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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.218 Lisboa mar. 2016

 

ARTIGO

O tráfico de drogas em formas: notas de pesquisas sobre o Rio de Janeiro

Forms of drug trafficking: notes of research on Rio de Janeiro

 

Felícia Silva Picanço* e Natânia P. de Oliveira Lopes**

*Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (ppgsa) » Largo São Francisco de Paula, n.º 1, Centro — cep 20051-070, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: felicia@uol.com.br

** Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (ppcis), R. São Francisco Xavier, 524, Maracan㠗 cep 20550-900, Rio de Janeiro. E-mail: natania.lopes@gmail.com

 

RESUMO

 

O tráfico de drogas em formas: notas de pesquisa sobre o Rio de Janeiro. O artigo tem como objetivo descrever o mundo do crime, em especial o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Parte da análise dos comportamentos rotinizados e padrões de interação interpessoais construídos ao longo dos anos 1990 e primeira década dos anos 2000, e resulta de três pesquisas de campo realizadas em territórios de favelas entre 2010 e 2015 e que tiveram o tráfico de drogas como uma dimensão diretamente acionada ou indiretamente captada.

PALAVRAS-CHAVE: Rio de Janeiro; tráfico de drogas; favelas; crime.

 

ABSTRACT

 

The article describes the world of crime, especially drug trafficking in Rio de Janeiro, based on routinized behaviors and interpersonal interactions during the 1990s and first decade of the 2000s. It results from an analysis of three fieldwork activities conducted in slum areas between 2010 and 2015.

KEYWORDS: Rio de Janeiro; drug trafficking; slums; world of crime.

 

INTRODUÇÃO

 

O mercado de drogas ilícitas do Rio de Janeiro – resultado de um processo histórico que congrega uma geografia social, a aliança com segmentos policiais, do poder político e económico com venda de drogas e armas –, produziu uma instituição no imaginário social: o tráfico de drogas. O tráfico foi-se constituindo como uma instituição capitalista e burocrática dotada de regras que podem ser duradouras, transitórias, flexíveis, negociadas, voltadas para a produção do lucro, poder e prestígio. Baseia-se no domínio do território por meio das armas, da racionalidade instrumental e do carisma, no monopólio da violência nas localidades e das estratégias de defesa e ataque. E configura-se a partir de variadas formas de organização interna, alianças e características específicas vinculadas aos territórios e perfis das lideranças do momento (os “donos do morro”, como são chamados aqueles que ocupam a mais alta hierarquia).

A entrada da cocaína no mercado drogas ao longo dos anos 1980 e das armas de fogo modernas foi um marco importante para a construção de um modelo de tráfico baseado no alto padrão de violência e na formação de fações, com disputas por território entre elas, a polícia e a população (Zaluar, 1998; Leeds, 1998; Misse, 2003).

As disputas pelos territórios impusera necessidade de um maior número de armas pelas fações e a participação em conflitos armados, bem como o encastelamento e ramificação dos traficantes dentro das favelas por meio da organização, construção e intervenção no território. Foram compradas e construídas casas, ou sumariamente apropriadas para fins de endolação da droga (separação e “enriquecimento” da droga para venda a retalho), morada dos chefes, ou por estarem em posições estratégicas; construção de obstáculos ao acesso de veículos, construção de paiol em locais específicos, utilização das matas e florestas envolventes com traçado para rotas de fuga, armazenamento de drogas e munição, bem como execução de inimigos.

A complexificação da estrutura do tráfico, que demanda o envolvimento de muitas pessoas, o sigilo e a confiança, ganhos monetários, prestígio e poder, valores de honra e moral, trocas e alianças conjunturais, tornaram as disputas entre os traficantes e envolvidos, direta ou indiretamente, com o tráfico mais violentas e frequentes. São comuns as histórias de assassinato por traição, vingança, ciúmes e cobranças diversas. Tais dinâmicas, em contínua exposição nos media, associadas aos vários aspetos analisados por Valadares (2005), produziram uma nova representação social da favela, bem distante das representações dos anos 1950, 1960 e 1970. O contexto de acumulação de perdas económicas da cidade teve um papel fundamental para a consolidação da imagem da favela associada à pobreza e à violência.

A favela sob “cerco”1 económico, social e simbólico tornou-se ambiente propício para o desenvolvimento de heróis/celebridades locais fundados no poder das armas e, em alguns casos, no carisma, na oferta de presentes, na realização de grandes festas e pequenos benefícios locais e individuais. A construção desse modelo de tráfico foi gradual e deu-se ao longo de quase três décadas.

A literatura sociológica e antropológica produzida a partir do sobre o contexto descrito acima vem-se debruçando desde os anos 1980 sobre o “mundo do crime”, os “bandidos”2 e o mercado ilegal de narcóticos na cidade. Os autores que ganharam projeção pelos estudos empíricos de grande envergadura e produziram as suas chaves interpretativas ainda nos anos 1990 fizeram-no com uma questão de fundo, que Misse (1999) conseguiu exprimir com muita clareza: enquanto a disseminação do mercado de drogas nas grandes cidades do mundo provocou um aumento da taxa de crimes violentos ainda na década de 70, e depois decaiu ou manteve-se relativamente estável, no Rio de Janeiro esse fenómeno não ocorreu e, pelo contrário, aumentou. Soma-se a isso o aumento progressivo da visibilidade da violência, o sentimento de insegurança e a sensação de risco (Machado da Silva, 2008).

No final da última década, esse modelo de tráfico de drogas sofreu fortes abalos. Se do lado das práticas ilegais e criminosas o abalo se deu pela entrada das milícias3 na disputa por territórios menos protegidos ou menos dominados pelo tráfico, do lado do Estado surgiu uma nova política de segurança pública baseada na instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) dentro das comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e em áreas consideradas estratégicas na cidade.

A UPP4 foi apresentada pelo Governo Estadual à sociedade como um projeto de policiamento comunitário “pacificador”, mediador de conflitos sociais e tendente a aumentar o controlo do Estado sobre o território dominado pelo tráfico. A proposta surgiu como um modelo para substituir o enfrentamento, no contexto de preparação da cidade para os grandes eventos desportivos. A mudança consistiu fundamentalmente no fim da invasão periódica das comunidades pela polícia, instaurando o conflito armado, para invadirem, ocuparem e estabelecerem uma base dentro da comunidade, com o objetivo de reduzir as atividades de circulação e venda de armas e drogas.

O processo de “pacificação” produziu mudanças centrais no quotidiano, na lógica de sociabilidade dessas comunidades (Heilborn, Faya e Souza, 2014) e na dinâmica do tráfico de drogas. As festas, bailes, shows e eventos precisam da autorização do comandante da UPP, para serem realizados. Mas muitas atividades de lazer, tais como os bailes, dada a sua representação simbólica no espaço da favela, quase nunca obtêm autorização. A presença constante dos polícias tornou-se um problema enfrentado pelos moradores. Muitos descrevem abordagens violentas (agressão física e psicológica). Mas há também aqueles que aprovam a presença dos agentes, em geral devido à redução da circulação dos traficantes com arma e dos pontos de venda de drogas. Diante da presença intensiva e ostensiva da polícia, o tráfico teve de criar estratégias que tornassem invisíveis a circulação e venda, originando o chamado tráfico “formiguinha”.

