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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.226 Lisboa mar. 2018

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018226.05 

ARTIGOS

O acolhimento de crianças e jovens no novo quadro legal. Novos discursos, novas práticas?

Foster care in the new legal framework. New speeches, new practices?

Paulo Delgado*, Eliana Gersão**

*Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto » Rua Dr. Roberto Frias, 602 — 4200-465 Porto, Portugal. pdelgado@ese.ipp.pt

**Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Pátio da Universidade, 3004-545 Coimbra, Portugal. eliana-gersao@sapo.pt


 

RESUMO

O acolhimento de crianças e jovens no novo quadro legal. Novos discursos, novas práticas? A revisão da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, efetuada pela Lei n.º 142/2015, introduz alterações significativas no sistema de acolhimento familiar e residencial de crianças e jovens. Este trabalho desenvolve uma análise explicativa e crítica das novas disposições legais, procurando avaliar a sua adequação para diminuir a institucionalização das crianças retiradas aos pais, em favor da sua integração num ambiente familiar alternativo. Conclui-se que as alterações legais, mesmo sendo globalmente positivas, só produzirão resultados concretos combinadas com estratégias de intervenção que divulguem, apoiem e financiem de modo justo o acolhimento familiar, devendo adotar-se de imediato os procedimentos necessários à seleção e formação de novas famílias de acolhimento.

Palavras-chave: lei; proteção de crianças e jovens; acolhimento familiar; acolhimento residencial.


 

ABSTRACT

Foster care in the new legal framework. New speeches, new practices? The Children and Young People in Danger Protection Act, updated by Law No. 142/2015, introduces significant changes in the foster and residential care system, for children and young people. This work develops an explanatory and critical analysis of the new legal provisions, evaluating their suitability to reduce the institutionalization of children removed from their parents, in favour of an alternative family environment. It has been concluded that legal changes, even if they are overall positive, will have good results only when combined with strategies that inform, support, and fund foster care in a fair way. The necessary procedures in the selection and training of new foster families should be adopted immediately.

Keywords: law; child care; foster care; residential care.


 

ANTECEDENTES E EVOLUÇÃO DO QUADRO LEGAL DO ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO

A Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias deliberou, em 2005, proceder à avaliação dos sistemas de acolhimento, proteção e tutelares de crianças e jovens. Nas questões que justificavam a intervenção corretiva incluíam-se os elevados números de crianças institucionalizadas, longos períodos de institucionalização e o funcionamento das instituições de acolhimento de crianças em perigo e em risco. No ano anterior, em 2004, e de acordo com os dados apresentados no mesmo relatório, encontravam-se acolhidas 8001 crianças e jovens em Lar, 1682 em Centro de Acolhimento Temporário, 4213 em famílias de acolhimento até aos 17 anos de idade, a que acresciam 834 jovens com 18 a 25 anos acolhidos na mesma resposta.

Entre as vulnerabilidades identificadas e as prioridades assumidas, a Comissão declarava a importância de se desenvolver “o paradigma da desinstitucionalização para combater a tendência institucionalizadora, depositária dominante”, uma vez que “a relação personalizada é fundamental e a intervenção familiar deve ser privilegiada” (2006, p. 24). Assumia-se ainda a necessidade de se fazer a gestão da vinculação da criança, evitando-se a promoção de relações de envolvimento afetivo pleno, “para depois se retirar a criança abruptamente dessa situação, deixando-a no vazio” (2006, p.25).

Decorridos mais de 10 anos da apresentação do relatório, e apesar de uma redução de cerca de 15% no número de acolhimentos em instituição, estas recomendações não só não foram implementadas, como aumentou ­proporcionalmente o recurso à institucionalização das crianças e jovens, em comparação com o recurso ao acolhimento familiar. A regulamentação do acolhimento familiar foi alterada em 2008, com o Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de janeiro, alteração com opções legislativas que nos mereceram várias reservas (Delgado, 2010). O acolhimento familiar na família alargada deixou de ser considerado como uma medida de acolhimento familiar, o que acentuou a fase de declínio em que a medida entrou e ainda se encontra, não obstante a mais recente reforma da Lei de Proteção, que comentaremos em detalhe no ponto seguinte. O gráfico n.º 1, que compara o número de crianças em acolhimento institucional e familiar, não deixa margem para dúvidas.

 

 

Este panorama não tem paralelo nos países de modelo industrial ou pós-industrial, com os quais partilhamos maiores afinidades culturais e sociais, de acordo com os dados que constam do quadro n.º 1.

 

 

Não surpreende pois que o Committee on the Rights of the Child (2014), nas observações finais que teceu sobre o terceiro e quarto relatórios periódicos apresentados por ­Portugal, advertisse para a necessidade de fortalecer a prestação de cuidados de base familiar e de se desenvolver uma estratégia de desinstitucionalização, com metas precisas, tendo em vista a eliminação progressiva do acolhimento institucional.

A lógica protetora expressa nesta tendência evolutiva culmina na assunção, nos países anteriormente referidos, de uma orientação centrada na criança, que tem por finalidade possibilitar a todas as crianças, mesmo aquelas que são abrangidas por processos de proteção ou por medidas de colocação, o exercício integral e efetivo dos seus direitos, nomeadamente o direito de crescer numa família (Gilbert, Parton e Skivenes, 2011).

A recomendação 112/2013, da Comissão Europeia, adota esta orientação quando declara que o processo de melhoria dos serviços de apoio às famílias e da qualidade dos serviços de cuidados alternativos implica a utilização de filtros adequados, com o objetivo de evitar confiar crianças a instituições, e o reexame regular dos casos de institucionalização. Propõe ainda que se privilegie a implementação de soluções de qualidade no âmbito de estruturas de proximidade e junto de famílias de acolhimento, tendo em conta a voz das crianças.

Também entre nós, no discurso, ao invés da prática, foi-se assumindo a pertinência de se dar mais atenção ao acolhimento familiar, nomeadamente nos relatórios de caracterização anual do sistema de acolhimento das crianças e jovens.

