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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.221 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGO

O anarquismo está de volta?

Is anarchy coming back?

 

José Pedro Zúquete*

*Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: jose.zuquete@ics.ulisboa.pt

 

RESUMO

 

O anarquismo, como visão política de uma ordem social alternativa, tem conhecido uma acentuada revitalização desde o final do século XX, nomeadamente através das ideias e práticas de movimentos sociais agindo dentro do contexto alargado e fluído da alter-globalização. Este artigo percorre o panorama do anarquismo contemporâneo, delineando primeiro as suas diversas manifestações nos protestos populares e no movimento das ocupações, e depois – naquele que é o fulcro deste estudo – incidindo mais pormenorizadamente na filosofia, dinâmicas, e episódios do anarquismo dito de “insurreição” cuja influência se sente quer em diversas manifestações de massas contra os poderes instituídos, quer clandestinamente através de uma “internacional negra” de ativistas.

PALAVRAS-CHAVE: anarquismo; ocupações; utopia; insurreição.

 

ABSTRACT

 

As a political vision and an alternative social order, anarchy has seen a sharp come-back since the end of the 20th century, through the thoughts and practices of social movements responding to globalization pressures. This article examines the panorama of contemporary anarchy – first its many manifestations in popular protests and “occupations”, and second – the main focus of the study – the fascination in philosophy and acts of anarchy pertaining to “insurrection”, the influence of which is seen in mass public protests against seated powers and in clandestine “international dark activism”.

KEYWORDS: anarchy; occupations; utopia; insurrection.

 

O Tirano é a Pior doença & e a Causa de todas as outras

William Blake

 

PARA LÁ DO “CAOS”

 

Quando se ouve a palavra “anarquia” rapidamente nos vêm imagens de confusão, balbúrdia, desorganização, e ausência de qualquer rumo definido, qualquer princípio orientador, numa aterradora desordem sem fim. A sua raiz etimológica tem origem na antiguidade clássica, derivando do grego anarkhos, que significa “sem governantes”.

A palavra precede a doutrina política denominada de “anarquismo,” que irá aparecer pela primeira vez em meados do século XIX, nos textos de ­Pierre-Joseph Proudhon, visto como o “pai histórico” do movimento anarquista, e que se esforçou por contrariar a má fama da palavra anarquia. Para este pensador francês as razões do caos e da desordem social residiam, e eram continuamente agravadas, pelo autoritarismo das instituições e pela desigualdade económica. A anarquia, pelo contrário, seria fomentadora da justiça, do mutualismo, e da igualdade, e em suma de uma sociedade livre; uma sociedade que, através da anarquia, alcançaria a ordem. Nas palavras do geógrafo anarquista Elisé Reclus, a anarquia seria, portanto, “a máxima expressão da ordem” (Marshall, 2010, p. 339). Não obstante os esforços dos anarquistas clássicos, e dos seus diversos sucessores, a associação da palavra anarquia, e paralelamente de anarquismo, com o caos permanece ainda hoje nos dicionários e no imaginário coletivo.

Essa visão babélica do anarquismo tem o seu gérmen numa antropologia pessimista (ou realista, de acordo com as preferências), da natureza humana, segundo a qual, na ausência de autoridade o homem é o lobo do homem. Foi a partir desta perspetiva que Thomas Hobbes legitimou, no século XVII, o poder do Estado. Foi o filósofo inglês que, no seu Leviatã do século XVI, contrapôs a ordem e a autoridade do soberano (com o qual os súbditos se encontram numa espécie de convénio da obediência), aquilo a que ele chama “estado da natureza”, ou seja, um estado de desordem, que deve ser evitado a todo o custo: sem uma autoridade superior, sem um estado soberano, a vida dos indivíduos seria sempre miserável, brutal, e muito curta (Ryan, 2012, pp. 165-172). Na visão anarquista, a ideia de que a única maneira de atingir a ordem deriva da imposição de uma autoridade exterior e punitiva assenta numa visão fatalista da natureza humana; a potencialidade existe, dentro dos seres humanos – comprovada por experiências históricas – de se organizarem as relações sociais sem uma dependência mecanicista de dinâmicas de exploração e dominação. O anarquismo – no âmbito desta hipótese de um “anarquismo eterno” (­Baillargeon, 2012, p. 17) – seria assim uma característica permanente do espírito e da história humanas, algo aliás defendido no período clássico do anarquismo por Peter Kropotkin, para quem a ajuda mútua e a cooperação foram desde cedo o combustível da evolução da espécie humana, como tentou demonstrar de maneira científica. De forma mais geral, mas na mesma linha, um anarquista do século XXI refere que “os teoristas que ajudaram a formar o anarquismo como um movimento político não pensaram que estavam a inventar algo de novo. Eles falavam em auto-organização, ajuda mútua e democracia direta – conceitos tão velhos como a humanidade.” Expressões, portanto, “de um senso comum radical e insurgente” (Grubacic, 2013, p. 198). Esta ideia de atar o anarquismo ao senso comum, e a práticas enraizadas que nunca foram teorizadas como “anarquistas”, mas que sempre se manifestaram ao longo dos tempos, é recorrente em narrativas anarquistas (Milstein, 2010, p. 136). Fê-lo, por exemplo, Colin Ward, no seu Anarchy in Action, ligando-a umbilicalmente à experiência do dia-a-dia, porque “uma sociedade que se organiza a si mesma sem autoridade está sempre em existência, como uma semente debaixo da neve, enterrada debaixo do peso do Estado e da sua burocracia” (Ward, 1973, p. 11). Da mesma maneira, o académico James C. Scott, no seu elogio ao anarquismo, nota a ubiquidade de redes informais e transitórias de coordenação, livres de hierarquia e organização formal, na experiência quotidiana da maior parte das pessoas. A questão, para Scott, é saber se séculos de Estados fortes e economias liberais “socializaram-nos de tal maneira que perdemos em larga parte o hábito do mutualismo e corremos o risco de nos transformarmos precisamente nos predadores perigosos que Hobbes pensou que povoavam o estado da natureza” (Scott, 2012, pp. xxi- xxii). Não estranha, portanto, dentro deste paradigma do anarquismo “eterno,” que se vejam antecessores em períodos históricos distantes. Por exemplo, os Cínicos costumam ser exaltados – e entre eles a vida de Diógenes – porque na antiguidade clássica, defendiam e praticavam a autonomia individual, a autossuficiência e criticavam todas as convenções sociais, regendo a sua vida pela virtude e não pelas leis da cidade (Marshall, 2010, pp. 68-69; Baillargeon, 2012, p. 12).