Existe uma significativa variação em cada experiência de UPP, resultante de uma combinação entre as características e experiências locais historicamente constituídas, as orientações e as formas de ação dos comandantes, o que configura a especificidade de cada experiência de pacificação.

Ainda assim, o tráfico, entendido como prática e como representação, resiste vigorosamente. Pauta o quotidiano dos media nacionais e o comportamento de parte significativa da população da cidade, tal como nos sugere Machado da Silva (2004 e 2008). Para o autor, a violência urbana tanto age como categoria de entendimento e referência para modelos de conduta, como está no centro de uma formação discursiva que expressa uma forma de vida constituída pelo uso da força como princípio organizador das relações sociais.

De que formas se apresenta, representa e experimenta o tráfico de droga? O artigo tem como objetivo descrever as formas de vida do tráfico na cidade do Rio de Janeiro, a partir de três pesquisas realizadas entre 2010 e 2015 em duas favelas da cidade.

A primeira pesquisa foi realizada em duas favelas da cidade entre 2010 e 2011 e teve como objetivo acompanhar quatro famílias de moradores, sem ou com envolvimento com o tráfico. Em cada localidade, foram duas famílias com pessoas com algum envolvimento com o tráfico e duas famílias sem nenhum membro envolvido no tráfico. No primeiro momento, para cada uma delas foi aplicado um questionário sobre as características da família, perceções e valores do membro respondente. Em seguida, foram realizadas entrevistas e observação direta por meio de idas contínuas às casas das famílias. No último momento, cerca de 10 meses depois da primeira visita, foi aplicado um novo questionário. A escolha das famílias foi realizada pela rede de contactos dos pesquisadores.

A segunda pesquisa ocorreu paralelamente à primeira e foi uma etnografia do “mundo do crime”, concentrada numa das favelas estudadas na primeira pesquisa. Os contactos iniciais foram feitos a partir da rede estabelecida na pesquisa anterior, mas dada a natureza etnográfica do trabalho, a rede de contactos foi bastante ampliada e o convívio com os informantes muito mais intenso.

A terceira pesquisa foi realizada entre 2014 e 2015 com jovens envolvidos, ou que tinham tido envolvimento recente no tráfico de drogas, moradores das mesmas favelas da primeira pesquisa mencionada. Foram realizadas 48 entrevistas com jovens e 32 pessoas da rede de afeto destes entrevistados (na sua maior parte, mães).5 As entrevistas foram realizadas em diferentes locais (casas de conhecidos, praças e ruas) escolhidos pelos entrevistados de forma a garantir o conforto de todos.

Em todas as três pesquisas, o acesso aos informantes ocorreu no seguimento de intensas negociações. Em geral, partiu-se do contacto com conhecidos dos pesquisadores e moradores não envolvidos com a atividade do tráfico. Além dos contactos feitos por pessoas-chave, multiplicámos os informantes utilizando o método bola-de-neve, no qual os pesquisadores solicitavam a indicação de outros jovens para entrevista.

As favelas pesquisadas são distintas em termos das suas configurações sociodemográficas e localização na geografia física, social e cultural da cidade do Rio de Janeiro, mas compartilham, além dos baixos indicadores socioeconómicos, a experiência de uma longa presença do comércio ilegal de drogas.

Uma das favelas está localizada na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, área considerada nobre, por concentrar os bairros de classe média alta e elite e elevados indicadores socioeconómicos. Durante a primeira década dos anos 2000, a favela intercalou períodos de maior e menor incidência de conflito armado, em função da disputa pelo poder local entre as duas principais fações criminosas do tráfico de drogas. No período anterior à instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a localidade experimentou maior estabilidade devido à liderança carismática de um traficante nascido na favela.

Embora incorporada à realidade local, a favela destaca-se continuamente como uma vizinhança incómoda, aquela que no dia-a-dia avisa que o “perigo mora ao lado” e que o equilíbrio é instável. Numa pesquisa feita num importante site de notícias (vinculado ao jornal de maior circulação no Estado e segundo maior jornal de circulação no país), entre 65 notícias veiculadas de janeiro a agosto de 2015, apenas nove não tratavam de violência.

A segunda favela estudada situa-se num complexo de favelas localizado na zona Norte da cidade, área de bairros populares empobrecidos ao longo das últimas décadas, em função das mudanças na economia da cidade e do deslocamento de indústrias para outras áreas do Estado e do país. Cravado no imaginário cultural da cidade como uma área muito perigosa, o seu nome ficou associado à degradação, à alta incidência de violência pelos confrontos armados com a polícia e por ser o “quartel-general” da maior e mais antiga fação criminosa do Rio de Janeiro. Nos últimos anos, a imagem mais emblemática da região foi a fuga em massa de traficantes pelas estradas, no momento em que se dava a entrada das forças policiais com o objetivo de ocupar o território, televisionada em tempo real.

Em ambas as favelas foi possível observar a passagem entre o momento anterior à ocupação pela UPP e o momento subsequente à sua instalação. Mas os conflitos, mesmo que diminutos, ainda existem e pudemos presenciar alguns deles, agora sem “hora marcada”, para usar a expressão comum entre os informantes, e que faz referência ao período anterior à instalação da UPP, quando os moradores eram informados quando a polícia iria invadir.

Cabe ressaltar que existem tantas diferenças quantas quisermos apontar na experiência de vida dos indivíduos envolvidos no mundo do crime, nos dois territórios pesquisados. No entanto, debruçamo-nos aqui sobre a rotinização de comportamentos e padrões de interação interpessoais por meio dos quais os indivíduos dotados das suas motivações se realizam.

 

FORMAS DO TRÁFICO DE DROGAS: DEFININDO UM CONCEITO

 

Seguindo a trilha etnográfica iniciada por Zaluar (1988) e incorporando os debates em torno da sociabilidade violenta (Machado da Silva, 2004 e 2008) e sujeição criminal, Misse (1999), Lopes (2011) e Grillo (2013) trouxeram questões estimulantes para o campo da análise do mundo do crime e dos bandidos no Rio de Janeiro. O mundo do crime e os bandidos são agora escritos sem aspas, como expressão de categorias nativas, isto é, como designação dos próprios sujeitos pesquisados para o conjunto de atos, atitudes, comportamentos, códigos, regras e sociabilidades que se realizam no âmbito das atividades e negócios ilícitos (Feltran, 2008b e 2011; Lopes, 2011; Grillo, 2013).

Lopes (2011) parte da construção do que chamou de representações internas do mundo do crime, isto é, as representações que emergem entre aqueles que desse mundo participam. Um mundo que, segundo a autora, goza de relativa autonomia em relação ao mundo social padrão, é constituído a partir de um jogo de reproduções e inversões dos valores e conteúdos morais da sociedade. O “crime” é entendido como religião, arte e trabalho, entre outras formas. Há, com isso, um rompimento não intencional com a perspetiva de analisar o mundo do crime como um facto social total, porque, embora as representações possam estar conectadas com as experiências vividas pelos bandidos, são representações dotadas de autonomia, umas em relação às outras, isto é, o crime como religião não está ligado necessariamente ao crime como arte, trabalho, etc., e tais representações não esgotam a compreensão do mundo do crime.

