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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.224 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO

Entre Bismarck e Beveridge: Sociedade Civil e Estado-Providência em Portugal (1960-2011)

Between Bismarck and Beveridge: Civil Society and Welfare State in Portugal (1960-2011)

 

Rui Branco*

* IPRI, Departamento de Estudos Políticos, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Avenida de Berna, 26-C, 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: rui.branco@fcsh.unl.pt

 

RESUMO

Os serviços sociais constituem uma parte desproporcionadamente elevada da sociedade civil portuguesa. A que se deve tal dimensão? À provisão de serviços sociais pela sociedade civil em parceria com o Estado-Providência e à sua participação num regime neo-corporativo de policy-making. A sociedade civil social cresceu com a revolução social de Abril de 1974, com a consolidação do Estado-Providência desde 1984 e com a europeização das políticas sociais desde 1986. Lentamente, o regime democrático juntou previdência e assistência, reconhendo-as como direito social de cidadania. A sociedade civil de welfare foi instrumental no alcançar deste objetivo. Porém, a sociedade civil social não foi uniformemente bem sucedida. No geral, sempre que a proteção é definida enquanto direito social universal, financiado, gerido e fornecido pelo Estado sobra pouco espaço para a sociedade civil, exceto de forma residual.

Palavras-Chave: sociedade civil; Estado-Providência; IPSS; democracia.

 

ABSTRACT

Social services are a disproportionate part of the Portuguese civil society. How to explain this? By their provision of social services in partnership with the state and their participation in a neo-corporatist policy-making regime. Welfare civil society hugely expanded after the 1974 social revolution, with the consolidation of the welfare state from 1984 and with the Europeanization of social policy from 1986. Slowly, the democratic regime coupled social security and social assistance as social citizenship rights. The welfare civil society was instrumental in this. However, welfare civil society was not uniformly successful. Generally speaking, whenever social protection is defined as a universal social right, financed, managed and provided by the state, this leaves little room for civil society, except in a residual manner.

Keywords: Civil Society; Welfare State; third sector; democracy.

 

INTRODUÇÃO1

 

No Portugal democrático, desde 1974, as associações de proteção social e saúde foram criadas em grande número: 5 060 (9,7%) do total de 51 958.2 Em 2006, as associações de serviços sociais constituíam 13,7%, as de saúde 1,4% e as religiosas 15,6% das 45 543 associações existentes (INE, 2006, p. 12). 48% da força de trabalho do sector associativo emprega-se na prestação de serviços sociais (Franco et al., 2005, p. 16). Segundo o relatório oficial Carta Social, a provisão de serviços sociais é dominada pelas Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), detentoras de 80% da rede solidária de equipamentos sociais, que em 2011 serviu cerca de 620 000 utentes.

Os serviços sociais constituem uma parte desproporcionadamente elevada da sociedade civil portuguesa.3 Este sector associativo é bastante volumoso quer quando se considera a composição da sociedade civil do país, quer quando se comparam os perfis associativos dos países da OCDE (Branco, 2017, elaboração a partir de Salamon et al., 1999, p. 479 e Franco et al., 2005, pp. 11-16; no mesmo sentido, Glatzer, 2013, p. 11). Por outro lado, a expressão organizada deste sector associativo foi incorporado pelo Estado democrático de forma variável de acordo com a área de proteção social, tendo no caso mais forte originado um sistema neo-corporativo de decisão e aplicação de políticas públicas.

A que se deve tal dimensão, relevância e variação? Argumento que o legado do regime autoritário – incorporação variável do tecido associativo nas políticas públicas; ausência de direitos sociais de cidadania com desconexão entre previdência e assistência; tradição assistencial rejeitando a participação direta das comunidades; e uma tradição reformista de técnicos de serviço social de orientação católica e progressista – influenciou o espaço de opções disponíveis durante o período democrático. O carácter recombinante da mudança pós-transicional sujeitou os elementos herdados do autoritarismo a uma pressão adaptativa imposta pela (nova) lógica sistémica da revolução política e social, geradora dos seus próprios legados, originando padrões variados de incorporação da sociedade civil em instituições e políticas de proteção social, cuja arquitetura se revelou híbrida, conjugando diferentes princípios de proteção social (Cerami, 2009).

Com efeito, a sociedade civil de welfare cresceu com a revolução social de Abril de 1974, favorecida, de início, pelo contexto de elevada mobilização popular política e associativa, e, depois, pela consolidação de um Estado-Providência democrático que combina a inspiração Beveridgiana, social-democrata e universalista com o legado Bismarckiano. A provisão de serviços sociais pela sociedade civil em parceria com o Estado-Providência é uma característica do regime de bem-estar democrático. Embora lentamente e com falhas, a democracia criou pela primeira vez uma cidadania social, almejando superar a divisão tradicional que o Estado Novo erguera entre previdência (seguro social) e assistência (ação social). As prestações não contributivas são reconhecidas enquanto direito social de cidadania. A sociedade civil de welfare ajudou a ­realização deste objetivo, seja no circuito de provisão das prestações pecuniárias, seja na provisão direta de serviços, em troca de significativos apoios públicos, nacionais e comunitários.

Porém, a sociedade civil de welfare não foi uniformemente bem sucedida no período democrático. Se as IPSS são responsáveis por 48% da força de trabalho empregue no sector associativo, as associações provisoras de cuidados de saúde empregam apenas 2% (Franco et al., 2005, p. 16). O número de mutualidades diminui ao longo do período, enquanto o universo dos seus filiados estagnou. Assim, este artigo procura também explicar a variação dentro da sociedade civil de welfare no período democrático, por área de política social: elevada criação de organizações na ação social (o universo IPSS), reduzida nos cuidados de saúde (IPSS e mutualidades) e baixa no seguro social (sindicatos e mutualidades). Esta variação within-case resulta de diferentes padrões de incorporação e interação entre o Estado e a sociedade civil em cada um das áreas de política social. No geral, sempre que a proteção é definida enquanto direito social universal, financiado, gerido e fornecido pelo Estado sobra pouco espaço para a sociedade civil, exceto de forma residual.

 

O LEGADO AUTORITÁRIO DO ESTADO NOVO

 

No final do Estado Novo, a importância da sociedade civil na provisão social era variada: central no caso das instituições particulares de assistência, menor no das mutualidades. Tal exprimia diferentes graus da sua incorporação nos regimes de Assistência e Previdência e distintas formas de integração ou repressão política e institucional.

