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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.224 Lisboa set. 2017

 

RECENSÃO

ALMEIDA, Pedro Tavares de, e SILVEIRA E SOUSA, Paulo (orgs.)

Do Reino à Administração Interna. História de um Ministério (1736-2012),

Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda e Ministério da Administração Interna, 2015, 578 pp.

ISBN 9789722723244

 

António Manuel Hespanha*

*CEDIS, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Campus de Campolide — 1099-032 Lisboa, Portugal. E-mail: amhmeister@gmail.com

 

Em Portugal, a história da administração pública tem sido uma parentepobre na atual história dos aparelhos políticos. De alguma maneira, esta situação é comum a outros países, não obstante as obras notáveis de Roberto Rufilli (1989), Guido Melis (1996 e 2000) e Sabino Cassese (para Itália), Guy Thuillier (1980 e 2010), Pierre Legendre (1992) e Grégoire Bigot (para França), Erk-Volkmar Heyen (1982), H. Hattenhauer (1980) e K. ­Weidenfeld (2010) (para a Alemanha). A explicação para estes défices talvez seja a da prevalência, ainda hoje, da ideia do carácter “adjetivo” das funções administrativas, que seriam um mero reflexo inerte das determinações do núcleo duro do Estado – a legislação e o governo. Mesmo antes de Michel Foucault (1997) ter chamado a atenção para a centralidade da função reguladora dos mecanismos de “governo doce”, para a ilusão de “não governo”, já outros – como, em França, Jean-Pierre Le Crom (2011) e os seus seguidores – se tinham dedicado a levantar a normação social e os efeitos de poder produzidos nas repartições.

Da nova geração, a maior parte dos historiadores da administração contemporânea, trabalha com ou próximo de Pedro Tavares de Almeida, como é o caso dos seus colaboradores na obra que agora refiro (nomeadamente Paulo Jorge Fernandes, Rui Branco, Paulo Silveira e Sousa, Diego Cerezales). Fora deste grupo da FCSH, salientaria as obra de José Subtil, Luís Espinha da Silveira, José Viriato Capela, e a valiosa tese de doutoramento de Joana Estorninho (A Cultura Burocrática Ministerial: Repartições, Empregados e Quotidiano das Secretarias de Estado na Primeira Metade do Século XIX) sobre as imagens da burocracia no século XIX, infelizmente inédita.1

O presente volume apresenta um panorama geral do núcleo central da administração civil em Portugal durante os últimos 250 anos. Como os autores dominam bem o estado da arte da história política e institucional, evitam com mestria equívocosa anacronismos frequentes, desenhando muito bem o lugar da “administração” no quadro geral dos instrumentos oficiais de governo, notando bem as diferenças entre a matriz política administrativa de Antigo Regime e a que se vai implantando a partir das reformas liberais.

A perspetiva em que se colocam é preferentemente a de uma história “interna”, voltada para os modelos institucionais, para a tipologia dos objetivos de governo (administrar, coordenar, proteger, vigiar, prevenir, auxiliar e prover), para as estruturas humanas da administração e para a prosopografia dos funcionários, campo em que alguns dos autores têm importantes trabalhos prévios. De fora ficam os aspetos menos “palpáveis”, relacionados com as rotinas administrativas, as disposições arquitetónicas e decorativas dos ambientes, as imagens dos funcionários e as representações sobre eles. Temas em parte cobertos pelo livro de Joana Estorninho, no período de que se ocupa. Também a particular epistemologia do funcionário – se se pode falar disso em geral, sem se distinguir perfis de agentes (os “administrativos”, os “técnicos”, os “políticos”) – ficade fora do plano de trabalho, embora haja alguns estudos que poderiam ser usados como “princípio de conversa” (António Nóvoa, Maria de Lurdes Rodrigues, Rui Branco). Compreensivelmente, os autores não se ocupam – neste plano do levantamento das estruturas intelectuais dos administradores – dos modelos do direito administrativo, de que fiz uma descrição rápida em 2005.2

O facto de os coordenadores e muitos dos colaboradores serem especialistas de história política e de história social, abre-lhesas perspetivas para o ambiente externo da administração. Mas não os anima a anteciparem grandes quadros explicativos, o que é muito sensato num estádio ainda bastante insuficiente de trabalho das fontes.

Em suma, um livro de grande qualidade e de utilidade manifesta, a ser desenvolvido por estudos monográficos, uns explicitamente sugeridos, outros facilmente despistáveis numa leitura atenta da obra.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BIGOT, G. (2010),L’administration française, droit etsociété, t. I, 1789-1870, Litec.         [ Links ]

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FOUCAULT, M. (1997), Il faut défendre lasociété, Paris, Gallimard.         [ Links ]

HATTENHAUER, H. (1980), Geschichtedes Beamtentums (Handbuch des öffentlichen Dienstes), vol. 1, Heymann, Köln 1980.         [ Links ]

HESPANHA, A.M. (2017), O Direito Imaginado para um Estado Imaginário. Mitos Doutrinais e Realidades Institucionais do Modelo Constitucional do Liberalismo Monárquico Português, s.l., s.n.         [ Links ]

HEYEN, E.V. (1982), Geschichte der Verwaltungsrechtswissenschaft in Europa. Stand und Probleme der Forschung.         [ Links ]

LE CROM, J.P. (2011), “Le rôle des administrations centrales dans la fabrication des normes”. Droit et société, 79. Disponível em https://www.cairn.info/revue-droit-et-societe-2011-3.htm.         [ Links ]

LEGENDRE, P. (1992), Trésor historique de l’Étaten France. L’administration classique, Paris, Fayard,         [ Links ] 1992.

MELIS, G. (1996), Storia dell’amministrazione italiana. 1861-1993, Bolonha, Il Mulino.         [ Links ]

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RUFILLI, R. (1989), “Problemi dell’organizzazione amministrativa nell’Italia liberale”. In G. Nobili Schiera, Istituzioni, societè, Stato. Scritti di politica e di ­storia di Roberto Ruffilli, vol. I, Bolonha, Il Mulino.         [ Links ]

THUILLIER, G. (1980), Bureaucratie etbureaucrates en France au XIXe siècle, Genève, Droz.         [ Links ]

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WEIDENFELD, K. (2010), Histoire dudroit administratif du XIVe à nos jours, Economica.         [ Links ]

 

NOTAS

 

1Há ainda estudos sobre alguns órgãos da administração central de Antigo Regime, como o Conselho Ultramarino (Erik Myrup e Edval de Souza Barros), a Casa das Rainhas, o Desembargo do Paço (José Subtil), a Mesa da Consciência e Ordens (Martim de Albuquerque).

2“O direito administrativo como emergência de um governo ativo (c. 1800-c. 1910)”, agora em A. M. Hespanha (2017).

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