Dessa forma, a ideia de representação da autora pode facilmente confundir-se com a ideia de metáfora (o crime é religião) ou analogia (crime é tal como a religião), visto que se trata de uma construção da pesquisadora sobre as interações vividas e sentidos atribuídos pelos indivíduos.

Grillo (2013), por sua vez, propõe tornar o mundo do crime inteligível para aqueles que pouco conhecem esta forma de vida, descrevendo analiticamente a socialidade e as relações de poder peculiares ao universo criminal, para desvendar a sua mecânica. A autora procura ir do macro para o micro: das formas sociais para os processos de subjetivação, esboçando as formas que circunscrevem as relações sociais e buscando entender como a adesão a esta forma de vida modifica a experiência dos indivíduos no mundo. As formas escolhidas – e descritas ao longo de sua tese – são a fação, a firma e a boca. Nelas, encontrou o elemento de repetição, hábito e previsibilidade e os comportamentos e respostas que fornecem as bases para a reprodução do crime como ordenamento. O ordenamento criminal constitui-se, então, por meio da padronização de práticas e relações sociais de distintas naturezas, que se reproduzem ao longo do tempo e replicam-se por territórios descontínuos, compondo um repertório de ações sempre aberto a improvisos e mudanças.

Ao lançar mão da ideia de formas, no entanto, não a apresenta como conceito, portanto, não há definição teórica. Trata-se de uma opção claramente exposta pela autora, que, não obstante reconhecer tratar-se de um conceito wittgensteiniano, não adere às proposições do filósofo e afirma fazer um emprego livre da expressão. O termo “forma” foi usado porque, segundo ela, permite criar imagens espaciais e pictóricas.

Das formas apresentadas, citamos apenas dois exemplos. Quando trata do tráfico como forma firma, utiliza a ideia de mimesis, definida a partir de ­Taussig (1993) como a capacidade de a cultura copiar, imitar, criar modelos, explorar diferenças, entregar-se e tornar-se Outro, criando uma segunda natureza, a tal ponto que a representação pode até mesmo assumir aquela qualidade e poder. Quando trata o Crime6 como forma, utiliza a ideia de forma de vida pensada como linguagem e a linguagem como prática, conforme exposto por Wittgeinstein: a linguagem como a marca da socialidade, portanto, as formas de vida humana são definidas pelo facto de que são formas criadas pela e para aqueles que estão em posse da linguagem.

Explorar o mundo do crime, em especial o tráfico de drogas, a partir das representações internas (Lopes, 2011) e das formas de vida (Grillo, 2013) tem como objetivo mais amplo tratar o mundo do crime como um universo de ação e significação, bem como um estilo de vida, que expressa como os envolvidos narram, se identificam, organizam os comportamentos, estabelecem rotinas, introduzem esquemas hierárquicos e instituem um sistema moral. Contudo, não oferecem recursos teóricos para assim o entendermos.

É nessa lacuna que reside a força do conceito de formas em Simmel (1971 e 2006). Para Simmel (2006), a sociedade existe quando e porque os indivíduos estão em interação. A interação é definida como uma ação recíproca que se produz por instintos (eróticos, religiosos, sociais etc.) ou fins (de defesa ou ataque, de jogo ou ganho, ajuda, instrução etc.), na qual os indivíduos estão em estado de convivência com outros indivíduos, em ações a favor deles, em conjunto com eles, contra eles ou em correlação de circunstâncias com eles, e que exerce influência sobre eles ou recebe influência deles. A interação é chamada por Simmel “sociação”, exatamente para dar ênfase ao seu caráter específico, distinto das simples interações e associações.

Na sua construção, os indivíduos interagem, pois, uns com os outros em função de inúmeros fatores e motivos, tais como instintos, emoções, interesses, movimentos psíquicos. Esse conjunto de motivações e fatores é chamado de conteúdo. Os conteúdos da sociação são, então, tudo o que existe nos indivíduos (instintos, interesses, fins, inclinações, estados ou movimentos psíquicos) capaz de originar ação sobre os outros ou receber influência dos outros.

As sociações são, por sua vez, interações que transcorrem no interior de relações que se cristalizaram no tempo e espaço, isto é, que se autonomizaram em relação aos seus contextos e conteúdos originais, chamadas “formas sociais”. Simmel destaca a troca, sociabilidade, conflito, dominação, subordinação, competição, imitação, divisão do trabalho, religião, aventura, moda, entre outras, como formas sociais que são encontradas na vida social.

Em síntese, os conteúdos realizam-se numa forma, isto é, para que os interesses e fins se realizem, é preciso que estejam numa interação, que por sua vez tem uma forma determinada.

Desse modo, define Simmel, as sociações têm a sua forma e conteúdo. Segundo Cohn (1979), a forma pode ser tratada como o conteúdo normativo (esfera dos valores) e o conteúdo, como a vida, a existência concreta. Visto assim, não há em Simmel a separação entre o domínio dos valores e dos sujeitos para os quais eles têm vigência, o conteúdo normativo (valores) está no desenvolvimento da vida dos indivíduos e não separado deles.

Ao assumir o risco de trazer Simmel, é preciso cautela. As análises críticas apontam inúmeras direções, tais como o caráter ensaístico, a pouca consistência, ambiguidades, ambivalências, uma sociologia formalista (Durkheim, 1965; Wolff, 1950; Tenbruck, 1994). Mas, a sua redenção só é possível se compreendermos que para Simmel a sociologia não se encerra na análise das formas, nem prescinde dos conteúdos, mas sim trata da relação entre forma e conteúdo e da relação entre as formas.

Nesse sentido, a referência à forma é utilizada no esforço de produzir outra coisa que não imagens, representações descoladas do vivido, metáforas, analogias, tipos-ideais, configurações ou lebensform (forma de vida)7 . E, novamente recorrendo a Cohn (1998),

 

não se pode, pois, reduzir o pensamento de Simmel nem a um modelo da ação significativa, nem a um modelo do caráter representacional do simbolismo cultural. Nem Weber, nem Durkheim, mas também não Mauss. O pensamento de Simmel retira seu timbre da ênfase na tensão entre fluxos energéticos e processos de imposição de formas (na mais exata acepção de informação) em ambientes significativos dados.

 

Assim, analisaremos o mundo do crime por meio das seguintes formas: organização, religião, guerra e aventura.

 

ORGANIZAÇÃO: HIERARQUIA, CARREIRA E TRABALHO

 

Descrever a organização e os cargos do tráfico é um dos principais esforços analíticos dos estudos sobre o tema. Dentro da perspetiva assumida neste artigo, tal não significa excluir todas as outras formas que organizam as relações sociais e económicas do mundo do crime, mas algo que se soma ou acrescenta a essas relações.

