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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.221 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGO

Alterações climáticas e ordenamento do território em estratégias de segurança

Climate change and spatial planning in security strategies

 

Raul Kleber Souza Boeno* e João Ferrão*

*Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Avenida Prof. An;íbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mails: raulboeno@campus.ul.pt e joao.ferrao@ics.ulisboa.pt

 

RESUMO

 

As estratégias de segurança internacionais e nacionais têm adotado o conceito de segurança total, que inclui ameaças não militares como as alterações climáticas. Simultaneamente, a ocorrência de catástrofes graves exigiu a intervenção das forças armadas em domínios antes atribuídos a entidades civis. Estas duas tendências suscitam uma aproximação entre políticas tradicionalmente autónomas. Analisando três estratégias de segurança (OTAN, UE e EUA), identifica-se como o reconhecimento das alterações climáticas enquanto ameaça promove ações de gestão preventiva e adaptativa por parte dos Estados que valorizam, ou podem vir a valorizar, o ordenamento do território como fator de resiliência climática e, portanto, de segurança.

PALAVRAS-CHAVE: ordenamento do território; alterações climáticas; segurança e forças armadas.

 

ABSTRACT

 

International and national security strategies have adopted the concept of total security, which includes non-military threats such as climate change. Concurrently, the occurrence of severe disasters required the intervention of the armed forces in domains previously assigned to civil organizations. These two trends raise a rapprochement between traditionally detached policies. Analysing three security strategies (NATO, EU and US), we identify how the recognition of climate change as a threat promotes actions of preventive and adaptive management by states that value, or may value, spatial planning tools as a factor of climate resilience and, thus, of security.

KEYWORDS: spatial planning; climate change; security; military forces.

 

INTRODUÇÃO

 

No intervalo de dez anos entre a II e a III Conferências Mundiais sobre Redução de Desastres, que deram origem, respetivamente, à Declaração de Hyogo (UNISDR, 2005) e à Declaração de Sendai (UNISDR, 2015b), verificou-se uma evolução significativa no que se refere às abordagens sobre alterações climáticas e aos seus reflexos no conceito de segurança internacional.

Paralelamente, a partir de eventos naturais com grande expressão social e mediática, com destaque para o furacão Katrina (2005) e o tufão Haiyan (2013), e dos discursos securitários de organismos internacionais de segurança e económicos – Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU, 2007); Relatório Stern (2007) –, vários Estados atualizaram as suas estratégias de segurança, integrando novos conceitos como segurança ambiental, e novas visões de atuação das forças armadas.

O 10.º Relatório do World Economic Forum sobre riscos globais (WEF, 2015) inclui as falhas de adaptação às alterações climáticas no grupo mais crítico, caracterizado por ter, simultaneamente, uma elevada probabilidade de ocorrer e um forte impacto potencial. Esta situação é apenas partilhada com quatro outros tipos de risco: conflitos entre Estados, desemprego/subemprego, escassez de água e ciber-ataques. As alterações climáticas são, portanto, consideradas pelo painel de peritos consultados um risco sistémico mais crítico do que outros socialmente muito valorizados, como os ataques terroristas de larga escala, as pandemias, as crises financeiras ou a instabilidade social. Por outro lado, o mapa das inter-relações entre distintos tipos de riscos evidencia o modo como as falhas de adaptação às alterações climáticas produzem efeitos nefastos em domínios muito diversos, como a perda de biodiversidade,
a ocorrência de catástrofes e fenómenos extremos, a existência de crises alimentares e de água, a difusão de doenças infecciosas ou as migrações involuntárias de larga escala. O mesmo estudo salienta, ainda, a relação que se verifica entre falhas de adaptação às alterações climáticas e de planeamento urbano, e ressalta que os efeitos de ambos os tipos de falhas tenderão a agravar-se nos próximos 10 anos.

Das situações descritas depreende-se que as estratégias de segurança não podem deixar de levar em conta quer a situação atual, quer as tendências que, num contexto de inação ou de ação insuficiente ou inadequada, se agravarão no futuro de forma inevitável, com elevados custos nacionais e globais.

O objetivo deste trabalho é analisar três estratégias de segurança recentes que incorporam a dimensão das alterações climáticas, identificando os aspetos relacionados, direta ou indiretamente, com as políticas de ordenamento do território como meio para aumentar a capacidade de gestão preventiva e adaptativa dos Estados aos efeitos das alterações climáticas.

Procura-se, assim, dar um contributo para uma questão insuficientemente discutida ao nível conceptual e operacional: em que medida devem as estratégias de segurança nacionais e internacionais incluir orientações de ordenamento do território que visem reforçar a capacidade de resiliência e de adaptação dos territórios (comunidades, atividades e infraestruturas críticas) às alterações climáticas, diminuindo a sua vulnerabilidade e salvaguardando de forma mais eficaz a segurança de pessoas e bens?