No relatório de 2014, por exemplo, reafirma-se o dever de privilegiar o acolhimento familiar em relação ao residencial, para crianças entre os zero e os 3 anos de idade, dando cumprimento às recomendações do Conselho da Europa.[1] Para cumprir esta obrigação, declara-se que é necessário “começar a definir estratégias que respeitem esta recomendação” (Instituto da Segurança Social I. P., 2015, p. 62). Acrescenta-se que “o facto do acolhimento institucional continuar a ser a medida por tendência mais aplicada no sistema de proteção (…) poderá constituir alguma preocupação” (p. 62). Poucas palavras, de alcance insuficiente, face à urgência do problema e à premência de respostas, que adiam soluções e corporizam um retrocesso perante o que fora escrito nos relatórios anteriores, que sublinhavam os atrasos de desenvolvimento cognitivo irreversíveis associados à institucionalização e a importância do desenvolvimento de relações afetivas de qualidade com os cuidadores.

Recentemente, a investigação académica apresentou os resultados de alguns estudos no âmbito do sistema de acolhimento, que evidenciaram os resultados positivos obtidos pelas crianças e jovens em acolhimento familiar (Delgado, 2013) e os resultados reduzidos e limitados que caraterizam as crianças em centros de acolhimento temporário (Martins et al., 2013; Oliveira et al., 2014).

A revisão, pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) procurou, de certa maneira, dar resposta às recomendações anteriormente expressas e introduziu significativas alterações no sistema de acolhimento de crianças e jovens em perigo. A finalidade da intervenção, a escolha da medida de acolhimento e a sua duração são disso exemplo, uma vez que são concebidas de modo a privilegiar o acolhimento familiar, a manutenção dos laços afetivos proporcionados pelo contexto familiar e a permanência nesse contexto, independente ou paralelamente à relação existente com a família de origem.

Neste trabalho procede-se à análise explicativa e crítica das novas disposições legais, procurando compreender-se o sentido profundo de que se revestem e as suas virtualidades para melhorar efetivamente as formas de proteção das crianças em perigo. Privilegia-se a dimensão material das questões sobre a processual, pelo que as normas relativas às entidades competentes para a aplicação da medida e aos procedimentos a seguir, também objeto de alterações relevantes na Lei n.º 142/2015, só pontualmente serão referidas.

PRINCÍPIOS ORIENTADORES E FINS DA INTERVENÇÃO

A intervenção protetora obedece a um conjunto de princípios, que foram objeto de revisão na nova lei, procedendo-se à alteração das alíneas a) e h) do art. 4.º e introduzindo-se uma nova alínea na enumeração dos princípios, a alínea g).

A alínea a), que define o princípio do interesse superior da criança e do jovem, passa a ter a seguinte redação, assinalando-se a negrito as alterações introduzidas:

Interesse superior da criança e do jovem — a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.

O interesse superior da criança adquire um novo conteúdo, uma vez que passa a incluir a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem que isso signifique, naturalmente, o desrespeito ou menosprezo de outros interesses legítimos presentes no caso concreto, particularmente os da família de origem. Esta formulação retoma a orientação proposta no relatório da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a avaliação dos sistemas de acolhimento, proteção e tutelares de crianças e jovens (2006), que consagrava o princípio da prevalência das relações afetivas profundas como elemento determinante na definição do interesse superior da criança.

O legislador faz prevalecer deste modo as relações afetivas que a criança mantém relativamente aos laços familiares que se caraterizam pela ausência das condições necessárias para o seu desenvolvimento.

A alínea h), que estabelece o princípio da prevalência da família, perfilha da mesma lógica, conforme se conclui da leitura do texto legal:

Prevalência da família — na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável.

A prevalência não é atribuída apenas às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família ou que promovam a sua adoção, como sucedia na formulação anterior, passando a ser concedida às medidas que os integrem em família, seja esta a sua família de origem, seja uma família adotiva, uma família de acolhimento ou uma família que resulte da concretização de uma medida cível, nomeadamente a tutela ou o apadrinhamento civil. O essencial é, pelo exposto, garantir um contexto de vida familiar, assegurando o exercício de um direito fundamental, previsto na Convenção dos Direitos da Criança (1989). O legislador reconhece, deste modo, dois vetores fundamentais orientadores da intervenção. Por um lado, que é essencial privilegiar o contexto familiar em detrimento do contexto institucional, ao omiti-lo desta enumeração. Por outro, que o acolhimento familiar estável deve ser promovido como uma das medidas essenciais do sistema, a par da reunificação e da adoção, destinos que, conforme provam os dados recolhidos anualmente nos relatórios sobre o acolhimento, são inatingíveis para a maioria destas crianças. Esta tendência é reafirmada com o aditamento da alínea g):

Primado da continuidade das relações psicológicas profundas — a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.

O legislador reconhece, de modo inequívoco, a importância de assegurar uma vinculação segura a todas as crianças, acolhendo formalmente as evidências científicas. A teoria da vinculação assenta na interação da criança com o seu ambiente, com o seu cuidador principal, com a sua família ou com outras pessoas, e nas consequências que dela resultam para o seu desenvolvimento (Bowlby, 1944; 1951; Rutter, 1991; 1995). O relacionamento de proximidade, frequente, duradouro e contínuo, assente na construção de confiança mútua e na satisfação das necessidades básicas da criança, possibilita o seu desenvolvimento cognitivo, moral e ao nível da linguagem. As crianças que nunca experimentaram nenhuma forma de attachment são as que mais prejuízos sofrem no desenvolvimento (Howe, 1995). Daqui decorre a importância de proporcionar à criança um ambiente que garanta a experiência de, pelo menos, uma relação de attachment positiva, com um adulto carinhoso e responsável, que possa desempenhar um papel especial e que pode nomeadamente ser um irmão ou irmã, outro membro da sua família ou um acolhedor, no âmbito do acolhimento familiar (Cairns, 2002). No acolhimento institucional esse relacionamento é improvável, uma vez que os profissionais têm de encontrar e manter a necessária distância relativamente às crianças, para assegurarem um desempenho profissional adequado, o que dificulta ou inviabiliza essa relação de proximidade, dedicação incondicional e afeto. A criança relaciona-se com rostos diferentes, com distintas regras e rotinas, ao longo dos dias e das horas do dia, porque as pessoas que trabalham nas instituições têm um horário de trabalho e turnos para cumprir. Tudo associado à certeza que as crianças acolhidas acabam inevitavelmente por construir, de que as pessoas que trabalham na instituição têm uma família, a sua família, para a qual regressam ao fim do dia e com a qual passam os fins-de-semana, as datas festivas e as férias. A educação fica muitas vezes comprometida, tal como a aprendizagem dos afetos e a possibilidade de desenvolver uma vida social adequada, com uma rede de amigos e um espaço de liberdade e autonomia adequado à idade.

