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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.220 Lisboa set. 2016

 

DOSSIÊ: NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE PARTIFOS E ELEIÇÕES EM PORTUGAL E NO BRASIL : COLIGAÇÕES, CANDIDATOS E PATROCINATO

Cabeças de lista às eleições legislativas portuguesas: laços locais ou visibilidade nacional?

Heads of list in the Portuguese legislative elections: localness or public visibility?

 

Edalina Rodrigues* Sanches e Ana Espírito-Santo**

*Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, Avenida Professor Aníbal de Bettencourt, 9 — 1600-189 Lisboa, Portugal. E-mail: edalinas@gmail.com

**ISCTE-IUL, CIES-IUL - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Av. das Forças Armadas - 1649-026 Lisboa, Portugal.E-mail: ana.espirito.santo@iscte.pt

 

RESUMO

 

Este artigo investiga em que medida as características pessoais dos cabeças de lista diferem das dos outros candidatos, partindo de uma base de dados original sobre os candidatos à Assembleia da República, em cinco eleições legislativas entre 1983-2009. Os resultados revelam que os candidatos com maior visibilidade nacional – políticos conhecidos, figuras públicas, candidatos com mais experiência parlamentar – têm mais probabilidade de serem colocados no topo da lista do que os candidatos que apresentam um perfil principalmente local. Este padrão não se altera significativamente em função da magnitude do distrito, do tipo de partido, nem com o amadurecimento da democracia.

PALAVRAS-CHAVE: cabeças de lista; recrutamento parlamentar; laços locais; visibilidade nacional.

 

ABSTRACT

 

This article examines the extent to which personal characteristics of heads of lists differ from those of all other candidates. It draws upon an original dataset on the candidates to the Portuguese Parliament in five parliamentary elections between 1983 and 2009. The results reveal that candidates with public visibility – famous politicians, public figures, and candidates with more parliamentary experience – have a greater probability of being placed in the top positions of the lists than candidates having a prominent local profile. This pattern does not vary significantly when we consider district magnitude, type of party, or the amount of time since democratization.

KEYWORDS: heads of lists; parliamentary recruitment; localness; public visibility.

 

INTRODUÇÃO

 

Os partidos políticos desempenham funções vitais que ligam os cidadãos ao sistema político (Sartori, 1976). Uma dessas funções diz respeito à seleção dos “candidatos ao parlamento e a outros órgãos políticos através de um processo formal de ‘nomeação’ designando-os como seus candidatos oficiais” (Lopes, 2002, p. 9).1

Nos anos 1990, Norris e Lovenduski (1995) contribuíram de forma significativa para a compreensão deste processo a partir da análise do recrutamento legislativo britânico. Norris e Lovenduski (1995) demonstraram, entre outras coisas, que as organizações partidárias influenciam decisivamente a “composição social” do parlamento, uma vez que mulheres, negros e operários teriam mais probabilidade de serem recrutados, por exemplo no Partido Trabalhista do que no Partido Conservador. Em Portugal, um conjunto considerável de estudos tem investigado esta temática olhando sobretudo para o resultado do processo de recrutamento, isto é para o perfil sociopolítico dos candidatos e/ou eleitos ao parlamento (Freire, Viegas e Seiceira, 2009; Freire, 1998, 2001, 2002, 2003; Pinto e Freire, 2003; Teixeira, 2009). Partindo da análise das biografias depositadas na Assembleia da República (AR) e/ou na Comissão Nacional de Eleições (CNE), estes trabalhos têm vindo a traçar uma fotografia longitudinal da classe política desde a Assembleia Constituinte até à atualidade. Para além disso, têm atribuído relevância ao modelo de recrutamento dos partidos (centralizado vs. descentralizado; formal vs. informal) (Freire, Viegas e Seiceira, 2009; Freire, 1998), à magnitude dos círculos eleitorais e à posição que os candidatos ocupam nas listas (Teixeira, 2009), enquanto fatores explicativos dos resultados do processo de recrutamento. Mais especificamente, o perfil dos candidatos escolhidos – em termos de género, local de nascimento e de residência, e de experiência política – parece variar com estas dimensões do sistema eleitoral.

Apesar de existirem muitos estudos sobre recrutamento parlamentar em Portugal, estes têm seguido uma perspetiva essencialmente descritiva; ainda pouco se sabe sobre quais as características pessoais dos candidatos que os partidos mais valorizam, tendo em conta diferentes posições nas listas. Este artigo pretende colmatar esta lacuna oferecendo respostas para as seguintes questões: Serão as características pessoais dos cabeças de lista significativamente distintas das dos outros candidatos? Em particular, terão os cabeças de lista um perfil predominante local ou nacional? E, existirão diferenças a este respeito, em função da magnitude do distrito, do tipo de partido e do amadurecimento da democracia?

Estas questões nunca foram investigadas no contexto português mas são importantes quer do ponto de vista da competição interpartidária, quer intrapartidária. Estudos que se centraram em sistemas eleitorais de listas abertas, em que os eleitores votam para eleger candidatos, confirmam que os candidatos posicionados em primeiro lugar nas listas são sistematicamente os mais votados (Koppell e Steen, 2014; King e Leigh, 2009; Marcinkiewicz, 2014; Chen et al. 2014).

Em sistemas de lista fechada, apesar de existirem poucos incentivos para o cultivo do voto personalístico – visto que os cidadãos votam em listas e não em candidatos – os cabeças de lista continuam a ser importantes tanto para os partidos como para os cidadãos. Para os partidos, a escolha dos cabeças de lista é crucial porque eles são a “face” mais visível do partido, a nível distrital, em tempo de campanha eleitoral. Enquanto os programas partidários fornecem informação aos votantes sobre os objetivos políticos dos partidos, os atributos dos candidatos chamam a atenção para aspetos mais paroquiais e locais aos quais os eleitores são sensíveis (Shugart, Valdini e Suominen, 2005, p. 440). Consequentemente, a escolha de um determinado perfil de candidato (e.g. uma figura local) pode ser determinante nos círculos eleitorais mais disputados – sobre este argumento ver Nemoto e Shugart (2013).