Esta incursão pelo anarquismo, conjeturado como “eterno” nas suas manifestações históricas e nos costumes, ajuda a enfatizar uma ideia-chave que percorre a teoria política do anarquismo, ou seja, a sua ligação à realidade; de um modo geral, em vez de se enclausurar em grandes e sofisticadas construções teóricas, o anarquismo é visto, e sentido, acima de tudo, como uma filosofia prática – uma convicção moral, uma disposição ética que se expressa na prática e como prática. O anarquismo é uma forma diferente (alternativa) de conceber e estabelecer as relações sociais entre as pessoas: esta é uma das definições de anarquismo que mais ajuda ao entendimento das suas dinâmicas coevas. E, nessa forma alternativa, essas relações não são definidas pela autoridade do Estado, da lei, da polícia, mas através de um acordo livre, não-coercivo (voluntário), entre os indivíduos. E, na sua essência, os objetivos dos anarquistas, de ontem e de hoje, podem ser definidos desta forma: substituir o Estado por uma sociedade não-autoritária, não-hierárquica e não-coerciva – baseada na associação livre, na autonomia, na ajuda mútua e na democracia direta (Marshall, 2010, p. 3; ­Critchley, 2013, p. 4). É este o ideal de sociedade, e, para os seus defensores, a única forma de acabar com uma sociedade que, de acordo com a visão anarquista, é uma sociedade baseada na dominação, onde uma maioria de “escravos” se encontram debaixo do jugo de uma minoria de “senhores”. “Porque é que esta minoria dos possessores é mais forte do que a maioria dos desapossados?” perguntou na sua carta-testamento Octave Garnier, um dos propagandistas pelas armas do ideal anarquista, na Paris do início do século XX (Parry, 1987, p. 146) – numa interrogação indignada que desde sempre ecoou no movimento anarquista. Tendo como derradeira finalidade a criação de uma sociedade liberta da maligna dicotomia entre exploradores e explorados, o anarquismo assume a sua condição de “filosofia da liberdade” (Milstein, 2010, p. 12). Ainda que o anarquismo seja naturalmente e inevitavelmente heterogéneo – concedendo sempre espaço à improvisação e experimentação, em detrimento da rigidez de planos pré-definidos – existindo (como sempre existiram) divisões quer relativamente à forma (individualista, ou social), quer à escolha do melhor caminho (violento ou não-violento, por exemplo) para atingir uma nova ordem social e humana, este horizonte final é largamente partilhado pelos seus militantes.

 

A “REVOLTA DO FAZER”

 

Hoje em dia, é relativamente comum ouvir-se falar em vários fóruns, académicos e ativistas, do “renascimento” do anarquismo – ou seja, o anarquismo, terá voltado em força ao palco da história, num novo ciclo irresistível (Amster, 2012, p. ix). Embora não seja este o lugar para um olhar prolongado sobre o anarquismo histórico, é importante saber que, realmente, a evolução histórica do anarquismo obedece a ciclos. Existe um período clássico que vai de meados do século XIX até à primeira guerra mundial. Nesta fase surgem as grandes teorizações do anarquismo, quer como anarco-individualismo (na senda de Max Stirner), quer sobretudo como anarquismo social (que por seu turno se divide em federalista, comunista e sindicalista, passando pelo anarquismo cristão). Também foi neste período que, particularmente no seguimento do esmagamento da Comuna de Paris pelas autoridades francesas (visto como o símbolo máximo da opressão e da violência do Estado contra o povo), se popularizou, primeiro na Europa, e depois nos Estados Unidos, a propaganda pelo facto, ou seja, pela força das armas, dinamite e assassinatos de altos dignitários, em detrimento da propaganda pela palavra, persuasão e educação (Miller, 2013, pp. 98-136). Escrevendo de Paris para o jornal Gazeta de Notícias, Eça de Queirós denunciava esta “seita de doentes”, cuja violência se tinha tornado rotineira: “As bombas anarquistas… vão entrando lentamente na classe dos acidentes naturais, onde tomam um modesto lugar, logo depois das inundações e dos incêndios” (Queirós, 2002, p. 451).

No período entre as duas guerras mundiais, irão surgir dois grandes movimentos de esperança num avanço anarquista. Primeiro através da emergência espontânea dos Sovietes, conselhos de operários e camponeses, na Rússia revolucionária, que, no entanto, foram progressivamente esvaziados e controlados pelos bolcheviques, levando Peter Kropotkin a lamentar as tendências ditatoriais que de facto acabaram com a revolução socialista. Depois, nos anos 30, e fruto da influência do anarco-sindicalismo (que desde o final do século XIX se tinha vindo a expandir no movimento operário europeu e da América Latina), a Espanha conheceu, através da ação conjunta da Federación Anarquista Ibérica (FAI) e da Confederacion Nacional del Trabajo (CNT), a experiência anarquista de maior sucesso até a data. Na zona republicana, durante a guerra civil, assistiu-se nomeadamente na Andaluzia e na Catalunha (cujos anarquistas receberam os louvores de George Orwell), à coletivização das terras e da indústria, e à constituição de comunas, numa espécie de federação livre de povos. A revolução social acabou, contudo, por tombar face à ascendência dos comunistas e ao próprio cenário de guerra em que ela se desenvolveu. Na realidade, depois desta experiência, o anarquismo passou por um período de maior apagamento até sensivelmente aos anos 60 e 70, onde renasce com os movimentos de contracultura, até romper no período atual, desde a passagem do século XX até ao século XXI, que é visto como um novo período de “ressurreição” do anarquismo (Gordon, 2007; Williams, 2007).

E este aparente “triunfo” do anarquismo está intimamente ligado ao movimento da antiglobalização, que depois se chamou a si próprio de alter-globalização, ou seja, a esse ativismo global, multifacetado, que ataca a globalização capitalista contemporânea e procura novas formas alternativas de entender e agir no mundo. A face mais visível e mediática deste movimento, principalmente na viragem do século, foram as grandes manifestações de rua aquando de encontros dos “poderosos” do mundo, como, por exemplo, o Grupo dos Sete (G7), ou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Este movimento, que nasceu no final dos anos 90 (simbolicamente com a famosa “Batalha de Seattle”, de 1999), tornou-se, contudo, e de uma forma gradual, uma rede difusa de indivíduos e grupos, transnacional, fluida e descentralizada, baseada numa solidariedade dinâmica e voluntária, e essencialmente sem lideranças formais. Esta combinação de autonomismo, horizontalismo e anti-hierarquismo, dá ao movimento uma imagem (ou para alguns uma “sensibilidade”) anarquista, mesmo que muitos ativistas não se denominem como tal (a designação anarquista, como já foi dito, ainda é malvista em muitos setores da sociedade). A “velha” esquerda rígida, hierárquica, com as suas marchas sonolentas e os seus slogans já gastos, na opinião entusiasmada do antropólogo anarquista David Graeber, estava a ser finalmente desafiada por um anarquismo pragmático que emergia finalmente como o “centro espiritual” da “esquerda revolucionária” (Graeber, 2012, p. 425).

E qual é o fio condutor que percorre todo este imaginário de protesto e política radical? É a ideia de que a fim de se chegar a uma sociedade mais humana o Estado e o capitalismo têm que ser confrontados através da associação livre, da ajuda mútua e da democracia direta. Esta tríade terá que ser o motor para qualquer eventual “emancipação” relativamente a uma globalização escoriada como desumana. E é exatamente deste ponto de partida que deriva o autêntico fascínio que a ação direta exerce para o ativismo global em busca de uma globalização alternativa. A ação direta pode ser expressa de várias formas, mas ela reflete sempre a vontade dos ativistas de deter o controlo sobre a sua própria existência. É ação sem mediação, seja de partidos, sindicatos, ou de agentes e instituições do Estado. É uma filosofia de ação que, em princípio, serve para aumentar a sensação de poder (o “empoderamento”) dos que a ela aderem,
e a põem em prática.