Em suma, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou das relações afetivas estruturantes, reafirma, simultaneamente, o primado do acolhimento em contexto familiar, seja este a adoção, o acolhimento familiar ou o apadrinhamento, relativamente ao acolhimento em instituição. O princípio subjacente a esta alteração não pode todavia fazer esquecer que as medidas decretadas no âmbito da proteção de crianças e jovens em perigo são tendencialmente temporárias, mantendo-se a possibilidade de regresso à família de origem, que, a confirmar-se, legitimará uma nova transição.

O objetivo essencial a atingir com a retirada da criança da sua família e a colocação em acolhimento é garantir que esta desenvolve laços de vinculação segura com os seus acolhedores, sem a qual o seu desenvolvimento está ameaçado, ou mesmo comprometido, até os seus progenitores recuperarem cabalmente as suas competências parentais, meta que deve ser alcançada num prazo razoável de tempo. Como nota Palacios (2015), “a alternativa não pode ser nunca a ausência de vínculos, mas sim desenvolvê-los o mais cedo e intensamente possível. E onde isso ocorre é numa família” (p. 36). A família acolhedora, de modo transitório, enquanto a família de origem recupera as suas funções cuidadoras, ou de modo prolongado, se isso não acontecer.

A alteração mais significativa neste domínio surge na alínea g) do art. 35.º, quando o legislador estabelece que a confiança da criança com vista à adoção, até aqui reservada a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição, passa a abranger também a família de acolhimento.

Embora o alcance desta nova medida não seja muito claro, é de crer que englobe tanto a adoção da criança por terceiros – ou seja, por pessoa ou casal selecionados pela Segurança Social – como pela família de acolhimento. A possibilidade de as famílias de acolhimento adotarem a criança acolhida, há muito reclamada (Delgado, 2007), concretiza finalmente uma solução que cria uma legítima “passagem” entre as medidas e que garante a estabilidade, o bem-estar e a permanência da criança. Face à impossibilidade de regressar a casa, caso a família de origem não recupere as competências parentais indispensáveis para viabilizar a reunificação, e verificando-se a existência de relações afetivas estruturantes de grande significado, associadas a uma vinculação segura, entre a criança e os seus acolhedores, o interesse superior da criança reivindica e justifica esta solução, atribuindo-se um caráter definitivo a um acolhimento familiar de longa duração, no pressuposto da vontade clara e inequívoca de todos os envolvidos. Evita-se, por outro lado, o risco da colocação sucessiva em famílias ou instituições, com o consequente impacto emocional associado a ruturas, abandonos e repetidas tentativas de reconstrução de laços afetivos.

A adoção por parte das famílias de acolhimento, que apresente reais vantagens para o adotando, carece de enquadramento e clarificação na legislação relativa à adoção, de modo a permitir-se que, nestes casos específicos e devidamente fundamentados, seja possível aos acolhedores/candidatos adotarem a criança previamente acolhida. As famílias de acolhimento devem naturalmente estar dispensadas do procedimento obrigatório da inscrição na lista nacional de candidatos à adoção, onde os candidatos esperam que lhes seja proposta uma criança para adotar, uma vez selecionada pela equipa de adoção competente.

O ACOLHIMENTO FAMILIAR NA LEI N.º 142/2015

DEFINIÇÃO E PRESSUPOSTOS DO ACOLHIMENTO FAMILIAR

O art. 46.º estabelece a definição de acolhimento familiar e os seus pressupostos.

1. O acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, proporcionando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que constituem uma família duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto ou parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.

3. O acolhimento familiar tem lugar quando seja previsível a posterior integração da criança ou jovem numa família ou, não sendo possível, para a preparação da criança ou jovem para a autonomia de vida.

4. Privilegia-se a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, em especial relativamente a crianças até aos seis anos de idade, salvo:

a) Quando a consideração da excecional e específica situação da criança ou jovem carecidos de proteção imponha a aplicação da medida de acolhimento residencial;

b) Quando se constate impossibilidade de facto.

5 A aplicação da medida de acolhimento residencial nos casos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior é devidamente fundamentada.

O n.º 1 consagra uma definição de acolhimento familiar em tudo semelhante à definição do artigo parcialmente revogado, com uma diferença significativa que altera o seu conteúdo: a expressão verbal “visando” é substituída pela expressão “proporcionando”, alteração de conteúdo justificável, uma vez que a colocação em acolhimento familiar não pode ser uma mera tentativa que visa atingir um fim, tem que assentar em processos de formação e de acompanhamento que garantam a obtenção dos seus objetivos: assegurar os cuidados adequados às necessidades e bem-estar da criança e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral.

O n.º 2 mantém-se inalterado. Deve entender-se que uma família é constituída por duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto, do mesmo ou de sexo diferente, de acordo com as recentes mudanças no âmbito do direito da família, mas também por parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.

O acolhimento familiar prolongado, ou de longo prazo, encontra-se previsto no n.º 3 do art. 46.º, uma vez que a medida promove a preparação da criança para a autonomia de vida, não sendo possível a sua integração numa família, nomeadamente a sua família de origem. Ou seja, o acolhimento familiar não tem apenas lugar sempre que seja previsível o retorno à família natural, regresso que não ocorre na maioria das colocações, de acordo com o tempo de estadia que caracteriza, no presente, os poucos casos de acolhimento familiar existentes (Instituto da Segurança Social, 2015).

A norma que estabelece os pressupostos da medida privilegia a aplicação do acolhimento familiar sobre o residencial relativamente a crianças até aos seis anos de idade, aproximando-se nesta formulação da solução legal existente em vários países da Europa. Esta será, provavelmente, uma das mudanças mais significativas operada pela alteração da Lei de Proteção, pois reconhece-se o acolhimento familiar como um contexto mais adequado para o bem-estar e o desenvolvimento da criança nesta faixa etária.