No campo da assistência, a sociedade civil tinha um papel hegemónico na provisão. As 1264 instituições particulares existentes, maioritariamente católicas, repartiam-se em 320 Misericórdias, 524 associações de beneficência e 420 institutos de utilidade local (Rodrigues, 1999, p. 141; Ferreira, 2000, p. 159). Já na previdência, as mutualidades desempenhavam um papel marginal e decrescente (Carolo, 2006, p. 95). Historicamente mobilizadoras das classes médias e de trabalhadores industriais (e não dos trabalhadores rurais, profissionais liberais ou de serviço doméstico), tinham crescido na República com os seguros sociais obrigatórios. Em 1930, cerca de 522 filiavam 586 000. Em 1970 eram apenas 162, filiando 588 000.

Se as instituições particulares beneficiavam da lógica de subsidiariedade do catolicismo social e de um quadro legal que estabelecia a Igreja na provisão de assistência, já as mutualidades e as cooperativas foram sujeitas a estrito controlo corporativo e administrativo, vistas como focos de subversão política, suspeitas de fomentarem princípios republicanos e socialistas (Ferreira, 2000, p. 160). A origem desta diferença – um dos legados do período autoritário à democracia – remonta ao início dos anos 60, quando os regimes de Previdência e de Assistência foram reformados em sentidos divergentes.

O Estatuto do Trabalho Nacional (1933) e a Lei n.º 1884 (1935) seguiam a linha Bismarckiana de incorporação autoritária e repressiva do mundo do trabalho, em molde social-católico corporativo. A previdência social induzia a mesma deliberada fragmentação (os riscos cobertos diferiam conforme se tratasse de trabalhadores do comércio e indústria, rurais ou pescadores, para além de variações sectoriais e inter-empresa), com níveis muito baixos de prestações e cobertura (apenas 30% dos trabalhadores industriais e 20% do rurais em 1959, v. Huber e Stephens, 2012, p. 227). O financiamento corria a cargo de trabalhadores e empregadores; ao Estado cabia um papel de supervisão e direção da iniciativa privada.

A reforma de 1962 (Lei n.º 2115) iniciou a inversão da dispersão institucional corporativa e reforçou o papel regulador, financiador e provisor do Estado. Apesar de continuar a ser ocupacional no financiamento e cobertura, consagram-se organismos de inscrição obrigatória (não incluindo as mutualidades) cuja base distrital ou nacional mina o carácter corporativo das caixas de previdência por profissões ou sectores económicos. É clara a tendência expansiva na cobertura, com a uniformização dos regimes dos trabalhadores por conta de outrem, a integração dos sistemas com a possibilidade de alargamento aos agrícolas e independentes do regime geral, reforço da intervenção do Estado no financiamento e na gestão tripartida dos fundos, e os primeiros traços redistributivos com minúsculas prestações não contributivas (Lucena, 1976, pp. 153-173; Maia, 1985, pp. 59-82).

O Marcelismo reforçou esta dinâmica. Isolado, ameaçado pela guerra colonial e desestabilizado pela emigração maciça, o regime procurou legitimar-se pela transfiguração em Estado Social (Patriarca, 2004; Pereira, 2009). Este surge como condição do desenvolvimento económico e pacificação do mundo rural, cujo sucesso escoraria a legitimidade do regime de forma a auferir do beneplácito popular. Estamos perante um “pacto social simulado” (Fernandes, 2006), pois não envolveu “a participação autónoma dos destinatários principais”, os trabalhadores, e visou, não compatibilizar capitalismo e democracia, mas torná-la “dispensável e substituível por uma forma de corporativismo autoritário” (Santos, 1987, p 33; Guibentif, 1985, p. 957).

Apesar da expansão, em 1970, apenas 60% da população ativa estava coberta (Huber and Stephens, 2012, p. 227); em 1974 a cobertura não excedia os 42% do total da população (cálculos a partir de Capucha, s/d, p. 137). Não se pode, pois, falar de efetiva universalização quando se mantinha a ­exclusão prática dos trabalhadores independentes, a inclusão limitada dos trabalhadores rurais e de serviço doméstico, e a falta de cobertura dos riscos acidente de trabalho e desemprego, além da inexistência de salário mínimo (Carolo, 2006, pp. 84-85, 95).

Em 1944 (Lei n.º 1998) a assistência social não fora concebida como direito social ou proteção mínima dos pobres ou excluídos do mercado de trabalho: prevalecia a repressão à mendicidade, a manutenção da ordem e a regulação subsidiária do mercado de trabalho sobre a prevenção das causas da indigência. Era complementar do seguro social da previdência (Maia, 1985, pp. 21-22; Pimentel, 1999; Campos e Rocha, 2013, p. 14). Visava não o indivíduo, mas categorias sociais: família, menores, idosos, inválidos. As prestações consistiam em serviços sociais e cuidados de saúde concedidas ao deserving poor, após inquérito assistencial, em centros sociais, casas de trabalho, cantinas escolares, escolas para órfãos, colónias de férias, etc. O Estado assumia um papel supletivo em relação à sociedade civil: família, Instituições Particulares de Assistência, Misericórdias, casas do povo e mutualidades, coordenados, centralmente, por grande número de institutos públicos (como o Instituto de Apoio à Família), pela Direção-Geral e pela Inspeção da Assistência Social.

Ao invés da reforma da previdência, e apesar da descoordenação, dispersão institucional, e baixos níveis de proteção, recursos e cobertura, o Estatuto da Assistência e Saúde de 1963 (Lei n.º 2120) mudou pouco face a 1944 (Maia, 1985, p. 26). Insiste na responsabilidade do assistido e da família, no imperativo de formação moral e no dever do trabalho. Continuam o carácter supletivo do Estado em relação à sociedade civil, e a natureza categorial, complementar e emergencial da assistência. Mantém-se a intervenção do Estado na criação, modificação ou extinção das instituições, fiscalização da elegibilidade e controlo dos mandatos dos corpos dirigentes, aprovação de quadros de pessoal, orçamento e contas anuais – regime imposto pelo Código Administrativo de 1940 (Rodrigues, 1999, pp. 158-180). No final do Estado Novo, falhada a reforma de 1965-1972 (Coutinho, 1993), persistia a limitada e residual assistência social aos fora do mercado de trabalho ou sem atividade económica, em situações de pobreza ou carência (domésticas, reformados, inválidos, idosos e indigentes), vítima da desproporção entre necessidades e recursos, não garantido direitos sociais, até porque a oferta territorial de equipamentos sociais era fraca e assimétrica (Maia, 1985, p. 27).

