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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.216 Lisboa set. 2015

 

RECENSÃO

LOPES, João Teixeira

Geração Europa? Um Estudo sobre a Jovem Emigração Qualificada para França,

Mundo Sociais, 2014, 107 pp.

ISBN 9789898536396

 

Victor Pereira*

*Université de Pau et des Pays de l’Adour, Département d’Histoire, Domaine Universitaire, Avenue du Doyen Poplawski — 64000 Pau. E-mail: victor.pereira@univ-pau.fr

 

Apesar de nunca ter desaparecido, a emigração foi, durante os anos 1990, ocultada nos campos mediático e político. A entrada na Comunidade Económica Europeia, o crescimento económico e a instalação de imigrantes em Portugal pareciam fechar o longo ciclo emigratório do país, sinónimo, para muitos, de “atraso”. Os emigrantes, regularmente descritos de forma depreciativa, eram símbolos de um Portugal arcaico que desaparecia rapidamente e irreversivelmente. Assim, cientistas sociais que se tinham debruçado sobre a emigração nos anos 1970 e 1980 passaram a estudar a imigração a partir dos anos 1990. A vontade, legítima, de mudar de tema de pesquisa, a novidade que constituía a vinda maciça de trabalhadores estrangeiros para Portugal, a inserção em redes internacionais de investigação, o financiamento pelos poderes públicos de estudos sobre os imigrantes, explicam o desenvolvimento dos estudos sobre a imigração enquanto a emigração já não atraía grande interesse.

No fim dos anos 2000, o volume da emigração aumentou e a saída de “jovens licenciados” tornou-se um tema mediático e político. A incapacidade de reter no país a população inseriu-se, de novo, na argumentação política, à semelhança do que Oliveira Martins (1956)já notava no fim do século XIX, apresentado a emigração como “o barómetro da vida nacional, marcando nas suas oscilações a pressão do bem-estar metropolitano” (Martins, 1956, p. 207). O regresso das saídas maciças quebrou a retórica, partilhada pela maioria dos atores políticos, segundo a qual Portugal era doravante um país europeu – i.e. “rico” e “desenvolvido” – como os do Norte dos Pirenéus. A focalização sobre os jovens licenciados qualificados demonstrava que as estruturas económicas portuguesas eram incapazes de absorver, ao contrário dos outros países europeus, uma mão-de-obra qualificada. A emigração questionava vários anos de discursos políticos sobre a modernização do país.

É neste contexto que surge o livro de João Teixeira Lopes, resultado de uma encomenda da Direção-Geral das Comunidades Portuguesas e dos Assuntos Consulares. O autor esclarece, logo na introdução, que a emigração considerada como não qualificada é ainda maioritária nos fluxos para a França. A emigração qualificada dirige-se principalmente para a Inglaterra, a Alemanha, o Brasil e a Suécia. O autor justifica o estudo destes jovens emigrantes (com menos de 35 anos e possuindo uma licenciatura), porque são “invisíveis; sem registo pelos aparelhos estatísticos nacionais (…), sem rasto nas autoridades francesas e portuguesas, que raramente contactam” (p. 2). Esta justificação é pouco convincente, porque esta “invisibilidade” não distingue os emigrantes “qualificados” dos “não-qualificados”: também não se pode quantificar com precisão os trabalhadores não qualificados que poucas relações tecem com as autoridades. E estes últimos são bem mais invisíveis no espaço público que os primeiros, aos quais foram dedicados vários debates, artigos e programas televisivos.

Para realizar este estudo e entrar em contacto com jovens qualificados portugueses, além do uso das redes sociais (facebook, linkedin), Teixeira Lopes apoiou-se nas várias instituições portu­guesas em França (embaixada, consu­lados, bancos, jornais) e em alguns dirigentes associativos portugueses ou de origem portuguesa durante as suas quatro estadias em França. No final, Teixeira Lopes recolheu 113 questionários (muito deles preenchidos na internet) e 14 entrevistas. A apresentação dos dados quantitativos e a restituição dos percursos de vida dos entrevistados constituem a grande maioria do texto, formando uma pertinente fonte e permitindo conhecer as maneiras de ver dos próprios emigrantes, fora de qualquer mediação. O próprio autor qualifica o seu estudo de “exploratório” (p. 87) e admite que a sua amostra não é de todo representativa dos portugueses, de 20 a 35 anos de idade, que emigraram para França depois de 2008.

Dos questionários e dos 13 retratos sociológicos (uma das entrevistas não forneceu dados suficientes para compor um retrato) ressalta, como era de prever, que a maioria dos jovens emigrou porque não tinha emprego, ou porque carecia de emprego estável e bem remunerado, em Portugal. A emigração surge como uma oportunidade para obter um melhor salário, fugir à precariedade e ver as suas qualificações profissionais reconhecidas. João Teixeira Lopes considera que a emigração permite a muitos destes migrantes “entrar sociologicamente na idade adulta” (p. 88), escapando à precariedade e à instabilidade salarial. Esta última hipótese, que não é comprovada nas entrevistas (quase nenhum entrevistado menciona esta dimensão), deixa crer que antes das fundações dos Estados-providências e das regulações dos mercados do trabalho, um passado pouco distante em Portugal, quando a insegurança e a precariedade eram mais agudas, a passagem à idade adulta era impossível.