Para os cidadãos, os cabeças de lista podem funcionar como “atalhos” para a decisão de voto e várias pesquisas têm encontrado diferenças importantes a este nível. Estudos centrados em sistemas eleitorais abertos demonstram que os eleitores mais desinformados tendem a ser mais influenciados pela forma como os candidatos são ordenados nas listas (King e Leigh, 2009). E estudos sobre os efeitos do líder no comportamento eleitoral em Portugal revelam que os cidadãos mais desalinhados estão mais inclinados a mobilizar as suas perceções sobre os líderes partidários para decidir em quem votar (Lobo, 2014).

Em Portugal não se conhecem estudos sobre o processo de recrutamento dos cabeças de lista, todavia vários trabalhos sugerem que os líderes partidários são importantes – nas decisões eleitorais (Lobo, 2015), nas campanhas eleitorais (Lisi, 2008), e para os partidos catch all (Lobo, 2008) – e, logo que há lugar para o cultivo de um voto personalístico. Este artigo constitui, assim, um importante contributo para se perceber até que ponto os partidos procuram este tipo de voto a partir da seleção dos seus cabeças de lista. Para além disso, cria uma ponte entre a coleção de estudos sobre recrutamento parlamentar em Portugal (Freire, Viegas e Seiceira, 2009; Freire, 1998, 2001, 2002; Teixeira, 2009) e as abordagens mais recentes, na literatura comparada, que relacionam o perfil sociopolítico dos candidatos com as características do sistema eleitoral (Nemoto e Shugart, 2013; Shugart, Valdini e Suominen, 2005).

Este artigo baseia-se na análise de uma base de dados original sobre os candidatos que concorreram à AR em 1983, 1995, 2002, 2005 e 2009 (Espírito--Santo e Sanches, 2012). Esta base de dados inclui informação detalhada sobre o perfil social e político dos candidatos e foi construída no âmbito do projeto Electoral Systems and Party Personnel – The consequences of reform and non-reform, coordenado por Ellis Krauss, Robert Pekkanen e Matthew Shugart. A sua diferença relativamente a bases de dados similares (e.g. Freire, Viegas e ­Seiceira, 2009) é que ela é exclusivamente sobre candidatos, isto é, foi construída a partir da lista que os partidos apresentaram aos eleitores. Portanto, tem a vantagem de dar uma visão real da ordenação dos candidatos independentemente da altura em que chegaram ao parlamento.

Outra diferença importante é que a base de dados aqui utilizada inclui informação biográfica detalhada para todos os candidatos que foram eleitos no dia da votação e para uma parte significativa dos não-eleitos dos principais partidos.2 Assim, ela permite uma análise mais completa das diferenças entre os cabeças de lista e todos os outros candidatos quer tenham sido eleitos ou não.

A estrutura deste artigo é a seguinte. Na próxima seção apresentamos o estado da arte sobre as características do recrutamento em sistemas eleitorais de lista fechada e algumas proposições explicativas da variação nas estratégias de recrutamento. Continuamos com um enquadramento do caso português e com a exposição das hipóteses que irão ser testadas neste estudo. Finalmente, apresentamos os resultados da análise estatística multivariada sobre as características pessoais que aumentam a probabilidade de um candidato ser selecionado cabeça de lista. Os resultados desta análise revelam que existem diferenças significativas entre o perfil dos cabeças de lista e o perfil dos outros candidatos.

 

A ESCOLHA DE CANDIDATOS EM SISTEMAS ELEITORAIS PROPORCIONAIS DE LISTA FECHADA

 

Estudos recentes sugerem que as características do sistema eleitoral influenciam significativamente as estratégias de recrutamento dos partidos políticos. Estas parecem variar, primeiramente, em função da estrutura do voto, isto é, se estamos perante um sistema de lista fechada, semiaberta ou aberta, e depois em função da magnitude do círculo eleitoral (Nemoto e Shugart, 2013; ­Shugart, Valdini e Suominen, 2005). Isto torna-se evidente quando se observa aquilo que Nemoto e Shugart (2013) e Shugart, Valdini e Suominen (2005) designaram por atributos pessoais apelativos ao voto (APAV).3 Estes atributos dizem estritamente respeito aos laços locais (localness) dos candidatos, isto é, à relação de pertença dos candidatos aos distritos em que concorrem, em particular se nasceram ou se exerceram cargos políticos nesses distritos. Segundo estes autores, estes laços locais são valorizados de forma distinta pelos partidos, em função das regras do sistema eleitoral. Em sistemas de lista aberta (e.g. sistema de voto único transferível ou de voto preferencial) em que os eleitores elegem diretamente os candidatos que preferem, os APAV são altamente valorizados pelos partidos (Nemoto e Shugart, 2013; Shugart, Valdini e Suominen, 2005). Porém, nos sistemas de lista fechada, em que os eleitores votam na lista como um todo, os partidos não vêem tanta utilidade em capitalizar os laços locais dos candidatos para ganharem mais votos (Nemoto e Shugart, 2013; Shugart, Valdini e ­Suominen, 2005).

Dito isto, vários outros aspetos ajudam a compreender a variação no peso que os partidos atribuem às características pessoais dos candidatos (e aqui não estamos a pensar apenas nos APAV). Sabe-se, por exemplo, que partidos com estruturas de recrutamento mais descentralizadas tendem a dar mais importância ao perfil local dos candidatos (Hazan e Rahat, 2010) e que partidos mais pequenos e mais polarizados tendem a incluir um leque socialmente mais diversificado de candidatos nas suas listas do que os partidos mainstream (­Norris e Lovenduski, 1997, p. 87). Para além disso, a importância dada às características pessoais dos candidatos parece diminuir com a magnitude do círculo eleitoral (André e Depauw, 2014) e à medida que caminhamos para o topo da lista (Riera, 2011). Neste artigo interessa-nos precisamente a forma como as características pessoais dos candidatos são hierarquizadas através do posicionamento na lista. A maioria dos estudos que focou esta questão, preocupou-se essencialmente em explicar em que medida a posição na lista influencia a probabilidade de voto em sistemas de listas abertas; vejamos alguns exemplos.