O acolhimento residencial pode ser o destino da colocação, tendo em conta a situação excecional e específica da criança e quando se constate a impossibilidade de facto do acolhimento familiar, de acordo com as alíneas a) e b) do n.º 4. A utilização da palavra excecional na redação da alínea a) é particularmente relevante, uma vez que afasta a possibilidade de, invocando a especificidade de cada criança, se optar frequentemente pela colocação em acolhimento residencial. Esta colocação reveste-se de um caráter único, singular, deve ser rara e tem que ser devidamente fundamentada.

A opção pelo acolhimento residencial pode resultar da impossibilidade de facto, prevista na alínea b), face à inexistência de famílias de acolhimento ou perante famílias de acolhimento que não estejam disponíveis para acolher a criança, o que sublinha a imperatividade de se selecionar e formar um número de famílias de acolhimento que possam oferecer a resposta desejada. Esta evidência remete para as implicações para a prática do novo quadro legal, que comentaremos no ponto 4 deste trabalho.

Na nova subseção da Lei de Proteção relativa ao acolhimento familiar estão revogados os dois restantes artigos, o art. 47.º, referente aos tipos de famílias de acolhimento, e o art. 48.º, referente às modalidades de acolhimento familiar. Desaparece com efeito a distinção entre famílias de acolhimento em lar familiar, que abrangia as pessoas singulares, os casais ou parentes que vivessem em economia comum, o acolhimento familiar de tipo comum, e as famílias de acolhimento em lar profissional, uma resposta de cariz especializado, que nunca chegou a ser implementada, constituída por uma ou mais pessoas com formação técnica adequada, destinada a crianças e jovens com problemáticas e necessidades especiais, relacionadas com situações de deficiência, doença crónica e problemas de foro emocional e comportamental.

A opção legal afasta-se de uma tendência para a especialização, presente em diferentes sistemas de proteção, de países de modelo pós-industrializado, com a existência de um acolhimento familiar especializado ou terapêutico, para consagrar um único tipo de famílias, constituído por uma pessoa singular ou uma família, habilitadas para o efeito, podendo ser neste último caso pessoas casadas, em união de facto há mais de dois anos ou parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.

Aguarda-se com expectativa a revisão da regulamentação do regime da execução da medida de acolhimento familiar, para se confirmar se a opção mais genérica, adotada na nova Lei de Proteção, se mantém, ou se o legislador opta por diversificar e especificar os tipos de famílias acolhedoras. Sublinhe-se de novo que, mais importante do que a redação das normas, é garantir a sua efetiva aplicação, sob pena de voltarmos a ter formulações, como as famílias de acolhimento em lar profissional, que nunca passaram de meras intenções reformadoras.

O art. 48.º, que foi igualmente revogado, distinguia a modalidade de acolhimento familiar de curta duração e de longa duração. O n.º 3 do art. 46.º, já comentado, pressupõe estas duas possibilidades, mas teria sido preferível manter no texto da lei a referência expressa às modalidades de acolhimento familiar. Por um lado, para afastar de vez a ideia errada de que o acolhimento familiar é necessariamente temporário e subordinado à possibilidade de regresso da criança ou do jovem à família de origem; por outro, para clarificar e separar as duas modalidades, que são notoriamente distintas quanto à finalidade e ao conteúdo da colocação, exigindo diferentes perfis e desempenhos da parte dos acolhedores.

O ACOLHIMENTO RESIDENCIAL NA LEI N.º 142/2015

DEFINIÇÃO, FINALIDADE E MODALIDADES

No tocante à definição e finalidade do agora chamado “acolhimento residencial”, a revisão de 2015 não traz alterações substanciais ao art. 49.º, embora o melhore no aspecto formal. O mesmo não acontece quanto às modalidades do acolhimento e consequente diferenciação das instituições.

A Lei n.º 147/99 distinguia entre acolhimento “de curta duração” e “prolongado”, consoante a sua duração previsível fosse inferior a seis meses ou excedesse esse limite. Previa também instituições diferenciadas consoante a modalidade do acolhimento: as “casas de acolhimento temporário” (vulgarmente designadas por CAT), para o acolhimento de curta duração; os “lares de infância e juventude”, para o acolhimento prolongado.

Esta diferenciação tinha razão de ser. Diferentes perspetivas temporais de acolhimento exigem às instituições diferentes modelos de organização, ­diferentes recursos e até diferentes “linguagens” por parte dos educadores. E pensou-se também que, para as crianças acolhidas a longo prazo, podia ser motivo de perturbação e de angústia confrontarem-se continuamente com a saída de outras após breves permanências.

A diferenciação das instituições desaparece com a Lei n.º 142/2015, que, como instituições de acolhimento, prevê apenas as “casas de acolhimento” (art. 50.º, n.º 1). Admite, porém, que estas se possam organizar por “unidades especializadas”, enunciando, a título exemplificativo, as casas “para resposta em situações de emergência”, as casas “para resposta a problemáticas específicas” e os “apartamentos de autonomização”.

Sempre que estas unidades não existam, as crianças e os jovens serão acolhidos em casas “generalistas”, seja qual for a finalidade do acolhimento, ou seja, quer se trate de acolhimento “a título cautelar” (nova denominação do acolhimento provisório), nas situações de emergência ou enquanto se procede ao estudo do seu encaminhamento, quer se trate de aplicação estável de medida. Seja qual for, também, a duração previsível do acolhimento.

Na exposição de motivos da proposta de lei[2] nada se diz sobre a alteração[3]e os seus trabalhos preparatórios[4] não se encontram publicados, pelo que não é fácil compreender as razões da mudança.

É sabido que, na prática, a permanência das crianças nas casas de acolhimento temporário se foi prolongando para além dos seis meses previstos. Aliás, a própria Lei n.º 147/99 o receava, admitindo que o prazo de seis meses fosse excedido quando o diagnóstico da situação e a definição do encaminhamento o tornasse necessário ou quando o previsível retorno à família não pudesse ter lugar de imediato (art. 50.º, n.º 3).