 

METODOLOGIA E ESTRUTURA

 

Tendo como referência o enquadramento e o objetivo identificados no capítulo anterior, analisar-se-ão três importantes estratégias de segurança ocidentais – Strategic Concept of the North Atlantic Treaty Organization (SCNATO), National Security Strategy of the United States of America (NSSUSA) e Security and Defence Policy of the European Union (SDPEU) – visando identificar pontos de convergência no que se refere à relação entre alterações climáticas, segurança ambiental, estratégias de segurança, ordenamento do território e intervenção das forças armadas.

Na secção seguinte apresenta-se o enquadramento analítico a partir do qual as três estratégias selecionadas irão ser analisadas. Em primeiro lugar, reconstitui-se a forma como as questões ambientais, e sobretudo as alterações climáticas, ganharam um reconhecimento político e público de ameaça considerada suficientemente grave para serem incluídas nas estratégias de segurança nacionais e internacionais. De seguida, salienta-se o modo como as políticas de ordenamento do território podem contribuir, no contexto de estratégias de segurança, para aumentar a capacidade de adaptação dos territórios a essa ameaça. Em terceiro lugar, abordam-se as três estratégias de segurança à luz do referencial anteriormente exposto. Finalmente, o texto termina com uma comparação das estratégias mencionadas e com sugestões de desenvolvimentos futuros.

 

ENQUADRAMENTO ANALÍTICO

 

Que acontecimentos e fatores conduziram ao novo status atribuído às alterações climáticas nas estratégias de segurança? Que contribuições podem as políticas de ordenamento do território oferecer para aumentar a capacidade de gestão dos Estados em relação aos novos desafios de segurança colocados pelas alterações climáticas?

 

A EMERGÊNCIA DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS COMO PROBLEMA DE SEGURANÇA

 

Segundo Tanno (2003) e Duque (2009), o termo da Segunda Guerra Mundial (1945) marcou o final da dedicação exclusiva dos militares a estudos sobre a guerra. Segundo aqueles autores, até esse momento os estudos sobre a paz eram desenvolvidos nos domínios do direito e das relações internacionais. Contudo, a realização de testes com artefactos nucleares e as disputas ocorridas durante a Guerra Fria (1945-1991) despertaram a atenção dos civis para os estudos sobre segurança (Santos, 2009).

De um modo geral, percebe-se que na Europa tenham prevalecido, a partir de 1945, os estudos voltados para a paz, enfatizando as conceções de sociedade internacional e de segurança internacional. Os estudos estratégicos foram conduzidos predominantemente pelos Estados Unidos da América (EUA), sendo as investigações desenvolvidas neste país prioritariamente orientadas por preocupações com as ameaças externas militares ao país e aos interesses americanos (Nye e Lynn-Jones, 1988).

Após a Guerra Fria, diversas ameaças “não militares” surgiram na agenda de segurança, entre elas as alterações climáticas, o crescimento global da população e as migrações, todas com efeitos ameaçadores sobre pessoas e Estados. Tornaram-se, então, necessárias novas estratégias preventivas para evitar as ameaças mencionadas. Para Lemaitre e Fenger (2001), as alterações climáticas são a ameaça “não militar” mais importante do século XXI, porque, com elevada probabilidade, atingirão com intensidade o setor primário das economias dos países em vias de desenvolvimento e os respetivos níveis de rendimento e de qualidade de vida, contribuindo para o acréscimo de conflitos por recursos básicos escassos, como água e alimentos.

Com o Relatório Limites do Crescimento, as questões económicas e ambientais aumentaram a sua presença nos estudos sobre segurança. Segundo ­Meadows et al. (1972), o crescimento real da economia e da população dependerá de fatores como a paz e a estabilidade social, entre outros. Além disso, aqueles autores asseveram que a guerra, as epidemias, a procura intensa por matérias-primas pelos sistemas económicos industriais ou as situações de decadência económica generalizada levariam a uma desintegração social contagiante (Meadows et al., 1972). Desde a Conferência de Estocolmo, a primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Ambiente, realizada em 1972, a capacidade de inovação, tanto técnica como social, tem sido considerada um elemento-chave nos debates mundiais, proporcionando uma melhor compreensão sobre a questão ambiental e a sua governança (Ely et al., 2013). Esta visão permitiu ampliar o entendimento sobre a relação existente entre crescimento económico, inovação e segurança.

Na sequência desse debate, o Relatório Brundtland (1987) vem assinalar a necessidade de ampliar a noção de segurança tal como era até então entendida, no sentido de passar a abranger os efeitos do desgaste ambiental a nível local, nacional, regional e internacional. O relatório refere que as pressões ambientais podem ser uma importante fonte de tensões políticas e de conflitos armados, tornando-se, por isso, uma questão de segurança (Cunha, 1998).

A possibilidade de as alterações climáticas aumentarem o risco de conflitos violentos está relacionada com a vulnerabilidade dos locais e dos grupos sociais, os meios de subsistência e conflitos existentes e, ainda, o papel do Estado na gestão de conflitos “menores” (Barnett e Adger, 2007; Moser e McIlwaine, 2014).