Para as eleições federais australianas, onde vigora um sistema de voto preferencial, King e Leigh (2009) demonstraram que o primeiro candidato da lista recebe significativamente maior proporção de votos do que os outros candidatos, mesmo quando são controladas variáveis como género, idade e composição etnolinguística do distrito. Na mesma linha, Marcinkiewicz (2014) revelou, para o sistema proporcional de lista aberta polaco, que quanto melhor posicionado estiver o candidato maior a sua probabilidade de eleição. Mais ainda, confirmou aquilo que Koppel e Steen (2004) definiram como primacy e recency effects, na medida em que o primeiro e o último candidato da lista eram sistematicamente os mais votados. A conclusões semelhantes chegaram Chen et al. (2014) que confirmaram a existência de primacy effects em mais de 80% das eleições ocorridas em North Dakota entre 2000 e 2006.

Estes estudos mostram a importância da posição da lista enquanto “atalho” para a decisão de voto. No entanto, as questões investigadas neste artigo remetem para a dinâmica de competição intrapartidária, designadamente para a forma como os partidos escolhem e ordenam os seus candidatos em função das regras do sistema eleitoral, do tipo de partido e do amadurecimento da democracia. Na análise do sistema eleitoral proporcional de lista fechada espanhol, Riera (2011) oferece um dos poucos estudos que aborda algumas destas questões. Partindo de uma base de dados biográfica com mais de 1000 cabeças de lista dos dois principais partidos4 concorrentes às eleições gerais espanholas entre 1978 e 2008, o autor testa várias hipóteses sobre o efeito das características pessoais dos candidatos – nomeadamente, laços locais e carreira política de topo – na proporção de votos obtidos pelos partidos. Para além disso, investiga até que ponto a presença destas características varia com a magnitude do círculo eleitoral e com o amadurecimento da democracia.

Os resultados deste estudo revelaram que os partidos têm vantagens em colocar candidatos com carreira política de prestígio a nível nacional como cabeças de lista: os melhores resultados (em termos de proporção de votos) foram obtidos nos círculos eleitorais em que os cabeças de lista tinham exercido cargos políticos de topo (e.g. ex-ministros, deputados nacionais e regionais). Por oposição, o facto de o candidato ser natural do mesmo círculo eleitoral em que concorre a eleições não tem um peso significativo no desempenho eleitoral do partido. Para além disso, o autor observa que os APAV5 não são mais relevantes em distritos menores (em comparação com distritos maiores), contrariando a ideia generalizada de que em sistemas de lista fechada os APAV perdem ainda mais relevância à medida que aumenta a dimensão do círculo eleitoral (Nemoto e Shugart, 2013; ­Shugart, Valdini e Suominen, 2005). Assim, pelo menos no que diz respeito aos cabeças de lista, o estudo de Riera (2011) demonstra que a importância atribuída à experiência política a nível nacional do candidato não diminui com a magnitude do círculo eleitoral e que isso tem impacto na votação. Demonstra ainda que o tempo é uma variável importante já que os candidatos locais perdem importância à medida que aumenta o número de eleições ocorridas desde a transição para a democracia.

Torna-se, assim, possível concluir a partir do caso espanhol que: (i) as características pessoais importam mesmo em sistemas de lista fechada; (ii) elas não se distribuem de forma homogénea pelos diferentes lugares da lista, e finalmente, (iii) os partidos maximizam a sua probabilidade de eleição nomeando para o topo da lista os candidatos com mais experiência política. E em Portugal, o que se sabe sobre o recrutamento parlamentar? E que o que sabe sobre a sua relação com a posição na lista? A secção seguinte debruça-se sobre estas questões.

 

AS CARACTERÍSTICAS DO RECRUTAMENTO EM PORTUGAL

 

A maioria dos estudos sobre o processo de recrutamento das elites políticas em Portugal tem-se focado principalmente no recrutamento parlamentar (Freire, Viegas e Seiceira, 2009; Freire, 1998, 2001, 2002; Teixeira, 2009). Apenas uma minoria analisou outras elites políticas (ver colecção de estudos em Pinto e Freire, 2003 e sobre elite ministerial ver Guedes, 2009; Pinto, Almeida, e ­Bermeo, 2012) ou procurou perceber de que forma o caráter mais ou menos centralizado das organizações partidárias (Freire, 2003), a magnitude do círculo eleitoral ou a posição na lista (Teixeira, 2009) influenciam o resultado do processo de recrutamento. Recorremos a esta literatura para efetuar uma breve síntese do que se sabe sobre o recrutamento parlamentar em Portugal.

A análise de Freire (2002), para os deputados eleitos desde a Assembleia Constituinte à VIII legislatura, desvenda por exemplo que a proporção de eleitos sem cargos nos órgãos dirigentes dos partidos tem vindo a decrescer sistematicamente e que o PSD6 é o partido parlamentar com um modelo de recrutamento mais descentralizado. Este partido apresenta a percentagem mais elevada de deputados com cargos nos órgãos locais e regionais do partido – apenas ultrapassado pelo CDS-PP7 na VII legislatura (Freire, 2002, pp. 31-32). Adicionalmente, a experiência política, particularmente a proporção de eleitos com experiência prévia a nível local aumentou significativamente em termos longitudinais (de 10% na Constituinte e I legislatura para 50% na V legislatura); evidenciando a importância da experiência autárquica na carreira política dos deputados (Freire, 2002, p. 42). No entanto, entre a I a VIII legislatura a média de turnover (ou seja de novos deputados) foi de 50% o que denota a ainda modesta experiência parlamentar dos deputados portugueses (Freire, 2002, pp. 40-41).

