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Análise Social

versión impresa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.223 Lisboa jun. 2017

 

RECENSÃO

BAPTISTA, Virgínia

Proteção e Direitos das Mulheres Trabalhadoras em Portugal, 1880-1943,

Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2016, 507 pp.

ISBN 9789726713654

 

Anne Cova*

* Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 ­Lisboa, Portugal. E-mail: anne.cova@ics.ulisboa.pt

 

Na continuidade da sua excelente dissertação de mestrado orientada por Miriam Halpern Pereira intitulada As Mulheres no Mercado de Trabalho: Representações e Quotidiano (1890-1940), Virgínia Baptista (2000) fez uma ótima escolha quando decidiu aprofundar a sua investigação para uma tese de doutoramento orientada pela mesma professora, e mais tarde, quando ela se aposentou, sob a direção de Fátima Sá. O livro publicado em 2016 pela Imprensa de Ciências Sociais é uma versão abreviada desta tese de doutoramento em história moderna e contemporânea defendida no ISCTE em 2013, e que recebeu dois prémios: um prémio instituído pelo ISCTE e pela Secretaria de Estado da Segurança Social em 2014 com o objetivo de galardoar trabalhos com especial relevo para o estudo das políticas e das práticas no sector da segurança social, da solidariedade e da economia social e um prémio Maria Lamas 2016 para Estudos sobre Mulheres, Género e Igualdade, promovido pelo município de Torres Novas.

No prefácio, Miriam Halpern Pereira e Fátima Sá salientam que “o reconhecimento científico do espaço preenchido pelas mulheres na sociedade tem conduzido em quase todos os domínios a uma redefinição institucional e conceptual. Também foi o caso do Estado-Providência. (…) O amplo estudo de ­Virgínia Baptista revelou a presença feminina nas instituições de previdência privadas, nomeadamente nas associações mutualistas, em dimensão até agora desconhecida” (p. 27). De facto, a investigação realizada por Virgínia Baptista é muito importante por várias razões e particularmente pelo seu caráter inovador. A autora consultou inúmeras fontes: apenas para dar um exemplo, estudou 129 estatutos de associações de socorros mútuos mistas e localizou fontes sobre oito associações de socorros mútuos exclusivamente femininas. Na longa lista dos arquivos aos quais recorreu destacam-se: Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Biblioteca e Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria; Arquivo Clínico da Maternidade Dr. Alfredo da Costa; Espólio do Prof.Costa Sacadura legado à Associação dos Bombeiros Voluntários de Mangualde; Arquivos do Montepio Geral Associação Mutualista e as fontes orais através da Associação de Socorros Mútuos de Empregados no Comércio de Lisboa; Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário; Arquivo da Universidade de Coimbra (fundos do registo de mulheres na Clínica Obstétrica) e o Centro de Documentação Bissaya Barreto; Arquivo de História Social do ICS-ULisboa; Centro de documentação e arquivo feminista Elina Guimarães. A consulta desses arquivos permitiu uma pesquisa empírica notável num amplo período: de 1880 (data de maior impulso do surgimento das associações de socorros mútuos femininas) até 1943 (ano em que o abono de família foi estendido aos funcionários públicos). Este período bastante longo, marcado por vários regimes políticos – o final da monarquia, a Primeira República, a ditadura militar e o Estado Novo – permite seguir a evolução legislativa sobre a proteção às mulheres trabalhadoras em Portugal.

O tema do Estado-Providência e das mulheres tem sido muito trabalhado no estrangeiro, mas em Portugal faltavam investigações pormenorizadas sobre esta temática e este livro vem colmatar uma grande lacuna. Virgínia Baptista conhece bem as principais obras publicadas no estrangeiro, sobretudo em inglês, o que lhe permite num primeiro capítulo analisar o trabalho das mulheres na Europa (Alemanha, Escandinávia, França e Grã-Bretanha) e nos Estados Unidos, baseando-se numa rica historiografia. Não só leu os trabalhos redigidos pelos historiadores, mas também os produzidos pelos sociólogos e politólogos que se debruçaram sobre o Welfare State.