As alterações climáticas têm prejudicado, de forma crescente, a segurança das pessoas, prevendo-se que a sua influência aumente no futuro através da redução do acesso a recursos naturais e da sua qualidade, fatores essenciais para manter a subsistência das populações. Neste contexto, as alterações climáticas podem fragilizar e testar a capacidade dos Estados caso estes não consigam fornecer oportunidades e serviços que ajudem as pessoas a manter o seu sustento (Barnett e Adger, 2007; Adger et al., 2014 ).

Sobre a capacidade de o Estado intervir neste processo e evitar conflitos, emerge nos EUA uma ligação explícita entre ambiente e o conceito de defesa preventiva. Em 1996, Sherri Goodman, então subsecretário de Estado para a Segurança Ambiental dos Estados Unidos da América, afirmou que, sob determinadas circunstâncias, a degradação ambiental e a escassez podem contribuir para a instabilidade e para o conflito. Assim, os fatores ambientais passam a ser considerados como elementos integrantes do conceito de segurança total (Becker, 2005).

A segurança ambiental também pode dar um contributo para melhorar a compreensão dos conflitos e os esforços de construção de regimes capazes de edificar uma paz duradora. Deve, por isso, ser integrada no quadro das mudanças do sistema internacional, segundo Soromenho-Marques (2015). Para o autor, a segurança ambiental não só constitui um novo método para o estudo das tensões internacionais como é um sintoma da profunda alteração que se tem vindo a registar, num ritmo progressivamente acelerado, no sistema internacional.

A Escola de Copenhaga ampliou o conceito de segurança, inserindo novas dimensões nos estudos sobre este tema, como a segurança ambiental, política, social e económica (Buzan et al., 1998). Outra importante contribuição foi a teorização do processo de securitização e das suas fases.

Basicamente, um processo de securitização inicia-se com um procedimento de agendamento, quando o tema/ameaça ultrapassa a agenda pública e ingressa na agenda política. Como consequência, ocorre uma aceitação pública do discurso político, o que leva a que a existência dessa ameaça seja identificada e reconhecida de forma generalizada. Este acolhimento público confere legitimidade às opções de ação dos decisores que lidam com a ameaça em causa (Buzan et al., 1998; Carrapiço e Pinéu, 2015).

No caso das alterações climáticas, o tema foi tratado incialmente pela comunidade académica internacional (Santos, 2012), passando, depois, a fazer parte dos debates políticos internacionais e de organizações não-governamentais. Existe consenso de que as alterações climáticas, particularmente o aumento médio da temperatura do planeta, são uma consequência das ações humanas (IPCC, 2014b), verificando-se também uma aceitação pública internacional alargada de que elas constituem uma ameaça à existência da humanidade (IPCC, 2014a). O acolhimento das alterações climáticas como ameaça grave permite a legitimação do discurso securitário (Freire, 2015) e dos atos daí decorrentes.

Boeno et al. (2015) sustentam que, após um alinhamento político de interesses diversos, houve um processo de securitização das alterações climáticas, sendo estas formatadas como uma ameaça tanto militar, como não-militar. Para os autores, a inserção das alterações climáticas no rol de ameaças de algumas estratégias de segurança pode significar, em última análise, uma decisão potencialmente geradora de déficit de soberania nos países em desenvolvimento com pouca capacidade de gestão. Essa situação terá reflexos no que se refere aos domínios de intervenção das forças armadas, que passarão a ser mobilizadas para intervenções internacionais em situações de desastres naturais intensificados pelas alterações climáticas e em conflitos com origem em disputas por recursos escassos (água, energia, entre outros) (Boeno et al., 2015).

Resumidamente, percebe-se que a formatação das alterações climáticas como ameaça à segurança internacional possui forte sustentação científica. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) assevera, tendo por base uma avaliação global com uma margem de incerteza de apenas 5%, que a atividade humana constitui a principal causa do aquecimento observado a partir de meados do século XX. O aquecimento no sistema climático ocorre de forma inequívoca e muitas das mudanças observadas, tais como o aquecimento da atmosfera e dos oceanos, a diminuição do volume de neve e gelo e o aumento de concentração de gases com efeito estufa (GEE), não encontram precedentes nos séculos mais recentes. Além disso, as temperaturas da superfície terrestre ocorridas nas últimas três décadas foram superiores às que se observaram em qualquer decénio anterior a 1850 (IPCC, 2013; 2014c).

Encontra-se nos relatórios do IPCC a contribuição do Grupo de Trabalho II (Adger et al., 2014), que aborda a temática da segurança humana no contexto dos impactos das alterações climáticas, das estratégias de adaptação e da minimização de vulnerabilidades. Conforme mencionado anteriormente, para Adger et al. (2014) as alterações climáticas têm o potencial de aumentar a rivalidade entre países no que se refere a recursos partilhados, como, por exemplo, os recursos no Ártico ou as bacias hidrográficas transfronteiriças. Nesse sentido, as alterações climáticas representam um desafio para a eficácia das diversas instituições que já existem para gerir estes recursos. No entanto, no entendimento dos especialistas do Grupo de Trabalho II verifica-se consenso científico quanto ao facto de ser improvável que este aumento da rivalidade cause, diretamente, situações de guerra entre Estados. A evidência existente mostra, até agora, que a natureza dos recursos em causa, como as águas transfronteiriças, e as diversas instituições internacionais e nacionais responsáveis pela resolução de conflitos têm sido capazes de resolver as rivalidades de forma a evitar conflitos violentos (Adger et al., 2014).