A estrutura organizacional das atividades do tráfico de drogas nas favelas cariocas estudadas varia em função do modo como o dono administra o seu negócio e de como reinveste os lucros em cada ponto de venda de drogas e em toda a favela. Desse modo, os postos de trabalho e as suas tarefas, bem como diversas atividades como as negociações, a cobrança de taxas etc., não são as mesmas e é impossível captá-las com exatidão. No entanto, algumas dimensões perpassam as práticas específicas e permitem pensar o tráfico de drogas a partir de uma forma que incorpora a hierarquia, o trabalho árduo e a carreira.

Em relação à hierarquia, no topo estão o dono e o patrão. O termo “dono” remete para o proprietário de pontos de venda das drogas e é usado como título de alto prestígio e respeito. Mas o dono pode ser dono de uma boca, de um conjunto de bocas, de todas as bocas da favela e até das bocas de um conjunto ou complexo de favelas. Ele será tanto mais poderoso quanto mais pontos de venda possuir, investindo capital na compra de armas e drogas e empregando pessoas nessas atividades. É também chamado de “patrão”. Está subordinado a outros patrões, dentro de uma hierarquia na qual a fação figura como uma organização mais ampla, que compra armas e drogas a fornecedores externos aos circuitos de sociabilidade das favelas e subúrbios, e possui relações políticas e económicas com membros do Estado que permitem o seu funcionamento na cidade.

Os donos têm os seus gerentes e eles podem ser de preço, da maconha, do pó ou do crack, da boca ou gerente geral, que aquele que gere todas as bocas da favela. Em geral, é tido como um homem de confiança. Os gerentes controlam, respetivamente, as drogas de determinado preço (p. ex., gerente do pó de cinco, gerente da maconha de 10, etc.); as drogas por qualidade (gerente da maconha, gerente do pó, etc.); um ponto de vendas determinado (gerente da Cabrita, gerente da rua 8, gerente da boca da ladeira), ou pode ser responsável pelo controlo das drogas em toda a favela (gerente geral da Rocinha, gerente geral do Morro do Amor).

Quando o dono é preso, o gerente geral pode transformar-se em “frente” da favela, assumindo os negócios criminosos em nome do patrão e mantendo contacto direto com ele por telefone, para repassar as suas ordens à quadrilha, ou colocando-o a par de tudo o que acontece na sua favela. Diz-se, nesse caso, que o Fulano “ficou de frente”. O “frente” é, pois, o representante direto do patrão, o seu braço direito, como se diz, embora haja uma coleção de histórias em que o frente trai a confiança do dono, aproveitando situações de afastamento para dar o que se chama “golpe de Estado”, ficando no seu lugar.

Na parte mediana da hierarquia, estão os soldados que cuidam da segurança dos cargos mais altos e de locais estratégicos. Geralmente, são laços afetivos e/ou de parentesco que determinam que este ou aquele jovem ocupe o cargo de soldado do patrão. Os soldados mais habilidosos cuidam da segurança dos chefes e os menos habilidosos ficam de vigia à entrada da favela ou às bocas de fumo. Chama-se “contenção” a estes soldados que ficam mais perto da fronteira entre a favela e o asfalto. É um cargo que conta com mais efetivos, pois a menor habilidade dos soldados é compensada pelo maior número de soldados nessa posição. Esses parecem ser os antigos “olheiros”, que ampliaram as suas tarefas na medida em que o posto passou a incluir o porte de fuzis e armas de grosso calibre, dando lugar à figura do “contenção”, pouco mencionada na literatura especializada.

Embora o mesmo indivíduo possa passar muitos anos na mesma posição, morrer ou sair do tráfico antes de ascender, e os altos postos do tráfico local sejam ocupados em geral por indivíduos de uma mesma família, ou por uma lógica de trocas e concessões económicas, materiais, simbólicas e afetivas, a ideia de uma carreira no mundo do crime é recorrente dentro e fora deste mundo.

No entanto, ocupar postos na parte baixa da hierarquia não significa, entre os bandidos, explicitar claramente o desejo de construir uma carreira que os leve ao topo, transformando-os em donos de uma boca ou do morro. Alguns descrevem ações, atitudes e ideias que revelam o desejo de seguir a carreira criminosa dentro do tráfico, mas a ascensão muitas vezes não passa de uma aspiração que não se concretiza.

Outros, mobilizados por sentimentos e emoções (medos, inseguranças, receios) que as atividades provocam e/ou pelos apelos de mães, tias, namoradas, esposas e pastores evangélicos locais, tendem a negar que estão a entrar numa carreira no mundo do crime e descrevem as suas atividades no tráfico como “virações”, recursos imediatos e transitórios de subsistência. O que os une é a retórica de que a carreira no mundo do crime dá acesso ao dinheiro, poder de consumo, prestígio e mulheres, deslocando o lugar da “revolta”.

A carreira criminosa tornou-se uma escolha “tentadora” para muitos jovens bandidos, como substituta do trabalho regular legal, porque a ela está atrelado um conjunto de representações que a opõe ao “trabalhador otário” (Zaluar, 1999). Essa representação crítica do trabalhador regular legal, embora esteja ligada à oposição “malandro” vs. “trabalhador” e “trabalhador” vs. “bandido”, já discutida na literatura (Zaluar, 1988; Misse, 1999), vai além dela, por vários fatores. Destacamos três, a seguir.

O primeiro diz respeito a um contexto de progressiva deterioração do mercado de trabalho, em especial para os jovens pobres, moradores de favelas e de baixa escolaridade, nos grandes centros urbanos do país, cujas ocupações são mal remuneradas, muito intensas do ponto de vista das jornadas de trabalho, da alta rotatividade e da distância entre os locais de morada e trabalho, numa cidade que apresenta problemas estruturais de mobilidade urbana.

Segundo, porque se deu em um momento em que as atividades do tráfico de drogas estavam mais organizadas e com elevada lucratividade, pagando altas remunerações, maiores ainda se comparadas às remunerações das ocupações regulares e legais, para os jovens pobres. Há um discurso recorrente em torno dos ganhos económicos, de poder e prestígio, e que, dada a proximidade com o local de morada, permite que tais capitais sejam usufruídos e expostos nas suas redes de referência.

O terceiro é o da cristalização das imagens antagónicas dos patrões e dos empregos. O emprego regular legal é o “emprego comum”, aquele realizado de forma rotineira, impessoal, maçadora, com elevada exploração e de muito baixo rendimento, que reforça a imagem do “otário”. O patrão, neste contexto laboral, parece uma figura aterrorizante, impessoal e subjugadora, alguém que oprime e humilha, alheio aos sofrimentos de um território marginalizado. Portanto, alguém irremediavelmente distante e antagónico.

Quando os bandidos falam das suas experiências profissionais fora do tráfico, mostram um desconforto muito grande com o seu lugar na hierarquia de trabalho, um certo complexo na relação profissional com o patrão, que muitas vezes os fazem resistir a uma ordem dada. Isto porque as ordens recebidas são avaliadas muito criticamente, deixando-os atentos a qualquer indício de extrapolação das suas atribuições, e fazendo-os reagir veementemente contra o que julgam ser exploração da sua força de trabalho. Quando contratados para atender num balcão de loja, por exemplo, não se disponibilizarão a passar um pano na bancada para tirar a poeira, uma situação que sintetiza as inúmeras citadas.

