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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.225 Lisboa dez. 2017

 

DOSSIÊ - DESPORTO E LAZER EM ÁFRICA

Para o bem da nação: usos políticos do desporto na Guiné portuguesa (1949-1961)

For the wellness of empire: political uses of sport in Portuguese Guinea (1949-1960)

Victor Andrade de Melo*

*Departamento de Didatica, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Pedro Calmon, 550, prédio da Reitoria, 8.º andar, sala 801, Cidade Universitária, Ilha do Fundão - CEP 21941, Rio de Janeiro, Brasil. victor.a.melo@uol.com.br


 

RESUMO

Para o bem da nação: usos políticos do desporto na Guiné portuguesa (1949-1961). Este estudo discute os sentidos atribuídos ao desporto na Guiné portuguesa entre os anos de 1949, quando Sarmento Rodrigues tinha deixado o governo da província, e 1961, quando se tornou claro o acirrar dos conflitos coloniais e se delineou outro modelo de atuação por parte da metrópole. Investigaram-se os usos políticos da prática, as representações que se forjaram a partir da interpretação de certos pressupostos assumidos pela administração governamental. Para alcançar este objetivo, foram utilizados periódicos publicados no período em tela. Percebeu-se que os posicionamentos sobre o desporto foram influenciados pela adoção do lusotropicalismo como parâmetro discursivo para legitimar a manutenção dos laços coloniais.

Palavras-chave: África; Guiné; colonialismo; História do desporto.


 

ABSTRACT

For the wellness of empire: political uses of sport in Portuguese Guinea (1949-1960). This study examines the meanings attributed to sports in Portuguese Guinea between the years 1949 (when Sarmento Rodrigues had left the provincial government) and 1961 (when the colonial conflicts became clear). We investigate the political uses of the practice, the representations that were forged from the interpretation of certain assumptions on the part of the governmental administration. We draw upon newspapers published in the period, in which we note that the positions on sports were influenced by “Lusotropicalismo” as a discursive issue to legitimize maintaining colonialism.

Keywords: Africa; Guinea; colonialism; sport history.


 

Introdução

Em maio de 1949, o estádio de Bissau foi a sede de uma grande cerimónia. Contando com a presença das mais importantes personalidades locais, o intuito era homenagear, na visão de Luís Correia Garcia, “um dos maiores governadores que têm passado pela colónia (…), cujo dinamismo e invulgar inteligência a elevaram a um nível de progresso nunca antes atingido”[1], Manuel Maria Sarmento Rodrigues, que há pouco deixara a Guiné. O posicionamento do funcionário do governo, cronista e membro do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa ecoava o que muitos pensavam sobre o antigo administrador.

Lotaram as arquibancadas dirigentes e atletas dos clubes da província, bem como um público entusiasmado. Na cerimónia, reconheciam-se e exaltavam-se as contribuições de Sarmento Rodrigues para o desenvolvimento e estruturação do desporto. O seu nome, que passou a denominar até à independência o estádio da capital e um importante campeonato de futebol, seria lembrado por décadas.

Se comparado ao que ocorreu noutras províncias portuguesas na África (Marzano, Nascimento, 2013), percebe-se que na Guiné foi mesmo tardia a conformação da prática. A contribuição de Sarmento Rodrigues para a organização desportiva fez parte das suas preocupações com o progresso da colónia que, quando chegara em 1945, ainda se encontrava pouco estruturada administrativa e economicamente (Melo, 2014).

Em linhas gerais, tal iniciativa teve em conta alguns dos seus intuitos: melhorar a vida quotidiana da província, aproximando-se de distintos grupos sociais - inclusive dos nativos -, tornando menos tensas as relações coloniais; mobilizar simbolicamente certas práticas a fim de exaltar supostas contribuições do colonizador e construir uma maior identificação com a ideia de nação, isso é, forjar um sentimento de maior pertença à “comunidade imaginada” de Portugal.[2]

Segundo Melo (2014), Sarmento Rodrigues inaugurou uma forma específica de tratar o desporto no âmbito colonial português, servindo de exemplo para outros dirigentes de diferentes províncias, bem como para uma nova consideração do tema por parte do governo metropolitano. As suas ações eram inspiradas pelo pensamento de Gilberto Freyre, o que o levou a antecipar um uso do lusotropicalismo que se tornaria mais percetível a partir dos anos 1950.[3] Como sugere Cláudia Castelo, tal noção:

“inventada” com base em pressupostos históricos e numa imagem essencialista da personalidade do povo português, além de ter servido a interesses políticos-ideológicos conjunturais durante o Estado Novo, ajudou a perpetuar uma imagem mítica da identidade cultural portuguesa, concedendo-lhe autoridade “científica” de que até aí não dispunha [Castelo, 1999, p. 14].[4]

O discurso de Freyre, supostamente, confirmava a ideia de que era peculiar o modelo de colonização portuguesa, pois forjara, de forma menos violenta, sociedades multirraciais. Essa ideia foi esgrimida pelo governo de Portugal como uma estratégia para justificar a manutenção dos laços coloniais num momento em que cresceram as pressões internacionais (inclusive da Organização das Nações Unidas) para que se encaminhasse o processo de descolonização (Castelo, 1999; Léonard, 1999; Pimenta, 2010).

Depois de Sarmento Rodrigues ter deixado a província, em 1948, que ações no âmbito desportivo teriam tido sequência? Como foram perspetivadas no cenário colonial? Este estudo pretende discutir os sentidos atribuídos ao desporto na Guiné portuguesa entre os anos de 1949, quando Sarmento Rodrigues tinha deixado o governo da província, e 1961, quando se tornou claro o acirrar dos conflitos coloniais e se delineou outro modelo de atuação por parte da metrópole. Interessou investigar os usos políticos da prática, as representações que se forjaram a partir da interpretação de certos pressupostos assumidos pela administração governamental.

Tendo em conta o papel da imprensa como mediadora, para alcance do objetivo, foram utilizados periódicos publicados na província no período em análise.[5] Foram investigados quatro títulos. O Arauto, ligado à igreja católica, lançado em 1943, em Bolama. Em maio de 1950, contando com apoio governamental, transferiu-se para Bissau e passou a ser diário e adotou uma abordagem mais abrangente, procurando informar sobre o que ocorria na metrópole e na política colonial como um todo, fortemente alinhado com os interesses do Estado português. A propósito, como bem percebe Fonseca:

Na Guiné, o Estado Novo não precisou fazer uso da censura e da perseguição contra a imprensa e o jornalismo, pois não existiu uma imprensa que questionasse, criticasse ou se opusesse às políticas autoritárias. Também não foi preciso que o regime proibisse ou infiltrasse seus agentes nas organizações associativas e controlasse os seus jornais, pois as escassas entidades representativas na Guiné sempre apoiaram o governo e não fizeram da imprensa um instrumento de debate e disputa política [Fonseca, 2014, p. 275].[6]

No Arauto, as matérias desportivas em geral eram assinadas por dois indivíduos que chegaram da metrópole com os seus pais, militares que assumiram postos na administração provincial. Carlos Correia, além de jornalista desportivo, foi jogador de hóquei e de basquete, bem como presidente da Associação de Futebol. Já Francisco Carapito - responsável pela coluna Saúde e Desporto, na qual comentava os jogos e as dificuldades encontradas para consolidar o desporto na colónia - também atuou como artista plástico e poeta.