Além dos relatórios do IPCC, também os documentos produzidos pelo Gabinete das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNISDR, 2015a; UNISDR, 2015b) são fundamentais para compreender a relação entre alterações climáticas, segurança e desastres. Sobre isso, cabe pontuar que, entre 2008 e 2012, 144 milhões de pessoas foram deslocadas por catástrofes. Desastres, muitos dos quais foram agravados pelas alterações climáticas (aumentando a sua frequência e intensidade), entravaram de forma significativa o progresso de países rumo ao desenvolvimento sustentável. Outro exemplo é o caso específico dos pequenos países insulares em desenvolvimento, que são afetados desproporcionalmente pelos desastres (principalmente por inundações e vendavais) impedindo o seu progresso, devido às suas vulnerabilidades únicas e particulares (UNISDR, 2015a).

 

O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO COMO RESPOSTA ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO CONTEXTO DE ESTRATÉGIAS DE SEGURANÇA

 

A abordagem contemporânea sobre a ligação entre segurança e alterações climáticas tem, como foi referido na secção anterior, as suas origens no último quartel do século passado (Soromenho-Marques, 2015). A aceleração da relação “segurança – ordenamento do território” é mais recente, ocorrendo com maior interação apenas nas últimas duas décadas (Ferrão, 2012). Para este autor, as alterações verificadas neste período de vinte anos são explicadas por quatro fatores principais: (1) a evolução do conceito de ordenamento do território; (2) o alargamento do âmbito de aplicação geográfica e temática das políticas de ordenamento do território; (3) a emergência e maior consciencialização de perigos de natureza global com impactos territoriais diferenciados; e (4) a transição de visões estritamente securitárias, regulamentares e tecnocráticas de segurança para abordagens que integram os objetivos de segurança em finalidades mais amplas.

Ainda segundo o mesmo autor, existe uma tendência, em diversos países, para as políticas de ordenamento do território complementarem a sua tradicional função reguladora do uso e ocupação do solo com uma outra componente de natureza mais estratégica. Assim, a atual abordagem das políticas de ordenamento do território inclui, nesses países, duas dimensões: uma reguladora e uma outra estratégica.

A primeira dimensão, mais tradicional, tem como objetivo definir critérios e regras de uso, ocupação e transformação do solo, e concretiza-se, sobretudo, através de planos e de documentos vinculativos da ação de entidades públicas e privadas (legislação e regulamentação, entre outros). A segunda dimensão, mais recente, traduz uma abordagem assente em formas de governança de base territorial, focada em mecanismos de cooperação entre atores públicos e privados e de coordenação de políticas setoriais distintas mas com impacto num mesmo território, a partir de uma visão estratégica partilhada sobre o futuro desejado para esse território.

Tendo como referência a abordagem exposta, considera-se que os fatores propostos favorecem que as políticas e os instrumentos de ordenamento do território sejam mobilizados para aumentar a capacidade adaptativa dos territórios face às mudanças climáticas, melhorando a segurança dos territórios, das comunidades que os ocupam e das atividades que aí são desenvolvidas.

Além disso, leva-se em consideração o conceito de segurança territorial (visão sistémica de base territorial da prevenção, mitigação e adaptação a riscos com incidência geográfica), que corresponde, segundo Ferrão (2012), à ­articulação feita pelo ordenamento do território entre segurança humana (garantia de necessidades e direitos dos cidadãos) e segurança nacional (garantia de funções de soberania e defesa do Estado e dos interesses nacionais).

Considerando o objetivo visado e a perspetiva adotada, optou-se por analisar documentos oficiais que seguem a linha dominante de abordagem do tema segurança ambiental, caracterizada pelo que Soromenho-Marques (2015) chama de securitização ou mesmo militarização do tema, e que Ferrão (2012) enquadra nos fatores que alteraram a relação entre políticas de ordenamento do território e políticas de segurança.

 

ANÁLISE DE TRÊS ESTRATÉGIAS DE SEGURANÇA

 

Nesta secção serão abordadas três estratégias de segurança que incorporaram a dimensão das alterações climáticas, destacando-se os aspetos relacionados direta ou indiretamente com o ordenamento do território que poderão contribuir para aumentar a capacidade adaptativa dos respetivos atores, bem como ampliar a sua capacidade de gestão.

 

STRATEGIC CONCEPT OF THE NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION

 

O atual Conceito Estratégico da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou North Atlantic Treaty Organization (NATO) foi aprovado na Cimeira de Lisboa (2010). O Conceito Estratégico foi elaborado a partir do Relatório Albright NATO 2020: Assured Security; Dynamic Engagement (NATO, 2010a), que reuniu a contribuição de doze peritos internacionais liderados pela antiga Secretária de Estado norte-americana Madeleine K. Albright.