A prática veio confirmar esse receio. Perante situações de impasse na criação de condições que permitam o retorno das crianças à família biológica, e na falta de outras alternativas, a permanência nas casas de acolhimento temporário foi-se prolongando muito para além do tempo legalmente previsto. E assim, não se tendo conseguido conformar a realidade com as exigências legais, optou-se por se conformar a lei com a realidade…

Se foi essa a motivação, o novo regime não é certamente merecedor de aplauso. A seu favor poderá talvez dizer-se que a previsão de um único tipo de instituições de acolhimento, desde que estas se consigam organizar respeitando as situações concretas das crianças e dando resposta às suas efetivas necessidades, pode trazer maior flexibilidade às condições de ingresso e facilitar a concretização do novo direito da criança ou do jovem a ser acolhido, sempre que possível, em casa de acolhimento “próxima do seu contexto familiar e social de origem” (al. i) do art. 58.º, introduzida pela Lei n.º 142/2015). E, nos casos em que o acolhimento, inicialmente decidido a título cautelar, venha a dar origem a uma medida residencial, pode ser mais tranquilizador para a criança permanecer na mesma instituição, mudando apenas de “unidade”.

Entre as “unidades especializadas”, cuja criação se admite, nada se diz quanto às crianças em relação às quais seja previsível uma permanência especialmente prolongada e não tenham ainda idade bastante para viverem em apartamento de autonomização. Acolhê-las numa casa sujeita a uma grande rotação das crianças não parece ser o mais adequado para a promoção do relacionamento com os pares, estabilidade e bem-estar (Cairns, 2002).

FUNCIONAMENTO DAS CASAS DE ACOLHIMENTO

Surpreendentemente, a Lei n.º 142/2015 elimina toda a referência ao regime de funcionamento das casas de acolhimento, remetendo-o para diploma próprio (art. 53.º, n.º 2).

Na Lei n.º 147/99 estabelecia-se, no art. 53.º, n.º 1, que as instituições de acolhimento funcionam em regime aberto e no n.º 2 do artigo clarificava-se o sentido do termo.

A indecisão legal neste ponto é surpreendente[5] e mais surpreendente ainda é que a questão não tenha sido suscitada durante a discussão da proposta de lei na Assembleia da República. Tratando-se de uma questão de direitos constitucionais, terá sempre que ser decidida pela Assembleia e não através de diplomas de regulamentação.[6]

Não é fácil encontrar a forma de intervenção adequada em relação às crianças e sobretudo aos adolescentes com graves “problemas de comportamento” ou com “comportamentos desviantes”, ou seja, refratários às normas familiares, escolares ou sociais, mas não cometendo factos declarados pela lei como crimes – pelo menos como crimes cuja gravidade justifique a aplicação de uma medida de internamento com base na Lei Tutelar Educativa.[7] Estes jovens trazem intranquilidade à vida diária das instituições de acolhimento ou delas fogem repetidamente e a questão do seu enquadramento legal é discutida há mais de um século (Fatela, 2015). Denominando-os, consoante as épocas, de “vadios”, “libertinos”, “socialmente inadaptados”, “indisciplinados”, a nossa legislação cedeu durante muito tempo à tentação de os equiparar aos “delinquentes”, de lhes aplicar as mesmas medidas e de os internar nas mesmas instituições. As Organizações Tutelares de Menores de 1962 e de 1978 (arts. 18.º e 15.º, respetivamente) previam expressamente a aplicação das medidas nelas previstas – nomeadamente o internamento nas instituições de reeducação da justiça – aos menores “gravemente inadaptados à disciplina da família, do trabalho ou do estabelecimento de educação ou de assistência em que se encontrem internados” (Duarte-Fonseca, 2005, pp. 250 e 297).

A reforma legislativa de 1999 resolveu a questão noutro sentido, remetendo a intervenção face a esses jovens para o sistema de proteção, vendo-os como crianças ou adolescentes que se colocam a eles próprios em perigo, com o seu comportamento, atividades ou consumos (art. 3.º, al. f). Esta orientação trouxe novos problemas às instituições de acolhimento, pouco preparadas para lidar com estas situações, e não têm faltado vozes favoráveis ao regresso ao passado.

Mas é este o caminho legalmente consagrado e as instituições do sistema de proteção têm de se preparar para dar resposta às novas exigências. Tem portanto todo o sentido que, entre as unidades especializadas em que as casas de acolhimento se podem organizar, se mencionem as que visem dar resposta a problemáticas específicas que exijam uma intervenção educativa adequada[8] (art. 50.º, n.º 2, al. b).

Será possivelmente nessas unidades que a definição do regime de funcionamento irá levantar mais dificuldades, surgindo a tentação de se afastar o regime aberto.

Não creio que tal seja necessário. O princípio da livre entrada e saída, apesar de formulado, no n.º 2 do art. 53.º da Lei n.º 147/99, de um modo talvez excessivamente “generoso”[9], já admitia limitações (as resultantes das “normas gerais de funcionamento”) e gradações quanto ao seu grau de concretização e supervisão (as “necessidades educativas do jovem”). O espaço de autonomia a conceder a cada um dos acolhidos teria certamente de depender não só da sua idade e grau de maturidade, mas também do seu comportamento dentro e fora de portas, da capacidade para respeitar as normas de convivência social, do sentido de responsabilidade para cumprir obrigações e respeitar compromissos assumidos. Tudo isso teria de ser tido em conta ao concretizar o seu direito de “livre entrada e saída”.

Mas omitir esse direito, como o novo art. 53.º parece admitir, é ir longe de mais.[10] À sombra das “necessidades de proteção” – ou “para seu bem”, como se dizia no passado – não será legítimo privar a criança ou o jovem de um espaço de liberdade e de autonomia adequado à sua idade, características pessoais e situação. Não será legítimo, por exemplo, prever um regime de funcionamento em que as atividades educativas, formativas e de tempos livres decorram total ou mesmo maioritariamente no interior da instituição ou em que se negue à criança ou ao jovem acolhido a possibilidade de aceder ao espaço público e de passar algum tempo fora da instituição, nomeadamente fins-de-semana ou férias junto dos pais ou de outras pessoas idóneas. É igualmente criticável que, para evitar fugas, uma casa de acolhimento instale meios de segurança intimidatórios, como grades nas janelas, muros altos ou arame farpado ou tenha pessoal com funções exclusivas de segurança.