O emprego no tráfico é identificado como uma aventura (uma epopeia, como descreveremos mais adiante). E o patrão do tráfico trata os subalternos de maneira próxima, e respeitando a sua honra de “sujeito homem” e a sua “moral de cria”. Assim é que, para os jovens traficantes, estes patrões e donos constituem-se em grandes modelos, verdadeiros heróis e celebridades, que os fascinam.8 Alguém com quem se identificam e em quem se podem projetar. Existe uma continuidade entre a pessoa do patrão do tráfico e o seu soldado. Para os soldados de um patrão “famoso”, resvala um pouco do prestígio desse patrão.

Não obstante rejeitarem a ética do trabalho como dignificadora do sujeito, existem ainda muitas outras representações acerca do trabalho e dos trabalhadores que se descolam desse lugar negativo e pejorativo: existe o trabalho/trabalhador que é “respeitado”. Isso porque, apesar de explorado, e, na verdade, justamente por esta sua condição, o trabalhador assalariado é visto como alguém que experiencia o sofrimento, e este sentimento irmana trabalhadores e bandidos, pois todos são de origem pobre e/ou todos são moradores de favelas. Assim é que, por outra via, diferente da que o crime oferece, o trabalho árduo e persistente também é digno de um sujeito homem.

Percebemos que a relação de oposição entre trabalhador e bandido, tradicionalmente explorada pela literatura, possui outras cores ainda pouco observadas. Feltran (2008a e 2011) mostrou como a convivência entre o “trabalhador” e o “bandido”, para além da oposição, pode ser complementar: num mesmo grupo familiar, enquanto o bandido supre financeiramente a família, o trabalhador supre moralmente.

Visto assim, no mundo do tráfico de drogas não vemos somente operar a lógica hierárquica escrutinada entre donos e empregados, com salário como meio de subsistência, jornada fixa e sistema previdenciário de assistência salarial às esposas e familiares de soldados presos, onde “o mundo do crime” se torna o simulacro do “mundo do trabalho” (Feffemann, 2006; Feltran, 2008a e 2011). Vemos o crime assumir verdadeiramente a forma de uma organização.

E, como tal, nem todos estão aptos a seguir carreira. Repetidas vezes no campo, em entrevistas com os próprios traficantes e seus familiares, ouvimos que existe algo a mais para aqueles que seguem carreira. Muitas vezes esse algo a mais é descrito como um modo de ser e de estar que não se consegue qualificar, apenas sentir. O sentir é a perceção do prazer, do gozo e da satisfação que emana daqueles que estão ali demonstrando o seu poder, experimentando o risco e administrando o perigo. É por isso que outras tantas vezes ouvimos que se trata de ter talento ou dom para seguir a carreira criminosa. Uma leitura que ultrapassa a fronteira da experiência e passa a ser quase religiosa, porque nos conduz à ideia de ter vocação.

 

RELIGIÃO: MANDAMENTOS E PERSONAGENS BÍBLICOS FALANDO A MESMA LÍNGUA

 

Os bandidos do Comando Vermelho (CV) utilizam a frase “Cristo Vive”, que abreviada é também CV, quando querem marcar seus espaços e objetos. São pichações nas paredes, grafadas em armas, roupas e tatuagens. Mais do que letras e brincadeiras, há aí uma relação bem interessante com a religião, principalmente com os cristianismos populares, que a pertença à vida do crime acomoda.

Numa das bocas de fumo mais lucrativas, que visitámos durante a pesquisa de campo, havia sobre a mesa onde as drogas eram dispostas e vendidas, um enorme quadro espelhado que retratava a imagem de Jesus Cristo no monte. No centro da mesa, uma metralhadora antiaérea chamava a atenção dos “desavisados”. Do mesmo modo, os bandidos faziam orações antes de se lançarem em assaltos na cidade, ou de enfrentarem os seus inimigos num confronto.

Deus é uma entidade recorrente nos pedidos de proteção, na devoção, oração e crença entre os traficantes. Cunha (2009) também registrou com clareza o fenómeno. Sem perder de vista a expansão do neopentecostalismo nos meios populares, as rogadas bênçãos de Deus aos crimes dos bandidos permitem-nos entrever a relatividade da noção de bem.

Os elos que o crime estabelece com a religião têm sido alvo de muitos estudos (Freitas, 2000; Teixeira, 2009) mas os elos aos quais nos referimos aqui supõem a religião como uma “forma” que molda as interações entre os sujeitos. Destacamos três aspetos que permitem que entendamos a religião, ou “o religioso”, desta forma.

O primeiro aspeto é a existência de um código de honra, muitas vezes referido como mandamentos. É claro que os mandamentos são apropriados de forma um tanto diferente da que faz a igreja, ou fazem as igrejas. Principalmente porque o universalismo humanista cristão não está presente no código de regras dos bandidos. Os mandamentos do Comando Vermelho, por exemplo, circulam na imprensa, na internet, e nas conversas. São eles:

 

1.º Não negar a Pátria.

2.º Não cobiçar a mulher do próximo.

3.º Não conspirar.

4.º Não acusar em vão.

5.º Fortalecer os caídos.

6.º Orientar os mais novos.

7.º Eliminar nossos inimigos.

8.º Dizer a verdade mesmo que custe a vida.

9.º Não caguetar.

10.ºSer coletivo.

 

A inspiração bíblica é ainda mais evidente no 2.º mandamento, que é idêntico ao 4.º mandamento bíblico. Neste caso, a origem bíblica da orientação contra possíveis traidores outorga legitimidade ao código do crime. Como afirma Taylor (1989), a Bíblia é uma “fonte moral inequivocamente boa”.

O “próximo”, ainda no 2.º mandamento, deve ser lido como alguém da fação, ou algum cria da favela, que saiba e se disponha a desenrolar o assunto e/ou que tenha acesso direto a alguma rede influente ao nível local (especialmente alguém da alta hierarquia do tráfico), que possa acionar para acorrê-lo. Aqui está presente a importância da fidelidade entre pares, do pacto de honra entre homens convives, uma moral para regular os jovens e as suas “hipermasculinidades”. A força desse mandamento é tamanha que, durante o trabalho de campo, o desrespeito, o assédio, os investimentos ou os simples contactos mais íntimos, entendidos como inapropriados, com a esposa ou namorada de outro homem foram os motivos mais comuns de homicídio entre os membros da fação. Outros motivos menos frequentes também merecem destaque, tais como as supostas tentativas de enganar os traficantes nas transações de mercadorias e o abandono de amigos durante confrontos armados, as famosas trocas de tiros, ou simplesmente “trocas”9.

Todos os mandamentos do CV reforçam a lealdade, a honra, a preocupação solidária no jogo das sociabilidades entre os bandidos, entre os “irmãos”, conformando o modo como os bandidos se tratam uns aos outros na fação.

O segundo aspeto é a linguagem comum, identificada em expressões quotidianas, que associam os personagens bíblicos e personagens das experiências da vida no mundo do crime e o uso recorrente de noções religiosas apropriadas do cristianismo.