O Conceito Estratégico elenca novas ameaças e apela a uma forte determinação da aliança para enfrentá-los (NATO, 2010b; 2010a). Sobre o ambiente de segurança, a NATO (2010b) elucida que, além de ataques terroristas, armas nucleares e armas de destruição em massa, restrições ambientais e recursos-chave, as alterações climáticas, a escassez de água e as crescentes necessidades energéticas irão moldar de forma crescente o futuro ambiente de segurança em áreas de interesse para a NATO, tendo potencial para afetar significativamente o planeamento e as operações desta organização.

O Conceito Estratégico sugere ainda a adoção de uma Abordagem Global (Comprehensive Approach), que implica uma articulação entre meios civis e militares em respostas aos desafios de segurança. Estreitar as relações com os seus parceiros estratégicos torna-se, assim, fundamental para ampliar as suas capacidades de intervenção (NATO, 2010b). Outra inovação inserida no Conceito Estratégico é o conceito de Defesa Inteligente (Smart Defense), que tem como finalidade incrementar as capacidades da NATO, particularmente a projeção de forças em crises, apoiando-se em tecnologia e investimentos planeados (NATO, 2010b).

Assim, de acordo com o Tratado de Lisboa, os países da União Europeia deverão desenvolver capacidades civis e militares para a gestão de crises internacionais, como missões de prevenção de conflitos, humanitárias (assistência e evacuação em caso de catástrofes) e de manutenção da paz e estabilização pós-conflito, entre outras (UE, 2012).

Esta orientação teve repercussões importantes na organização e preparação das forças armadas. Por exemplo, a Espanha, após uma série de eventos que necessitaram da participação das suas forças armadas em catástrofes, reconheceu a necessidade de criar a Unidada Militar de Emergência (UME). A UME é uma força militar organizada, equipada, treinada e com os meios materias necessários para operar em desastres naturais/antropogénicos ou em outras emergências (UME, 2014).

Nesse mesmo sentido, o Governo português reestruturou o exército, nomeando efetivos como forças de apoio geral e de apoio militar de emergência (MDN, 2014). Essas forças são unidades de apoio, de combate e de serviços que asseguram capacidades adicionais para responder a compromissos internacionais específicos, podendo também ser mobilizadas para apoiar as autoridades civis em missões de ajuda ao desenvolvimento e bem-estar da população, designadamente no âmbito de respostas nacionais relacionadas com situações de catástrofe ou calamidades (MDN, 2014).

A estratégia da NATO não explicita relações diretas entre segurança, alterações climáticas e resiliência climática via ordenamento do território. Ainda assim, uma leitura do conjunto do documento permite verificar que, no leque de respostas a desenvolver no âmbito de uma das três tarefas consideradas cruciais – a gestão de crises, onde se inclui as alterações climáticas, são salientadas preocupações que claramente se associam a uma ótica de ordenamento do território. Salientem-se, como exemplos, a proteção de vias vitais de comunicação, transporte e passagem de que dependem o comércio internacional, a segurança energética e a prosperidade das populações (p. 12) ou o planeamento integrado entre militares e civis e o desenvolvimento de forças locais em zonas de crise que permitam intervenções eficazes por parte das autoridades locais (p. 21).

De uma forma mais genérica, o Conceito Estratégico adotado pela NATO cria oportunidades para que o ordenamento do território possa contribuir para minimizar, ou até mesmo neutralizar, alguns dos novos perigos de acordo com os interesses da NATO. Como exemplo dessas oportunidades, pode citar-se uma integração, a nível internacional, de políticas públicas de ordenamento do território “específicas” sobre: degradação do solo, riscos de desertificação do solo, utilização de recursos hídricos, erosão de zonas costeiras, ocupação de áreas de riscos, construção de instalações militares e civis (centrais nucleares, por exemplo) em Zonas Costeiras de Baixa Altitude (ZCBA), crescimento demográfico devido às migrações decorrentes de alterações climáticas e controlo de doenças, entre outras.

 

SECURITY AND DEFENCE POLICY OF THE EUROPEAN UNION

 

O conteúdo dos Relatórios Stern (2007) e Solana (2008) e do Tratado de Lisboa (NATO, 2010b) contribuiu para integrar a relação entre alterações climáticas e segurança na agenda de segurança da União Europeia. Em 2012, o Parlamento Europeu, por intermédio da Comissão de Assuntos Externos, aprovou uma Resolução sobre o papel da Política Comum de Segurança e Defesa em matéria de crises provocadas pelo clima e catástrofes naturais (UE, 2012).

Na Resolução Role of the Common Security and Defence Policy in case of climate driven crises and natural disaster (UE, 2012), o Parlamento Europeu afirma que a crise económica e financeira, iniciada em 2008, ofuscou o papel das alterações climáticas no debate público, mas que estas últimas são, juntamente com as primeiras, as principais ameaças para a segurança no mundo (UE, 2012). Sobre este aspeto, cabe destacar que a UE possui importantes relações geoeconómicas e geopolíticas com as restantes regiões do mundo, estando fisicamente próxima de áreas com grandes efetivos populacionais (Smith, 2013).