Sendo uma questão tão melindrosa e em relação à qual não existe consenso[11], é de lamentar que não tenha sido discutida na Assembleia da República. Talvez em relação a estes jovens, em vez de insistir em soluções de confinamento, se devessem ensaiar outras soluções, ainda não experimentadas, ou pouco experimentadas entre nós.

O acolhimento familiar em lar profissional podia ser uma solução para alguns casos (Ministério da Justiça/Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999, pp. 197-198, 223). Mas, como já foi dito, nada se tentou na prática e este tipo de acolhimento familiar não se encontra expressamente previsto na Lei n.º 142/2015.

A possibilidade de integração desses jovens em respostas inovadoras, nomeadamente em unidades de acolhimento transitório, não formais, nem muito rígidas em matéria regulamentar (Ministério da Justiça/Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999, p. 223), ou em programas formativos específicos, baseados, por exemplo, em desafios positivos de aventura e risco ou na promoção de competências pessoais e sociais, seria uma outra possibilidade. Há experiências noutros países em que nos poderíamos inspirar. Mesmo entre nós, esta orientação tem sido defendida[12] e algumas soluções foram postas em prática[13]. Mas nada se consolidou.

DIREITOS DA CRIANÇA E DO JOVEM EM ACOLHIMENTO

A Lei n.º 142/2015 acrescenta, e bem, ao elenco dos direitos da criança e do jovem em acolhimento os direitos de serem acolhidos em casa de acolhimento próxima do seu meio familiar e social de origem e de não serem separados de outros irmãos acolhidos (alíneas i) e j) do n.º 1 do art. 58.º).[14]

Condiciona, porém, esses direitos às possibilidades práticas e ao facto de o seu superior interesse o não desaconselhar. No quadro da Lei de Proteção, só em circunstâncias muito excecionais o interesse da criança pode ser prejudicado pelo facto de ser acolhida em condições que permitam a manutenção dos laços familiares, muito especialmente com os pais. A lei em causa é pensada para as situações em que se considera previsível, ou pelo menos possível, o retorno da criança à família natural. Quando muito, poderá ser aplicada nas situações em que, sendo improvável o retorno, haja entre a criança e os pais vínculos afetivos e sentimentos de pertença familiar que merecem ser preservados, nomeadamente por os pais terem capacidade e idoneidade para desempenhar algumas funções parentais. Ora, essa perspetiva de retorno ou de manutenção de vínculos só se poderá concretizar se a criança mantiver contactos frequentes com os pais e irmãos. Impedir ou dificultar esses contactos significa frustrar os objetivos da lei.

Afastar a criança dos pais pode ter sentido nos casos em que estes culposamente a tenham maltratado ou negligenciado de modo grave, ou em que dela se tenham desinteressado. Mas, nestas situações, não é através da Lei n.º 147/99 que se deve proteger a criança. É o Direito Civil que dispõe dos institutos adequados, nomeadamente a adoção, o apadrinhamento civil e a tutela.

Seja como for, decidir o acolhimento de uma criança num local distante da residência dos pais significa, na prática, limitar ou mesmo anular o direito de visita destes. E essa é uma decisão que só um juiz pode tomar (art. 53.º, n.º 3), com fundamento em factos concretos e não apenas invocando abstratamente o “superior interesse da criança”.

A “INEVITABILIDADE” DO ACOLHIMENTO EM INSTITUIÇÃO

Como já foi referido, o acolhimento residencial é a solução que, por regra, espera as crianças quando a medida de apoio junto dos pais é inviável ou fracassa no decurso da sua execução. Na verdade, as decisões das comissões de proteção concentram-se em duas medidas: o apoio junto dos pais e o acolhimento em instituição. As restantes medidas legalmente previstas, com a ressalva do acolhimento junto de familiar, têm uma aplicação residual.[15]

Esta foi sempre a nossa realidade. Pode dizer-se que, no nosso país, a história da proteção das crianças se confunde com a história das instituições. Asilos, orfanatos, refúgios da “infância desvalida”, instituições caritativas, filantrópicas, de assistência ou de solidariedade social foram, ao longo dos tempos, o caminho possível para salvar muitas crianças da pobreza extrema, do desamparo e da violência (Gersão, 2013, p. 109).

A Lei n.º 147/99 tentou modificar a situação e tornar efetivas todas as medidas nela previstas, mas não conseguiu inverter a tradição institucionalizadora.

O insucesso deveu-se sobretudo ao facto de não se terem mudado políticas e práticas do passado, continuando a canalizar-se os recursos financeiros e técnicos disponíveis para a criação e para o funcionamento de instituições de acolhimento, em vez de os afetar às restantes medidas legalmente previstas. O investimento praticamente nulo no recrutamento de novas famílias de acolhimento, já salientado, é disso exemplo. Mas poder-se-ia também referir o pouco interesse em pôr em prática os programas de formação parental.[16]

O insucesso deveu-se também, em alguma medida, a alguma inabilidade legal na configuração das medidas[17] Aos pressupostos demasiado apertados do acolhimento familiar já se fez menção. Mas a legislação tinha ainda outras fragilidades.

O apoio aos pais – de natureza psicopedagógica, social e, quando necessário, económica – só foi previsto em relação às medidas de apoio junto dos pais e de apoio junto de familiar (arts. 41.º e 42.º), tendo sido ignorado em relação a todas as restantes medidas, tanto em meio natural de vida como de acolhimento. Sem esse apoio, nomeadamente sem a frequência dos programas formativos que pode comportar, muitos pais não conseguem adquirir as condições e capacidades para educarem os filhos (Borges, 2007, p. 183).

Para além disso, a lei não foi suficientemente explícita quanto aos procedimentos a adotar quando, esgotada a duração máxima das medidas em meio natural de vida – um ano, excecionalmente prorrogável por mais seis meses –, os pais não tenham adquirido as condições e as capacidades necessárias para cuidarem e educarem o filho.

