar a política portuguesa e reforçar a atuação governamental.

O confronto entre Santos Costa e Caetano, de acordo com Martinho, permite vislumbrar uma nova corrente política dentro do Estado Novo: o marcelismo.

Caetano começou então a sua, suposta, travessia do deserto. Em 1959 foi designado reitor da Universidade de Lisboa, esforçando-se para que a universidade adquirisse eficiência, infraestruturas e se modernizasse com novas disciplinas. Na qualidade de máximo representante da comunidade académica, sofreu a crise estudantil de 1962, que se estendeu às três universidades do país, e que o obrigaria a renunciar ao cargo devido às cargas policiais dentro do recinto universitário. Essa atitude valeu-lhe o apreço de amplos setores da sociedade que consideraram que o seu gesto se alinhava com a defesa da autonomia universitária e de uma posição mais liberal.

Caetano sabia que, como sucedia em Espanha com Franco, Salazar devido à sua idade, tinha os dias contados e soube, como refere Martinho, situar-se “numa zona confortável longe das crises quotidianas do regime” e esperar a sua ocasião. O acidente de Salazar em agosto de 1968 e a sua posterior incapacitação deram a Marcello a oportunidade de chegar à Presidência do Conselho. Muita gente acreditou que a sua eleição iria permitir liberalizar o regime.

Caetano, enquanto gestor público e privado, foi operante e eficiente, segundo a maioria dos testemunhos recolhidos por Martinho, e era intelectualmente uma pessoa muito respeitada mas, como chefe do Governo foi um desastre. Entre outras razões porque não possuía o senso político que teve Salazar ao organizar e contemporizar as diversas famílias do regime assegurando-lhes a sua parte proporcional de poder. Além disso, a sua chegada à Presidência do Conselho foi muito condicionada pelos ultras do regime, que não queriam que se ­levassem a cabo experiências com as colónias, sendo advertido pelo presidente da República, Américo Thomaz, que se promovesse uma política diferente “os militares interviriam”. E tal foi o que acabou por acontecer, embora não no sentido esperado pelos ultras.

A questão colonial não pode ser de modo algum banalizada, uma vez que o “ultramar” era considerado por muitos portugueses, incluindo sectores da oposição, como património nacional e garantia da grandeza e subsistência da pátria lusitana. Tal pode ser comprovado lendo os programas elaborados nos diversos distritos pela oposição onde em muitos deles nem sequer se menciona o problema colonial e, nos de Ponta Delgada e Braga em que o assunto é efetivamente mencionado, se afirma que a perda das colónias implicava a desaparição de Portugal como nação independente.

Ao chegar ao poder, Caetano recebeu uma herança complicada: um território com drásticos desequilíbrios regionais; uma população desinformada pela censura; uma elevada emigração; e graves problemas resultantes da perseguição política e da guerra. Mas, acima de tudo, recebeu uma guerra generalizada nas principais colónias; um conflito sem sentido nem perspetivas, que consumia quase metade do orçamento nacional e condicionava a vida de todo o país.

Com o objetivo de se consolidar no poder e ampliar a sua base de apoio, ­Caetano tratou de aproveitar as eleições de outubro de 1969 para referendar a sua postura colonial e, desta forma, reforçar a sua imagem junto dos seus pares da ­ditadura e legitimar-se face à oposição democrática; e, no âmbito externo, pensou-se que as eleições poderiam ajudar a desbloquear o clima de hostilidade em relação a Portugal, que era cada vez mais criticado nos fora internacionais. ­Caetano sabia que não perderia as eleições, contando com o seu prestígio pessoal e, sobretudo, com a manipulação do voto que lhe garantia uma vitória contundente. No entanto, em perspetiva histórica, é possível afirmar que as eleições de 1969 foram um fracasso para ­Caetano, uma vez que, apesar de muitos dos integrantes das listas da União Nacional serem gente nova, se viu obrigado a incluir nelas muitos dos seus declarados inimigos, os quais, 20 dias depois de inaugurada a legislatura, apresentaram uma moção na Assembleia Nacional com vista a manter inamovível a política ultramarina de Salazar. E, a partir de então, os seus inimigos conspiraram para manter operativo o legado de Salazar nessa questão crucial.

Os limites do poder de Caetano ficaram claros quando teve de enfrentar a ala mais ortodoxa da ditadura. Caetano procurou libertar-se desse jugo. Assim, afirmou, em setembro de 1970, que a permanência em África se justificava pelos portugueses ali residentes e para fazer face aos compromissos internacionais assumidos pelo Governo. Atreveu-se ainda a sublinhar que a independências das colónias não significava a perda da nacionalidade. Ideia que os ultras do regime consideraram um sacrilégio já que, segundo estes, Portugal sem as colónias seria devorado por Espanha.