Da mesma forma, alinhado com os interesses da metrópole, os Ecos da Guiné: Boletim foi publicado pela Secção Técnica de Estatísticas da administração provincial, entre 1950 e 1954. Era um jornal eminentemente dedicado à divulgação das atividades do governo (Fonseca, 2014). O já citado Francisco Carapito foi o responsável por muitas das matérias que trataram do desporto, em conjunto com Francisco Frederique, atuante na Mocidade Portuguesa, e Mário Rodrigues Pires, funcionário da alfândega.

Como os outros periódicos da Guiné, o Bolamense, publicado entre 1956 e 1961, repercutia os interesses governamentais, não deixando, todavia, de tecer críticas à vida na colónia. Uma diferença era a maior preocupação e dedicação de espaço aos temas literários (Amado, 1990). Os responsáveis pelas notícias de desporto não ficam tão claros quanto nos periódicos anteriores, mas na verdade até mesmo Fernando Rodrigues Barragão, estudioso das culturas locais, se terá debruçado sobre o tema.

Tanto o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, quanto a instituição responsável por editá-lo, que de 1946 a 1973 foi o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, foram criações de Sarmento Rodrigues. O intuito do periódico era difundir as informações sobre as pesquisas realizadas e divulgar os principais acontecimentos da colónia, entre os quais os que diziam respeito ao desporto.

No período investigado, foram quatro os governadores da Guiné: Raimundo António Rodrigues Serrão (entre 1949 e 1953), Diogo António José Leite Pereira de Melo e Alvim (1954-1956), Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (1956-1958) e António Augusto Peixoto Correia (1959-1962).

A gestão de Serrão foi marcada por reflexos das tensões na política metropolitana e mudanças na relação com as colónias, inclusive com a revogação, em 1951, do Ato Colonial em função das pressões que pendiam sob Portugal no cenário internacional, uma decisão cosmética, mas que trouxe alguns impactos no quotidiano das colónias, a partir de então denominadas Províncias Ultramarinas.[7] O seu governo não foi caracterizado por nenhum traço em especial, a não ser a conclusão de obras e projetos já constituídos no período de Sarmento Rodrigues (Silva, 2006).

Já Melo e Alvim possuía maior relação com a Guiné, onde atuara antes por mais de 15 anos. Demonstrava forte adesão às propostas de Sarmento Rodrigues, bem como com o pensamento de Gilberto Freyre. Identificou alguns problemas de continuidade no processo de desenvolvimento da província, agindo para retomar o seu crescimento, logrando certo sucesso e reconhecimento por parte de diversos grupos e lideranças locais (Silva, 2006).

O cabo-verdiano Silva Tavares também era próximo das ideias lusotropicalistas, tendo sido figura de destaque na política portuguesa. Nomeado, em 1958, secretário de Estado da Administração Ultramarina, substituiu-o um antigo colaborador direto de Sarmento Rodrigues no seu tempo na Guiné. Peixoto Correia, futuro ministro do Ultramar, ocupara, entre outros importantes postos, o de chefe de gabinete do governador e de primeiro presidente do Conselho de Desportos, criado, em 1945, para estimular e disciplinar a prática na colónia, demandando e auxiliando as agremiações e lideranças desportivas na estruturação das suas iniciativas (Melo, 2014).

No seu período, tornaram-se aparentes os conflitos coloniais, delineados mais claramente a partir do Massacre do Pindjiguiti[8], exponenciando-se as ações dos movimentos nacionalistas que já existiam desde meados da década de 1950, dos quais emergiu, nos anos 1960, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).[9]

Cremos que esta investigação nos ajudou a melhor compreender algumas peculiaridades tanto da política colonial portuguesa quanto da experiência de indivíduos e grupos sociais na Guiné, bem como a lançar um olhar para a importância que ocupou o desporto em determinados cenários históricos.

PARA O BEM DA NAÇÃO: A ESTRUTURAÇÃO DO DESPORTO

Na Guiné, as mudanças desencadeadas desde a segunda metade dos anos 1940 foram-se consolidando no decorrer da década de 1950, sem que, contudo, ocasionassem alterações definitivas do cenário da província. Mesmo com os avanços, não chegara “ao nível de outras colónias de Portugal e muito menos das outras potências coloniais em termos de desenvolvimento económico e social” (Cardoso, 1992, p. 50).

Limitada pela legislação e pressão metropolitana, a instalação de algumas indústrias, todas de pouca expressão, não chegou a influenciar notavelmente a economia guineense. Já o comércio, especialmente de matérias-primas, fortalecido no pós 2.ª Grande Guerra, acabou por se constituir no setor mais privilegiado, concentrado, todavia, na mão de poucos grupos (Cardoso, 1992).

No que tange à formação societária, houve algumas mudanças notáveis. A expansão da administração e da economia tanto atraíu maior número de europeus e cabo-verdianos[10] como possibilitou que mais “indígenas”, tornados “civilizados”, atuassem nesses setores.[11] Reflexos desse processo foram uma maior complexificação da estrutura social - com a melhor conformação de um estrato intermediário, e um relativo ampliar da capacidade de consumo. De forma alguma isso significou a extinção das desigualdades e preconceitos raciais.

Cresceram alguns centros urbanos em função do aumento do número de “civilizados” e “indígenas” atraídos por postos de trabalho ou familiares que por lá se estabeleceram. Mesmo que ainda com deficiências, melhoraram os serviços públicos, transportes, distribuição de água, limpeza e conservação das ruas, eletrificação.[12]

Não surpreende, assim, que o maior desenvolvimento económico e a estruturação das cidades tenha proporcionado o crescimento, ainda que tímido, de um mercado de entretenimentos na Guiné, especialmente na capital. Por exemplo, com grande festa e expectativa, uma temporada de touradas foi organizada em Bissau, em janeiro de 1953, a primeira vez que ocorriam na província.[13]

Os cronistas incitaram o público a comparecer aos eventos tauromáquicos, “compreendendo os encargos que acarreta tão arrojada iniciativa, merecedora de nosso aplauso e simpatia”.[14] Desejava-se que a temporada fosse “premiada com o maior êxito, a ver se atrás dela outros vêm para que não sejam tão mortas e paradas as águas desta monotonia diária”. Havia uma compreensão generalizada de que era necessário dinamizar mais a vida social da província, uma sensação que se acentuou em função da chegada de maior número de metropolitanos.

Mesmo que apenas três animais tenham sido toureados, inclusive por um “espada” de certo renome, Rogério Valgode (um dos mais longevos e conhecidos da tauromaquia portuguesa), o público acolheu a novidade com grande interesse. Um dos toureiros, Hélder Araújo, permaneceu na província e organizou outras sessões, inclusive uma promovida pelo Sport Bissau e Benfica[15], na qual tomou parte um grupo de amadores da capital e forcados vindos da metrópole.

Na última sessão de touradas, realizada em março de 1953, assim anunciou o Arauto: “pela primeira vez vamos apreciar um grupo de forcados indígenas que enfrentará um touro da metrópole a fim de mostrar sua coragem e a rijeza das pernas para fugir a tempo”[16]. Paulatinamente modificava-se o olhar sobre os nativos, elogiados por serem considerados uma expressão de que Portugal bem cumpria a sua missão civilizadora. Recorria-se à representação lusotropicalista de que a colonização portuguesa era distinta por respeitar e permitir o pleno desenvolvimento dos nativos. Para Cardoso (1992), como noutras colónias, tratou-se claramente de uma ideologia racial, escamoteada por iniciativas assimiliacionistas e integracionistas.