Esta filosofia tem consequências amplas, e dela advém o desejo e a tentativa, ilusória ou não, de fazer e criar uma nova política, e de experimentar práticas políticas e modos de vida alternativos. Em vez de um amontoado estéril de teorias e mais teorias, o filósofo John Holloway define este comportamento como uma “revolta do fazer”, ou a política de “viver e experimentar hoje o mundo que nós queremos criar”. E, na realidade, desta forma, ele descreve o modus operandi de muitos movimentos de protesto contemporâneos. Para o pensador irlandês, “Nós não pedimos permissão a ninguém e não esperamos pelo futuro, mas rompemos com o tempo e estabelecemos uma nova forma de fazer, uma outra forma de relações sociais… É o fazer que está no centro, não é um novo discurso, não é uma nova forma de pensar, não é um novo ismo: é fazer” (Holloway, 2010, pp. 241-249). Isto é o que se chama de prefigurative politics (em português, política prefigurativa, política que antecipa, que anuncia o que está para vir) – ou seja, é plantar as sementes da nova sociedade dentro da “casca” da velha sociedade. Esta expressão, embora formulada pela primeira vez no início do século XX, no âmbito do movimento operário americano, reflete, contudo uma ambição que desde cedo esteve presente na visão anarquista: a de antecipar, e de viver no presente (em comunas, por exemplo), o modelo desejado de sociedade.

E esta é uma força-motora de muitas experiências de mobilização coletiva, e antissistema, dos nossos dias. Esta maneira de fazer a política não clama por um choque frontal com o sistema, visto como autoritário, dominador e hegemónico, e detentor de um aparelho repressivo capaz de esmagar qualquer assalto frontal. O que ela implica é a sua subversão progressiva através da criação de “zonas de liberdade”, onde o tal mundo diferente é posto em prática, fora dos tentáculos do Estado. Eis um exemplo supremo de ação direta, ou da criação (pelo menos a tentativa de criação) de uma alternativa sem intermediários.

São esses espaços, por exemplo, que o filósofo anarquista Peter Lamborn Wilson chama de TAZ (zonas autónomas temporárias). Inspirando-se no exemplo histórico da criação de enclaves de piratas e corsários em séculos passados, ou seja, ilhas em que se vivia fora da lei, livre das hierarquias e dos poderes dominantes, Hakim Bey (o pseudónimo que Wilson usa) vê nesses espaços zonas de verdadeira liberdade, porque livres da dominação do Estado (Bey 2001). Hoje em dia, esses espaços de convívio surgem episodicamente durante a efervescência de festivais, protestos, ocupações, revoltas – mas a esperança é que possam ser eventualmente expandidos no tempo e no espaço tornando-se assim um modelo duradouro de uma sociedade livre, descentralizada e horizontal. Na prática, portanto, uma sociedade anarquista. Não é de estranhar que o nascimento, desde os anos 90, da comunidade Zapatista no México – como uma rede descentralizada, e baseada no autogoverno – seja uma fonte de inspiração para muitos anarquistas (Marshall, 2010, p. 70; Milstein, 2010, pp. 117-118). Nesse caso a experiência “durou”, e a autonomia temporária tornou-se “permanente” (ou ZAP, “zona autónoma permanente”), embora essa “permanência” dependa, claro, também da vontade do opositor (o Estado Mexicano).

 

AS OCUPAÇÕES COMO EMBRIÕES DO MUNDO A VIR

 

Não obstante estas raízes históricas (as “utopias piratas”), a ideia de criar espaços livres de autonomia pode ser vista, para os mais céticos, como fruto de uma interpretação delirante da realidade, fantasiosa, sem aplicação real no mundo de hoje. Mas o que é certo é que, em muitas narrativas de ativismo contemporâneo, o movimento das ocupações, desde a Primavera Árabe, passando pelos Indignados da Península Ibérica, até ao movimento Occupy na América do Norte e na Europa, foi visto como uma demonstração dessa “revolta do fazer”, desse experimentar de uma democracia real, e de novas formas de fazer política que se supõe avançar irresistivelmente pelo mundo. Muita da inspiração veio dos movimentos da Primavera Árabe, como um exemplo de emancipação e liberdade populares contra o despotismo do Estado e das elites. Esta imagem de poder popular, do momento singular em que as pessoas tomaram o destino nas suas próprias mãos, transformou-se, segundo o coletivo norte-americano anarquista Ruckus Society numa vitória do espírito e da prática da ação direta. Quer o movimento dos Indignados, quer o Occupy, criaram espaços de autonomia onde formas alternativas de fazer política foram experimentadas – o processo de decisão foi feito em assembleias populares, as decisões foram tomadas através do consenso e da participação de todos – de forma a “mostrar” como é que a “verdadeira” democracia funciona, contrastando-a com o sistema representativo, visto como injusto e opressivo, e onde o poder, ao contrário do que proclama, não está, de todo, nas mãos do povo. Só assim se entende as palavras do manifesto do movimento Occupy Wall Street: as pessoas que chegarem ao acampamento vão “experimentar algo que nunca experimentaram na vida: um espaço verdadeiramente e realmente democrático” (OWS, 2011). Pelo menos era essa a expectativa.

Na verdade, a crítica sobre a falta de foco nos protestos, ou seja, que os manifestantes não diziam exatamente ao que vinham, ou quais as queixas concretas que tinham, ou exigências que faziam, acaba por ser algo tangente, e secundário. O acampamento em si mesmo (ou um outro qualquer espaço geográfico de luta), essa experiência, essa vivência daquilo que é visto e sentido como uma alternativa ao status quo, é, em si mesmo, o foco, o núcleo duro, dos protestos antissistema. O teorista político Benjamin Arditi chama a esses espaços “performances políticas” – os manifestantes vivem aquilo pelo qual estão a lutar (autonomia, liberdade, ajuda mútua, anti-autoritarismo) não como consequência da sua luta, mas como uma parte intrínseca dessa luta (Arditi, 2012).

Mas a mensagem a reter é esta: cada vez mais esta ligação entre revoltas populares e a tentativa (muitas vezes transitória) de criação de espaços alternativos se tornou uma narrativa dominante do ativismo global no tempo histórico que vivemos. Veja-se, como mais um exemplo desta dinâmica protestatória, a proliferação em território francês, desde a segunda década deste século, das chamadas ZAD ou Zones à Defendre. Em espaços rurais, mas também urbanos, os ativistas formam campos de protesto, comunitários, contra projetos vistos como destruidores (como a construção de uma barragem, por exemplo), reivindicando a soberania do povo, e a reapropriação dos territórios perdidos para o Estado. Nestas “zonas em luta”, onde “o povo comanda e o governo obedece” as decisões pelos zadistes são tomadas em assembleia, sem atenção a hierarquias, dominando o princípio da autogestão (Cantamessi, 2015, p. 92).