O estudo de Teixeira (2009), por sua vez, baseia-se na lista de candidatos dos principais partidos – BE8, CDS-PP, CDU9, PS10 e PSD – concorrentes às eleições legislativas entre 1987 e 2002 e relaciona o perfil sociopolítico dos candidatos com a magnitude do círculo eleitoral e a posição na lista. No que se refere à magnitude do círculo eleitoral, o seu estudo demonstra que a proporção de mulheres, insiders11e de candidatos que exercem uma profissão menos propícia à atividade política12 aumenta significativamente com a magnitude do círculo eleitoral. Note-se, no entanto, que Teixeira (2009) encontra 94% de insiders e 65% de candidatos com profissões propícias ao exercício da ­atividade política no seu estudo. Verifica ainda que a proporção de sobreviventes13 e de candidatos que concorrem à reeleição pelo mesmo círculo eleitoral em que nasceram aumenta com a magnitude do círculo eleitoral (Teixeira, 2009, pp. 81-85). Estes resultados sugerem que a magnitude do distrito tem efeitos heterogéneos na forma como os partidos valorizam quer os laços locais quer outras características pessoais dos candidatos.

No que diz respeito à posição na lista, Teixeira (2009) encontra as seguintes correlações estatisticamente significativas: os homens, a faixa etária entre 36-49 anos, os insiders e os que exercem profissões mais favoráveis ao exercício de atividade política tendem a ser nomeados para os lugares elegíveis (­Teixeira, 2009, p. 103). Uma tendência idêntica verifica-se entre os candidatos com filiação partidária, os sobreviventes, e os que concorrem para a sua eleição no mesmo círculo eleitoral em que concorreram na eleição anterior (Teixeira, 2009, p. 105).

Estes estudos são importantes e apresentam o caso português como potencialmente relevante para a compreensão dos processos de competição intrapartidária nos sistemas de lista fechada, na medida em que confirmam a importância das características pessoais dos candidatos no processo de recrutamento. Se tomarmos como ponto de partida os APAV, que indicam os laços locais dos candidatos, observamos isso muito claramente. Freire (2002) demonstrou que a experiência política local se tem afirmado como um ponto importante da carreira política dos deputados em termos longitudinais, enquanto Teixeira (2009) verificou que a quase totalidade dos candidatos são insiders ou seja nasceram e/ou vivem nos círculos eleitorais em que concorrem às eleições. Complementarmente, os insiders estão entre os melhores lugares da lista e parecem ser mais valorizados à medida que aumenta a magnitude do círculo eleitoral (Teixeira, 2009).

Assim o caso português parece contrariar a expectativa de que os sistemas de lista de fechada oferecem poucos incentivos para os partidos cultivarem os APAV dos candidatos.

 

A ESCOLHA DOS CABEÇAS DE LISTA: HIPÓTESES DE TRABALHO

 

Os estudos sobre o contexto português dão-nos algumas indicações sobre as características gerais do recrutamento parlamentar, no entanto não permitem saber se estas características variam quando os partidos escolhem o candidato que vai encabeçar a lista do partido num determinado distrito. Tendo em conta a importância que estes lugares podem ter em sistemas eleitorais de lista fechada importa questionar se os modelos de recrutamento diferem significativamente para cabeças de lista versus outros candidatos. Será que continuaremos a encontrar tantos insiders e candidatos com experiência política a nível local no lugar mais visível da lista? E, existirão diferenças significativas no perfil dos escolhidos, em função das características do distrito, do tipo de partido e à medida que a democracia amadurece?

A premissa segundo a qual os laços locais perdem relevância em sistemas eleitorais de lista fechada é uma das mais consensuais e tem sido sistematicamente confirmada em estudos sobre os efeitos do sistema eleitoral no recrutamento parlamentar (Nemoto e Shugart, 2013; Shugart, Valdini e Suominen, 2005). Do lado da oferta, os partidos têm poucos incentivos para cultivar os laços locais dos candidatos, porque o voto recai sobre a lista; do lado da procura, os votantes parecem ser mais atraídos pela carreira política a nível nacional do que pela pertença local dos candidatos (Riera, 2011). Assim, a nossa primeira hipótese de trabalho é que a probabilidade de um candidato ser selecionado cabeça de lista aumenta se ela/ele tiver um perfil principalmente nacional (H1).

Esta probabilidade deverá aumentar com a magnitude do distrito, na medida em que vários estudos demonstraram empiricamente que os laços locais dos candidatos perdem relevância à medida que aumenta a magnitude do distrito (Shugart, Validini e Suominen, 2005; André e Depauw, 2012; Carey e Shugart, 1995). Neste sentido: quanto maior a magnitude do distrito maior a probabilidade de os partidos selecionarem candidatos com um perfil principalmente nacional (H2).

Para além da magnitude, vários trabalhos sugerem que as estratégias de nomeação dos partidos diferem consoante as características sociodemográficas e geográficas dos distritos (Rokkan e Valen, 1960; Verba, Nie e Kim, 1978). No estudo do processo de recrutamento norueguês, Rokkan e Valen (1960) demonstraram que a nomeação dos candidatos segue uma lógica em que os partidos procuram representar determinados interesses de classe, capturar votos marginais e promover um equilíbrio geográfico. Isto era particularmente visível no que diz respeito ao rácio de género: a representação de mulheres era maior nos distritos periféricos do que nos distritos que estavam integrados num complexo metropolitano. Nestes últimos, os partidos procuravam representar os interesses dos trabalhadores. Latner e McGann (2005), por sua vez, comprovaram que, mesmo nos casos mais extremos de representação proporcional – Israel e Holanda –, existe representação de interesses geográficos, especificamente de regiões periféricas, em resultado de vários fatores. Em primeiro lugar, as características dos distritos, em particular, a existência de identidades e interesses regionais e políticos mais fortes e ­salientes do que noutros distritos, incentivam os partidos a apostar em figuras locais como forma de captarem o voto do eleitorado. Em segundo lugar, essa tendência será tanto maior quanto mais disputados forem os distritos. Em terceiro lugar, nos distritos periféricos, os eleitores estarão mais sensíveis às características dos candidatos que “atestam” a sua pertença local, nomeadamente se nasceram, se vivem ou se exerceram cargos políticos nesse distrito. Em Portugal, este argumento ainda não foi testado, no entanto podemos argumentar que, sendo os Açores e a Madeira classificados como regiões ultraperiféricas pela União Europeia (RUP) – nomeadamente pelo seu afastamento geográfico, insularidade e pequena dimensão – e sendo as únicas regiões portuguesas com estatuto autonómico –, é provável que tenham uma identidade regional mais singular e saliente do que as regiões continentais. Se assim for, os partidos tenderão a nomear mais locais para as listas destes círculos eleitorais do que para os restantes. Daqui decorre a hipótese que em distritos periféricos os candidatos com um perfil local têm mais probabilidade de serem selecionados cabeças de lista (H3).