Ao redor das touradas houve uma exaltação de símbolos da tradição lusitana, mobilizados a fim de fortalecer o sentimento de “portugualidade”. Algo semelhante se deu em outros eventos culturais e desportivos, como quando chegou a Bissau, em 1954, o ciclista Luís Rosa Marques, que fazia o percurso Luanda-Lisboa. Foi saudado como o “valente português” que contribuía para avigorar as relações entre as diferentes partes da nação.[17] Os clubes de futebol prepararam uma grande comemoração para recebê-lo. A ideia é de que todos deveriam estar irmanados para celebrar a união de Portugal.

Essa sensação de pertença era também exaltada quanto eventualmente havia uma apresentação teatral protagonizada por companhias que vinham da metrópole, como o África, que, em fevereiro de 1954, apresentou no salão do museu os espetáculos “Uff! Que calor!”, “Marcha da Alegria” e “Luzes da Feira”.[18] De facto, sem o mesmo impacto, desde o século XIX, esporádicos grupos dramatúrgicos amadores locais apresentaram-se naqueles anos 1950 em saraus que tinham lugar na sede do Benfica de Bissau.[19]

Também acolheu apresentações teatrais e musicais, o cinema da UDIB, inaugurado em 1950.[20] O intuito da agremiação era tanto angariar mais recursos quanto contribuir para finalmente dotar a capital de um espaço permanente para a exibição de filmes (antes somente havia iniciativas improvisadas).

A princípio, o cinema funcionou precariamente, inclusive pela dificuldade de conseguir novas películas. Era comum a repetição de desenhos animados, de longas e curtas de Chaplin (em Portugal chamado de Charlot) e de documentários sobre Bissau. De qualquer maneira, abria-se mais uma alternativa para minimizar a sempre sentida como pouco dinâmica vida social da colónia.[21]

Também empolgou o público da capital uma competição de “bicicletas motorizadas” organizada em novembro de 1955. Sugere Francisco Carapito que, por instaurar um ar festivo e mobilizar a juventude, a iniciativa merecia “todo apoio moral e até material”, mesmo porque “Bissau continua sendo a cidade do marasmo, a capital do silêncio, enquanto as outras cidades se agitam e evolucionam acompanhando o progresso”.[22]

Cientes do descompasso da Guiné, quando comparada com outras colónias, para alguns cronistas o desporto seria uma alternativa para reverter o tão citado “quadro de monotonia”. Havia, contudo, outras preocupações que cercavam o estímulo à prática de atividades físicas. Para Fernando Barragão, o que se via na província eram “corpos sem vida arrastando os pés, formaturas sem garbo serpenteando sem rumo, jovens sem ideal avançando sem meta. Nem a educação física que salva os corpos, nem a cultura que cativa o espírito, nem a arte que eleva as almas”[23].

Barragão, investigador dos indígenas da Guiné, tecia comparações com os corpos dos nativos. Frente ao aspeto de decadência dos “civilizados”, conclamou: “Vamos invadir o estádio em paradas de ginástica que demonstrem o vigor de vosso corpo, a coordenação de vossos músculos e magnífica comunhão de vosso conjunto”.

Outro cronista, Mário Santos, redator do Bolamense e entusiasta do desenvolvimento da Guiné, mesmo reconhecendo que havia esforços de vários setores, inclusive órgãos governamentais, também sugeriu que o quadro não era dos melhores:

Os clubes têm uma vida precária, alguns nem sede têm, a fiscalização médica é nula ou quase nula. Os instrutores são escassos e, alguns, provavelmente, não estão ilustrados com o conhecimento dos problemas técnicos-táticos que importam conhecer e são a base do futebol moderno.[24]

Na sua visão, uma parte dos problemas dever-se-ia ao facto de que não se implementava na província, de forma adequada, a educação física, instrumento fundamental para forjar um povo que precisava de assumir os desafios de desenvolver e proteger a Guiné, território que teria potencialidades notáveis em função da mistura de raças que a caracterizaria. Desejava-se a materialização do pressuposto lusotropicalista de que o encontro harmónico de raças produziria seres superiores. Dada essa peculiaridade, sugeriu o cronista, poder-se-ia até mesmo ter um futebol “combativo e elástico, vigoroso e astuto”.[25]

Na verdade, como observa Cardoso (1992), o que pouco propiciava a estrutura societária guineense era exatamente esse suposto encontro racial. De toda a forma, o discurso fortaleceu-se em certos setores. Na visão de Mário Santos: “A província ultramarina da Guiné, mescla de raças que outrora dominavam em muitos pontos do continente africano, tem que organizar o seu futebol na base das características rácicas e psíquicas que nela se encontram e sem a exclusão de este ou aquele grupo étnico”.[26] O que perspetivava, para o bem da colónia, era que:

O Estádio Sarmento Rodrigues, no final de cada ano, encher-se-ia da mocidade das escolas e dos clubes, e seriam centenas de crianças e de almas, os homens de amanhã, ágeis, destemidos, vigorosos e fisicamente fortes, a agradecer-nos a lembrança que tivéramos de lhes conceder ânimo para as duras tarefas que a vida lhes reserva - com indubitável certeza.

O que não teve em conta, talvez por ter chegado há pouco tempo à Guiné (como ele mesmo assume), é que existiam iniciativas semelhantes desde os tempos de Sarmento Rodrigues. A propósito, mesmo com limites, o futebol já ocupava um espaço importante na dinâmica social da província, ainda que fosse variável o público que comparecia aos jogos.

Na estação das chuvas, que ia de junho a outubro, as partidas eram interrompidas.[27] Entre novembro e maio, todavia, os campeonatos davam um novo brilho à vida citadina, como observa um cronista:

A Guiné necessita ou não de seu futebol? Estou em crer que todos vão pela afirmativa, mesmo aqueles que, não frequentando os campos desportivos, nele reconhecem um fator de primeira ordem quer para seu comércio, quer para sua vida dominical, morta ou paralisada quando a falange de apoio dos clubes não ande pelas ruas.[28]

Muitos foram os jogos e competições realizados, de desportos diversos - mais comummente de futebol, e com menor regularidade de vólei, basquete, hóquei sobre patins e ténis, tendo como local a capital, mas também outras regiões da Guiné.[29] Praticamente não havia comemoração sem atividade desportiva.

Um aspeto curioso desses eventos é que por vezes se mesclavam as atividades “civilizadas” (desporto, ginástica, educação física) com outras da tradição dos nativos, como lutas indígenas, que chegaram mesmo a ser elevadas à condição de uma das modalidades simbólicas da província.[30]

Uma vez mais percebemos reflexos da política colonial, a sugestão de que o governo supostamente respeitava as peculiaridades locais, uma expressão da presumida postura não racial que adotava. A ideia propalada era que “não se concebe a europeização das populações indígenas bruscamente (…). Em vez de eliminar brutalmente as instituições nativas, esta política prioriza a integração das comunidades não metropolitanas nos padrões culturais portugueses” (Cardoso, 1992, p. 33). Isso, por certo, além de estratégia discursiva, só era tolerado quando não “colidisse com os princípios e com a soberania portuguesa” (p. 35).

Essa boa movimentação desportiva também se deveu ao facto de que o Conselho de Desportos continuou a incentivar os clubes por meio de apoios diversos, tais como o perdão de dívidas; subsídios para promoção de eventos; cessão de material, recursos e terrenos para que construíssem e reformassem as suas sedes, nesse caso também tendo em conta ampliar as instalações de lazer das cidades. Dando sequência aos intuitos que marcaram a sua criação, perspectivava-se fortalecer os laços com a ideia de nação por meio do desporto.