Em vez de grandes manifestos ideológicos o foco está na experiência, na prática, esse mundo a vir, esse mundo desejado. Daí a importância de “re-imaginar”, em conjunto, como é que uma “verdadeira” sociedade deveria funcionar (Premo 2013, p. 321). Já não se trata de conquistar o poder, mas de consolidar e espalhar o autonomismo; e através da constituição de comunidades, gerar um outro tipo de poder – é aí que está a revolução, e essa vai ser progressiva, detonando aos poucos o poder do Estado. Veja-se como o lema “mudar o mundo sem tomar o poder” se tornou central no ativismo contemporâneo. A revolução já não é um único acontecimento, abrupto, mas uma série de atos revolucionários onde as pessoas, através dos espaços autónomos “agem como se já fossem livres” (Graeber, 2011; Newman, 2010, p. 170). É como se a lição do mártir anarquista alemão do início do século XX Gustav Landauer fosse, quase 100 anos depois da sua morte, finalmente apreendida: o triunfo sobre o Estado requer uma transformação espiritual, porque enquanto o desejo de dominação e hierarquia estiver presente nas pessoas o Estado tem sempre a capacidade de se reinventar (Landauer, 2010, p. 214). Só “mudando” as pessoas, portanto, é que se pode desestabilizar, de uma vez por todas, o Estado.

O poder encantatório da praxis prefigurativa faz mesmo emergir nalgumas narrativas anarquistas, como a do académico Richard Day, a defesa do “êxodo”, por parte dos ativistas, da sociedade atual, onde a criação dos tais territórios livres é acompanhada por uma cada vez menor participação, e interação, com o sistema dominante (Day, 2005, pp. 210-214). Esta atitude, contudo, é censurada pelos riscos que comporta de marginalização e isolamento para o ativismo radical. Para estes críticos, a política prefigurativa só faz sentido enquanto possuir dentro de si uma lógica mais vasta de confrontação: “só é genuinamente transformativa, enquanto for parte de movimentos que lutam para um novo mundo” (Dixon, 2014, p. 105). Simultaneamente, este tipo de mentalidade e ativismo prefigurativo pode ser criticado porque em vez de enfrentar o poder do Estado, passa ao lado desse poder, e age como se ele não existisse, quando a realidade é que estas zonas de autonomia só existem porque o Estado as tolera, preferindo em muitos casos esperar pela sua exaustão, em vez de reprimi-las (Farber, 2014, p. 82).

 

A INSURREIÇÃO

 

“Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução” William Blake

 

O ideal último do anarquismo é de harmonia social e de paz. A própria definição do anarquismo como “filosofia prática” e uma “disposição ética” implica não apenas a promoção dos seus valores, mas a sua vivência, a encarnação desses mesmos valores, na sociedade e no mundo. Isso supõe, portanto, a consonância entre os meios e os fins da doutrina anarquista (o tal horizonte de paz). Na prática, e ao longo da história, a relação entre anarquismo e violência tem sido mais complicada, e desde cedo que houve uma tensão no anarquismo – e no interior dos próprios anarquistas – entre a violência ou a não-violência como caminhos legítimos para atingir essa meta final (Marshall, 2010, p. 636; Kinna, 2005, p. 164). De tal forma que, ao longo da história do anarquismo, embora tenha havido uma ala terrorista (a já referida “propaganda pelo facto”), e uma ala pacifista (nomeadamente através de Tolstoy e da sua “irmandade Cristã”), “os defensores do uso de um mínimo de violência têm predominado” (Marshall, 2010, p. 636).

Mesmo tendo em conta esta realidade – ou seja, a ausência de uma dicotomia rígida entre violência e não-violência em muitos autores e militantes anarquistas – existe, no entanto, uma escala de prioridades. Enquanto muitos dos atuais movimentos de protesto contemporâneos, de inspiração ou sensibilidade anarquista, são primariamente não violentos, ao mesmo tempo existe um anarquismo que reivindicou para si – como a sua prioridade - a missão de confrontar fisicamente as forças que vê como opressoras (o Estado, o Capital), e que vê a violência como a principal arma contra a dominação, a hierarquia e o autoritarismo. É o anarquismo de insurreição, e nos nossos dias, ele manifesta-se de duas formas:

 

(a) Em público. Ou seja, fazendo parte de protestos coletivos contra os poderes estabelecidos – ou seja, a tática dos Black Blocs. Os grupos que executam essa tática fazem-no de forma frontal, e em colisão com os símbolos que, na sua perspetiva, representam a opressão (agências do governo, bancos, multinacionais), e fazem-no muitas vezes debaixo dos holofotes dos media.

(b) Em privado. Secretamente, e clandestinamente. Permanece escondido e age através de atos de subversão e sabotagem, através de campanhas bombistas e de ataque a indivíduos. A Federação Anarquista ­Informal (também conhecida como Frente Revolucionária Internacional) é o maior exemplo dessa rede de militantes anarquistas que juraram fazer uma guerra global contra o que chamam “tirania do Estado e do ­Capital”.

 

A fronteira entre estes dois tipos de anarquismo de insurreição não é rígida. Ambos admitem a prática de atos criminosos, e até terroristas, na perspetiva da cultura dominante e hegemónica (não são rivais, mas complementam-se na sua guerra anti-sistémica). E ambos têm um alcance global: os Black Blocs expandiram-se da Europa para os Estados Unidos, para a América do Sul (México e Brasil, sobretudo) e até para o Médio Oriente (no Egito, durante algum tempo, funcionaram como uma frente anti-islâmica), enquanto a Frente Revolucionária Internacional (como o nome indica) está presente na Europa, mas também na América do Sul, e na Ásia.

Mas antes de detalhar aquilo que é específico a cada um destes tipos de anarquismo de insurreição é importante ter em conta que eles partilham a mesma filosofia de ação em que a violência é reconceptualizada (ou seja, a sua definição de violência é mais alargada). Eles não aderem a uma definição restrita da violência (como os usos da força física que estão proibidos pela ordem normativa e formalmente legítima, ou seja, pelo sistema estabelecido). A sua definição de violência abrange toda e qualquer violação de direitos sociais e humanos básicos. E empiricamente, se prestarmos atenção aos integrantes destes grupos de contrapoder e antissistema, verificamos que esta é a sua definição de violência. Por isso, é comum ouvir dizer, ou ver em grafitis, frases como “violento é o Estado, violento é o capitalismo, etc.”. E por isso a violência é uma escolha, baseada numa decisão, e obedecendo a uma lógica. E essa lógica da insurreição não é fortuita, nem arbitrária.

A visão que impera no anarquismo de insurreição é a visão da violência anarquista como um mal necessário contra uma violência maior, estrutural e generalizada, do Estado. Estas ideias, obviamente, não nascem no vazio, têm antecedentes e uma genealogia. Apenas como um exemplo, Errico Malatesta, o propagandista e agitador italiano do período clássico do anarquismo, escreveu em 1920, “A revolução tem de ser violenta porque uma violência transitória, revolucionária, é a única maneira de pôr um fim na muito maior e permanente violência que mantém a maior parte da humanidade em servidão”. E concluiu: “Para nós os oprimidos estão sempre num estado de autodefesa legítimo” (Malatesta, 2014). E esta ideia da violência como autodefesa (em que o critério para a violência não é nem a legalidade, nem a ordem constitucional, mas a “opressão”), não só legitima a violência contra o agressor, como a torna moralmente válida, justa e honrada. E, dentro deste contexto mental, a violência quase se torna obrigatória e inevitável.