O autoritarismo deixa ao período democrático um legado importante, embora ambivalente: incorporação variável da sociedade civil nas políticas públicas; ausência de direitos sociais de cidadania, com desconexão entre previdência e assistência; tradição assistencial que rejeita a participação direta das comunidades na identificação de problemas, carências e na mobilização de recursos ajustados a uma resposta eficaz; tradição reformista de técnicos de serviço social, arquitetos e engenheiros de orientação católica e progressista na Secretaria de Estado para a Habitação e no Instituto de Apoio à Família, com ligações aos grupos de oposição política próximos das CDE (Fernandes e Branco, 2017); des-sincronia entre as categorias da política de assistência social e uma realidade alterada por décadas de transformação social e económica dissolvente das tradicionais relações familiares e comunitárias a favor de relações individualizantes, assalariadas, urbanas e secularizadas.

 

A RUTURA REVOLUCIONÁRIA, DEMOCRÁTICA E CONSTITUCIONAL: 1974-1976

 

Após a revolução social do 25 de Abril de 1974, a criação de um Estado-Providência deu corpo a uma relação nova, democrática, entre o governo e os cidadãos. O Estado assume a garantia do bem-estar da população de acordo com um ideal de cidadania que casava direitos civis e políticos aos económicos e sociais. A brusca transição revolucionária foi acompanhada de forte mobilização popular, associativa e política (Fernandes, 2015).

A democratização alargou dramaticamente a influência política e económica dos grupos sociais maioritários, populares. A cidadania social expandiu-se. O catálogo de reivindicações sociais verteu-se em medidas de política social e instituições igualitárias e universalistas. Desde maio de 1974, os governos adotam medidas em rutura com o passado autoritário: criação do salário mínimo; garantia do poder de compra das classes mais pobres; proteção na invalidez, orfandade, maternidade e primeira infância; criação de um sistema universal e integrado de segurança social, incluindo a assistência social qua direito social; “13.º mês” das pensões; aumento do abono de família; pensão social (primeira prestação pecuniária não contributiva do sistema de proteção social); em 1975, subsídio de desemprego rudimentar (expandido apenas em 1989), separação dos serviços médico-sociais das caixas de previdência e sua entrega a administrações regionais de saúde, nacionalização dos hospitais das misericórdias, criação do SNS em 1979. As políticas públicas responderam à política, e o regime auferiu legitimidade (Guibentif, 1985, p. 958).

A Constituição de 1976 indica o Estado-Providência como forma de transição para um Estado e sociedade socialistas. Em termos europeus, é a que maior importância dá a objetivos de política social e a que mais extensivamente reconhece direitos de proteção social (Magalhães, 2013). Inclui um elenco de direitos universais incondicionais – v.g., segurança social, cuidados de saúde, emprego, habitação, ambiente e qualidade de vida – e direitos categoriais dirigidos a certos grupos ou problemas sociais, como a família, maternidade, infância, deficiência ou velhice. Indica que o Estado deve cumprir tais obrigações através de um sistema unificado de segurança social, de um serviço nacional de saúde universal e gratuito, educação básica universal e gratuita, e políticas de habitação e arrendamento compatíveis com os rendimentos das famílias.

A linguagem da CRP rejeita o assistencialismo sem direitos do Estado Novo e integra previdência e assistência enquanto segurança social, à qual associa explicitamente as “instituições privadas de solidariedade social” não lucrativas (art.º 63.º) – um bom exemplo de transformação institucional recombinante. Embora este traço exprima um elemento de continuidade, ele ocorre no contexto de uma lógica política diferente. É que, nomeadamente, o Estado deixa de ser supletivo em relação às IPSS (as mutualidades, de início excluídas por beneficiarem os seus associados, foram depois incluídas), doravante reconhecidas como adjuvantes na realização dos objetivos da segurança social (embora excluídas da saúde e habitação, v. Almeida, 2010, p. 155), reconhecendo-se-lhes utilidade pública e impondo-lhes regulamentação por lei e fiscalização. A CRP não limita a integração da sociedade civil nas políticas públicas às IPSS, pois garante aos sindicatos direitos de participação e negociação nas instituições da segurança social (embora exclua as organizações de empregadores). As sucessivas revisões constitucionais consolidaram o compromisso do Estado com uma economia mista na produção de welfare, na qual as IPSS desempenham um papel de relevo (Ferreira, 2000, pp. 168 e 176; Almeida, 2010, pp. 155-156).

Após a revolução, as relações entre o Estado Providência e a sociedade civil de welfare evoluirão de forma diferenciada. No tocante ao seguro social, o Estado hegemoniza a provisão, deixando pouco espaço para a sociedade civil (aqui, sindicatos e mutualidades), ou para o mercado. Apesar da possibilidade constitucional dos sindicatos gerirem prestações e serviços sociais dos filiados (como o subsídio de desemprego), tal nunca se concretizou (Leal, 1985, p. 939; Stoleroff, 2001, p. 174). As mutualidades, que pagam prestações como pensões e seguros de saúde, não foram ativadas pela transição política. Não se tratou, como no Estado Novo, de repressão política ou administrativa (as mutualidades foram excluídas da nacionalização do sector segurador em março de 1975). Desta feita, as mutualidades foram crowded out pelo regime de política da segurança social (seguro social obrigatório público, universal na cobertura pessoal e material) e, pouco mais tarde, na saúde com o SNS. O número de mutualidades reduziu-se de 162 para 128 entre 1970 e 1975, diminuindo o número de filiados para 568 000 (Ferreira, 2000, p. 285).

No respeitante à provisão de serviços e equipamentos sociais, a dinâmia da sociedade civil, nomeadamente em contexto urbano (comissões de moradores, associações de pensionistas e de solidariedade), explodiram em atividade, na linha dos sectores associativos populares de massas, sindicatos e cooperativas (Downs, 1983; Hammond, 1988). Estes movimentos não reclamavam do Estado que assumisse a provisão direta, antes chamavam a si a resolução das carências, pedindo apoio aos municípios ou ao exército para a criação de equipamentos sociais (Pinto, 2013, p. 214). Estes grupos lançam-se na construção voluntária e comunitária de equipamentos locais, como escolas, lares, centros de dia, clínicas de cuidados de saúde primários, e mesmo paragens de autocarro cobertas, fontanários e lavadouros (Glatzer, 2013, p. 6). Um estudo de 1978 conta 317 equipamentos sociais criados pelas organizações populares de base desde a Revolução (83% na área da infância, 9% para crianças deficientes e 8% para idosos – ilustrando a necessidade de conciliar a crescente participação da mulher no mercado de trabalho com a vida familiar, v. Fishman, 2010), constituindo 30% da oferta de equipamentos sociais na altura, servindo cerca de 20 000 pessoas, concentrados nas áreas urbanas de Lisboa, Porto e Setúbal em que a dinâmica popular foi mais expressiva (Rodrigues, 1999, pp. 202-203). Um bom exemplo é o das cooperativas de educação especial para crianças deficientes (CERCI) – das 48 existentes em 1997, 91% foram criadas entre 1975 e 1980 – da iniciativa de pais, familiares e técnicos de deficiência mental, apoiada pelas autarquias (Paiva, 1997, p. 150)