Dirigentes e jornalistas celebravam o que consideravam um investimento na civilização da província, cumprindo a histórica função de Portugal.[31] Para eles, o governo patrocinava “moral e materialmente todas estas atividades”.[32] O intuito de mobilização política era claro, como explicitado pelo presidente do Conselho de Desportos (na ocasião, Joaquim Antonio Oliveira, chefe de gabinete) em discurso proferido em homenagem ao governador:

Bebo ainda pela união da grande família desportiva da Guiné, para que o seu exemplo constitua a magistral lição para os vindouros que precisamos deixar escrita com sangue e suor de todos nós, para que se vincule indelevelmente na memória dos povos e seja o hino triunfal da nossa civilização na Guiné, tão portuguesa já, em convicção e sentimento.[33]

Dadas as características económicas e sociais da Guiné, era difícil mesmo perspetivar para os clubes um mecanismo de autossuficiência, normalmente relacionado com o fortalecimento de um mercado consumidor, do qual fazia parte a estruturação de uma indústria do entretenimento. As agremiações, assim, eram muito dependentes de apoio governamental (Melo, 2014).

Em função dessa “proteção”, o governo exigia que os clubes atendessem aos seus interesses, devendo os seus dirigentes mostrar-se “dignos das prendas recebidas”[34], coibindo maus procedimentos e desvios do que esperava ser o desporto do ponto de vista civilizacional. Incomodavam muito, por exemplo, as comuns situações de violência e indisciplina nos jogos e campeonatos, especialmente observáveis nos certames de futebol.

As tensões com o Conselho de Desportos - que bem refletiam os conflitos internos de cada agremiação[35], também ocorriam em função de o órgão estar a normalizar a prática, controlando a organização de jogos e torneios, fiscalizando as contas dos clubes.

Esse debate era mais ou menos intenso, dependendo da administração provincial, e por vezes assumia aspetos curiosos. A UDIB volta e meia divulgava o desejo de vender as suas instalações, no caso o Estádio Sarmento Rodrigues.[36] O argumento prendia-se com a dificuldade de manter o espaço. Propunha-se que fosse comprado pelo governo e o novo terreno fosse concedido para a construção de uma sede mais simples. O que não se dizia é que tinha sido o Estado a construí-la, cedida sem custos à agremiação.

Em 1952, o conselho atuou intensamente na discussão dos estatutos e fundação da Associação de Futebol da Guiné, por considerar que o velho desporto bretão era o mais popular, movimentava mais recursos e era mais polémico. A entrada em funcionamento dessa entidade, logo aceite como afiliada pela Federação Portuguesa de Futebol, teve impactos positivos na estruturação da modalidade. Fortalecia-se o laço com a metrópole, a ideia de que todos integravam uma só nação.

A Associação, não sem polémica, contribuiu para a melhor organização de treinos e jogos; atuou na preparação e escalação de árbitros; escolheu um técnico fixo para a seleção provincial; passou a fiscalizar a venda de ingressos. Além disso, definiu melhor a possibilidade de os “indígenas” assistirem aos eventos, estabelecendo bilhetes mais baratos, em lugares diferenciados.

Segundo os cronistas, estes esforços eram dececionantes devido à baixa qualidade técnica dos jogos. Não era o único problema a ser resolvido. Havia maior dificuldade em manter ativas outras modalidades. Os seus representantes, à procura de soluções, chegaram a criar a Associação para os Restantes Desportos, que no início dos anos 1960 logrou alguns bons resultados.

Os desafios para a consolidação do desporto na província sempre foram imensos. Se, por um lado, algumas agremiações conseguiram, ainda que com dificuldades, estabelecer-se, por outro muitas não lograram manter-se em atividade. No decorrer das décadas de 1950 e 1960, diversos clubes foram fundados e tiveram curta duração (como o Porto de Bissau, Juventude, Tenistas, Dínamo, Obras Públicas, Banco, Funcionários, entre outros).

Em Bolama, por exemplo, cerrariam portas o Desportivo e a Associação de Bombeiros Voluntários, permanecendo apenas o Benfica. Nessa cidade, já em 1955, tendo em vista selecionar bons jogadores, foi realizado um campeonato entre naturais da metrópole, naturais de Cabo Verde, civilizados da Guiné, e indígenas da Guiné.

Até mesmo por questões estruturais, para além dos discursos que interessavam ao governo, percebe-se a maior aceitação de “indígenas” nas equipas. O intuito era mesmo incrementar os campeonatos, mas a justificação era de que todos deveriam, nas palavras de Francisco Carapito, “competir no campo do desporto para confirmar a característica portuguesa de unidade e fraternidade entre os seus povos europeus e africanos”[37], uma afirmação bem ao estilo das mudanças que foram feitas na política colonial.

Os cronistas, em muitos momentos, mostraram-se pessimistas frente às dificuldades. Em geral, isentavam de culpas o Conselho de Desportos, dirigindo as suas críticas a outros agentes do campo. A atuação de um personagem era muito contestada: “entre os erros maiores do passado e mesmo do presente cito a indiferença e a inércia dos dirigentes desportivos perante o valor do desporto em geral e do futebol em particular”.[38] Para o cronista, A. Trindade dos Santos - técnico de futebol -, o avanço somente seria possível se houvesse um compartilhamento de responsabilidades: “Hoje é dever implícito no dia que passa, todos nós, o povo, contribuir com as suas qualidades, os dirigentes desportivos com a sua competência e o governo da nação com as suas leis”.[39]

Em 1955, uma nova esperança tomou conta dos aficionados pelo desporto, o anúncio de que seria criado, em cada colónia, um Conselho Provincial de Educação Física, o qual seria instituído pela Lei n.º 2 083, de 15 de junho de 1956.[40] A decisão começara a ser delineada quando Sarmento Rodrigues era ministro do Ultramar e, no fundo, institucionalizara para todo o domínio territorial português, em formato distinto, a experiência do Conselho de Desportos da Guiné. Era uma expressão da preocupação da metrópole com a prática desportiva e de atividades físicas nos seus territórios fora da Europa.[41]

Na Guiné, o Conselho Provincial só começou a funcionar em 1959, em substituição ao Conselho de Desportos, graças à ação de Peixoto Correia. De toda a forma, nos anos finais da década de 1950, a movimentação desportiva tornou-se ainda mais intensa na colónia.

Enfim, mesmo com limites, na sequência das ações de Sarmento Rodrigues e dialogando com os parâmetros lusotropicalistas da política colonial portuguesa, o campo desportivo apresentou-se mais estruturado, perspetivado como forma de diversão, mas também contributo para a nação, uma dimensão que ficou ainda mais explicita noutra esfera: a realização de desafios internacionais.

PARA O BEM DA NAÇÃO: OS DESAFIOS INTERNACIONAIS

Do tempo de Sarmento Rodrigues, uma das continuidades mais notáveis foi a realização de desafios internacionais: jogos e torneios de diversas modalidades, disputados entre clubes e selecionados guineenses e de outras colónias, promovidos dentro ou fora da província (Melo, 2014). Essas ocasiões eram sempre marcadas por grande civismo, contando com a presença de autoridades, execução de hinos, exibição de bandeiras e símbolos nacionais (dos países colonizadores).