A porta de ligação entre as medidas de apoio junto de familiar e de confiança a pessoa idónea e as providências tutelares cíveis que, no seu termo, podem ser decretadas para manter a criança, de modo estável, junto dessas pessoas – à regulação do exercício das responsabilidades parentais e à tutela, juntou-se, com a Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, o apadrinhamento civil – não foi suficientemente explicitada, apesar de algumas normas a indiciarem.[18]

E não foi encontrada uma solução para evitar que as providências cíveis fossem inviabilizadas por incapacidade económica dos acolhedores. Na verdade, o apoio económico que as medidas de proteção executadas em meio natural de vida comportam – previsto na Lei n.º 147/99 em relação à medida de apoio junto de familiar e tornado extensivo à confiança a pessoa idónea pela Lei n.º 142/2015 – não tem lugar quando sejam tomadas providências cíveis.[19]

Perante a inviabilidade destas providências – e sendo também o acolhimento familiar impossível, pelas razões legais e de facto já indicadas –, a “institucionalização” tornou-se a única solução possível nos casos em que, esgotada a duração legal máxima de uma medida em meio natural de vida, a criança não possa retornar para junto dos pais ou aí permanecer.[20]

A revisão de 2015 deu um passo significativo no sentido de melhorar a eficácia do sistema, estabelecendo a obrigação de as comissões de proteção comunicarem ao Ministério Público os casos em que a duração de uma medida, ou o somatório de várias medidas, perfaça 18 meses (art. 68.º, al. f). Na verdade, quando, passado esse tempo, os pais continuem a mostrar-se incapazes de cuidar do filho, parece razoável deixar de investir nessa solução e procurar outra forma de garantir à criança condições estáveis e adequadas de vida e de educação. Quando o Direito Civil seja o caminho adequado para realizar esse objetivo, cabe ao Ministério Público dar início aos procedimentos legais adequados.

Mas quanto às dificuldades provenientes da incapacidade económica dos familiares da criança ou da pessoa idónea que a tenha acolhido para exercerem as responsabilidades parentais a título estável nada se fez.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Del Valle e Bravo (2013) assinalam o consenso unânime acerca da necessidade de assegurar às crianças que são retiradas das suas famílias a possibilidade de viverem num ambiente familiar capaz de satisfazer as suas necessidades de desenvolvimento, o que se tem traduzido numa tendência comum da redução do recurso ao acolhimento residencial em prol da utilização do acolhimento familiar. Como os autores observam, Portugal e Espanha são países que partilham “a mesma história de utilização de instituições de acolhimento, apesar do ímpeto para a mudança desta realidade ter surgido em diferentes momentos em cada um deles” (p. 253). Mudança que continua por fazer, no caso do nosso país, e que se torna urgente, à medida que o tempo passa e o nosso sistema de acolhimento permanece fiel a paradigmas ultrapassados. Sobre o nosso sistema não se pode afirmar, apenas, que se manteve estático na última década, porque ele foi capaz de mudar. Todavia, essa mudança foi no sentido de reforçar a proporção relativa da opção pelo acolhimento em instituição, quando comparado com a utilização do acolhimento familiar, ao contrário do que sucedeu no contexto internacional comparado.

A revisão de 2015 pode contribuir para a mudança. Mas a alteração legal não basta. A decisão política que levou à alteração do texto legal não se reflete, de modo automático, na realidade concreta, na ação do dia-a-dia. Sem uma articulação e corresponsabilização destes dois níveis, o da formulação e o da concretização, o decretado e o praticado, dificilmente as políticas e estratégias de intervenção terão sucesso e alcançarão o grau transformador que pretendem ter (Frey, 2000).

É necessário encontrar uma solução para evitar que as providências cíveis sejam inviabilizadas por insuficiência económica dos familiares ou das pessoas idóneas disponíveis para exercer a tutela ou apadrinhar a criança, prevendo a possibilidade de, quando necessário, os apoiar economicamente, à semelhança do que se passa no âmbito das medidas de proteção..[21] É certo que as medidas são diferentes, na sua função e nas condições de exercício. As providências cíveis criam situações próximas da filiação e precisamente por isso o seu exercício não está sujeito a um projeto educativo estabelecido e supervisionado pelo Estado. Sendo assim, pode aceitar-se que, em relação a estas providências, não se preveja a remuneração dos serviços prestados. Mas a compensação das despesas de manutenção da criança, por exemplo através de uma prestação social adequada a estas situações, deveria ser considerada.

Dever-se-ia sobretudo ponderar seriamente os apoios que se poderão disponibilizar aos membros da família alargada que aceitem acolher os seus netos, sobrinhos ou irmãos, um tipo de solução que tem expressão em vários países, nomeadamente em Espanha (Del Valle, López, Montserrat e Bravo, 2009), e teve, no passado, uma dimensão significativa no sistema de proteção português..[22]

É essencial definir os tipos e as modalidades de acolhimento familiar e residencial, aproximando as respostas das reais necessidades das crianças e jovens e das competências das famílias e das casas acolhedoras.

As alterações introduzidas nos pressupostos do acolhimento familiar, a par da priorização desta medida sobre o acolhimento residencial, especialmente em relação a crianças de menos de seis anos, foram particularmente importantes, constituindo provavelmente a alteração substancial mais significativa da revisão de 2015. Para que a medida seja viável e possa vir a desempenhar entre nós o importante papel que lhe é reconhecido desde há muito noutros países, será preciso não só financiá-la de modo justo, mas também ir ao encontro dos sentimentos de altruísmo e de generosidade existentes na sociedade. Só assim será possível recrutar um número significativo de famílias de acolhimento de qualidade.

Se a aposta no acolhimento familiar for bem-sucedida, será necessário redesenhar o mapa das casas de acolhimento, quanto ao seu número e dimensão, mudança que, sendo inevitável, deve ser feita de forma gradual e ponderada e orientada por metas claras e objetivas.

Ao legislador caberá ainda rever com brevidade a regulamentação do regime de execução das medidas e definir o regime de funcionamento das casas de acolhimento, de forma a não se repetir o que se passou com a Lei n.º 147/99, cuja regulamentação.[23] demorou quase uma década. E é necessário proceder a alguns ajustamentos legais em matéria de adoção, articulando-a com o acolhimento familiar. Nos casos em que os pressupostos da adoção, não se verificando no momento em que a criança é acolhida, se venham a verificar mais tarde, tem todo o sentido que os acolhedores a adotem, se o desejarem e tiverem as condições necessárias (Guerra, 2016, p. 85). Mas será necessário tornar mais claros os procedimentos a seguir, uma vez que o alcance da nova medida de confiança a família de acolhimento em vista de futura adoção está longe de ser claro.[24] e a legislação relativa à adoção, nas suas sucessivas reformas, foi reduzindo a possibilidade de alguém se candidatar à adoção de uma determinada criança. É de lamentar que o novo regime jurídico do processo de adoção.[25], publicado na mesma data que a Lei n.º 142/2015, tivesse deixado esta questão em aberto..[26]

 

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Recebido a 09-08-2016. Aceite para publicação a 26-09-2017.