No que se refere às catástrofes naturais, a Resolução do Parlamento Europeu (UE, 2012) reitera que, para garantir uma resposta eficaz às crises, é fundamental contar com as capacidades militares e civis, o que requere uma estreita cooperação entre esses dois domínios. Isto porque, após uma definição de capacidades e lacunas, as componentes militares poderão aumentar a sinergia para a atuação, como foi o caso no Paquistão, Haiti e Nova Orleães, onde as forças militares provaram que dão um valoroso contributo para a resolução de crises causadas por catástrofes naturais, proporcionando ajuda às populações afetadas.

O Parlamento Europeu reconhece que nenhum conflito pode ser atribuído exclusivamente às alterações climáticas, atuando estas apenas como fatores desestabilizadoras, em especial para os Estados mais vulneráveis. Contudo, o mesmo documento salienta que populações confrontadas com a degradação do acesso a água doce e a alimentos devido a catástrofes naturais exacerbadas pelas alterações climáticas serão obrigadas a migrar, sobrecarregando, assim, as capacidades económicas, sociais e administrativas de outras regiões frágeis ou de Estados debilitados, criando, na sequência, conflitos com impacto negativo na segurança, podendo inclusive levar comunidades e países a competirem por recursos escassos (UE, 2012). No que se refere aos processos de integração em meio urbano, Arapoglou et al. (2009) sugerem que as diversidades culturais podem fomentar conflitos sociais.

Outra importante abordagem feita pela Resolução do Parlamento Europeu é que o impacto negativo das alterações climáticas e catástrofes naturais em termos de paz e segurança poderia ser integrado em documentos estratégicos da UE, como a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), servindo de diretrizes para o planeamento e a condução de políticas e missões. Além disso, o documento salienta que os estudos sobre o impacto das catástrofes naturais e das crises provocadas pelo clima na segurança internacional e europeia devem ser incluídos no programa da Academia Europeia de Segurança e Defesa (UE, 2012).

Ocorre que alguns países europeus já consideravam as alterações climáticas como ameaças aos seus interesses. No documento Germany: Defence Policy Guidelines 2011 argumenta-se que as alterações climáticas são uma ameaça à segurança alemã, pois comprometem a subsistência de pessoas, provocando migrações e conflitos. As alterações climáticas serão cruciais para o futuro da Alemanha e da Europa (MDG, 2011). A França, por intermédio do White Paper on Defence and National Security, reconhece que as alterações climáticas são uma ameaça com poder para intensificar e aumentar eventos extremos, enfraquecendo as regiões vulneráveis. Por exemplo, a atual redução do gelo no Mar Ártico tem consequências estratégicas, como a abertura de novas rotas de navegação (MDF, 2013).

Assim, percebe-se que o ordenamento do território também pode encontrar terreno fértil para ser integrado tanto na PESC como na PCSD, sem afetar a soberania dos Estados. O recurso a uma maior recolha e análise de dados de base geográfica, a identificação e caracterização dos países e regiões mais vulneráveis às alterações climáticas, a definição de regras de proteção de áreas com infraestruturas críticas (comunicação, energia, hospitais, água, etc.), a integração de medidas de adaptação e resiliência às alterações climáticas nas estratégias regionais da UE, a maior coordenação entre atores com intervenção numa mesma área ou a cooperação com regiões em risco e mais vulneráveis, constituem exemplos de domínios realçados na referida Resolução do Parlamento Europeu onde tanto a PESC como a PCSD podem beneficiar da adoção de uma visão de ordenamento do terirtório.

As oportunidades assim criadas estariam situadas nas duas dimensões instrumentais do ordenamento do território: estratégica e reguladora. Como exemplo poderão ser referidas as seguintes iniciativas: (1) treinos conjuntos entre as Forças Armadas e órgãos civis, visando melhorar a capacidade de ajuda mútua em caso de desastres e emergências em territórios específicos; (2) padronização de procedimentos para a condução de assuntos relativos a fluxos em massa de imigrantes (p.e., estabelecer Eixos de Absorção de Imigrantes – áreas de alojamento, permeando diferentes espaços e criando oportunidades de trabalho); (3) gestão comum de recursos hídricos e energéticos; ou, ainda, (4) inclusão do tema ordenamento do território no programa da Academia Europeia de Segurança e Defesa ou nos Centros Militares de Investigação.

 

NATIONAL SECURITY STRATEGY OF THE UNITED STATES OF AMERICA

 

Em fevereiro de 2015, o Presidente Obama anunciou a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América (NSSUSA), assinalando os interesses, princípios e prioridades para orientar o uso do poder e a influência americana no mundo (USA, 2015). Para atingir os seus objetivos e alcançar os interesses elencados na NSSUSA de forma mais eficaz, é proposta uma agenda de segurança nacional abrangente, priorizando esforços que abordem os principais riscos estratégicos para os interesses dos EUA.