Na verdade, tais eventos eram encarados por órgãos governamentais como estratégia tanto para ampliar as articulações diplomáticas[42], quanto para fortalecer discursos identitários. Para as agremiações, era mesmo uma forte motivação desportiva. A imprensa transitava entre as duas apreensões.

Deve-se ter em conta que, na década de 1950, tornou-se mais constante o governo português mobilizar o desporto como forma de construir um sentido de pertença e de identidade com a nação (Melo, Bittencourt, 2013). As competições eram situações adequadas para se enfatizarem essas duas dimensões caras aos discursos lusotropicalistas: a “mística luso-cristã de integração” e a força de uma sociedade multirracial, supostamente uma peculiaridade do projeto colonial português (Léonard, 1999, p. 42).

Em abril de 1952, por exemplo, a seleção de futebol de Bissau uma vez mais foi a Dacar para disputar o Torneio da África Ocidental, o mesmo que foi celebrado como a primeira grande conquista internacional da Guiné, em 1948, na ocasião representada como sinal do valor de Portugal e da contribuição da metrópole para a civilização da província (Melo, 2014).

Até mesmo por esse “passado glorioso”, houve certa apreensão no que se refere à participação da equipa representativa da colónia: “A seleção da Guiné não está à altura de representar condignamente o desporto da província num torneio internacional”[43], sugeriu um cronista. Detetava-se certa desorganização na preparação, a falta de empenho de alguns jogadores, além de certo desinteresse do público. O jornalista, provavelmente Carlos Correa, ao criticar tais problemas, conclamava por maior cuidado com a prática:

O desporto em si é o corpo com vida, mas o público é a alma que o faz vibrar, o espírito que o leva ao triunfo, é uma parte integrante, vital do mesmo desporto, sem a qual sobrevém a morte e, por isso mesmo, teremos de tratá-lo com carinho (…) porque o público vive sem desporto, mas o desporto não pode viver sem público.[44]

A despeito das críticas, e mesmo que a equipa guineense não se tenha sagrado vitoriosa, manteve-se um tom ufanista. Para Francisco Carapito, “se a embaixada esportiva a Dacar não constituiu glória completa, é certo que não nos envergonhou nem arrancou de nós a firme esperança de ver o desporto da Guiné viril e forte”[45]. Numa outra crónica, foi ainda mais enfático, considerando os jogadores como heróis de Portugal:

ficou lá vincada a marca indelével da fibra, do valor dos portugueses que mais uma vez confirmaram as tradições da nossa raça, tradições dum povo tenaz, batalhador e que ainda hoje no campo do desporto, como ontem no campo de batalha, sabe enfrentar com coragem e valentia inigualáveis um adversário que lhe é superior, sem recuar um passo, sem quebra de ânimo, pondo na luta o ardor do sangue luso, dos lusos de antanho - sublime herança - com o ideal firme e inquebrantável da pátria, a defesa das cores nacionais.[46]

Mesmo na adversidade da derrota, manteve-se a leitura de exaltação da identidade e da nação portuguesa conforme concebidas pelos discursos que se alinhavam com os interesses metropolitanos. O relato da final do Torneio Internacional de Páscoa - realizado em Bissau, em 1953, contando com equipas de Dacar, Conacri e Bathurst, é outra boa expressão de como esses eventos eram encarados por alguns setores. Tratou-se de um jogo tenso entre a seleção da casa e a do Senegal. Sobre a parte mais difícil da contenda, narrou-se:

Vibrava ali mais do que a fé desportiva; era o patriotismo ardente de todos nós em um único desejo em todos os corações e enquanto os jogadores se movimentavam heroicamente para honrar as nobres tradições do povo batalhador que nunca recuou perante uma força maior, a Bandeira verde-rubra drapejava lá no alto como a querer incutir-lhes mais confiança e a indicar o caminho da fé e o grito dos séculos - para frente rapazes de Portugal - e assim foi.[47]

Para o cronista, o jogo foi um símbolo do que sempre fora a história de Portugal, cheia de tradições gloriosas que rememoravam as realizações de heróis como Mouzinho e Nuno Alvares. Os jogadores seriam herdeiros, seguidores e representantes do que havia de mais elevado no passado da nação.

A vitória por 3 x 2 fez jus a essa suposta trajetória vitoriosa:

Oh! rubro sangue lusitano! Verde esperança e fé cristã! Ainda somos os mesmos. Não é Bissau que vive hoje uma hora intensa de alegria, mas são todos os portugueses que a sentem e a festejam ruidosamente, exteriorizando o grande contentamento, o prazer que lhe enche a alma. Obrigado rapazes! É o nosso agradecimento comovido, é a única coisa que o embargo da voz deixa que se pronuncie, tão grande a comoção.[48]

Em maio de 1952, o cônsul de Portugal no Senegal organizou um torneio de futebol entre equipas de Dacar, Bissau e São Vicente (Cabo Verde). Aqui vemos outra importante dimensão desses jogos - a promoção de encontros entre províncias portuguesas, um desejo que vinha do tempo de Sarmento Rodrigues, perspetivado como uma estratégia para fortalecer os laços da nação.

Dois anos antes, em 1950, uma equipa do Mindelo já participara num torneio no Senegal, passando também por Bissau para realizar alguns jogos. Essa visita repetiu-se naquele ano de 1952, integrando as comemorações do aniversário do Sport Bissau e Benfica. A delegação de São Vicente tomou parte em partidas de futebol, ténis e vólei, além de fazer demonstrações de críquete e boxe.[49]

No decorrer dos anos 1950, em muitas outras ocasiões houve esses encontros entre equipas das duas províncias, exclusivamente em Bissau, mas também tendo em vista a participação em torneios nas colónias vizinhas. Da mesma forma, houve visitas a Cabo Verde, a primeira vez no Mindelo (1958), a segunda na Praia (1960). No fim da década, houve maior investimento nessas iniciativas graças à ação de um governador muito ligado ao desporto, o já citado Peixoto Correia, até 1958 administrando o arquipélago e, a partir de 1959, a Guiné.

Para Antero de Barros, um dos mais atuantes líderes do campo desportivo cabo-verdiano[50], esses encontros deveriam ser celebrados: “pertencemos à mesma nação: o número de milhas marítimas que separam a Guiné das ilhas de nosso arquipélago é relativamente pequeno. Todavia, o nosso intercâmbio desportivo tem sido quase nulo”[51]. Neste contexto de exaltação da união da nação, na mesma ocasião discursou o governador da Guiné, Silva Tavares:

Queira Deus que com esta jornada se abram novas vias ao intercâmbio entre as duas províncias tão estreitamente ligadas por tão íntimos e fortes laços como são os que vão desde a história comum a uma interdependência nos mais variados campos de atividade de largo e prometedor futuro.[52]

Em geral, os cronistas reforçaram essa compreensão: “As províncias de Cabo Verde e da Guiné estão intimamente ligadas por indestrutíveis laços de vizinhança, de parentesco das suas gentes e de comunhão de interesses materiais e morais, e ainda com mais força de razão o devem estar as suas falanges desportivas”.[53] Todavia, se efusivamente se celebraram os desejados laços de amizade entre as colónias, nessas ocasiões também se acirrou a rivalidade entre as equipas e os adeptos, não somente em função da dinâmica dos jogos, mas também dado o crescimento entre os guineenses, do incómodo com o papel que os cabo-verdianos ocupavam.[54]

Esses conflitos prolongaram-se. Os agentes públicos atuaram para dirimir o problema. Por ocasião de uma das edições da Taça da África Ocidental, quando uma vez mais a final de um dos grupos foi disputada entre as duas seleções, Evandrita, um conhecido repórter de Cabo Verde, ponderou: “diz a história, que somos irmãos de raça, mais ainda sabemos todos que somos filhos da mesma pátria (…). Por que tanto drama por via do desporto? Não somos todos portugueses? Ganhou um, perdeu outro, mas não seguiu a bandeira nacional até Acra?”.[55]

As iniciativas de conciliação nem sempre sensibilizavam torcedores e jogadores, que desejavam mesmo a vitória e a classificação de suas equipas. A dinâmica específica da prática, marcada por padrões de competitividade, não é facilmente ajustável aos posicionamentos idealizados exarados de fora do campo desportivo.