 

[1] Conselho da Europa, Rec (2005) 5 – Os Direitos das Crianças que Residem em Instituições; Rec (87) 6, sobre Famílias de Acolhimento.

[2] Proposta de Lei n.º 339/XII. A proposta, bem como toda a documentação referente ao processo legislativo parlamentar, pode ler-se no “sítio” da Assembleia da República.

[3] Contra a qual se manifestaram a União das Misericórdias e a União das Mutualidades, nos respetivos pareceres sobre a proposta de lei.

[4] Levados a efeito pela comissão constituída na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2013, de 11 de junho.

[5] De acordo com a norma transitória do art. 6.º da Lei n.º 142/2015, até à entrada em vigor da regulamentação anunciada as casas de acolhimento funcionam em regime aberto.

[6] Assim se entende também no parecer da Procuradoria-Geral da República sobre a proposta de lei, na anotação ao art. 53.º.

[7] Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, aplicável aos jovens que, entre os 12 e os 16 anos, cometam factos qualificados como crime.

[8] A referida alínea fala em paralelo de unidades para crianças que careçam de “intervenção educativa ou terapêutica”. Mas seria melhor tratar as duas situações separadamente. A intervenção terapêutica deverá caber aos serviços de saúde e às suas instituições. O art. 50.º, n.º 3, parece apontar nesse sentido, embora em termos que nos parecem demasiado cautelosos, considerando que, quando se trate, nomeadamente, de crianças com perturbação psiquiátrica ou comportamentos aditivos, o acolhimento residencial pode ter lugar em “respostas residenciais” da saúde “em situações devidamente fundamentadas e pelo tempo estritamente necessário”.

[9] Segundo o n.º 2 do art. 53, “o regime aberto implica a livre entrada e saída da criança ou do jovem da instituição, de acordo com as normas gerais de funcionamento, tendo apenas como limites os resultantes das suas necessidades educativas e da proteção dos seus direitos e interesses”.

[10] Assim se entende também no parecer da Procuradoria-Geral da República anteriormente referido.

[11] A União das Misericórdias e a União das Mutualidades, nos seus pareceres sobre a proposta de lei, vêem como necessário o regime semi-aberto, quando se trate de jovens “com comportamentos disruptivos”. Também o parecer da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens em Risco mostra abertura a essa solução, embora no seu seio as opiniões se tenham dividido.

[12] Conselho Técnico-Científico da Casa Pia de Lisboa, 2005, pp. 74-78.

[13] Nomeadamente por Margarida Gaspar de Matos e a sua equipa, no âmbito do Projeto “Aventura Social & Risco”, desenvolvido pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa (Matos, 2002, 2013).

[14] Esses direitos são igualmente reconhecidos em relação ao acolhimento familiar.

[15] O apoio junto dos pais constitui o grosso das decisões das comissões, representando, em 2016, 77,4% das 36893 medidas aplicadas ou em execução no seu âmbito de atividade. Nesse mesmo ano, o acolhimento em instituição representou 9,4% das medidas e o acolhimento junto de familiar 9,9%. A confiança a pessoa idónea e o apoio para a autonomia de vida apenas foram decididos em 1,4% e 0,6% das situações, respetivamente (CNPCJR, 2016, p. 55).

[16] A Fundação Gulbenkian procurou modificar esta prática, elegendo os programas de formação parental como a primeira prioridade do seu Programa Crianças e Jovens em Risco (Daniel Sampaio, Hugo Cruz, Maria João Leote, 2011).

[17] A proposta de lei foi apresentada à Assembleia da República com alguma precipitação, por a legislatura se aproximar do seu termo.

[18] Nomeadamente o art. 63, n.º 1, al. c), que, entre as razões de cessação da medida de proteção, menciona “a decisão em procedimento cível que assegure o afastamento da criança ou do jovem da situação de perigo”.

[19] Na falta dessas cautelas, não surpreende que só 0,4% dos processos abertos nas CPCJ tenha terminado por aplicação de medida cível (CNPCJR, 2016, p. 15).

[20] A 52.3% das crianças acolhidas em 2016 em instituições tinham sido aplicadas medidas em meio natural de vida anteriormente ao seu primeiro acolhimento (Instituto da Segurança Social, I. P., 2016, p. 133).

[21] E não se invoque o argumento tradicional de que “não há verba”. A alternativa – ou seja, o acolhimento residencial – tem custos muito mais elevados.

[22] Anteriormente à Lei n.º 147/99, o acolhimento familiar constituía uma medida de ação social. A respetiva legislação (Decreto-Lei n.º 190/92, de 3 de setembro) admitia que o acolhimento tivesse lugar junto de parentes ou padrinhos da criança, que assim beneficiavam das compensações económicas previstas para a medida. Após a entrada em vigor da Lei n.º 147/99, estas situações passaram a ser enquadradas nas medidas de apoio junto de familiar ou de confiança a pessoa idónea. Esta solução está correta sob o ponto de vista jurídico, mas determinou muitas dificuldades práticas, uma vez que as medidas referidas não só são menos apoiadas economicamente do que o acolhimento familiar, como têm uma duração limitada no tempo.

[23] Decretos-Leis n.ºs 11 e 12/2008, de 17 de janeiro, que regulamentam o regime de execução do acolhimento familiar e das medidas em meio natural de vida, respetivamente.

[24] Sendo entendida de modo completamente diferentes nos pareceres sobre a proposta de lei da Procuradoria-Geral da República e da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens.

[25] Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro.

[26] Inspirando-se, por exemplo, na solução consagrada em relação ao apadrinhamento civil. A Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro, admite expressamente que a família de acolhimento apadrinhe a criança (art. 11.º, n.º 5) e o Decreto-Lei n.º 121/2010, de 27 de outubro, prevê mesmo, para essa situação, um processo de habilitação simplificado (art. 5.º).

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