Adicionalmente, a importância atribuída às características locais ou nacionais dos candidatos poderá variar de acordo com o tipo de partido. Estudos sobre a mudança das organizações partidárias indicam (i) um progressivo reforço das lideranças dos partidos e consequente enfraquecimento das organizações de base, (ii) uma importância crescente da face pública (governativa e parlamentar) dos partidos e uma (iii) fraca ancoragem social dos partidos (Kirchheimer, 1966; Katz e Mair, 1995; Gunther e Diamond, 2003). Estas mudanças são típicas dos partidos eleitoralistas e catch all e têm implicações no grau de personalização das campanhas eleitorais, de centralização dos processos de seleção dos candidatos (Lisi e Santana Pereira, 2014), mas também na importância dos líderes e das suas características pessoais (Lobo, 2006 e 2008). Embora não exista um teorização sobre a escolha dos cabeças de lista, estes estudos ajudam a sustentar a hipótese de que os partidos eleitoralistas ou cacth all – por evidenciarem estruturas organizativas mais fracas, por estarem menos vinculados a um eleitorado particular e mais orientados para a sua presença no governo e no parlamento – tenderão a dar mais importância ao perfil nacional dos cabeças de lista do que aos seus laços locais. Logo, testamos a hipótese de que os partidos catch all dão mais importância ao perfil nacional dos cabeças de lista do que os restantes partidos (H4).

Finalmente, vários indicadores de desalinhamento eleitoral dão conta do desenvolvimento de um voto cada vez mais individualizado e sugerem que os partidos e os seus programas têm perdido relevância enquanto fatores explicativos do voto vis-à-vis fatores de curto prazo como a avaliação dos candidatos ou do estado da economia (Dalton, Wattenberg e McAllister, 2000; Lobo, ­Curtice, 2014; Lobo, 2008). Aliado a isto, a mediatização da política tem levado a que os partidos se concentrem cada vez mais na imagem pública dos candidatos (Lobo, Curtice, 2014). Estes desenvolvimentos indicam que tem havido uma valorização crescente dos atributos pessoais dos candidatos, do ponto de vista longitudinal. Esta valorização incidirá especialmente nas características nacionais dos líderes partidários por serem elas a assumir maior proeminência mediática e partidária. A última hipótese testada neste artigo é então a de que com o amadurecimento da democracia, mais importância é dada ao perfil nacional dos cabeças de lista (H5).

 

OPERACIONALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS

 

A variável dependente deste estudo é a probabilidade de um candidato ser selecionado cabeça de lista e é medida de forma dicotómica (1=cabeça de lista; 0=outros candidatos). As variáveis independentes medem laços locais e visibilidade nacional. Os laços locais são operacionalizados por três variáveis dicotómicas: nativo (1=nasceu no mesmo distrito em que concorre a eleições; 0=não nasceu); residente (1=reside no mesmo distrito em que concorre a eleições; 0=não reside) e experiência política local (1=exerceu algum cargo político a nível local nas últimas três eleições autárquicas; 0=não exerceu). A razão para a escolha destes três indicadores é que eles fornecem informações diferentes ao eleitor; enquanto ser nativo ou residente passa a informação de que o candidato conhece as necessidades do distrito; ter exercido cargos políticos a nível local indica que o candidato tem competências para representar o distrito (Shugart, Valdini e Suominen, 2005, p. 441). A visibilidade nacional é operacionalizada pelas seguintes variáveis: político conhecido14 (1=sim; 0=não); figura pública15 (1=sim; 0=não) e experiência parlamentar (número de mandatos ganhos desde 1976).

Estas variáveis independentes entrarão no modelo estatístico sozinhas e em interação com quatro variáveis de tipo macro. A primeira é a magnitude do distrito (número de candidatos eleitos pelo distrito) e a segunda é a região periférica (Açores e Madeira=1; continente=0). Como referimos anteriormente, os Açores e a Madeira são regiões ultraperiféricas com um estatuto ­geográfico e político que não é comparável ao de outras regiões do continente daí que sejam escolhidas neste exercício de operacionalização. A terceira é tipo de partido, e distingue partidos catch-all (PS e PSD) de outros modelos de organização partidária (BE, CDS-PP e PCP). PS e PSD são frequentemente classificados como partidos catch all e o PCP como partido de massas (Lopes, 2002; Lobo, 2008). O CDS-PP aproxima-se do tipo ideal de partido de quadros moderno (Lopes, 2002) enquanto o BE está mais próximo do tipo ideal de partido-movimento proposto por Gunther e Diamond (2003). Neste exercício optamos por criar uma variável dicotómica com o intuito de captar os efeitos dos partidos catch all, por serem estes os que tenderão a valorizar as características nacionais dos candidatos de acordo com a nossa hipótese. A quarta é o tempo (o número de anos passados desde a transição para a democracia até à eleição observada) e por últimos temos as variáveis de controlo: mulher (1=mulher; 0=homem), idade (em anos) e incumbente16 (1=sim; 0=não).

A amostra deste estudo é composta pelos candidatos dos principais partidos/alianças concorrentes às eleições em 1983, 1995, 2002, 2005 e 200917, nomeadamente: BE, CDS-PP, CDU (PCP e PEV), PS e PSD. De um total de 1759 candidatos (que incluem todos os eleitos e uma fração dos não-eleitos18) 504 são cabeças de lista, enquanto 1255 são candidatos colocados em outros lugares da lista. Com exceção do BE, que concorre desde 1999, todos os outros partidos são observados ao longo de cinco eleições, em 22 círculos eleitorais, o que perfaz um total de 110 cabeças de lista por partido (ver apêndice).