Numa outra ocasião, ofereceu-se até mesmo transporte gratuito para os que desejassem receber a equipa de Cabo Verde no aeroporto de Bissau. O Arauto conclamou: “Desportistas da Guiné! (…). Não nos deixemos arrastar por ressentimentos impróprios. Apoiemos a nossa equipa (…), mas sem desprestigiar os nossos adversários”.[56]

Com o Estádio Sarmento Rodrigues lotado, contando com a presença de muitas autoridades militares e civis, o resultado do jogo não poderia ser mais conciliador: 1 x 1. A tensão que marcou o certame, todavia, não deixou mascarar os conflitos existentes, algo que incomodava os que lançavam olhares para o desporto a partir de uma inspiração lusotropicalista.

A exaltação da união da nação também se percebia num evento que se tornou muito apreciado nas colónias, patrocinado pelo governo português: a excursão de equipas da metrópole. Em fevereiro de 1958, com grande festa, a Académica de Coimbra desembarcou em Bissau. O governador chegou a decretar feriado para que todos pudessem receber a “embaixada portuguesa” no aeroporto e acompanhar as partidas disputadas no Estádio Sarmento Rodrigues.

O Arauto, que noticiou intensamente a visita, celebrou: “A Académica de Coimbra veio por em alvoroço todos os corações portugueses que aqui vibram e palpitam quando tocados pela magia dos grandes ideais”.[57] A representação era de que a metrópole jamais descurara a província, considerada explicitamente parte da nação Portugal, uma prova da distinta perspetiva da colonização portuguesa, algo que não era entendido pelos que pressionavam pelo fim dos laços coloniais.

Para o Bolamense, que como o Arauto dedicou muitas páginas à cobertura do evento, a Académica era uma das agremiações mais importantes do desporto português por valorizar os investimentos tanto nos aspectos físicos, quanto nos intelectuais (por ser ligada à Universidade de Coimbra).[58] Para outro cronista, o que mais a destacava era “a correção e dignidade com que se apresentaram, pela sua forma de jogar leal e desportiva, e ainda pela convivência alegre e delicada com todos com quem trataram”.[59] Na representação, eram modelos de “portuguesidade” a serem seguidos.

A equipa de Coimbra tanto simbolizava os sentimentos de ligação à tradição lusitana quanto ajudava a conformar a ideia de que Portugal se tratava de uma nação multirracial, por contar com jogadores brancos, negros e mestiços, oriundos da metrópole, Cabo Verde, Moçambique, Angola e Macau (Lopes, 1992; Melo, 2017).

De facto, a Académica foi dos clubes portugueses que mais viajou pelas colónias africanas, sempre com muito sucesso (Melo, Bittencourt, 2013). Na Guiné não foi diferente. A população acompanhou tudo com grande fervor. Ao fim, exultou um cronista:

Num traço de sonho ligamos dois momentos geográficos da pátria. Pátria grande pousada nas quatro partidas e pulsando num mesmo ritmo do portuguesismo e de nacionalidade. Nacionalidade que não se compadece com espartilhos geográficos e se projeta, porque a alma dum povo a forjou, para além da contiguidade geográfica, de diferenciação racial, de toda uma série de fatores e pretensas bases da negação de uma realidade: a da Nação Portuguesa (…). É pátria o solo que pisamos. É português o sangue que se dá a terra. E como ele vai o nosso! O sangue quente da Académica de Coimbra!.[60]

Um dos desdobramentos dessas viagens de clubes da metrópole para o continente africano foi o aumento da reivindicação para que agremiações do ultramar participassem na Taça de Portugal. Vale dizer que, nessa altura, já se reconhecia a importância do desporto das províncias; muitas equipas e jogadores delas oriundos destacavam-se em várias modalidades, entre as quais no futebol, hóquei e basquete (Melo, Bittencourt, 2013).

Em 1958, pela primeira vez, tomaram parte na Taça de Portugal agremiações das colónias, o Ferroviário de Angola e o Desportivo de Lourenço Marques. Carlos Correia foi dos que mais reclamou da ausência de equipas da Guiné. O cronista até reconhecia que melhorara o cuidado da metrópole com o desporto provincial, mas sugeria que muito ainda haveria a ser feito. Para ele, a participação na Taça de Portugal contribuiria não somente para o desenvolvimento desportivo local, como também para fortalecer o tão propalado sentimento de integração da nação portuguesa.[61]

O auge da realização de desafios internacionais ocorreu no primeiro ano do governo de Peixoto Correia. Em novembro de 1959, a seleção provincial tomou parte num campeonato mais estruturado. Participou das eliminatórias para escolher as equipas que disputariam a fase final da Taça de Ouro Kwame Nkrumah, promovida pelo Gana recém-independente. O quadrangular foi disputado com equipas de Cabo Verde, da Gâmbia (ainda parte do Reino Unido) e do Senegal (já gozando de um estatuto de autonomia).

A situação era delicada. Um cronista sugeriu que fosse a seleção da Guiné ou a de Cabo Verde a passar para as finais, o importante é que Portugal estivesse representado.[62] Todavia, tratava-se de um evento promovido por um país já independente, com equipas que não eram representações de cidades, mas sim das províncias, em situações em que a ideia de nação seria mobilizada. Mais ainda, deve-se ter em conta que Nkrumah, um dos grandes líderes do pan-africanismo, tinha claro que o futebol poderia servir os seus princípios de consciencialização e descolonização, investindo inclusive no selecionado nacional de Gana, apelidado de Black Stars, como estratégia de propaganda.[63] Não surpreende saber que a PIDE acompanhou tudo de perto.[64]

Até mesmo por este cenário, os discursos sobre o evento procuraram enfatizar ainda mais a união da nação. No primeiro jogo, contra a equipa do Senegal, disputado em Bissau, a expectativa era grande. Francisco Carapito exultou: “Nós queremos acreditar numa vitória das quinas porque isso está nas almas de bons portugueses e, por isso mesmo, que não tremem as pernas na marcha em frente nem se verga o arcabouço perante o peso esmagador das hostes adversárias”.[65] A vitória foi muito celebrada. O tributo foi prestado a uma idealizada gloriosa história de Portugal.