E o oposto desta filosofia da violência é o pacifismo e a não-violência. Claro que esta visão da violência libertadora não é exclusiva do anarquismo de insurreição. Existe toda uma linha de pensamento de autores do século XXI, como por exemplo Ward Churchill ou Derrick Jensen (autores muito citados nos círculos anarquistas e da esquerda radical em geral) que veem o pacifismo como uma “patologia”. Para eles, nem toda a violência é igual, e ela pode ser empregue quer para a subjugação como para a emancipação. Um argumento semelhante é feito por Peter Gelderoos para quem a não-violência protege o Estado: “Eles [capitalismo, Estado, imperialismo] declararam-nos guerra, e nós temos que levar a guerra a eles… A questão essencial é saber qual a violência que nos assusta e que nos indigna mais, e saber de que lado nos posicionamos” (Gelderoos, 2007, p. 92). Desta forma, a não-violência é vista como pouco mais do que colaboração com o inimigo.

De qualquer forma, as entrevistas, depoimentos, e literatura ligada a estes movimentos de insurreição mostram bem como o seu mapa mental é de crise e catástrofe. E existem coletivos (grupos difusos de indivíduos), muito ativos na Internet que expressam bem esta visão. CrimethInc, por exemplo, é um desses grupos, de produção anónima, e com os seus materiais traduzidos em várias línguas. Um dos seus textos fundadores começa assim: “Nós (os militantes) não vivemos na zona de Desastre, mas em acampamentos à margem. Sim vivemos num estado de grande dificuldade. Mas isso não é nada comparado com a miséria do dia-a-dia na zona do Desastre [a sociedade]” (Harbinger, 2004). Ou então ler o texto do Comité Invisível, um coletivo francês, cujos membros, aliás, chegaram a ser presos pelas autoridades francesas numa comuna na vila de Tarnac, sob a acusação de terrorismo. No seu já célebre manifesto (embora nunca tenham confirmado a sua autoria) “A Insurreição que Vem” afirma-se: “É inútil esperar – esperar por uma mudança, pela revolução, o apocalipse nuclear ou por um movimento social. Continuar a esperar é uma loucura. A catástrofe não vem a caminho, ela já chegou. Nós já estamos dentro do colapso da civilização. É dentro desta realidade que nós temos que escolher as barricadas. Não esperar significa, de uma maneira ou de outra, entrar numa lógica de insurreição” (Comité Invisível, 2010, p. 99).

Mas o que importa reter é que esta crise, para estes grupos, não é de circunstância, de conjuntura, ou dependente de boas ou más políticas públicas. A crise é estrutural, de paradigma, e de civilização. A raiz do mal é um sistema visto como autoritário e explorador que tem como símbolos máximos o Estado e o Capital. É isso que justifica o seu estado de rebelião permanente. E é também essa a razão da sua intransigência – da sua aversão ao compromisso com poderes que, em última análise, são ilegítimos – e que só servem para perpetuar a miséria existencial e social que a todos rodeia.

Na visão do anarquismo de insurreição existe de facto, uma separação rígida, sem nuances, entre reforma e revolução. Em última análise, o reformismo não só não faz sentido (porque os detentores do poder não vão ceder o seu poder voluntariamente) como é contrário a uma lógica que é revolucionária, que visa abolir o Estado, e não simplesmente influenciá-lo. E este antirreformismo significa a rejeição do diálogo “civilizado” e da busca “respeitável” por plataformas comuns orientadas para pequenas mudanças. E porquê a intransigência? Porque essa forma de agir deixa a infraestrutura autoritária e repressiva intacta.
O conflito, portanto, não é racionalizado em termos de uma disputa entre aqueles que governam e os governados (algo que poderia ser solucionado politicamente, através de eleições, por exemplo), mas como uma luta entre opressores e oprimidos, (e algo a ser solucionado fora da política “normal”, “liberal ou “civilizada”). E naturalmente que, no seguimento desta lógica, a democracia representativa é desprezada como um instrumento que uma minoria usa para perpetuar o controlo sobre a esmagadora maioria que vive subjugada.

 

BLACK BLOCS, OU A GUERRA DE BAIXA INTENSIDADE

 

Os Black Blocs são a parte mais visível e mediática do anarquismo de insurreição no mundo contemporâneo. A presença de mascarados, geralmente de negro, que se dedicam entre outras coisas à confrontação com a polícia, à destruição de propriedade, e à defesa de manifestantes da atuação policial, não deixa ninguém indiferente, nem a comunicação social, nem a opinião pública. É importante estabelecer desde já que os Black Blocs não são um grupo, ou um movimento. Eles são uma tática (surgiu na Alemanha nos anos 70, como forma de defesa de espaços ocupados por diversos grupos). Os participantes de Black Blocs defendem a diversidade de táticas na luta contra o status quo. Passeatas pacíficas, desobediência cívica, ocupações, são formas de ativismo às quais eles não se opõem. Mas a sua tática é outra. E é uma tática de ação direta que consiste em confrontar fisicamente o Estado, as suas instituições, assim como os símbolos da opressão capitalista e a polícia – a polícia, ou o “Blue Bloc”, os “gangues vestidos de azul”, que são uma “ameaça à liberdade de quase todos” (Z., 2014, p. 68-69), frequentemente descritos como os “cães de guarda” dos ricos e poderosos.

Ao mesmo tempo, não é correto dizer que todos os ativistas dos Black Blocs são anarquistas, mesmo que eles sejam o grupo principal. Os indivíduos que participam da tática dos Black Blocs são suscetíveis de terem motivações ­diferentes. Existe heterogeneidade. Para alguns existe o fascínio da ação, a ­excitação do confronto, da luta, e é isso que predomina e não tanto ideias grandiosas de transformação. E existem também aqueles que participam por rebeldia, transgressão e por anticonformismo, mas não, necessariamente, visando a destruição ou práticas ilegais e violentas. E também, nalguns casos, verdade seja dita, estão presentes polícias à paisana. Existe, portanto, uma mistura de motivações e sentimentos, o que não invalida a hipótese (confirmada por observação empírica) que grande parte dos participantes sejam de facto politizados e militantes. Por outro lado, a presença masculina é superior à feminina, embora essa dominação masculina também dependa dos países e dos contextos. De qualquer forma, o peso do anonimato nos Black Blocs ajuda à indiferenciação de género neste tipo de ações diretas.