Em relação à associação entre os personagens bíblicos e personagens das experiências da vida no mundo do crime, vale reproduzir uma experiência de campo vivida num baile funk. Os evangélicos pediram permissão aos bandidos locais para interromper a música, para uma breve pregação. O pregador falou sobre a importância de evitar o Diabo e as suas seduções e que ele, o Diabo, traía a todos, como Judas traiu Jesus. O Diabo era como Judas.

Terminada a pregação, o DJ retomou o microfone com a seguinte fala: “é, meus amigos… ele traiu Jesus por dez moedinha [sic] de prata. Quem não gosta de X9 levanta a mão!” O silêncio se desfez com uma explosão de gritos. A massa de pessoas pulava com as mãos para o alto. E a música que começou a tocar dizia: “X9 caguetou. Entregou, arrumou problema. Tá amarrado sabe aonde [sic]? Tá na mala do Siena. Veio o toque da cadeia, pra acabar com o problema. X9 caguetou, nós queima [sic] ou não queima?”. Todos responderam num brado: “queima!”. “Queima ou não queima?” “Queima!”.

Em outras conversas com os bandidos, o uso do “Diabo” como referência, também pareceu digno de nota. Contando sobre um episódio de uso da violência, um traficante disse que o Diabo lhe estava “pedindo sangue mesmo”, como explicação do ato contra a vítima. Apresentava por meio deste recurso um dualismo na própria atividade criminosa: ações mais violentas como obra do Diabo, sem obviamente contestar que as demais seriam obra de Deus. E continuou a conversa dizendo que os bandidos também são filho de Deus, mas também pecam.

Em relação ao uso recorrente de noções religiosas apropriadas do cristianismo, ficaram marcadas falas em que traficantes se diziam ficar “possuído[s] pela adrenalina”, explicavam a sobrevivência como um confronto como “obra de Deus” e como “milagre” e saudavam parceiros com a frase: “fé em Deus e nas crianças da favela”.

O terceiro aspeto, que permite identificar a forma religião operando no jogo das sociabilidades das redes observadas, é o testemunho. Mafra (2002) identifica o testemunho evangélico com uma elaboração narrativa que se organiza depois de o crente assumir a “posse da palavra”, ou seja, depois da conversão. Esta é realizada no momento em que o crente afirma perante a igreja que “aceita Jesus de todo seu coração”. A sua fala ganha a dimensão de um poder autorrealizador depois disso, considerando-se o poder performativo do ato de aceitar Jesus. A vontade de testemunhar tem a ver com querer experimentar esse poder.

Entre os bandidos entrevistados, era notória a necessidade de falar sobre algumas experiências limites, em geral grandes tragédias, que marcaram a passagem do mundo da sociedade para o mundo do crime, e em alguns casos, da passagem para uma entrada mais profunda no mundo do crime, como no caso de um praticante eventual de pequenos crimes que ingressa efetivamente no tráfico de drogas, na condição de traficante. Experiências marcadas por uma crise moral, acompanhadas de profunda agonia do sujeito. Dar o testemunho, nesses casos, significa reafirmar a sua “conversão” perante a plateia ávida pelos votos de confirmação.

 

GUERRA: ETHOS GUERREIRO E “NEOROSE”

 

A “guerra”, expressão utilizada pelos bandidos para se referirem aos conflitos armados no tráfico (Lopes, 2011) e também pelos media para nomear confrontos entre a polícia e os traficantes (Leite, 2007), pode ser lida por algumas chaves. Na chave política, pode ser visto um tom de denúncia e crítica social acerca da condução das políticas de segurança pública adotadas em diversas cidades e momentos, em especial na cidade do Rio de Janeiro. Como nos lembra Zaluar (2009):

 

O antropólogo não pode se calar sobre o tratamento dado a refugiados, estrangeiros ou desclassificados nas novas unidades políticas artificiais da África, nem aos “inimigos” dentro de uma favela em alguma cidade brasileira. As lógicas do confronto guerreiro, da ideologia do terror ou da guerra molecular, fenômenos mundiais que se manifestam em variados e pequenos recantos deste vasto planeta, operam pela desumanização do inimigo ou dos dissidentes, o que justificaria as atrocidades cometidas contra eles nos cinco continentes por razões e processos diferentes.

 

Na chave socioantropológica, o ethos guerreiro, presente em grande parte dos bandidos, é entendido como as manifestações de uma virilidade hiperdimensionada e hiperestimulada pelos confrontos armados, performances na luta e interações quotidianas na disputa por poder e prestígio, que se revelam nos discursos dos bandidos em defesa da honra, na disposição para o uso da violência e no recurso a comportamentos que exacerbam a virilidade para efeito de domínio, exibição e imposição da vontade (Elias, 1997; Zaluar, 2004):

 

Espalhou-se entre alguns dos muitos jovens pobres que moram nesses locais um etos guerreiro que os tornou insensíveis ao sofrimento alheio, orgulhosos de infligirem violações ao corpo de seus rivais, negros, pardos e pobres como eles, agora vistos como inimigos mortais a serem destruídos numa guerra sem fim [Zaluar, 2009].

 

No entanto, antes de uma insensibilidade ao sofrimento alheio, ou de um não reconhecimento da alteridade (Machado da Silva, 2004), o ethos guerreiro permite perceber que estamos tratando do cultivo de uma insensibilidade ainda mais profunda que a insensibilidade egoísta à dor do outro. Mesmo que em muitos casos haja perplexidade diante das situações de violência que eles protagonizam como vítimas ou algozes, o processo de “insensibilização” observado é um elemento necessário à atuação do guerreiro e tem por objeto também, e principalmente, lidar com a própria dor. A frieza diante da própria dor é o elemento imprescindível para que se tenha a capacidade de infligir dor ao outro.

A insensibilidade é verdadeiramente perseguida pelos bandidos, ativamente construída e vigiada para que não falhe, sendo necessário dar provas às vezes desse poder, demonstrar a virtude e o dever de “não sentir”. Parece que eles criam uma estratégia poderosa para enfrentar confrontos e as obrigações de matar, torturar ou bater: não se deixar afetar pelo próprio sofrimento.

A disposição guerreira também está visível no que eles chamam de “neorose”, com “o” mesmo.10 Os “neoróticos” são capazes de presumir má-fé nas ações de todos os que os cercam, e fazem-no como meio de garantir a segurança própria e dos outros membros da boca ou fação e de se equilibrarem num contexto de contínua sensação de risco e insegurança. Assim, o neorótico antecipa a ação violenta esperada do outro, ou como dizem nas redes estudadas: “antes de chorar minha mãe, chora a tua mãe primeiro”. É, sobretudo, uma forma de autoproteção e do grupo, não necessariamente uma intenção de atacar.

Mattos (2012) discute a “neorose” e os “neoróticos” como parte de um novo momento no mundo do crime, onde a ênfase no poder armado “desloca o estilo masculino agressivo do corpo e suas técnicas de luta para ressaltar o temperamento obsessivo e controlador do “neurótico”, cujas ações violentas seguem um novo ideal de virilidade definido pela associação ao tráfico”. A autora conclui que há duas configurações sociais distintas: holismo associado à valentia e individualismo associado à performance (sensação) neurótica.