A derrota no segundo jogo, realizado em Dacar, não esmoreceu os ânimos, como se pode ver na crónica de Carapito:

O coração dos portugueses, inundados ainda hoje pelo sangue de Afonso Henriques e Nuno Alvares, é por tradição ardente e audacioso, e é, por descendência, heróico e destemido, confiante e dócil, amante e religioso. Na guerra ou na paz, no lar e no altar, nas romarias, no desporto, em todas as facetas da vida material e espiritual, esse coração dotado de tantas virtudes, como poucos, pulsa e arde em sobressaltos sempre que o nome e as cores de Portugal estejam em causa.[66]

Duas vitórias sobre a seleção da Gâmbia fizeram com que os jogos com Cabo Verde se tornassem cruciais. Os bons resultados acirraram como nunca as expectativas. Um jornalista anónimo (desconfiamos que possa ser Carapito ou Carlos Correa) chegou a exagerar dizendo que “nem na Europa se disputam taças dessa importância”.[67] Por isso, pediu que os patrões deixassem os jogadores descansarem para melhor se prepararem para as partidas decisivas: “Reparem. Quem orienta e decide nasceu em Lisboa. Quem joga e pugna e sua nasceu quer na Guiné Portuguesa, quer em Cabo Verde. Todos honram essa terra com o seu trabalho e esforço de bons portugueses”.[68] A opinião do cronista era menos uma crítica frontal às posições da metrópole e do governo, e mais uma mobilização da tão propalada ideia de que era necessário respeitar as peculiaridades de cada colónia.

Durante a disputa gerou-se como poucas vezes um sentimento de identificação com a província. Publicada como separata pelo Arauto, a foto da seleção tornou-se motivo de culto. Ao examinar as imagens pode-se perceber que a essa altura integravam a equipa poucos brancos, alguns cabo-verdianos que viviam na Guiné, bem como negros guineenses. A falta de maior número de nativos incomodou alguns cronistas, que sugeriam tratar-se de um sinal de que era pouco valorizado o futebol local.

Relacionado com esta questão, havia um problema ocasionado por uma das ocorrências mais interessantes do novo cenário colonial, o maior fluxo de jogadores das províncias para a metrópole, cujo exemplo mais notável é do moçambicano Eusébio.[69] Na Guiné, havia grande festa quando isso ocorria, encarado como um reconhecimento do valor da colónia.[70]

Vale lembrar que, naquele final dos anos 1950, também mobilizava a província os bons resultados das equipas e seleções portuguesas em competições internacionais. Os cronistas não perdiam a oportunidade de saudar tais conquistas de forma ufana: “não é o Benfica que está em jogo, mas sim o prestígio das cinco quinas da gloriosa bicolor bandeira nacional. Gritemos em uníssono, sem vacilar, Portugal, Portugal, Portugal!!”.[71]

De outro lado, esse êxodo de jogadores exponenciava ambiguidade entre o sentimento local e a ideia de nação, a divisão entre as “cores da província” e as “cores nacionais”.[72] Havia os que julgavam que essa “emigração” enfraquecia o futebol guineense, prejudicando a qualidade técnica dos campeonatos, além de reduzir a possibilidade de a seleção provincial lograr sucesso nos desafios internacionais.

Ainda assim, essa nova conformação do selecionado é uma expressão das mudanças de uma província que estava prestes a entrar em ebulição. O intenso quadro de encontros desportivos internacionais, contudo, sofreu um abalo com o aumento dos conflitos anticoloniais na Guiné e com o processo de descolonização dos vizinhos. A partir de 1960, os desafios mudaram de perfil.

Passaram a ser convidadas apenas equipas de territórios ainda não independentes, de Cabo Verde e da metrópole, como a Académica, que participou, nesse mesmo ano, do tradicional Torneio Internacional de Páscoa. Essa edição, que integrou as comemorações henriquinas[73], foi das que mais mobilizou o sentimento de pertença a Portugal, certamente também por ação denotada do governador Peixoto Correia.

A despeito das diversas ações no sentido de manter os laços coloniais, a década de 1960 traria muitas mudanças para a Guiné portuguesa com o exponenciar dos conflitos internos que, naqueles momentos finais dos anos 1950, já davam claros sinais de eclosão. No novo cenário, mudariam também os discursos sobre o desporto, bem como a forma de organização do campo. Este é um tema para outros estudo.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Até à primeira metade dos anos 1940, no âmbito desportivo, encontrava-se a Guiné distante do que ocorria em outras colónias portuguesas. Com a assunção de Sarmento Rodrigues a governador, esse quadro começou a mudar. Mais ainda, a província tornou-se um “laboratório” de algumas alterações da política colonial que seriam implementadas na década seguinte, ligadas às necessidades de reposicionamento de Portugal no cenário internacional, processo desencadeado pelas pressões que sofreu para que entabulasse a descolonização. Nesse cenário, também se inaugurou uma mobilização mais constante do desporto no âmbito de ações governamentais, algo que serviu de inspiração para futuras decisões metropolitanas e iniciativas nas províncias.

Os sentidos atribuídos ao desporto na Guiné dos anos 1950 são uma expressão desse quadro. Percebe-se uma continuidade das ideias lançadas por Sarmento Rodrigues, enfatizadas pela operação mais explícita de noções advindas do lusotropicalismo.

Naquela década, percebe-se uma maior estruturação do desporto, ainda que com debilidades, diferenças entre as modalidades (avançando mais o futebol) e muito dependente do Estado, até porque, de facto, se mantiveram certas fragilidades económicas e peculiaridades societárias que dificultavam a consolidação de um mercado de entretenimentos, dimensão importante no que tange à manutenção das agremiações e iniciativas desportivas. Obviamente isso também se dava em função da própria dinâmica colonial, que excluía grande parte da população e acentuava as desigualdades, mesmo que algumas melhorias nos padrões de vida tenham sido observadas em função das mudanças na política metropolitana.

A participação de equipas da Guiné em desafios internacionais, a vinda de equipas da metrópole e a ida de jogadores para Portugal continental foram ocorrências mobilizadas para exaltar as supostas contribuições do colonizador para o progresso e civilização da província. Essas ocasiões, contudo, também acentuaram algumas contradições e ambiguidades, na medida que expunham a falta de estrutura da colónia, acirravam o conflito entre colónias portuguesas (no caso dos encontros com Cabo Verde) e permitiam contactos com povos que já estavam entabulando processos de independência.

O envolvimento com a prática desportiva, portanto, já prenunciava uma dimensão que iria crescer na década de 1960: seria tanto mobilizada pelos que desejavam manter a ordem colonial, quanto pelos que desejavam a libertação da Guiné.

 

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Recebido a 13-01-2016. Aceite para publicação a 14-07-2017.

 

[1] Ecos da Guiné: Boletim, ano 1, n.º 1, jul. 1950, p. 6.

[2] Para um debate sobre o conceito, v. Anderson (1991). Há que ter em conta a relevância da representação de império na construção da ideia de nação portuguesa. Ao contrário de outras experiências coloniais, no caso de Portugal houve uma sobreposição entre as duas noções (Pimenta, 2010). No pós 2.ª Grande Guerra, tornou-se mais intensa a mobilização da ideia de nação, menos a de império, ainda que em diversos cenários continuassem a ser simultaneamente utilizadas.

[3] Sarmento Rodrigues foi mesmo um dos responsáveis por promover a aproximação do regime de Salazar com as ideias de Gilberto Freyre.

[4] Para mais informações, v. Leonard (1997).

[5] Na análise/interpretação, teve-se em conta as sugestões de Tania Regina de Luca (2005), considerando-se o que foi veiculado como representações relacionadas com o perfil do cronista e/ou periódico.

[6] Sem discordar frontalmente da posição da autora, devemos ter em conta que houve algumas críticas veiculadas pelos periódicos guineenses, como veremos mais adiante.

[7] Para mais informações, v. Pimenta (2010).

[8] Sobre a relevância do massacre no que tange à organização de movimentos de contestação, v. Silva (2006).