Os riscos estratégicos para os interesses americanos são: (1) ataque catastrófico do território dos EUA ou de infraestruturas críticas; (2) ameaças ou ataques contra cidadãos norte-americanos no exterior e seus aliados; (3) crise económica global ou desaceleração económica generalizada; (4) proliferação e/ou uso de armas de destruição maciça; (5) surtos infecciosos globais de graves doenças; (6) alterações climáticas; (7) grandes perturbações do mercado de energia; e (8) consequências significativas de segurança em estados débeis ou em desagregação (incluindo atrocidades em massa, de repercussão regional, e crime organizado transnacional) (USA, 2015).

As alterações climáticas foram colocadas, em escala de importância e como fator de decisão americana, no mesmo nível que as armas de destruição maciça e os ataques catastróficos ao território americano.

Os EUA (USA, 2015) asseveram que as alterações climáticas são uma ameaça urgente e crescente à sua segurança nacional, contribuindo para o aumento de catástrofes naturais, fluxos de refugiados e conflitos em relação a recursos básicos, como comida e água. Os efeitos atuais das alterações climáticas são sentidos a partir do Ártico para o Centro-Oeste dos EUA. O aumento do nível do mar e as tempestades ameaçam as regiões costeiras, as infraestruturas e a propriedade, perturbando a economia global e agravando os custos crescentes de preparação e restauração das infraestruturas do país.

Para minimizar esses efeitos, os EUA afirmam que estão a liderar esforços no seu território e com a comunidade internacional para enfrentar este desafio, alegando que, nos últimos seis anos, as emissões norte-americanas caíram numa magnitude total superior à de qualquer outro país (USA, 2015).

O Plano de Ação Climática e as suas ações têm como meta a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 26 a 28 por cento entre 2005 e 2025. Para isso, os EUA estimulam a articulação entre empresas privadas e públicas, definindo padrões de redução da quantidade de poluição de carbono que as empresas emitem para a atmosfera e trabalhando no reforço da resiliência aos impactos das alterações climáticas (USA, 2015).

Para os EUA (USA, 2015), estes esforços internos contribuem para a sua liderança internacional. Com base nos progressos feitos na Cimeira de ­Copenhaga (2009) e recentemente em Paris (COP 21, 2015), alertam para o facto de estarem a trabalhar em direção a um novo e ambicioso acordo global de alterações climáticas para moldar padrões a favor da prevenção, preparação e resposta durante a próxima década.

Assumindo que, juntamente com a China, os EUA são os maiores emissores de carbono do mundo, estes dois países chegaram a um acordo referencial para tomar medidas significativas para reduzir a poluição de carbono. A contribuição substancial que prometem para o Fundo Climático Verde irá ajudar as nações em desenvolvimento mais vulneráveis a lidar com as alterações climáticas, a reduzir a poluição de carbono e a investir em energia limpa (USA, 2015).

Na NSSUSA verifica-se um esforço em estabelecer uma ligação entre alterações climáticas e segurança nacional, sendo aquelas, em última análise, uma das maiores ameaças aos EUA, pois possuem relações com migrações, terrorismo e conflitos por recursos naturais e energéticos, entre outras preocupações americanas. Ocorre que essas ameaças já faziam parte da agenda política do país antes de as alterações climáticas entrarem no discurso político. Assim, depreende-se que as alterações climáticas, na NSSUSA, poderão ser utilizadas para legitimar os interesses americanos e as suas ações futuras.

Destaca-se que, de modo semelhante às demais estratégias abordadas, os pontos de aderência com o ordenamento do território são vários. Sobre isso, convém lembrar que os ensinamentos construídos em Nova Orleães associados ao furacão Katrina (2005) exerceram uma grande influência na agenda de segurança dos EUA.

Na NSSUSA percebe-se a existência de diversas possibilidades de integrar segurança humana e segurança nacional por intermédio de políticas e instrumentos de ordenamento do território. Essas possibilidades vão ao encontro do conceito de segurança territorial proposto por Ferrão (2012), referidoanteriormente. Contudo, o documento não estabelece de forma direta essa relação. Ainda assim, uma leitura atenta do conjunto da Estratégia ­permite salientar, neste contexto, alguns aspetos essenciais para diminuir vulnerabilidades e aumentar a resiliência climática, através de iniciativas de natureza regulamentar (regras de proteção de infraestrututuras físicas críticas, códigos de conduta de segurança na utilização dos espaços terrestres, marítimos e áereos, etc.) e de natureza estratégica (reforço das instituições, mobilização coletiva de atores subestaduais – como os presidentes das grandes cidades – e das comunidades locais, ações concertadas envolvendo parcerias público-privadas, governança democrática, etc.).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As últimas décadas marcaram a mudança de status das alterações climáticas nos estudos sobre segurança, passando de elemento preocupante para fator catalisador de conflitos. Nesse mesmo período, devido a um maior conhecimento sobre riscos e desastres, entre outros fatores, também houve uma evolução do conceito de ordenamento do território nas suas dimensões reguladora e estratégica.