Começando pelos laços locais dos candidatos, os dados apresentados no quadro 1 revelam que os cabeças de lista estão bastante menos enraizados nos círculos eleitorais em que concorrem. É entre os cabeças de lista que encontramos as percentagens mais baixas de nativos (21,4% contra 78,6%), de residentes (20,8% contra 79,2%) e de candidatos com experiência política local (20,1% contra 79,9%). As diferenças encontradas entre os cabeças de lista e os outros candidatos são estatisticamente significativas e sugerem que os laços locais são significativamente menos relevantes para a escolha do candidato que encabeçará a lista do partido num determinado distrito.

 

 

No que concerne às variáveis que descrevem o perfil ou a visibilidade nacional dos candidatos, verifica-se em primeiro lugar que os cabeças de lista têm percentagens bastante mais baixas de “desconhecidos” – apenas 26% e 27,6% dos cabeças de lista não são políticos conhecidos ou figuras públicas, respetivamente. Estas percentagens são bastante mais altas entre os candidatos situados em outros lugares da lista (74% e 72,5%, respetivamente). Estes dados indicam, que os candidatos com maior visibilidade nacional têm melhores posições na lista. Em segundo lugar, e considerando a carreira política a nível nacional, verifica-se que os cabeças de lista têm mais experiência parlamentar, embora a diferença não seja muito acentuada (é de apenas meio mandato).

Finalmente, no que diz respeito às variáveis de controlo, os resultados apresentados no quadro 1 indicam que as mulheres estão sub-representadas quer de um modo global quer particularmente entre os cabeças de lista (13,3% contra 20,8%). Estes são também tendencialmente mais velhos (49 anos) do que os outros candidatos (45 anos). Os resultados demonstram ainda que existem muito menos incumbentes entre os cabeças de lista (24,5%) do que entre os restantes candidatos (75,5%). Este resultado pode ser explicado pelo facto de que muitos cabeças de lista abandonam o seu lugar no parlamento após terem sido eleitos para ocuparem cargos no governo ou mesmo para concorrerem a outras eleições, o que faz com que não estejam em exercício de funções no momento em que são elaboradas as listas para as eleições seguintes.

 

O QUE PESA MAIS NA ESCOLHA DOS CABEÇAS DE LISTA?

 

Os quadros 2 e 3 apresentam os resultados de cinco análises de regressão probit conduzidas no STATA, para cada uma das cinco hipóteses testadas neste estudo. Para além disso, nas figuras 1 a 4 apresentamos as probabilidades previstas de um candidatado ser escolhido cabeça de lista para os modelos cujos resultados são mais significativos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O modelo 1 (quadro 2) confirma empiricamente que os cabeças de lista são significativamente menos locais do que os outros candidatos, e que são recrutados sobretudo pelo seu perfil nacional. Com efeito, eles são menos nativos, menos residentes e exerceram menos cargos políticos a nível local, mas em contrapartida, têm mais visibilidade nacional, quer porque são políticos conhecidos ou figuras públicas, quer pela sua experiência parlamentar acumulada. Esta tendência é confirmada em quase todos os modelos estimados, mesmo quando controlamos pelo sexo, idade, incumbência e introduzimos efeitos fixos (anos e partidos) nos modelos. Assim, a H1 é claramente confirmada.

Nas figuras 1 e 2 apresentamos as probabilidades previstas de um candidatado ser escolhido cabeça de lista, segundo o modelo 1, para as variáveis mais relevantes. Verifica-se que a probabilidade de um não residente ser escolhido cabeça de lista é de 61% enquanto a de um residente é de 42%. Um candidato com experiência política local tem menos probabilidade de ser escolhido cabeça de lista do que um que tenha essa experiência (34% contra 42%). ­Finalmente, a probabilidade de ser selecionado cabeça de lista é maior entre os que são políticos conhecidos do que os que não são (52% contra 42%) – embora a diferença não seja significativa já que há alguma sobreposição entre os intervalos de confiança (Figura 1). A figura 2, por sua vez, demonstra que a probabilidade de um candidato ser escolhido cabeça de lista aumenta, embora só ligeiramente, à medida que a sua experiência parlamentar incrementa. Um candidato que nunca foi eleito deputado tem 40% de probabilidade de ser cabeça de lista, subindo essa probabilidade para 55% quando os 10 mandatos como deputado são atingidos. Em geral, os resultados mais salientes apontam no sentido de que o prestígio acumulado a nível nacional – através do exercício de cargos políticos e da visibilidade pública – constitui uma mais-valia para se ser selecionado cabeça de lista.

No modelo 2 (quadro 2) testamos a hipótese de a probabilidade de os partidos selecionarem candidatos com um perfil nacional aumentar com a magnitude do distrito (H2). Os coeficientes vão no sentido da hipótese formulada, contudo os resultados encontrados não são estatisticamente significativos. Por outras palavras, a tendência dos partidos recrutarem cabeças de lista com um perfil essencialmente nacional não varia significativamente com a magnitude do distrito.

No modelo 3 testamos a hipótese de os candidatos locais terem mais probabilidade de serem colocados no topo da lista em distritos periféricos – neste caso nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira (H3). Os resultados confirmam parcialmente esta hipótese. Tal como expectável, encontramos mais residentes entre os cabeças de lista, mas também encontramos mais políticos conhecidos. A competitividade nestes distritos poderá levar a que os partidos apostem nos candidatos locais que têm maior visibilidade pública. As probabilidades previstas (Figura 3) confirmam estes resultados, sobretudo no que diz respeito à variável “político conhecido”. Os candidatos que são políticos conhecidos têm 97% de probabilidade de serem escolhidos cabeças de lista sendo essa probabilidade significativamente inferior entre os que não são conhecidos (59%). As probabilidades previstas para a residência (vs. não residência) vão no sentido esperado, isto é, os residentes têm mais probabilidade de serem cabeças de lista (invertendo a tendência observada para os restantes círculos eleitorais – Figura 1), mas as diferenças não são significativas (Figura 3). ­Também ao contrário do observado para a totalidade dos círculos eleitorais (Figura 2), os candidatos de regiões periféricas têm menor probabilidade de serem escolhidos cabeças de lista quanto maior for a sua experiência parlamentar (Figura 4). Um candidato que nunca tenha servido como deputado tem 67% de probabilidade de ser cabeça de lista de uma região autónoma, enquanto essa percentagem decresce para 50% após 3 mandatos.