O período revolucionário deixou um legado importante para o futuro democrático. Durante a revolução, sob pressão dos movimentos populares emergentes, o grupo católico progressista de técnicos de serviço social, arquitetos, médicos e engenheiros, baseado nos Ministérios das Obras Públicas e Assuntos Sociais, ligados ao MDP-CDE, criou o Serviço Ambulatório de Apoio Local (SAAL) para apoiar projetos de habitação e serviços sociais em comunidades pobres urbanas, em aliança com os movimentos associativos populares fundamentais para o seu reconhecimento e incorporação nas futuras instituições e políticas de provisão social a partir de 1979, já extinto o SAAL (­Fernandes e Branco, 2017). Entretanto, emergiu uma tensão entre a integração da assistência social na provisão pública estatal e um modelo mais participativo e subsidiário, em parceria com a sociedade civil (Hammond, 1988, pp. 120-121). Se vingasse a completa integração da ação social na provisão estatal, tal conduziria à criação de prestações que levariam no limite à diluição (por desnecessária) da assistência, a par da consolidação de outras áreas de política social, como creches, habitação, saneamento, escolas, lares, transportes e iluminação (Hespanha et al., 2000, p. 129). Embora ao longo do período democrático se afirme o modelo de parceria entre Estado e sociedade civil, esta questão constituirá uma linha de clivagem entre governos de centro-esquerda e centro-direita. Embora sempre no quadro de amplo apoio político, o alargamento das prestações não contributivas pecuniárias foi mais frequente com governos socialistas, como o Rendimento Mínimo Garantido (1996) e o Complemento Solidário para Idosos (2005).

A evolução da criação anual de associações de proteção social (Figura 1) segue de perto a consolidação da parceria com o Estado desde 1979. Distinguem-se o período 1977 a 1986, quando o legado do período revolucionário se cristalizou e se lançaram as bases da referida colaboração, e o de 1986 a finais dos anos 2000, quando esse padrão foi reforçado pela transição para uma economia política liberal e pela integração europeia. Nota-se ainda variação dentro da sociedade civil de welfare: elevada criação na área de ação social (o universo IPSS), moderada nos cuidados de saúde (IPSS e mutualidades) e baixa no seguro social (mutualidades). Esta variação espelha diferentes padrões de interação (em termos de apoios e constrangimentos) entre Estado e sociedade civil: sempre que a proteção é definida enquanto direito social universal financiado, gerido e fornecido pelo Estado sobra pouco espaço para a sociedade civil, exceto de forma residual.

 

 

CONSOLIDAÇÃO E PARCERIA EM TEMPOS DIFÍCEIS: 1976-1985

 

As novas democracias na Europa do Sul, como Portugal, seguiram uma trajetória atípica de desenvolvimento. Liberalismos oligárquicos redundaram em longos períodos autoritários seguidos de tardias transições para a democracia, acompanhadas de rápidos processos de modernização e mudança social. Tal como com os regimes democráticos, os respetivos Estados-Providência consolidaram-se depois da maioria dos países europeus ocidentais, e em piores condições. A evolução da proteção social foi de expansão contínua, em contra-ciclo com a generalidade dos países da Europa Ocidental. Desde a transição democrática, os regimes de welfare na Europa do Sul sofreram mudanças rápidas e profundas, forjando uma arquitetura híbrida que combina diferentes princípios de proteção social: segurança social de base ocupacional, serviços de saúde e educação públicos universais; assistência social pública pouco intensa, complementada ou em parceria com a sociedade civil e o mercado.

No Portugal democrático, o Estado Providência consolidou-se entre 1976 e o governo de coligação PS/PSD (1983-1985). Particular mix de Beveridge e Bismarck, combina um sistema de saúde universal financiado por impostos com um sistema público e universal de segurança social de base ocupacional e uma assistência social de baixa provisão pública direta, mas forte colaboração com a sociedade civil. O volume e a intensidade da despesa social expandiram-se bem para lá da década de 90, apesar das restrições impostas pela recessão na primeira metade da década de 80 e pelo ajustamento orçamental para a entrada no euro, ainda que a um ritmo menor do que na curta “golden era” de 1974-1976 (Silva, Pereira e Sousa, 2014).

Após consulta com a União das Misericórdias e a Conferência Episcopal, foi conferido em 1979 às IPSS um papel de parceria na provisão de “serviços ou prestações de segurança social”.

4 A lei oferece um conjunto importante de estímulos (estatuto de utilidade pública, subsídios, isenções fiscais, representação em todos os escalões da estrutura de participação no sistema) moderados por alguns constrangimentos(obrigação de registo, estrita supervisão política e tutela administrativa). Em 1979 existiam 1271 IPSS, misto de organizações vindas do Estado Novo (muitas ocupadas no período revolucionário) e de organizações populares criadas durante a revolução: instituições de orientação religiosa, associações e cooperativas de solidariedade social, mutualidades e fundações sociais. 5 O universo das IPSS cresceu, formando em 1980 a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social (UIPSS), renomeada em 2008 Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).

O Decreto-lei n.º 119/83 (“Estatuto das IPSS”) consolidou a parceria com o Estado. Primeiro, alargou o âmbito da sua atividade à saúde, educação, formação profissional e habitação, respondendo à pressão da UIPSS, particularmente das Misericórdias, às quais a gestão dos hospitais concelhios foi devolvida após a anterior nacionalização. Depois, atenuou a regulação das IPSS no sentido de reforçar a sua autonomia. Acordos de cooperação e gestão especificam obrigações mútuas, por exemplo a de as IPSS darem prioridade a pessoas e grupos economicamente desfavorecidos, e a forma de financiamento público (até 80% do custo médio por utente) (Almeida, 2010, pp. 166-181; Ferreira, 2000, pp. 193-194).6 O Estatuto contém uma secção especial sobre organizações religiosas, com particular atenção às Católicas, refletindo a Concordata entre a Santa Sé o Estado português (Glatzer, 2013, p. 13).

A Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 28/84), criadora da arquitetura da segurança social para o regime democrático, cristaliza os diferentes padrões de integração da sociedade civil nas políticas sociais. Em especial, reitera a parceria na ação social. O Regime Contributivo (seguro social obrigatório para trabalhadores e suas famílias, financiado por contribuições pagas por trabalhadores e empregadores) não confere às organizações sociais, nomeadamente os sindicatos, qualquer direito de participação na gestão das instituições da segurança social. Assim, no respeitante a prestações como pensões, subsídios de doença, desemprego, maternidade, acidentes e doenças profissionais sobra pouco espaço para a sociedade civil. Para todos os não cobertos por este regime com necessidades sociais e económicas graves (desde 2007, com o objetivo explícito de redução das desigualdades económicas), existem o Regime Não Contributivo e o de Ação Social fornecendo prestações não contributivas pecuniárias e serviços, financiadas por transferências do orçamento do Estado. É aqui que a parceria com a sociedade civil é forte, seja na provisão de serviços sociais, seja na intermediação das prestações pecuniárias. Ainda, o conceito de segurança social é alargado para cobrir a rede de ajuda à família, proteção de crianças, deficientes e na velhice, reconhecendo os objetivos das IPSS como objetivos da segurança social (Leal, 1985, pp. 939-940). Este ­quadro favorável teve um efeito de chamada sobre as organizações da sociedade civil: entre 1981 e 1985 foram registadas 1061 IPSS, 40% das quais associações de solidariedade social e outro tanto centros sociais paroquiais, institutos de organizações religiosas e irmandades de Misericórdia.7

Ao encontro do disposto na Constituição, o Serviço Nacional de Saúde, criado pela lei 56/79 (aprovado com o apoio de toda a esquerda parlamentar, abstenção do PSD e voto contra do CDS), afirma-se como fornecedor de cuidados de saúde universal, gratuito e financiado pelo orçamento do Estado. Aqui reside uma das maiores ruturas com o passado autoritário. Na saúde – como aliás na educação – foi seguida uma lógica política social-democrata (ou beveridgiana) assente em serviços públicos universais, embora de aplicação incompleta e sujeita a prazo a uma dinâmica liberalizadora que gerou sucessivas redefinições da combinações entre público e privado no mix de provisão e financiamento.

O SNS integrou os serviços médico-sociais existentes antes de 1974 que haviam sido separados das caixas de previdência e os hospitais das misericórdias que haviam sido nacionalizados. Não se excluiu por completo a iniciativa privada da provisão de saúde, previndo-se a sua articulação com o sector público, através de “convénios entre o SNS e instituições não oficiais ou privadas” (Santos, 1987, p. 47). A ordem dos médicos opôs-se, argumentando que o SNS prejudicaria a “livre escolha do médico” e induzia perda de qualidade, propondo um modelo de medicina convencionada com o Estado e de seguro-doença.

Após o Decreto 254/82 (que revogaria os principais artigos da Lei 56/79) ter sido declarado inconstitucional em 1984, o modelo “estatista” iniciou um processo de reversão parcial segundo o qual as políticas públicas passaram a promover a “constituição, expansão ou mesmo reconstituição […] de agentes sociais privados que com fins lucrativos ou outros possam assegurar a produção privada de bens e serviços de saúde”, como é o caso das Misericórdias (Santos, 1987, p. 56), as quais participaram na discussão dessas políticas. As Misericórdias recuperaram em parte a sua posição anterior, sendo indemnizadas pela nacionalização e auferindo rendas pelos hospitais utilizados pelo SNS (Carolo, 2006, pp. 104, 109). O carácter único do Estado enquanto produtor e financiador de cuidados de saúde foi dando lugar um maior papel do sector privado e associativo, ainda que subsidiado pelo Estado. Entretanto, formaram-se poderosos grupos de interesse, profissionais e económicos, como a Ordem dos Médicos, a Associação Nacional de Farmácias e as associações da indústria farmacêutica e de equipamento médico-sanitário (Santos, 1987, pp. 49-51).

Após a eleição de um Secretariado Nacional em 1975, nasce em 1979 a Federação Nacional das Associações de Socorros Mútuos (desde 1984 União das Mutualidades Portuguesas). O sector mutualista respondeu debilmente no período democrático. As 128 mutualidades, filiando 568 000, existentes em 1975, reduziram-se a 88, filiando 783 000 em 2000 (Ferreira, 2000, p. 285). A cobertura oferecida não é em geral nacional (apenas 13 das 95 mutualidades existentes em 2010 possuem implantação nacional), com desproporcional concentração nos distritos de Lisboa (14,6%) e sobretudo do Porto (53,5%), e em que uma única mutualidade (Montepio Geral) junta mais de um terço dos filiados (Pitacas, 2009, pp. 29-30).

A lei que enquadra as mutualidades (Decreto-lei n.º 347/81) combina o estatuto de IPSS com um papel complementar no desenvolvimento dos regimes contributivos da segurança social através de acordos de cooperação negociados. Foram previstas isenções fiscais, embora menos favoráveis do que as das restantes IPSS. O Código das Associações Mutualistas (Decreto-lei n.º 72/90) prevê como fins principais a concessão de benefícios de segurança social e saúde, e complementarmente outros fins de proteção social, através de equipamentos e serviços de ação social, abrindo a possibilidade de gerir fundos privados de seguro de esquemas complementares de previdência de grupos ocupacionais, empresas e sectores económicos.

Enquanto as numerosas e influentes IPSS são centrais na ação social, as mutualidades permancem residuais nas pensões ou cuidados de saúde. Porquê? O universo das IPSS cresce com o regime muito favorável das leis de 1979, 1983 e 1984. Nas pensões, o sector mutualista foi crowded out pela segurança social pública. Na saúde, a CRP (que vedava a saúde ao sector associativo) e o SNS deixam pouco espaço para a sociedade civil, tendo até nacionalizado as Misericórdias. A sociedade civil desponta para os cuidados de saúde apenas desde final dos anos 80, quando os governos permitem parcerias e protocolos de cooperação, emulando o regime das IPSS. Porém, neste campo a alternativa à provisão pública acabou por vir a ser o mercado e não tanto a parceria com o terceiro sector.

 

A ERA DOURADA DA SOCIEDADE CIVIL DE WELFARE: 1986-2011

 

Desde 1986, o número de IPSS registadas aumentou de cerca de 1300 para cerca de 4000 em 2006, nível em que se tem mantido (Figura 2). Em 1999, 80% das 3394 IPSS existentes tinha sido criado desde 1974, secularizando-se (a parte do universo não ligada à Igreja passou de 42% em 1979 para 52%). A sua origem é variada, incluindo as herdeiras das antigas associações de beneficência, as nascidas dos movimentos populares de base pós-25 de Abril e de novos movimentos sociais, em resultado de incentivos governamentais ou da evolução de certas associações, como as comissões de melhoramentos ou as comissões de moradores (Ferreira, 2000, p. 280).