Sendo “exploratório”, o estudo é principalmente descritivo e oferece poucas análises sociológicas sobre os dados obtidos. Em muitos pontos, a investigação parece presa à encomenda que lhe deu origem, caindo num certo “nacionalismo metodológico”: focando-se sobretudo na relação dos jovens emigrantes com a sociedade portuguesa (os motivos da saída, as relações com as entidades portuguesas, os contactos com outros portugueses, o eventual regresso a Portugal), a investigação não estuda em pormenor os campos profissionais nos quais estão inseridos estes trabalhadores. Por exemplo, 40% dos inquiridos e 7 dos 13 entrevistados, tiraram uma licenciatura em fisioterapia ou em enfermagem. Apesar destes dados, não há nenhuma análise aprofundada sobre os campos da saúde, e mais particularmente da enfermagem, tanto em Portugal como em França. Ora, no campo dos estudos sobre migrações internacionais, existem trabalhos sobre as migrações femininas especializadas na saúde e no “care”. Estas investigações teriam enriquecido a problemática do estudo e permitido compreender a oferta de trabalho em França para jovens portuguesas no campo da saúde. Na esteira dos trabalhos sobre as migrações das enfermeiras filipinas para os Estados Unidos (Le Espiritu, 2005), seria útil perceber se representações étnicas e de género não podem explicar a procura no sistema de saúde francês de enfermeiras portuguesas, na sua maioria brancas, oriundas de um pais católico, consideradas como culturalmente próximas e, por consequência, aptas a entrar na intimidade dos doentes. Como os contactos que teceu João ­Teixeira Lopes com instituições em França se restringiram às instituições “por­tuguesas”, o papel de certos atores fundamentais nesta migração fica na obscuridade. É o caso das empresas de recrutamento, que permitiram a vários entrevistados encontrar trabalho em França.

Mais geralmente, o estudo carece de dados sobre o campo da imigração em França. O contexto económico, social e demográfico francês não é ­apresentado. A bibliografia apenas contém dois livros – de síntese – sobre a imigração em França. Os principais autores deste campo – Albano Cordeiro, Mirna Safi, Abdelmalek Sayad, Patrick Simon ou Catherine Withol de Wenden, por exemplo – estão totalmente ausentes. Estudos portugueses também foram esquecidos, como os de Maria Ioannis Baganha sobre a emigração. Os trabalhos desta autora teriam permitido a João Teixeira Lopes desconfiar dos dados dos Instituto Nacional de Estatísticas que, para as saídas dos anos 1960-1974, são totalmente errados (v. o quadro da página 9).

O estudo, sendo o fruto de uma encomenda “oficial”, acaba com três recomendações : um mais forte investimento dos poderes públicos na internet (“uma diplomacia ativa online” (p. 90), um estreitamento das relações entre os “novos emigrantes” e as “anteriores vagas de emigração” (p. 90), e, finalmente, uma aproximação entre “luso-descendentes e novos emigrantes” para criar uma “comunidade imaginada, ainda por fazer, traduzida imperfeitamente pela ideia de uma geração Europa, aquela que se move à vontade na diversidade” (p. 91).

Estas recomendações não deixam de surpreender. Em primeiro lugar, o uso dos conceitos de “comunidade” e de “geração”– muito criticados nas ciências sociais pelas suas instrumentalizações políticas – parecem pouco oportunos. Como se pode provar que a geração atual é mais europeia que a(s) precedente(s)? O que é que isto significa?

Em segundo lugar, João Teixeira Lopes apenas se refere às relações baseadas na nacionalidade ou na origem (no caso dos franceses de origem portuguesa) e nunca nos laços da cidadania. A representação política destes cidadãos nunca é referida. Ora a participação política dos Portugueses no estrangeiro é muito reduzida (em agosto de 2015 apenas 78 253 Portugueses residentes num país europeu se tinham inscrito para participar nas eleições legislativas e nas eleições para o Conselho das Comunidades em Setembro 2015, apenas 651 portugueses votaram em França1) e poderiam ser propostas várias recomendações para o seu incremento .

Apesar destas insuficiências, esta chamada de atenção para as experiências e para o percurso de emigrantes não deixa de ser útil e merece prolongamentos futuros, num quadro metodológico menos preso ao contexto estritamente português.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

LE ESPIRITU, Y. (2005), “Gender. migration, and work. Filipina health care professionals to the United States”. Revue Européenne des Migrations Internationales, 21 (1), pp. 55-75.         [ Links ]

MARTINS, J.O. (1956), Obras Completas. Fomento Rural e Emigração, Lisboa, Guimarães editores.         [ Links ]

 

NOTAS

1 V. Lusojornal, 09-09-2015, n.° 230, p. 3.

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