Conforme analisado nas três estratégias de segurança abordadas, as possibilidades de utilizar as políticas e os instrumentos de ordenamento do território residem nessas duas dimensões – regulando através de critérios, regras e códigos de conduta relativas ao uso, ocupação e transformação dos espaços terrestre, marítimo e aéreo (dimensão reguladora); e recorrendo a uma abordagem estratégica, ampliando os mecanismos de cooperação entre atores militares e civis e os procedimentos de coordenação em intervenções com incidência num mesmo território (dimensão estratégica). A forma como estas duas dimensões poderão concretizar-se depende dos sistemas e culturas de ordenamento do território existentes em cada país e também da organização político-administrativa prevalecente em cada um deles. Verificam-se diferenças particularmente assinaláveis entre os EUA e os estados-membros da União Europeia. Na verdade, e apesar da diversidade de situações que é possível encontrar entre estes últimos (Knieling e Othengrafen, 2009; Reimer et al., 2014; Schmitt e Van Well, 2015), as políticas e as práticas de ordenamento do território e governança territorial estão bastante mais desenvolvidas na Europa.

Não surpreende, por isso, que nas estratégias da NATO e da UE se verifique uma visão mais integradora de ambas as dimensões do que na dos EUA, que apresenta características sobretudo reguladoras. Observa-se, ainda, que as estratégias predominantemente europeias se destacam por terem concretizado, por intermédio de ações efetivas, a utilização de políticas e instrumentos de ordenamento do território para aumentar a capacidade de resiliência climática e de gestão adaptativa dos Estados.

Atualmente, um dos maiores desafios para a gestão europeia talvez seja ampliar a capacidade de gerir as migrações. Uma má gestão neste domínio poderá conduzir a uma desestabilização local e regional dos países europeus que recebem maiores fluxos de imigrantes, em trânsito (países de passagem) ou como local de residência (países de destino), criando condições para que surjam conflitos, como a comunicação social tem abundantemente destacado. A União Europeia, mesmo cumprindo os seus compromissos internacionais de redução de emissões de GEE com maior antecedência, é justamente quem recebe as maiores ondas de imigrantes provenientes dos países atingidos pelas alterações climáticas. Recorrendo a políticas e instrumentos de ordenamento do território, a UE poderá encontrar novas soluções para prevenir e minimizar os conflitos sociais decorrentes dessa situação.

No que diz respeito às forças armadas, uma estratégia de defesa serve também para que os Estados soberanos prepararem os meios disponíveis, entre eles as forças armadas, para atingir os seus objetivos finais. Assim, entende-se que, devido à nova postura dos EUA sobre alterações climáticas e defesa nacional, é provável que as forças armadas dos países ocidentais se reorganizem, verificando-se a migração de missões tradicionalmente consideradas do âmbito da defesa civil para instituições militares.

A criação de Unidades de Emergência inseridas nas Forças Armadas de países ibéricos, além de atender às suas necessidades internas em termos de defesa e de segurança, responde ao atual conceito estratégico da NATO, que defende uma ampliação das capacidades civis e militares dos seus Estados membros para serem capazes de atuar frente às novas ameaças, entre elas os desastres e as alterações climáticas. Além disso, é de destacar que as estratégias europeias enfatizam os aspetos militares de gestão de desastres.

Do exposto, percebe-se que a relação entre segurança e alterações climáticas extrapola o campo militar, passando a depender mais de ações políticas e económicas que atendam aos interesses dos decisores estratégicos, fortalecendo a tendência de enquadramento das alterações climáticas num processo de securitização. Nesse contexto, o ordenamento do território pode ganhar força como instrumento útil para fortalecer a capacidade preventiva e de gestão adaptativa dos Estados.

Em suma, os resultados deste trabalho permitem salientar quatro mensagens principais: i) as estratégias europeias de segurança procuram integrar instrumentos de ordenamento do território como uma das respostas aos impactos das alterações climáticas, aumentando a capacidade de gestão preventiva e adaptativa dos Estados, o que contrasta com a ótica sobretudo reguladora adotada na estratégia de segurança dos EUA; ii) a gestão inadequada das migrações leva à desestabilização social e consequentes conflitos, podendo as políticas e os instrumentos de ordenamento do território contribuir para prevenir e minimizar esses efeitos negativos; iii) o fortalecimento da capacidade de gestão de crises em desastres e emergências pode ser incrementado recorrendo aos instrumentos e políticas mencionados; e iv) a mudança estrutural nas forças armadas de alguns países europeus, nomeadamente ibéricos, reflete um ajustamento a uma visão que pretende articular alterações climáticas, segurança ambiental, estratégias de segurança e, de forma crescente, políticas e instrumentos de ordenamento do território. Uma maior cooperação entre a comunidade académica e os centros de investigação militares poderá contribuir para reforçar essa articulação a partir de estudos interdisciplinares sobre segurança e conflitos.

 

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Recebido a 25-02-2016. Aceite para publicação a 26-09-2016.

 

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