[9] Para mais informações, v. Pinto (1999) e Silva (2006).

[10] As relações entre Cabo Verde e a Guiné vinham de muito tempo, desde o século xv. Um maior número de cabo-verdianos chegou à colónia a partir da segunda metade dos anos 1930. Integraram um estrato intermediário, atuando no governo e no comércio.

[11] Em 1946, Sarmento Rodrigues extinguiu a categoria de “assimilados”, mantendo apenas a de “indígenas” e “cidadãos/civilizados” (Silva, 2006). Cardoso (1992) afirma que essa divisão, mais até do que em outras colónias lusitanas, marcou a história da Guiné colonial, consagrando a discriminação racial. O regime de indigenato foi extinto apenas em 1961.

[12] Para um debate sobre as mudanças urbanas na Guiné, v. Milheiro e Dias (2009).

[13] Arauto, 31-12-1952, p. 4.

[14] Arauto, 24-1-1953, p. 4.

[15] A capital tinha outros dois clubes importantes, a União Desportiva Internacional de Bissau (UDIB) e o Sporting de Bissau. Sobre estas agremiações, v. Melo (2014).

[16] Arauto, 01-03-1953, p. 3.

[17] Arauto, 25-1-1954, p. 3.

[18] Arauto, 07-02-1954, p. 3.

[19] Para mais informações, v. Neves (1998).

[20] Boletim Geral das Colônias, v. 26, n.º 297, 1950, p. 133.

[21] Arauto, 14-08-1954, p. 4.

[22] Arauto, 03-11-1955, p. 2. Vale citar que houve também algumas provas de ciclismo e automobilismo, essa última pela primeira vez realizada, com grande sucesso, em 1957 (I Rali de Carros e Motos).

[23] Bolamense, ano 1, n.º 1, ago. 1956, p. 3.

[24] Bolamense, ano 1, n.º 7, fev. 1957, p. 7.

[25] Bolamense, ano 1, n.º 7, fev. 1957, p. 7.

[26] Bolamense, ano 1, n.º 7, fev. 1957, p. 7.

[27] Houve tentativas de promover campeonatos no chamado “defeso”. Por vezes, essas iniciativas até lograram algum sucesso, mas era, de facto, difícil realizar os jogos em função das condições climáticas.

[28] Arauto, 03-08-1960, p. 3.

[29] Havia sedes de clubes e competições em Bissau, Bolama, Bafatá, Mansoa, Farim, Catió e Canchungo.

[30] Um exemplo pode ser visto na série de selos “Modalidades Desportivas” (1962). Para mais informações, v. Melo (2012).

[31] Vale citar que foi notável, por esse motivo, o envolvimento de outra importante entidade com o desenvolvimento desportivo da província, a Mocidade Portuguesa.

[32] Ecos da Guiné: Boletim, ano 1, n.º 4, out. 1950, p. 30.

[33] Ecos da Guiné: Boletim, ano 2, n.º 16 e 17, nov./dez. 1951, p. 36.

[34] Ecos da Guiné: Boletim, ano 1, n.º 5, nov. 1950, p. 24.

[35] Um panorama desses debates pode ser visto nas edições de novembro e dezembro de 1957 e janeiro de 1958 do Bolamense, nas quais se publicaram entrevistas dos presidentes do Sporting, Benfica e UDIB.

[36] Arauto, 07-02-1954, p. 2.

[37] Arauto, 04-09-1955, p. 3.

[38] Arauto, 06-07-1955, p. 2.

[39] Arauto, 06-07-1955, p. 2.

[40] Disponível em:  http://www.idesporto.pt/DATA/DOCS/LEGISLACAO/doc_h47.pdf . Consultado em 12-08-2015.

[41] Para um debate sobre o tema, v. Domingos (2013).

[42] Vale lembrar que, no passado, na região houvera conflitos diversos com franceses e ingleses (Henriques, 1999).

[43] Arauto, 03-04-1952, p. 5.

[44] Arauto, 03-04-1952, p. 5.

[45] Arauto, 17-04-1952, p. 3.

[46] Arauto, 18-04-1952, p. 4.

[47] Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VIII, n.º 31, 1953, p. 575.

[48] Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. VIII, n.º 31, 1953, p. 575.

[49] Arauto, 27-05-1952, p. 4.

[50] Para informações sobre o desporto em Cabo Verde, v. Melo (2011).

[51] Bolamense, ano 2, n.º 19, fev. 1958, p. 3.

[52] Bolamense, ano 2, n.º 19, fev. 1958, p. 8.

[53] Arauto, 10-04-1960, p. 5. Vale observar como, no futuro, esse elo entre as colónias seria aventado por outro líder político que também usou o desporto como estratégia de mobilização, só que com o intuito de dar fim à relação colonial - Amílcar Cabral (Melo, 2016).

[54] Os cabo-verdianos não estavam submetidos às restrições que pendiam sobre os guineenses e eram por vezes identificados como colonizadores por ocuparem postos intermediários na administração e comércio.

[55] Arauto, 16-02-1960, p. 4.

[56] Arauto, 14-04-1960, p. 4.

[57] Arauto, 14-02-1958, p. 1.

[58] Bolamense, ano 2, n.º 19, fev. 1957.

[59] Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. XIII, n.º 50, 1958, p. 228.

[60] Arauto, 14-02-1958, p. 4.

[61] Arauto, 28-08-1960, p. 4. Somente na edição de 1964/1965 se deu a tão reivindicada participação de uma equipa da Guiné na Taça de Portugal, a UDIB, celebrada como “um notável gesto de lusitanidade” da Federação Portuguesa de Futebol (Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, v. 20, n.º 79, 1965, p. 312).

[62] Arauto, 01-11-1959, p. 5.

[63] Para um debate sobre o tema, v. post de Miguel Lourenço Pereira disponível em:  http://www.futebolmagazine.com/can-o-torneio-que-descolonizou-africa . Consultado em: 13-08-2015. Está em desenvolvimento um projeto de pesquisa sobre o assunto, de autoria de Jonathan Dias Portela. V.  http://www.snh2015.anpuh.org/simposio/view?ID_SIMPOSIO=2120 . Consultado em: 20-04-2017.

[64] Em outros momentos identificamos a interferência policial nos eventos desportivos, o que chegou a incomodar alguns jornalistas. A PIDE instalou-se definitivamente na Guiné em 1958 (Silva, 2006).

[65] Arauto, 01-11-1959, p. 5.

[66] Arauto, 10-11-1959, p. 3.

[67] Arauto, 21-11-1959, p. 2.

[68] Arauto, 20-11-1959, p. 3.

[69] Para um debate sobre o tema, v. Cardão (2014).

[70] Esse foi o caso de Marciano Antonio Costa, que saiu do Benfica de Bissau para atuar no Covilhã, Lusitano, Belenenses, Braga, Marítimo, Feirense e Olhanense. Ver também a matéria sobre a ida para a metrópole do jogador João Lopes Cardoso (conhecido como Nhartanga), que atuou no Benfica, Covilhã, Marinhense, Beira-Mar, Penafiel, Nazarenos e Alba (Arauto, 21-10-1960, p. 3).

[71] Arauto, 29-11-1960, p. 5.

[72] Arauto, 01-03-1960, p. 3.

[73] Trata-se das comemorações do quinto centenário da morte do infante D. Henrique, uma ocasião que o governo português utilizou para fazer elegia de sua suposta contribuição para as suas províncias ultramarinas.

 

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