Entre os bandidos aqui estudados, talvez pelo tempo transcorrido e a introjeção dessa disposição neurótica, a valentia e a disposição guerreira passam a realizar-se pela disposição neurótica que os defende a si e ao grupo, não havendo a separação identificada pela autora.

A arma, parte fundamental da indumentária do bandido e da sua imponente performance na favela, pode ser muito bem entendida neste contexto como um pedido de reconhecimento de poder, não só para si, mas para o grupo. O símbolo fálico passa a ser o que dá garantias ao bandido sujeito-homem de que se manterá honrado, de que não será subjugado. E a reunião de algumas armas, expostas a céu aberto ou nas janelas de casas que são utilizadas como pontos estratégicos, indica que o poder não é de um homem só.

Não só a utilização e a quantidade de armas permitem dar conta das “táticas” utilizadas pelos bandidos das favelas. A favela, incógnita no imaginário da cidade, de becos e vielas tortuosos, que exige do passante alguma perícia no caminhar, torna-se um campo de batalha com obstáculos construídos, trincheiras muito bem posicionadas e rotas de fuga. O domínio do território é uma das principais armas na guerra.

 

AVENTURA [EPOPEICA11]: BANDIDO HERÓI, VISIBILIDADE E ESTÉTICA DA VIOLÊNCIA

 

Ali onde o crime, ou mais precisamente, onde a experiência de uma vida e de uma identidade constituídas com base na prática do tráfico de drogas, e a arte se intercetam, há dois elementos básicos que merecem ser considerados e que são, na verdade, complementares: a elaboração narrativa dos feitos que afirmam a identidade de bandido e a apreciação estética das coisas deste mundo do crime, no qual estes jovens acreditam viver.

Na verdade, aquilo a que chamamos elaboração narrativa trata da construção de uma identidade e pertença, a partir da narração de histórias “épicas” protagonizadas pelos jovens. Torna-se ao mesmo tempo uma estratégia de aceitação no grupo, a conquista da desejada visibilidade, e revela uma apreciação da beleza dessas histórias e prazer eufórico. A impressão que fica é a de que o jovem que passa a integrar o corpo de membros do tráfico local fica, ao mesmo tempo, extasiado e surpreendido com a própria escolha, com a própria ousadia, que subverte a lei e a moral dominantes. Assim, os bandidos empenham-se em contar e recontar aos demais (reinventando continuamente) essas histórias de crimes cometidos, que constituem as suas trajetórias dentro da carreira criminosa, a fim de ganhar status.

Nas bocas de fumo, os rapazes reúnem-se para contar as suas aventuras criminosas: quando este ou aquele companheiro conseguiu uma fuga espetacular da polícia, quando um ladrão, durante um assalto, cometeu uma gafe anedótica, quando qualquer coisa foi mal sucedida no conflito com inimigos, vindo a culminar na morte de um amigo. O que chama a atenção é que, sendo um facto heroico, uma gafe ou um acontecimento com desfecho fatal e trágico, as histórias são saboreadas, são apreciadas minuciosamente e, em alguns casos, tornam-se a própria identidade do protagonista.

Na elaboração narrativa do ser bandido, existe um deleite em ouvir tais histórias que são compartilhadas nas redes locais e contribuem para a tão almejada fama dos garotos – limitada, obviamente, a determinados circuitos. Um prazer de ouvir, um prazer de contar histórias é, pois, muito notável entre eles. Há, em simultâneo, um sentido estético que inclui a apreciação das armas, das músicas de enaltecimento da fação e das carreiras criminosas de maior evidência.

E como no mercado das artes, quanto mais uma obra encontra consumo e admiração, mais reconhecimento tem o artista. As habilidades ressaltadas de coragem, a destreza no manejo de armamentos, a agilidade física e de raciocínio, resistência física e emocional narradas pelos garotos e propagadas nas suas redes, configuram-nos como heróis-“artistas” diante dos seus próprios olhos. Os valores pertencentes ao herói, a virilidade, a força, a coragem e a honra são destacados, identificados na noção de “bandido”.

Histórias que não são apenas contadas, mas outras vezes cantadas nos chamados funks “proibidão”, aqueles que exaltam traficantes e os seus feitos12 . Nestes funks podemos perceber a valorização de uma destreza, uma mestria em relação a um feito sensacional. Algo que encerra a noção de um “talento”, presente no jargão nativo: “roubar no talento”, “esperar no talento”, “atirar no talento”.

Noutros funks, o som dos tiros é outra coisa além de meros sons de tiros13, faz a rima da música, ou são misturados para dar acentuação rítmica e compor arranjos. Desse modo, deixam de ser barulhos caóticos ou ensurdecedores, e tornam-se obras artísticas que narram as epopeias dos seus protagonistas. O ato criminoso é reescrito a partir de uma estética, conjugada com uma ética, na qual o crime deixa de ser errado porque pode ser sublime.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Procuramos convergir analiticamente dados de três pesquisas que lidavam diretamente (no caso duas) e indiretamente (no caso a pesquisa das famílias) com o mundo do crime, em especial o do comércio ilegal de drogas, aqui referido como tráfico. O elemento central para produzir tal convergência foi a observação de que a despeito das diferenças contextuais entre as favelas, nas quais os trabalhos de campo foram realizados, e as diferenças produzidas por género, idade, existência ou não de familiar envolvido, tempo de envolvimento, trajetória dentro e fora do mundo do crime, relações de afeto, sentidos e motivos atribuídos às suas escolhas, que particularizam as trajetórias dos indivíduos, existe uma rotinização de comportamentos e padrões de interações interpessoais por meio dos quais os indivíduos produzem as suas práticas. Sem dúvida, há uma mudança em curso com a instalação das UPP nas favelas, e certamente está em curso a rotinização de novos comportamentos e interações.

Nesse sentido, o conceito de formas, tal como presente em Simmel (1971), foi o ponto de chegada desta tessitura analítica da convergência entre as pesquisas. Organização, religião, guerra e aventura foram as formas escolhidas para apresentar ainda de que parcialmente, o modo como o mundo do crime se mostra. Pela descrição dessas formas, percebemos a inversão da lógica do mundo, face à ordem legítima. Nessa construção antagónica, a subalternidade e o tratamento impessoal, experimentados nas relações de trabalho regulares legais, diferente da subalternidade vivenciada na organização hierárquica do tráfico, incomodam os meninos envolvidos. Mais do que isso, ofende-os ser vistos deste modo. Como trabalhadores do tráfico, embora alguns se percebam na condição de explorados, queixando-se de que ganham pouco em comparação com os lucros auferidos pelos superiores, ou que têm uma jornada longa, que estão submetidos a códigos e hierarquias rígidas e experimentam rituais e situações de humilhação, ainda assim sentem-se distantes da exploração que sofrem os “trabalhadores otários” (Zaluar, 1999).