O livro mostra que apesar de algumas oscilações, as mulheres constituíam mais de um quarto da população ativa durante este período; e que em todos os setores profissionais a maioria das trabalhadoras tinha entre 20 e 40 anos, encontrando-se, assim, em plena idade de fecundidade, pelo que muitas mulheres constituíam famílias com filhos ainda pequenos. Estas conclusões são importantes e podem aplicar-se também a outros países. Por exemplo, no caso da França, Sylvie Schweitzer (2002) publicou um livro com o título esclarecedor: Les femmes ont toujours travaillé. Outra problemática que Virgínia Baptista identificou e que está também presente em vários países europeus durante o período estudado é a questão da grande mortalidade infantil, nos dois primeiros anos de vida – no caso de Portugal superior nas cidades de Lisboa e do Porto – temendo--se o perigo do que à época se designava por “depopulação” do país e “degenerescência da raça”.

Este livro coloca várias perguntas: que legislação foi elaborada para proteger as mães trabalhadoras? As leis contribuíram para beneficiar a vida das mulheres ou aumentaram a sua discriminação no mercado de trabalho? Quais as instituições que forneceram cuidados maternos-infantis às trabalhadoras? Que papel tiveram as associações de socorros mútuos na assistência às mães trabalhadoras? Para responder a estas perguntas, o livro está dividido em cinco capítulos.

O primeiro capítulo intitula-se “As mulheres trabalhadoras nas origens do Estado-Providência na Europa e nos Estados Unidos da América”. Trata-se, como já foi salientado, de um enquadramento geral que compara a legislação sobre o trabalho feminino e a proteção da maternidade em alguns países e propõe uma reflexão sobre a proteção do trabalho feminino e da maternidade. Esta legislação de proteção da maternidade veio a ser inserida nos programas de ação das feministas e é muito importante analisar os papéis delas. Só para citar um exemplo, Elina Guimarães (1904--1991) apontava em 1928, no segundo Congresso Feminista e de Educação, organizado pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, que a mulher grávida era não só incómoda mas onerosa para o patrão.

No segundo capítulo, a autora abordou a proteção das mulheres nas leis do trabalho, na assistência e na previdência social, em Portugal. Elaborou uma genealogia desta, inserindo as mulheres. Observou que tanto no seguro obrigatório por doença de 1919, como na legislação de 1935, o parto era equiparado a doença. A maternidade só se tornaria uma modalidade autónoma de seguro a partir da legislação de 1962. Em 1937, legislou-se a licença por parto de trinta dias, com um subsídio, mas com pressupostos criticáveis, porque condicionado à visão avaliadora do empregador sobre se as trabalhadoras o mereciam ou dele precisavam. Em 1942, o abono de família, muito reduzido, era pago na maioria dos casos ao chefe de família masculino, no contexto do salário familiar, expresso na Constituição de 1933, e nunca à mãe solteira.

No terceiro capítulo, Virgínia Baptista analisa as instituições públicas e privadas que forneceram serviços materno-infantis para perceber que instituições e que medidas foram implementadas e desenvolvidas de proteção às mães trabalhadoras e seus filhos. O caso das professoras primárias merece ser destacado: a República, por decreto de 7 de janeiro de 1911, concedeu às professoras primárias uma licença de parto de dois meses, com vencimento. Em 1919, este direito foi limitado às professoras casadas mas, logo em 1921 a lei seria revogada, abrangendo, de novo, todas as professoras, independentemente do seu estado civil. Já em período de ditadura, em 1931, a lei irá conceder apenas às professoras casadas 23 dias de licença por parto, com vencimento. O quarto capítulo intitula-se “As mulheres e o movimento mutualista – a tradição de interajuda das classes trabalhadoras”. Finalmente, o quinto capítulo apresenta um estudo de caso sobre “O sítio de Xabregas em ­Lisboa”.

Trata-se de um livro muito bem escrito e agradável de ler. Consegue um tour de force analisando a maternidade sobre as suas várias facetas, estando atento à polissemia do termo: qualidade de mãe; função reprodutora; ação de transportar e trazer ao mundo bebés; uma obra de arte representando a mãe e um bebé; um estabelecimento ou serviço hospitalar onde se efetuam os partos. Esta investigação pormenorizada é um contributo exemplar para a história das mulheres em Portugal, para as origens do Estado-Providência para as mulheres trabalhadoras Portuguesas e para a história contemporânea.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BAPTISTA, V. (2000), As Mulheres no Mercado de Trabalho: Representações e Quotidianos (1890-1940), ­Lisboa, CIDM,         [ Links ] 2000.

SCHWEITZER, S. (2002), Les femmes ont toujours travaillé. Une histoire du travail des femmes aux XIXe et XXe siècles, Paris, Odile Jacob,         [ Links ] 2002.

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