No modelo 4 (Quadro 3) investigamos se os partidos catch all dão mais importância ao perfil nacional dos cabeças de lista que os restantes partidos (H4). A nossa expectativa apenas se confirma parcialmente. Por um lado, verificamos que, apesar de serem mais nativos, os cabeças de lista dos partidos catch all são também menos residentes e têm menos experiência política local do que os outros candidatos. Por outro lado, no que respeita a visibilidade nacional, apenas a experiência parlamentar distingue significativamente os cabeças de lista do PS e do PSD dos do BE, da CDU e do CDS-PP. Este resultado é esperado uma vez que os candidatos dos dois maiores partidos têm mais experiência parlamentar acumulada do que os candidatos da oposição. Em termos globais, a hipótese testada no modelo 4 não é confirmada de modo unívoco, indicando que as estratégias de recrutamento dos dois principais partidos não se distinguem significativamente dos restantes três partidos.

 

 

Finalmente, no modelo 5 examinamos se os partidos dão mais importância ao perfil nacional dos cabeças de lista à medida que passam os anos desde a transição para a democracia (H5). Os resultados encontrados não confirmam esta hipótese. Apenas ser nativo ganhou relevância significativa ao longo do tempo, não se verificando mudanças importantes quer nas outras variáveis que medem laços locais quer nas que medem visibilidade nacional.

Estes resultados sugerem um padrão de continuidade nas estratégias de recrutamento dos cabeças de lista, que revela uma certa resistência à mudança por parte das estruturas partidárias responsáveis pelo recrutamento dos candidatos. Com efeito, apesar das tendências recentes de democratização da escolha do líder, os processos de escolha dos candidatos a eleições legislativas continuam a ser pouco inclusivos e a estar centralizados nos órgãos nacionais dos principais partidos, (Freire e Teixeira, 2011). Esta situação tenderá a favorecer e a proteger os interesses e visões dos partidos sobre qual deve ser o perfil do cabeça de lista.

 

NOTAS FINAIS

 

Este artigo propôs-se analisar um conjunto de questões sobre o recrutamento dos cabeças de lista em Portugal; em particular se os cabeças de lista apresentam um perfil predominante local ou nacional; e se existem diferenças a este respeito, em função das características do distrito, do tipo de partido e do amadurecimento da democracia.

Estudos anteriores revelaram que, em Portugal, a quase totalidade dos candidatos são insiders, ou seja nasceram e/ou vivem nos círculos eleitorais em que concorrem às eleições e que os insiders estão entre os melhores ­lugares da lista (Teixeira, 2009). No entanto, os nossos resultados demonstram, de forma clara, que os cabeças de lista são significativamente diferentes dos outros candidatos. De um modo geral, os cabeças de lista apresentam um perfil predominante nacional, isto é, são sobretudo figuras públicas e políticos conhecidos e desempenharam pelo menos um mandato a nível parlamentar. Ainda mais saliente do que o seu perfil nacional, é o facto de não terem perfil local (não tendem a ser nativos nem residentes no distrito em que concorrem, nem a ter experiência política local). Estes resultados principais mantêm-se em quase todos os modelos quantitativos estimados o que indica que eles são robustos por um lado, e relativamente transversais por outro lado. Com efeito, verificámos que o modelo de recrutamento dos cabeças de lista mantém-se fundamentalmente igual, mesmo quando controlamos por características pessoais como género, idade e incumbência e consideramos o número de anos passados desde a transição para a democracia, o tipo de partido e a magnitude do distrito.

A exceção são as regiões periféricas, onde de facto as estratégias de recrutamento se revelam mais heterogéneas. Aqui, observa-se por um lado uma maior saliência do perfil local do cabeça de lista (em particular o facto de o candidato ser residente), mas não de uma forma tão forte que inverta a tendência observada para os restantes círculos eleitorais. Pelo contrário, à semelhança do observado para a totalidade do país, mas ainda com maior intensidade, ser um político conhecido é um critério central para a escolha dos cabeças de lista nos Açores e Madeira; sendo mais valorizado pelos partidos do que a competência política adquirida quer a nível local quer a nível nacional/parlamentar.

O facto de os cabeças de lista terem um perfil muito mais nacional do que local do que os restantes candidatos sugere duas possíveis interpretações. A primeira interpretação encara os candidatos que ocupam os primeiros lugares nas listas de candidatura como a “face” do partido em campanha, por excelência. Isto é, vê os cabeças de lista como as pessoas que, juntamente com o líder do partido, serão os protagonistas da campanha eleitoral. No âmbito desta interpretação, conclui-se, em linha com o que a literatura comparativa tem demonstrado (Shugart, Valdini e Suominen, 2005; Nemoto e Shugart, 2013), ser um candidato local num sistema eleitoral de lista fechada, como o português, não é considerado uma mais-valia. Isto é, os partidos não creem que ter alguém que seja insider ao distrito lhes traga um benefício eleitoral expressivo – de outra forma, escolheriam mais ­candidatos com perfil local (e não nacional) para colocarem na posição mais visível da lista. Este resultado segue a tendência observada quanto à natureza das campanhas que se efetuam em Portugal, onde a adoção de uma agenda individualizada ou localizada, assim como o uso de ferramentas ­personalísticas ainda é modesto, quando comparado com outros países (Lisi e Santana-Pereira, 2014). Seria interessante auscultar a opinião pública sobre este assunto. Por um lado, para perceber até que ponto os cidadãos sabem quem são os cabeças de lista do seu distrito e, por outro lado, para averiguar se o facto de os cabeças de lista serem ou não figuras locais é relevante para o sentido de voto dos eleitores. Até ao momento não se conhecem estudos que façam esta pesquisa.