Dito isto, da mesma forma que a lógica da insurreição não é arbitrária, a formação dos Black Blocs como uma forma de fazer guerra ao sistema, também não é arbitrária. E a preparação para o combate é pensada e organizada. Existem manuais (que circulam internamente, e que também estão disponíveis online) que estabelecem as regras que os militantes devem seguir. É que não basta pôr um lenço a tapar a cara, e começar a destruir vitrinas, e agências bancárias, para fazer parte de um Black Bloc. Na verdade, e embora não pareça para quem vê apenas as consequências dos atos dos Black Blocs nos media, eles são relativamente complexos e obedecem a regras de conduta para uma rebelião bem-sucedida. Um desses manuais tem por título “fashion tips for the brave” (“dicas de moda para os bravos”), e diz quais as precauções que os militantes devem ter. Exemplos: “se vai usar uma máscara, vista a máscara sempre”, “vista diferente vestuário, e tenha uma roupa diferente para que você possa parecer um civil inocente depois da ação”, ou “não deixe impressões digitais ou evidência de ADN. Ponha luvas de tecido (não use luvas de cabedal ou látex, elas podem preservar impressões digitais)”. Veja-se como existe uma grande preocupação com a segurança. E o manual acrescenta, “tenha a certeza de que você conhece e confia nas pessoas com as quais está a trabalhar, especialmente no caso de atividades de risco alto” (CrimethInc, 2008). Esta questão da confiança é importante e é uma das razões que faz com que geralmente os Black Blocs sejam organizados através de grupos de afinidade, entre 5 a 20 pessoas – e, idealmente, compostos por amigos, ou pelo menos por pessoas que conhecem o passado de cada uma e sentem confiança uma na outra.

E nunca devemos esquecer que esta é uma guerra contra o Estado. E um outro manual, chamado What Is Security Culture (“O que é uma cultura de segurança?”), mostra bem esta preocupação de proteger as células de ativistas da interferência, infiltração e espionagem por parte do Estado. Por exemplo, na preparação de uma ação de combate (seja ela qual for) os militantes devem obedecer a níveis de segurança. No nível 1, que é o mais alto em termos de segurança, “apenas as pessoas que estão diretamente envolvidas na operação sabem da sua existência”. Neste nível “não existe comunicação sobre a ação exceto em pessoa, em locais distantes das casas dos militantes, e num ambiente livre de vigilância” (CrimethInc, s.d). Veja-se como a comunicação pessoal, face a face, é vista como muito mais segura do que qualquer comunicação digital.

Existe, portanto, racionalização (por que lutar, e contra quem), existe organização (como lutar para que a missão seja bem-sucedida) e existe também, nas ações de rua, emoção (que é bem visível em depoimentos de participantes). Ou seja, benefícios emocionais e psicológicos que advêm da experiência do combate urbano. Uma espécie de “efervescência coletiva” (para usar a expressão de Émile Durkheim), em que a ocupação de ruas, a destruição de propriedade, e o confronto com a polícia, são momentos em que os militantes experimentam um mundo virado ao contrário, em que são eles, nem que seja por breves momentos, a terem o poder. Nesses momentos existe uma espécie de euforia contagiante e são momentos de revitalização individual e coletiva. Este catalisador emocional não deve ser desvalorizado em muitas ações de Black Blocs.

E finalmente, os Black Blocs não são fixos, inalteráveis, até porque os momentos de combate são confusos e imprevisíveis, e os combates urbanos não obedecem a regras de conduta, lineares e bem definidas. Muitas vezes assiste-se á fusão de grupos, em que no calor do combate outros indivíduos e grupos se juntam aos Black Blocs. Por exemplo, na Europa ou nos Estados Unidos é comum assistir-se à presença de imigrantes ou minorias agindo com e ao lado dos Black Blocs. Ou mesmo indivíduos com outras motivações, como ocorreu por exemplo em 2012 em Barcelona, quando muitos independentistas se juntaram aos Black Blocs, ou no Brasil, em que, por vezes, jovens das periferias, das comunidades, moradores de rua, agem em consonância com os Black Blocs. Assiste-se, na prática, a esta fusão de grupos –muitas vezes derivada da interação com as autoridades nas ruas – e para os mais militantes essa fusão é vista como uma expansão do espírito e das táticas radicais pelas massas, o que acentua o potencial revolucionário dos Black Blocs. Mas o que é um facto é que essa mistura de indivíduos e grupos torna visível as dinâmicas de “resistência sem liderança” dos Black Blocs, como um espaço que pode acolher vários indivíduos e grupos, unidos no anonimato contra um inimigo comum, e mais independente de hierarquias do que um grupo “convencional” com membros fixos. Nesse caso a insurreição é potenciada, e expandida.

 

GUERRILHAS URBANAS, OU A GUERRA SEM TRÉGUAS

 

Existe, contudo, um outro tipo de anarquismo de insurreição, que se manifesta através de uma Frente Revolucionária Internacional (ou Federação Anarquista Informal, como também é chamada). Esta é uma rede horizontal, sem um comando central, e constituída por um grupo difuso de indivíduos e células dedicado a táticas clandestinas de guerrilha urbana e apelando a uma guerra revolucionária contra o poder e o capital. E dessa guerra fazem parte atos regulares de sabotagem, ataques à bomba, e ataques a indivíduos. A Frente Revolucionária Internacional é uma espécie de Internacional Negra de Anarquistas. Esta Frente é, acima de tudo, uma rede de apoio: ou seja, de partilha de crenças, solidariedade, e até de meios e instrumentos para melhor atacar as infraestruturas do sistema. Mas cada indivíduo ou célula escolhe o seu alvo de acordo com as suas circunstâncias locais ou nacionais. No fundo, estão envolvidos numa guerra assimétrica no interior de cada Estado. E no início do século XXI, sob a alçada da Frente, um número razoável de ataques foram levados a cabo em países europeus (como a Grécia, Itália ou Rússia), na América do Sul (no México e no Chile) e no Sudeste Asiático (na Indonésia).

Um dos primeiros ideólogos deste tipo de anarquismo de insurreição foi sem dúvida o italiano Alfredo Maria Bonanno, um defensor de ataques contra as estruturas do Estado e do Capital, nomeadamente no seu panfleto “O Prazer Armado” (1977) – realçando sempre a necessidade de o fazer informalmente, através de unidades autónomas e baseadas em grupos de afinidade – e promotor de uma nunca criada “Internacional Insurrecionalista anti-Autoritária” (Marone, 2015, pp. 195-198). Hoje em dia, o maior fomentador desta Frente Internacional Revolucionária é o grupo anarquista grego a Conspiração das Células de Fogo que, desde 2008, lançou um ataque coordenado contra o Estado grego, e contra a sociedade capitalista, atacando símbolos, mas também seres humanos. Os seus comunicados foram disseminados por toda a internet, e traduzidos em várias línguas. Eles autodescrevem-se como “niilistas” dedicados à “insurreição anarquista” permanente no interior da detestada “civilização do domínio”; mas uma insurreição que não espera por nenhuma classe social, ou pelo “despertar” das massas para lançar os seus ataques ao sistema opressor. As massas são descritas como apáticas, e anestesiadas pelo espetáculo e pelo consumismo – e delas não há muito a esperar. Muitos dos seus membros ao longo dos anos foram presos, embora já tenha sido neutralizado um elaborado plano de fuga da prisão – “escapar da prisão só pode ser o único objetivo de uma guerrilha urbana anarquista em cativeiro” (CCF, 2015) – mas mesmo emprisionados, eles têm sido os mais fortes apoiantes da Frente Revolucionária Internacional.