 

 

As IPSS gerem uma vasta rede de equipamentos sociais tais como lares, jardins-de-infância e pré-escolar, centros de dia, clínicas ou amas, oferecendo “respostas sociais” a problemas como velhice, orfandade, dependência de drogas, deficiência física e mental, lazer jovem. Em 2011, serviram bem mais de 620 000 utilizadores (DGEEP, 2011, p. 13). A rede de equipamentos sociais tem vindo a crescer de forma substancial, tanto em do ponto de vista numérico, ca. 4400 em 1998 para ca. 6500, como em termos de cobertura do território e variedade de equipamentos, ao encontro das principais lacunas existentes no final do Estado Novo.

O funcionameno destas respostas sociais em parceria com o Estado assenta em protocolos de cooperação, financiados pelo MTSS (Figura 3). O volume do despesa pública com estes protocolos aumentou continuamente de 200 M€ em 1994 para cerca de 1200 M€ desde 2009 até 2012, já em plena crise. Note-se que, segundo os dados conjugados do IGFSS e da DGO a despesa com acordos de cooperação representa cerca de 75% de todas as transferências do orçamento para Ação Social, enquanto o total da Ação Social representa cerca de 8% da estrutura global da despesa pública em Proteção Social.

 

 

O enorme crescimento na rede de equipamentos sociais resulta, também, do substancial investimento público, nacional como europeu, na sua construção, que anualmente nunca excedeu os 100 M€, mas que em termos cumulados entre 1995 e 2007 excedeu of 700 M€ (Figura 4).8

 

 

Como explicar este padrão de crescimento continuo baseado em investimento público? A integração europeia e uma nova policy culture assente na ideia de parceria, desde 1986; a descentralização e a institucionalização da concertação social com a sociedade civil, envolvendo o poder local e as IPSS na definição de políticas sociais; e, no espírito da Constituição, o reconhecimento das prestações e serviços da ação social como direitos sociais, reforçaram o padrão neo-corporativo de parceria e co-decisão com o Estado, continuando a favorecer um sector da sociedade civil de welfare, o universo das IPSS. Vejamos primeiro o caso da proteção social, e depois o da saúde.

A adesão à CEE (1986) abriu um período de estabilidade politica com maiorias do centro-direita (PSD), crescimento económico, baixo desemprego, maior capacidade financeira e fiscal do Estado, e aumento da despesa social (de 14,3% do PIB em 1983 para 24,7% em 2004, v. Pereirinha, Arcanjo e Nunes, 2009, p. 402). As prestações expandiram-se, com o “14.º mês” das pensões e o subsídio social de desemprego, ajudadas pelo Fundo Social Europeu (Huber e Stephens, 2012, p. 219; Silva, Pereira e Sousa, 2014, p. 9). Afirmou-se uma nova policy culture focada na ativação do emprego, igualdade de género, combate à pobreza e serviços sociais, concretizada através de parcerias locais, as quais tiveram um poderoso efeito de chamada sobre a sociedade civil.

As mudanças desencadedas pela vitória do PS nas legislativas de 1995 reforçaram a trajetória de parceria. As políticas socialistas combinaram a expansão da proteção contra riscos clássicos (aumento das pensões mínimas, criação da reforma antecipada, melhoria das prestações de desemprego), com novas prestações, a mais importante das quais o Rendimento Mínimo Garantido em 1996 (hoje, RSI), com o qual o PS se havia comprometido na campanha eleitoral, apoiado pelas associações católicas de combate a pobreza (como a Cáritas) e os sindicatos. O RMG distingue-se por ser uma prestação de assistência social conferida enquanto direito, não uma forma publicamente organizada de caridade: prestação não contributiva sujeita a condição de recursos dirigida à pobreza extrema acompanhada de medidas de ativação no mercado de trabalho (Silva, 2003, pp. 120-121; Pereirinha, 2006, p. 120; Huber e Stephens, 2012, pp. 220, 229).

A componente não-contributiva da proteção ganhou importância, focando a pobreza e a desigualdade. Neste sentido, com a nova Lei de Bases de 2000 (Lei n.º 17/2000), aprovada no Parlamento por rara maioria de esquerda, o novo Sistema de Solidariedade e Segurança Social apaga “a estruturação do sistema entre proteção dos trabalhadores e a proteção dos não trabalhadores, ou seja, entre regimes contributivos e regimes não contributivos e ação social”, concretizando, enfim, a cidadania social estatuída na Constituição. A ação social orienta-se explicitamente pela “garantia de igualdade de oportunidades”, o “direito a mínimos vitais” face a situação de carência, e pela “prevenção e a erradicação de situações de pobreza e de exclusão” (Ferreira, 2000, p. 250). As prestações pecuniárias da ação social (pensão social, subsídio social de desemprego, RMG e complementos a prestações substitutivas de rendimentos que não atingem certos mínimos) são reconhecidas como direitos básicos universais. Ao mesmo tempo, para além da ação direta do Estado, continua o modelo de parceria com a sociedade civil nas respostas para a pobreza e exclusão social, através de serviços e equipamentos locais, em “harmonia com as prioridades e os programas definidos pelo Estado com a participação das entidades representativas daquelas organizações”.

A descentralização, ao envolver o poder central e local e a sociedade civil na definição e concretização de políticas, favoreceu a expansão da sociedade civil de welfare. Considerem-se a concertação social, o modelo do RMG e o processo de europeização. O Pacto para a Cooperação e Solidariedade Social de 1996 entre o governo, as associações nacionais de municípios (ANMP) e freguesias (ANAFRE), e as confederações nacionais de IPSS, mutualidades e misericórdias criou o quadro para a coordenação entre os níveis central e local de governo e a sociedade civil de welfare para a definição e implementação das políticas socias através de parcerias locais, como a Rede Social.

9 O RMG foi importante pois Estado e sociedade civil partilham responsabilidades pela sua aplicação através das Comissões Locais de Acompanhamento, reforçando a concretização de políticas através de parcerias territorializadas.10 Enfim, uma consequência da aplicação de fundos europeus foi a de que os programas deveriam aplicar-se através de parcerias Estado/sociedade civil, desencadeando a “procura de parceiros” na paisagem associativa (Ferreira, 2000, pp. 211-213).