Neste contexto, em dezembro de 1970, o presidente do Governo apresentou na Assembleia Nacional um ante-projeto de revisão constitucional, com a intenção de encontrar uma via intermédia entre os deputados liberais e os de extrema-direita e realizar as reformas que considerava necessárias. Para isso, modificou a constituição de 1933 no articulado que se referia à estrutura do Estado, segundo o qual Portugal, continuando a ser um país unitário, passava a possuir regiões autónomas com poderes próprios. Tal não resolveu o problema da guerra, no entanto. Os movimentos nacionalistas africanos não combatiam para continuar a depender de Portugal política e economicamente e Caetano sabia-o. Por isso disse a Alçada Baptista, o entrevistador menos servil com quem o ditador se cruzou, em 1973: “Se V. me pergunta o que é aquilo que mais veementemente desejo, dir-lhe-ia que é a paz no Ultramar”. A preocupação com a guerra ocupava a maior parte do seu tempo de trabalho. Assim, afirmava: “Levanto-me cedo, tomo o pequeno-almoço e leio os jornais da manhã. Trabalho toda a manhã em casa. Até às 11 procuro tratar dos assuntos que exigem um pouco mais de tempo e aproveito para escrever algum relatório, se é necessário. Depois reservo uma hora para tratar da minha correspondência pessoal e para responder (…) Ao meio-dia chega a pasta do Gabinete com as informações dos Negócios Estrangeiros e do Ultramar que tenho sempre que rever”. Esta obsessão pelo Ultramar também a atribuía Caetano ao seu antecessor, ao referir que Salazar “subalternizou todos os restantes problemas do governo e da administração, passando a ter como preocupação dominante tudo o que se referia ao Ultramar”.

Desta forma, enganam-se aqueles que pensam que Caetano poderia ter sido o Adolfo Suárez de Portugal porque, como sublinha Palomares Martinho, estava demasiado apegado ao seu pensamento colonialista, tão generalizado entre os da sua geração. Mais do que com Suárez, Caetano assemelha-se infinitamente mais com Carlos Arias Navarro, que ocupou o governo de Espanha após o assassinato de Carrero Blanco, em dezembro de 1973.

Arias Navarro sabia que, depois do 25 de Abril português, devia liberalizar o regime, mas temia a revolução e mostrou-se indeciso sobre o caminho a tomar, enquanto a agitação se generalizava por todo o país. Assim, Juan Luís Cebrian, comentando o Depoimento de Caetano, sublinhou que em Espanha “após o 25 de Abril os imobilistas de sempre puseram-se em marcha e um ano mais tarde pode dizer-se que as suas vitórias não foram pírricas nem desprezíveis. Durante todo o ano de 1974 sucederam-se assim as contradições, os fracassos e a incoerência política, fruto, em definitivo, da luta que se desenrola no seio do poder (…) Tudo isso, no entanto, terminou e à confusão sucedeu o desânimo. A oposição moderada queimou os seus navios e deu o não final ao Estatuto de Asociaciones, pedra angular da ansiada evolução (…) A continuidade, sem mais, da situação não é possível. Dizer ‘quisemos mas não pudemos', como os marcelistas portugueses, não conduz a nada. Sobretudo porque Caetano, na verdade, pode, mas não se atreveu” (Informaciones, n.º16497, 20/01/1975, p. 14.)

Outro dos aspetos-chave que menciona Martinho é o da instituição militar, que se dividiu após a sua intervenção na Grande Guerra e aumentou a sua autonomia relativamente ao poder civil. Este cenário ajuda a perceber o reviralhismo e o putschismo desde os anos de 1930 até aos anos de 1960. Esta fratura alargar-se-ia após a não recondução presidencial de Craveiro Lopes, e com a imposição do almirante Américo Thomaz nas eleições de 1958, e ao modo como o regime lidou com o general Humberto Delgado.

Esses antecedentes foram determinantes para compreender o 25 de Abril, que acabou por ser uma necessidade para os militares desgastados por 13 anos de guerra, e sem nenhuma perspetiva de que a situação militar pudesse melhorar.

Como conclusão devo assinalar que a obra de Palomares Martinho é altamente recomendável, pelas fontes que fornece e que nos permitem conhecer melhor Marcello Caetano e, sobretudo, pela sua clareza expositiva.

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