Este grupo de insurreição grego deixa duas coisas claras. Primeiro, a necessidade de divulgar manuais para levar a cabo guerras assimétricas – ou seja, “a transmissão de conhecimentos e experiências para o fabrico de instrumentos incendiários, explosivos, cartas-bomba assim como outras formas de sabotagem” (325, 2012). E, em segundo lugar, fornecem uma justificação para incluir alvos humanos nessa guerra de “permanente insurreição”: “As escolhas de cada um de nós definem a nossa vida. Existem opções que são hostis e aqueles que as escolhem transformam-se em alvos legítimos. Os atos da guerrilha anarquista urbana têm como fim multiplicar os riscos de vida para os inimigos da anarquia e para os agentes do Estado” (325, 2013). O ataque de uma célula italiana ao CEO de uma agência nuclear, por exemplo, foi exaltado nos meios ligados à Frente. Um dos seus apoiantes viu nele “um ato de liberdade que infelizmente não acontecem com frequência. Temos que fazer mais. Essas ações são uma parte fundamental de qualquer insurgência anarquista” (The Anarchist Library, 2013). A vontade é de atacar mais vezes aqueles que representam, ou personificam, o inimigo dos anarquistas. Numa das publicações das Edições Internacional Negra, editora criada pelo grupo, o “terrorismo anarquista” é exaltado o terrorismo anarquista como forma de “superação do derrotismo e do medo… passamos primeiro ao ataque” (CCF, 2013, p. 29).

Assim, ao longo dos últimos anos, embora ainda sem a frequência que os militantes mais empenhados desejariam, esta filosofia de violência retaliatória incluiu:

 

(a)A sabotagem das infraestruturas capitalistas. E esta também é, se quisermos, uma das lições do manifesto francês já referido, “A Insurreição que Vem” – Ou seja, não é na produção que o sistema capitalista deve ser atacado. É na circulação, atacando as suas linhas, as suas interseções. É subvertendo e minando essa infraestrutura que se interrompe o fluxo capitalista, a sua mobilização, os seus recursos, os seus transportes, o seu consumismo. Num texto posterior, de 2014, esta ideia é reafirmada: o poder deixou de ser pessoal, mas impessoal, imanente, estando em todo o lado e residindo nas infraestruturas (físicas, materiais, tecnológicas) deste mundo. E, numa alusão que também se pode aplicar aos Black Blocs, afirma-se que “a destruição indiscriminada nos motins urbanos expressa, ao mesmo tempo, a consciência deste estado de coisas, e uma relativa impotência face a isso” (Comité Invisível, 2014, pp. 28-30). De qualquer forma, esta visão abre o caminho, por exemplo, à sabotagem, (sabotagem das linhas ferroviárias, das rodovias, da eletricidade, das telecomunicações)1.

(b) Ataques contra agentes do Estado – polícias, agentes penitenciários, magistrados, agentes dos serviços de segurança.

(c) Campanhas de carta-bomba contra capitalistas, financeiros, governantes.

(d) E ataques contra agências de notícias e dos grandes media (a Microsoft, como uma companhia que serve o “complexo tecno-industrial”, foi por exemplo alvo de um ataque à bomba em Atenas, em 2012).

 

A Frente Internacional Revolucionária criou toda uma rede comunicacional, de promoção da sua ideologia, que é facilmente acessível através da internet. Muitos dos seus materiais são traduzidos em dezenas de línguas (exatamente dentro da perspetiva de que o terreno da luta é global). Existem sites como War on Society, ou Contra Info, que se dedicam a traduzir um número imenso de manifestos, comunicados, notícias sobre prisões e julgamentos de anarquistas, assim como depoimentos daqueles que estão presos (vistos como “irmãos” e “irmãs” nesta rede anarquista de rebelião). Esta questão da martirologia – desde sempre presente na história do anarquismo – é importante: estes presos são celebrados como exemplos de virtude revolucionária, como modelos de conduta, e inspiração para os outros anarquistas insurgentes. Por isso cada ação militante, cada destruição de propriedade, cada ataque a indivíduos, são geralmente dedicados aos “camaradas de praxis “que estão atrás das grades. Também “atrás das grades” ficaram, em 2014 e 2015, anarquistas chilenos e espanhóis – presos na Catalunha – e acusados de pertencerem aos GAC (Grupos Anarquistas Coordinados), um suposto grupo espanhol da Frente Revolucionária Internacional. Para os detidos, esta filiação foi uma “construção” da polícia para facilitar o enquadramento do grupo no antiterrorismo. Entre os pertences confiscados pela polícia num dos raides encontrava-se uma cópia do “Prazer Armado” de Bonanno (La Tercera, 2014; Efecto Pandora, 2015).

É importante salientar que, embora partilhem da mesma filosofia da violência, existem diferenças entres os dois tipos de anarquismo de insurreição. A Frente Revolucionária Internacional obedece a um modelo de violência política mais elitista, e de vanguarda “iluminada”. A prioridade é combater pela causa independentemente do que as massas (vistas como desprezíveis) pensam. Nem eles agem ao lado das massas. Já as operações dos Black Blocs, em princípio, estão ligadas a protestos de rua mais amplos, mais de massa – eles são vistos como parte da diversidade de táticas contra o sistema – e veem benefício em estabelecer laços com grupos mais amplos – imigrantes, minorias ou excluídos. Por outro lado, para a Frente Revolucionária Internacional a violência política é mais expansiva, e atacam alvos humanos (enquanto os integrantes dos Black Blocs atacam agentes de autoridade, mas salvo raras ocasiões, esse é o seu limite). Para a Frente a violência é algo mais total e destrutivo, numa guerra sem tréguas.

 

A CONTRAINSURREIÇÃO, OU A RESPOSTA DO ESTADO

 

Na radicalização política existe sempre um processo de interação. E no caso do anarquismo de insurreição, esta interação dá-se sobretudo com o Estado. É que os mecanismos de radicalização são também reativos, e em dinâmica oposição com outro polo de ação (McCauley e Moskalenko, 2011, pp. 222-223). Dai advém a psicologia da vitimização – os indivíduos têm a perceção de que eles, ou o grupo a que eles pertencem, estão a ser marginalizados, ou atacados pelo Estado, ou por grupos malévolos que se apoderaram do Estado.

Particularmente desde o 11 de Setembro de 2001 os países (na América do Norte e na Europa isso é claro) intensificaram a repressão e os mecanismos policiais e jurídicos sobre grupos considerados extremistas. Alargou-se o conceito de terrorismo (que passou a incluir a destruição de propriedade privada); as sentenças passaram a ser muito mais pesadas; e os agentes de segurança passaram a ter muito maior autonomia, e liberdade de movimentos para lidar com possíveis ameaças. Os anarquistas são um dos grupos atingidos. O FBI, por exemplo, define anarquistas como “criminosos à procura de uma ideologia para justificar as suas atividades” (FBI, 2011). E como estratégia de prevenção, o monitoramento e a infiltração de grupos anarquistas tornou-se uma estratégia comum. Nos Estados Unidos, nos últimos anos, foram presos, e condenados a penas pesadas, anarquistas devido ao trabalho de agentes infiltrados.

Por outro lado, cada vez mais se espalha a ideia de que o terrorismo contemporâneo está a viver uma “onda tecnológica” (Simon, 2013, p. 245). A internet facilita a radicalização individual (ideologias extremistas estão à distância de um click) e ajuda na divulgação de estratégias de resistência ao status quo (os meios e instrumentos para fazer guerra ao sistema estão disseminados no mundo virtual). Mas, da mesma forma, as tecnologias de comunicação aumentaram imenso a capacidade de o Estado vigiar indivíduos ou grupos vistos como subversivos – e as autoridades usam redes sociais exatamente para isso. Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp, por exemplo, são intensamente vigiados para identificar indivíduos vistos como violentos e encontrar provas de crimes.