No sector da saúde, destaca-se a abertura à provisão privada e, em menor escala, associativa, frequentememte subsidiada pelo Estado (Ferreira, 2000, p. 217). A despesa pública em serviços de saúde alocada ao sector privado aumentou na segunda metade dos anos 80 (Campos, 1991, pp. 16-17; Mozzicafreddo, 1992, p. 70). Embora o Estado assumisse progressivamente uma maior parcela das despesas com a saúde, tal foi “mais à custa da aquisição estatal de bens e serviços ao sector privado do que por uma prestação direta dos serviços aos utentes” (Santos, 1987, p. 53). O sistema público de saúde estava a “ser lentamente privatizado em termos de entidades prestadoras” (Campos, 1991, p. 17). Desde o início dos anos 90, e durante cerca de duas décadas, a provisão privada foi também impulsionada por uma significativa despesa fiscal, sobretudo com gastos privados diretos, atingindo os 681 M euros em 2010 (Branco e Costa, 2014, pp. 20-27). No geral, a tendência foi para “o Estado alterar o seu papel de financiador e fornecedor dos serviços de saúde, para […] se concentrar na compra e na cobertura de serviços de saúde a fornecedores do sector privado” (Ferreira, 2000, p. 219). Entre 2000 e 2008, até 47,6% da despesa pública em saúde foi transferida para fornecedores privados, embora desde 2002 essa proporcão tenha diminuído (INE, 2010, p. 20).

No longo prazo, o SNS gerou um mix peculiar entre público, privado e associativo: cerca de 30% da totalidade das despesas em saúde é privada (da qual, ¾ em despesas diretas e co-pagamentos ou out-of-pocket payments), sendo o restante público (Barros, Machado e Simões, 2011); focando apenas a despesa pública, cerca de 40% destina-se a aquisições a fornecedores privados. O padrão mais estatista expresso na criação do SNS diluiu-se, tanto assim que, em 1993, o Ministro das Finanças declarou que “face à maior eficiência relativa do sector privado apenas se devem considerar como áreas de intervenção exclusiva do Estado as relativas às prestações que não possam ser fornecidas de forma eficiente pela sociedade civil” (apud Mozzicafreddo, 1992, p. 70). É plausível ligar o aumento da criação anual da sociedade civil de saúde desde os anos 90 com a crescente alocação de recursos públicos, enquanto fornecedora de serviços pagos na totalidade ou em parte pelo SNS. Com efeito, 82% do financiamento da sociedade civil de prestação de cuidados de saúde provém do governo (Franco et al., 2005, p. 19). Enfim, a “devolução” da proteção social do Estado para a sociedade civil é ilustrada pelos hospitais das Misericórdias que haviam sido nacionalizados após a Revolução. Em 2000, 61 dos 99 hospitais das Misericórdias eram ainda geridos pelo Ministério da Saúde (23 dos quais estavam desativados). Em 2013 o governo acelerou a devolução dos hospitais às misericórdias, mediante celebração de acordo de cooperação a dez anos. No imediato, foram devolvidos seis de um total de trinta hospitais (Decreto-Lei n.º 138/2013).

 

CONCLUSÃO

 

Os serviços sociais constituem uma parte significativa da sociedade civil portuguesa. Em termos comparados, a dimensão da sociedade civil de welfare é bastante grande, uma das maiores dos países da OCDE. A que se deve tal dimensão?

Tal resultado não constitui uma manifestação da continuada importância da “sociedade-providência” (Santos, 1991; Hespanha, Ferreira e Portugal, 1997), mas, ao invés, do seu gradual declínio em paralelo com o fomento da vida associativa pelo Estado Providência democrático, através de diferentes padrões de incorporação institucional, papéis no policy-making e do desenho das políticas públicas em cada área de proteção social (Branco e Fernandes, 2012).

O crescimento da sociedade civil de welfare deve ser entendida no contexto do declínio desde os anos 70 das formas tradicionais da sociedade-providência, à medida que os seus pilares foram sendo erodidos e transformados pela modernização e desenvolvimento social e económico. O ocaso da família alargada, a transformação dos papéis de género com a crescente feminização do mercado de trabalho, a rápida urbanização, des-ruralização e despovoamento do interior, quebraram a possibilidade do apoio familiar, comunitário ou rural operar como almofada para amortecer os riscos sociais do trabalho urbano assalariado, industrial ou nos serviços, através de oportunidades de emprego, habitação, alimentação ou cuidados informais (Glatzer, 2013, pp. 7-8).

Este artigo procura explicar a evolução, dimensão e variação interna da sociedade civil de welfare a partir dos efeitos de uma revolução social de sentido beveridgiano num país pobre, desigual e herdeiro do legado bismarckiano. A participação diferencial da sociedade civil de welfare nas políticas sociais constitui um legado autoritário importante, e ambivalente, que foi ­recombinado com elementos de rutura decorrentes da forma revolucionária de transição para a democracia. Esta injetou uma lógica política nova, mais inclusiva, universalista, beveridgiana – dando origem no período de consolidação democrática a uma arquitetura híbrida de proteção social.

A sociedade civil de welfare cresceu com o Estado Providência democrático, após a revolução de Abril de 1974. A provisão de serviços sociais feita pela sociedade civil em parceria com o Estado, é um dos seus carácteres ­institucionais. Com o tempo, a democracia consolidou uma cidadania de bem-estar, visando integrar seguro social (previdência) e ação social, reconhecendo as prestações não contributivas qua direito social de cidadania. A sociedade civil foi instrumental para a realização deste objetivo, quer na formulação de políticas segundo um regime de parceria neo-corporativo, quer no circuito de provisão de certas prestações pecuniárias, quer ainda na provisão direta (subsidiada) de serviços e equipamentos sociais.

Contudo, este padrão geral esconde a variação dentro da sociedade civil de welfare: se no campo da ação social foram criadas muitas organizações, com elevada densidade e influente organização confederativa (o universo IPSS), já o foram menos no domínio dos cuidados de saúde (certas IPSS e mutualidades), e menos ainda nos riscos cobertos pelo seguro social (mutualidades). Argumento que esta variação resulta de diferentes padrões de interação (em termos de apoios e constrangimentos) entre o Estado e a sociedade civil em cada uma das áreas de política social. No geral, quando a proteção é definida enquanto direito social universal financiado, gerido e fornecido diretamente pelo Estado sobra pouco espaço para a sociedade civil, exceto de forma residual. Tal não significa que reformas posteriores não tenham alterado o welfare mix, abrindo espaço para a sociedade civil ou para o mercado

Na segunda metade dos anos 70, a combinação de restrições financeiras e a existência no terreno de uma sociedade civil de welfare forte combinando organizações vindas do Estado Novo com organizações de base popular nascidas no surto revolucionário, favoreceram a construção de uma parceria entre Estado e sociedade civil, reconhecida na CRP de 1976 e plasmada na legislação de 1979, 1983 e 1984. Beneficiando de alargado consenso político e partidário, a partir de 1986 novos fatores reforçaram a sociedade civil de proteção social – embora mais as IPSS do que as mutualidades, e mais no campo da ação social do que no seguro social ou na saúde. A integração europeia portadora de uma nova policy culture assente na ideia de parceria; a descentralização e a concertação social com a sociedade civil, envolvendo poderes públicos e IPSS na definição e concretização das prestações sociais; e o reconhecimento das prestações e serviços da ação social como direitos sociais, reiteraram o padrão neo-corporativo de parceria e co-decisão com o Estado.