A segunda interpretação possível parte da ideia de que os primeiros lugares nas listas não são necessariamente vistos pelos partidos como um chamariz para mais votos – o que é compreensível tendo em conta a centralização das campanhas no partido e no seu líder a que se assiste em Portugal (Lisi e Santana-Pereira, 2014). Segundo esta interpretação, os primeiros lugares de cada distrito não são encarados de um ponto de vista estratégico, mas antes como os lugares mais seguros, isto é, aqueles cuja eleição está garantida (ou quase). Dessa forma, estes devem ser atribuídos a pessoas fiéis, próximas da liderança do partido, a quem eventualmente se devem favores políticos, que são concomitantemente pessoas com tendência a ocupar cargos importantes na legislatura que então se inicia: como ministros, secretários de estado, porta-vozes do partido, líderes do grupo parlamentar, entre outros. Daí se explica que ocupantes destas posições pertençam a uma elite política nacional, altamente reconhecida.

Qualquer uma destas interpretações assume, como se sabe ser o caso ainda hoje em Portugal, que os partidos se caracterizam por um elevado grau de centralização na seleção dos seus candidatos – em particular de uma percentagem acentuada dos lugares elegíveis em cada distrito – relegando para segundo plano as estruturas locais (Freire e Teixeira, 2011) e deixando de fora quer os eleitores quer os membros dos partidos. Com efeito, as únicas experiências de primárias em Portugal foram levadas a cabo pelo recentemente formado partido Livre, para as eleições europeias de 2014 e para as legislativas de 2015. Os partidos de maior dimensão têm vindo a dar pequenos sinais de inclusão dos seus membros no processo de seleção, em particular o PS que os chamou para elegerem o candidato a primeiro-ministro (Seguro vs Costa) em setembro 2014, mas continuam longe de aderir abertamente às primárias.

Este estudo apresenta resultados únicos sobre a forma como os cabeças de lista são escolhidos em Portugal, no entanto deixa também questões em aberto que poderão ser analisadas em investigações futuras, nomeadamente através da utilização de metodologias qualitativas. Em particular, estas permitiriam dar conta das dinâmicas intrapartidárias que contextualizam o recrutamento dos cabeças de lista nos diferentes círculos eleitorais.

 

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Recebido a 13-07-2015. Aceite para publicação a 19-01-2016.

 

NOTAS

1 As autoras agradecem aos dois referees anónimos da Análise Social pelos comentários e sugestões.

2Também inclui dados para todos os cabeças de lista dos partidos mais pequenos, no entanto para este artigo esta informação não será utilizada visto que para muitas das variáveis que iremos considerar – relacionados com experiência política prévia – estes partidos praticamente não têm observações.

3 Tradução livre de personal vote-earning attributes. Em Nemoto e Shugart (2013) e ­Shugart, Valdini e Suominen (2005) este conceito é equacionado com a localness dos candidatos, que optamos por traduzir por laços locais. Os APAV dizem, assim, sempre respeito aos laços locais dos candidatos, pelo que ambos os conceitos serão utilizados de forma intermutável neste artigo.

4 Partido Socialista Obrero Español (PSOE) para todas as eleições; Unión de Centro Democrático (UDP) para as eleições de 1977 e 1978; Partido Popular (AP-PP) para as eleições entre 1978--2008.

5 Neste estudo de Riera (2011) os APAV e os laços locais não são equivalentes como em Nemoto e Shugart (2013) e Shugart, Valdini e Suominen (2005). Aqui os APAV indicam se o candidato exerceu cargos políticos a nível nacional e regional e os laços locais expressam se um candidato nasceu no mesmo círculo eleitoral em que concorre a eleições ou se é “paraquedista”.

6Partido Social Democrata.

7 Centro Democrático e Social – Partido Popular.

8Bloco de Esquerda.

9 Coligação Democrática Unitária (Partido Comunista/Partido Ecologista “Os Verdes”).

10 Partido Socialista.

11 Insider=Candidatos que são naturais do seu círculo de candidatura e/ou que nele residem. Outsider=Candidatos que não são naturais do seu círculo de candidatura e nem nele residem (Teixeira, 2009, p. 85).

12 Teixeira dá como exemplo candidatos que vêm do setor privado da economia ou candidatos que vêm do setor primário ou secundário (Teixeira, 2009, p. 82).

13 Sobrevivente=Candidatos que integraram as listas dos partidos nas eleições legislativas imediatamente anteriores (Teixeira, 2009, p. 85).

14 Político conhecido inclui candidatos que foram políticos de topo, por exemplo ex-ministros ou políticos conhecidos do grande público com espaços de comentário nos media (ex. Teresa Caeiro, Zita Seabra, Vitalino Canas).

15 Figura pública inclui candidatos que se enquadram nas seguintes categorias: ator; apresentador de rádio ou TV; jornalista de imprensa escrita, colunista ou comentador; desportista, atleta medalhado, treinador ou presidente de um clube; músico, compositor ou cantor e escritor.

16 É considerado incumbente um candidato que, na altura da elaboração das listas de candidatos para uma determinada eleição, exercia as funções de deputado.

17 A opção por recolher dados para estas eleições específicas deveu-se a garantir comparabilidade com outros sistemas eleitorais (isto é, países) que fazem parte do mesmo projeto de investigação (v. Espírito-Santo e Sanches, 2012).

18 Recolheram-se dados completos dos não eleitos até 1,25 da lista de eleitos. Por exemplo, se um partido elegeu 4 candidatos foram recolhidos dados para 5 candidatos. De acordo com a fórmula 4X1,25=5 incluem-se 4 eleitos e 1 não eleito. Se um partido elegeu 8 candidatos então incluíram-se dois não eleitos (8X1,25=10), e assim em diante.

 

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