E isto tem uma consequência: aumenta a necessidade de maior secretismo e clandestinidade de muitos indivíduos e grupos. E, exatamente para escapar a um Estado que tudo vê e tudo controla, eles desligam-se das redes sociais, do digital e da tecnologia, praticando uma comunicação interpessoal. E nesses ambientes, de células subversivas e clandestinas, podemos deduzir que a radicalização individual, mas também de grupo, é acelerada – porque esse isolamento desconecta ainda mais as pessoas das suas rotinas e redes sociais normais, e torna concreta, no dia-a-dia, a sensação de cerco, aumentando a urgência de agir antes da captura, assim como o desespero de quem sente que não tem mais nada a perder.

São precisos dois para dançar o tango. E este entrelaçado dinâmico entre a radicalização violenta de indivíduos e grupos, por um lado, e o Estado, por outro, tem de fazer parte de qualquer análise mais profunda sobre grupos radicais, e violentos, sejam eles anarquistas ou não.

 

OS CAMINHOS DO ANARQUISMO NO SÉCULO XXI

 

Para finalizar esta reflexão sobre o estado do anarquismo no século XXI e o seu papel no atual ciclo global de protestos, importa reforçar aquelas que são as quatro grandes consequências do anarquismo no ativismo global contemporâneo:

 

(a) Existe uma tentativa de reinvenção da política. E isso é feito através da rejeição da democracia representativa e da defesa de formas e mecanismos de participação popular assentes na democracia direta. O princípio democrático-liberal que associa democracia com eleições é visto como insuficiente, e, em última análise, é criticado como a fonte do mal que afeta as sociedades contemporâneas, porque perpetua a dominação das elites sobre o povo (mais uma vez a ideia da tirania da minoria sobre a maioria). Muitos ativistas falam em regressar ao “espírito original da democracia”, ou seja, de uma renovação do sistema a partir de baixo, através da descentralização, da participação radical, e da democracia direta (Zúquete, 2012).

Por outro lado, esta renovação da política, também é simbolizada através da “política prefigurativa” (presente nas ocupações) em que os ativistas confrontam o mundo “tal-como-ele-é” (as suas instituições, e símbolos), mas ao mesmo tempo promovem e experimentam o mundo “tal-como-ele deveria ser” (em “espaços” vistos como de liberdade). Aliás, esta ênfase na liberdade, e na singularidade de cada pessoa, abre uma linha de crítica a esta suposta “nova política”, como se, na prática, ela não fosse mais do que uma “revolução libertária”, menos preocupada com projetos coletivos do que com a primazia do indivíduo (Krastev, 2014, pp. 21 e 61). Esta crítica, contudo, desconsidera a influência do liberalismo – e da importância da liberdade pessoal – na filosofia do anarquismo, embora os anarquistas se afastem dos liberais na primazia que estes dão ao Estado como protetor das ­liberdades individuais e direitos (como o de propriedade). Aliás, foi exatamente por causa dessa afiliação à tradição liberal que o ­movimento libertário e anarco-capitalista, que propõe estender a liberdade a todas as áreas, e nomeadamente no campo da economia, sem interferências, se pôde reivindicar como anarquista, para horror de todos os anarquistas que veem na luta contra o poder opressivo do capital, e contra a desigualdade e injustiça sociais por ele provocada, um dos pilares do anarquismo (Baillargeon, 2013, pp. 126-133).

De qualquer forma, as ambições e as expectativas relativamente à construção dos tais espaços de “liberdade” são geralmente altas. No fundo, é como se através deles o potencial redentor da democracia (o poder para o povo) fosse preenchido, e fosse satisfeito. A democracia, para muitos ativistas, consiste hoje em dia na invenção e reinvenção desses espaços.

(b) À segunda grande dinâmica pode dar-se o nome de recreação da revolução.

Esta lógica de ativismo político tem óbvias consequências para o conceito de revolução. Assim, a proliferação de espaços de libertação (mesmo temporários) é a confirmação para muitos de que a revolução já está em marcha. É como se esses espaços fossem atos revolucionários nos quais o futuro é moldado e experimentado no presente. Já não se trata de uma lógica de assalto ao poder, nervosa e repentina, mas da sua subversão, paciente e contínua. É através dessas fendas na sociedade dominante que uma nova sociedade, ainda que incipiente, está a ser construída (pelo menos é esta a esperança). É como se o “novo mundo” (essa ideia-chave de muitos movimentos) não fosse apenas possível, mas existisse de facto, na prática, em múltiplas formas, dentro do velho e decadente mundo. O resgate da palavra revolução, nas palavras de um geógrafo anarquista, significa assumir em pleno o “potencial insurrectionário” no presente, no imediato, no dia-a-dia (Springer, 2014, p. 262).

(c) Assiste-se também ao desejo de redefinição de utopia. E porquê? Exatamente porque o mundo alternativo já não é algo imaginado ou adiado para um outro lugar, ou para o futuro, mas é atingível, e experimentado, de várias formas no presente. Os planos detalhados que iriam levar a uma sociedade imaginária ou imaginada, típicos das ideologias “ortodoxas” de outras eras, como as marxistas-leninistas, estão fora de moda; aliás o caminho para o futuro não tem um mapa – neste novo radicalismo, os ativistas em vez de se guiarem por um mapa, estão a construir os seus próprios caminhos, individualmente e coletivamente, enquanto agem, enquanto caminham. Por isso é que, em muitos desses espaços de rebelião, a utopia (a sociedade alternativa) já não é sentida como transcendente, mas como imanente: um espaço criativo, fluido, muito ligado à experimentação, ao fazer e ao refazer, e não um estado fixo, inalterável, como as utopias do passado. “Utopia agora”, poderia ser o slogan do espírito e da prática de muitos destes movimentos contemporâneos de emancipação.

(d) Finalmente, a quarta grande dinâmica é a diversidade de táticas no ativismo, e isso inclui a possibilidade da violência política. Existe no ativismo contemporâneo não só a opção deliberada pela não-violência (muito presente e tende a ser maioritária), mas também, como vimos, uma ação direta, mais assertiva, que usa a violência contra os poderes vistos como “hegemónicos” e “ditatoriais”, quer através de ações de rua, quer através de ações de guerrilha urbana.

 

O “regresso” do anarquismo no século XXI, portanto, é como uma árvore que cresce com várias ramificações e direções. Por isso, a sua influência nos protestos globais de hoje, de um modo dissimulado ou consciente, faz-se sentir também de diversas formas. São vários os caminhos e são vários os caminhantes, em busca de uma nova sociedade, sem opressão, sem desigualdade e, esse é o seu desejo, livre do jugo dos poderosos.

 

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Recebido a 14-02-2015. Aceite para publicação a 20-01-2016.

 

NOTAS

1 Em 2011, por exemplo, o sistema ferroviário de Berlim foi atacado, e foram estes os argumentos utilizados.

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