Mas não só. Com a discussão sobre a “crise do Estado Providência”, na década de 80, ganhou força a ideia de “reencaixar a solidariedade na sociedade”. O redesenhar das fronteiras entre público e privado passaria por alterar as relações entre o Estado e a sociedade através da transferência “para coletividades não públicas [como associações ou fundações] de tarefas de serviço público” (Rosanvallon, 1984, pp. 87-90). Além disso, a viragem das políticas para a ativação no mercado de trabalho levou os Estado Providência a adjudicar ao mercado e ao sector voluntário um papel acrescido na provisão de proteção social (Gilbert, 2002, pp. 5-16). As alterações do mix entre púbico e privado repercutiram-se sobre as organizações da sociedade civil: delas se espera que desempenhem uma maior papel na provisão, demonstrem o seu “valor acrescentado” e reforçem o papel de empregadores na economia social (Ascoli e Ranci, 2002; Lewis, 2004, p. 179).

Em Portugal a acomodação destas ideias no centro normativo das políticas sociais foi fácil: a necessidade “de complementar ou mesmo substituir o papel do Estado Providência na resolução das profundas carências na área social (nomeadamente, no campo da saúde, educação, previdência e apoio social), através da ação voluntária dos cidadãos e da atividade de entidades de fins não lucrativos, vem justificando o uso por parte dos poderes públicos de medidas de incentivo e fomento” (Cardona e Santos, 1997, pp. 84-85). Esta retórica, congruente com os interesses do poderoso sector associativo social, apresenta o caso português como precursor da tendência mais geral de reforma do Estado Providência, cuja saliência cresce, ciclicamente, em tempos de crise.

Com efeito, a governação durante a crise e a formulação de políticas sociais de resposta à crise ofereceram a oportunidade para enraizar ainda mais a sociedade civil de welfare na parceria com o Estado, como evidenciam os termos do Programa de Emergência Social no protocolo celebrado entre o MTSS e a CNIS em 201111, a instalação da rede solidária de cantinas sociais (Joaquim, 2015, pp. 28-33) ou a abertura às IPSS e Misericórdias dos serviços funerários (Decreto-Lei 10/2015, 16/1). Este aprofundar do padrão histórico de parceria amplia dois perigos. Primeiro, a captura do Estado pelos interesses da sociedade civil, criando um “Estado paralelo” assente na contratualização de serviços públicos, garantindo privilégios a negócios privados, em nada melhorando a fraca qualidade histórica da provisão destes serviços. Segundo, o da heteronomia da sociedade civil, instrumentalizada pelo Estado para a provisão de serviços e a criação de emprego.

 

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Recebido a 17-03-2016. Aceite para publicação a 21-03-2017.

 

NOTAS

 

1Elaborado no âmbito do projeto “Sociedade civil e democracia: Portugal numa perspectiva comparada” (PTDC/CPJ-CPO/098735/2008). Agradeço o apoio e os comentários de Tiago ­Fernandes, Pedro Tavares de Almeida, Miguel Glatzer e Evelyne Huber, bem como os comentários e sugestões dos referees da Análise Social.

2Dados do Registo Nacional de Pessoal Coletivas do Ministério da Justiça, trabalhados para a base de dados do projeto “Sociedade civil e democracia” (Branco e Fernandes, 2012, 2014; Fernandes e Branco, 2017).

3A sociedade civil é uma das componentes estruturais da polity, localizada no espaço público, mas fora do Estado e distinta da vida privada, ligando interesses privados ou particularistas ao domínio político oficial do Estado. Distingue-se da sociedade política, composta por outro grupo de atores também baseados no espaço público, mas consagrado à contestação e tomada do poder do Estado. A sociedade civil é um mundo de organizações. Consiste num naipe de atores que se organizam voluntariamente – movimentos sociais, grupos de interesse, associações profissionais ou de cidadãos –, de forma relativamente autónoma do Estado, para dar voz a interesses e agir no sentido de os realizar, seja de forma direta, seja afetando as políticas públicas (Bernhard, Fernandes e Branco, 2017).Nomeadamente, a sociedade civil “can include manifold social movements (womens’ groups, neighborhood associations, religious groupings, and intellectual organizations) and civic associations from all social strata (such as trade unions, entrepeneurial groups, journalists, or lawyers)” (Linz e Stepan, 1996, p. 7). A sociedade civil de welfare caracteriza-se por oferecer serviços de proteção social e constitui uma arena separada do mercado e orientada por um motivo diferente do lucro: mesmo quando desempenha uma função económica (como produção ou emprego), a sua atividade é não-lucrativa.

4O Decreto-lei n.º 519-G2/79 (revoga o Estatuto da Saúde e Assistência de 1963) reconhece as IPSS enquanto parte do sistema de segurança social previsto no art.º 63 da CRP, pelo que “são valorizadas e apoiadas pelo Estado que as orienta e tutela, as coordena e subsidia”(art.º 2.º).

5As 1271 organizações incluíam: 527 associações de solidariedade, 323 misericórdias, 138 centros paroquiais, 142 fundações e 131 “patrimónios dos pobres” (Ferreira, 2000, p. 279; Teixeira, 1996, p. 37 indica 1137).

6Acrescentem-se as formas financiamento através de despesa fiscal (isenções de IRC, IVA, IMI e IMV) e a isenção de custas em processos judiciais.

7Só em 1985 foram registadas 291, o valor mais alto do período 1980-1999, v. Ferreira, 2000, p. 279.

8Resposta do MTSS à Pergunta n.º 662/X/3.ª da Assembleia da República de 14-02-2008. Principais programas de financiamento: nacionais: PIDDAC (desde 1981), PARES e PAIES (desde 2006); co-financiados com fundos europeus: Integrar (QCA II), POEFDS e PORLVT (QCA III). O Despacho Normativo n.º 75/92 define a forma como o Estado subsidia as atividades e serviços das IPSS (Glatzer, 2013, p. 14).

9Resolução do Conselho de Ministros 197/97 de 18/1.

10“By deepening welfare-mix solutions involving public and private social actors and NGOs, experimenting with innovative forms of partnerships and policy coordination, and involving the targeted population in active participation in social programmes” (Pereirinha, 2006, p. 119). A expansão da rede pré-escolar desde final dos anos 90 mesclando público, privado e terceiro sector é outro bom exemplo, v. Lei Quadro da Educação Pré-escolar, Lei 5/97 de 10/2.

11“O PES não significa mais Estado, mas sim mais economia social e melhor política social” (Protocolo…, p. 2).

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