Ao se destituírem da perspetiva do trabalho legal, os “trabalhadores” da organização do tráfico reportam com clareza as suas obrigações, regras, contrato de trabalho e aspirações. Nesta organização, os agentes reguladores situam-se na ordem do afeto, da lealdade, confiança e reciprocidade entre patrão e empregado. A punição das faltas cometidas pelos empregados é medida em relação ao grau de ferimento a essa lealdade (Feffermann, 2006) e quebra de confiança. Isto porque a insatisfação nas relações de trabalho pode ser “desenrolada”, isto é, existe margem para negociação e conversa. Se um indivíduo não tem dinheiro, negocia-se o pagamento adiantado, serviços extras, ou autoriza-se um “ganho” na rua (assaltar, atividade muitas vezes proibida para traficantes de algumas favelas). Por isso, roubar a “boca”, virar X9 de inimigos, tramar situações para se favorecer em detrimento de algum parceiro são faltas graves.

Isso permite-nos entender que estão em jogo dois sentimentos de identificação significativos: o reconhecimento e a pertença. Enquanto o reconhecimento os torna visíveis para si e para os outros, o sentido de pertença à fação ou ao grupo é o que faz com que se subordinem à hierarquia. Dá-se o primeiro por intermédio do segundo.

Mas estar imbuído desses sentimentos é para poucos. É preciso ter o dom, a vocação. Como afirmado anteriormente, o uso das noções e narrativas cristãs para interpretar os eventos vivenciados é recorrente, assim como a associação entre os personagens bíblicos e os personagens das experiências da vida no mundo do crime. Os personagens bíblicos, as suas histórias e as suas noções servem de modelo para o enquadramento da realidade, não só no sentido de conferir significado para si, mas para os outros não-bandidos. Ou seja, se o X9 é Judas, bandidos e não-bandidos sabem o que fazer com ele. Se é obra de Deus ter sobrevivido ao confronto armado de grande porte, é porque se é um escolhido Dele.

Abandonando a pretensão, pouco fecunda, embora tentadora, de sondar as teias de significado nas quais cada expressão está imersa, o que salta aos olhos é o diálogo entre religião e crime. O que aquela empresta à formulação da experiência deste. E em que medida o crime pode então ser vivido como uma experiência religiosa, por causa da catarse, como aquela sentida pelo nosso entrevistado, ao ver-se “possuído de adrenalina”.

Não são só possessão e milagres. Entendemos que o ethos guerreiro e a “neorose” implicam uma estetização da guerra que, para além de uma metáfora de fora e de dentro, dá forma ao mundo do tráfico, num impulso expressivo e explosivo de violência, numa normalização da violência e da dominação pela arma como linguagem adotada pelos meninos nas suas relações habituais. Mas também implicam um complexo processo de construção de si, que passa pela afeição e estima, costurado pela pertença ao território e pela identidade que dessa pertença emerge. A identidade de “cria” da favela, bem como uma elaboração de género (o sujeito homem) e a afirmação de um ideal de bom e de belo.

O malfeitor torna-se herói, o feio torna-se belo, do barulho aflitivo e ensurdecedor das armas nasce a melodia, o estigma viabiliza a celebridade e a pertença ao território segregado mune-se de um orgulho próprio e confere a moral, a moral da cria. Nessa reciclagem simbólica que os bandidos operam, o próprio termo bandido é re-valorado, passando a ser considerado o ingresso numa carreira dotada de patentes, poder e prestígio, hierarquicamente diferenciados. Quando se diz, nessas redes, que alguém “é bandido” ou que determinado objeto, ou conduta, é “de bandido”, quer-se com isso valorizar aquilo de que se fala, não sem ambiguidades e temores.

Nesse mundo, o do crime, prima-se pelo elogio à insubmissão à ordem social dominante e pela rejeição de um Estado que subjuga o jovem favelado. “Somos a favor da lei, porque a lei quem faz é nós”, diz um funk proibido, cuja versão feita para tocar nas rádios diz “somos a favor da paz, porque a paz quem faz é nos”. É necessário considerar que paz significa a manutenção da ordem estabelecida, para poder entender o sentido complexo – ao mesmo tempo transformador e conformista – que é atribuído a “fazer” a paz.

 

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ZALUAR, A. (2012), “Juventude violenta: processos, retrocessos e novos percursos.” DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 55 (2), pp. 327-365.         [ Links ]

ZALUAR, A., CONCEIÇÃO, I.S. (2007), “Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro: que paz?”. São Paulo em Perspectiva, 21 (2), pp. 89-101.         [ Links ]

 

Recebido a 02-06-2014. Aceite para publicação a 23-10-2015.

 

NOTAS

1A palavra cerco está entre aspas porque faz referência ao título de um livro organizado por Machado da Silva (2008), identificado na bibliografia.

2As aspas foram aqui utilizadas porque nem todos os trabalhos que se debruçaram sobre o comércio ilegal de narcóticos, seus atores, práticas e estilos de vida utilizaram estas categorias para designar o seu objeto, ou o âmbito de seus estudos.

3As milícias têm a sua origem na tradição dos justiceiros locais e da polícia mineira. São formadas por polícias (militares e civis), bombeiros, agentes penitenciários, entre outros membros das forças policiais e agentes do Estado com braços na estrutura política da cidade; atuam nas áreas pobres e em favelas por meio da especulação imobiliária (compra e venda de lotes/terrenos), venda de “segurança privada” para comerciantes e moradores, venda de serviços de TV a cabo e gás, e usam a violência para coibir os moradores (Zaluar e Conceição, 2007; Souza e Silva e Lannes, 2008; Cano, 2008).

4Em 2009, a primeira UPP foi instalada no morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, como experiência piloto.

5Na primeira pesquisa, a equipa contou com Humberto Junior, Fábio Tavares, Camile Gonçalvez, Glória Brum e Natânia Lopes (jovens pesquisadores), sob a coordenação de ­Felícia Picanço (UFRJ). A segunda pesquisa trata da etnografia realizada por Natânia Lopes para a dissertação de mestrado, orientada pela professora Patrícia Birman. Na terceira, a equipa foi composta por Alan Brum, Bruno Celestino, Eric Aranha e Natânia Lopes, sob coordenação de Felícia Picanço.

6Aqui a autora optou por utilizar a categoria nativa Crime (grafado com letra maiúscula e itálico para produzir a diferença).

7Formas de vida na aceção trazida por Machado da Silva (2004 e 2008) e Grillo (2013).

8Ao invocar os termos herói e celebridade, estamos a sair da perspetiva interpretativa da dominação carismática, o patrão não é necessariamente um líder carismático para exercer fascínio.

9Zaluar (1993, 1999) examina superficialmente o sistema de dívidas de sangue que regulam a troca (de tiros).

10Mattos (2006 e 2012) analisou a “neurose” e a violência na cultura funk.

11O subtítulo reitera a referência a Simmel, em especial à forma aventura de Simmel, que é aquela que extrapola as experiências ordinárias da vida. A aventura é epopeica porque trata de uma narrativa fundamentada em acontecimentos históricos recriados, utilizando preceitos morais e atos exemplares com a função de criar modelos de comportamento e atribuir a qualidade de herói aos seus principais personagens.

12Atualmente basta entrar na internet para achar exemplos, tais como “Piloto de Fuga”, do MC Ticão, “Se Deixou levar”, do MC Orelha.

13Os exemplos vão desde “Estaladão é o barulho do meiota”, do Madrugadão, até um funk que ficou muito famoso, chamado “Morro do Dendê”, dos MCs Cidinho e Doca.

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