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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.213 Lisboa dez. 2014

 

DOSSIÊ

A avaliação das companhias de teatro pelo Ministério da Cultura em França

Evaluating theater companies by the Ministry of Culture in France

 

Daniel Urrutiaguer*

*Université Lumière Lyon, 86, Rue Pasteur  — 69635 LYON, Cedex 07, France. E-mail: daniel.urrutiaguer@univ-lyon2.fr

 

RESUMO

Em França, a distribuição das subvenções estatais às companhias de teatro baseia-se na avaliação da sua produção pelos peritos das comissões consultivas regionais. Profissionais das artes do espetáculo apreciam o valor estético dos espetáculos. A capacidade de difusão à escala nacional e internacional são aspetos valorizados, enquanto a ação cultural realizada com grupos da população é menorizada. Uma investigação exploratória sobre os dispositivos de avaliação da comissão teatral na região parisiense (Île-de-France) conclui o nosso estudo nacional sobre os territórios e os recursos das companhias em França e permite melhor compreender os seus modos de reconhecimento institucional.

PALAVRAS-CHAVE: companhias de teatro; subsídios; avaliação; França.

 

ABSTRACT

The granting of state subsidies to theater companies in France is based on an evaluation of the companies’ productions by regional teams of expert appraisers.  Theater professionals assess the esthetic value of the shows.  The companies’ abilities to reach audiences at both the national and international level receives considerable attention, while the cultural impact on the companies’ local population is given less weight.  Our research into the assessment mechanisms of the expert-appraiser team in the region of Paris (Île-de-France) concludes our nation-wide study of the resources available to regional French companies to boost their reputations and raise their profiles.

KEYWORDS: theater companies; subsidies; evaluation; France.

 

As companhias de teatro dependem das suas relações de parceria com os ­estabelecimentos culturais para o financiamento da sua produção e comercialização das atividades que desenvolvem. Os circuitos das salas de espetáculos em França fora dos festivais estruturam-se em torno de três polos, os quais estabelecem uma intermediação entre os produtores e os difusores (Benito, 2001).

A Associação de Apoio aos Teatros Privados [Association de Soutien des Théâtres Privés – ASTP], a qual mutualiza a taxa sobre a bilheteira dos espetáculos produzidos pelas companhias não subvencionadas, possui 53 membros, que são salas predominantemente parisienses. Esta taxa é complementada por um montante similar atribuído através de subvenções do Estado e do município parisiense.1

Os espaços de representação privados externos à ASTP, em forte crescimento desde os anos 80 em Paris e no festival Off de Avinhão, constituem o segundo polo. Estes grupos propõem muitas vezes um contrato de co-realização para partilhar as receitas, garantindo um mínimo a seu favor. O risco recai assim sobre as companhias, o que acentua a sua precariedade económica.

As salas subvencionadas são hierarquizadas em três categorias principais: os equipamentos monodisciplinares certificados como “equipamentos de produção” (4 teatros nacionais, 40 centros dramáticos nacionais e regionais), considerados os mais prestigiados e também os mais lucrativos; os equipamentos pluridisciplinares certificados como “equipamentos de difusão” (70 grupos nacionais, 112 salas subvencionadas em 2010); os equipamentos culturais da cidade não apoiados pelo Estado (cerca de 500), muitas vezes os menos ­lucrativos. Os espaços subvencionados propõem em geral um contrato de cedência com um preço de compra das representações, mas por vezes sugerem contratos de co-realização, sem um mínimo garantido.

As Direções Regionais dos Assuntos Culturais [Directions Régionales des Affaires Culturelles – DRAC] do Ministério da Cultura e da Comunicação (MCC) apoiam-se nas comissões consultivas de peritos voluntários, que são profissionais das artes do espetáculo, para avaliar a qualidade da produção artística das companhias e classificá-las. Os grupos considerados mais merecedores de apoio beneficiam de um contrato trienal convencionado, enquanto as ajudas à produção podem apoiar os projetos de espetáculo. Os diretores dos equipamentos culturais atribuem maior importância a este sinal de qualidade do que às subvenções das coletividades locais ou de outros ministérios.

O objetivo deste artigo é esclarecer as modalidades de avaliação da produção pelas DRAC, em articulação com as escolhas de programação, para justificar a dimensão das companhias de teatro quando comparadas economicamente. Os esforços de classificação concentram a atenção dos peritos nos novos espetáculos, em detrimento de outras atividades como a ação cultural, sendo este modo de apreciação do valor estético alvo de contestação por parte das equipas não reconhecidas.

O artigo apoia-se nos resultados de duas investigações: uma de caráter nacional, sobre os territórios e os recursos das companhias de teatro e de dança em França (Urrutiaguer et al., 2012), em que se recolheram 572 respostas a um questionário e se realizaram 51 estudos de caso, que cruzaram entrevistas semiestruturadas à direção das companhias com o acesso aos dados sobre os orçamentos e as atividades. A análise dos dados permitiu identificar uma tipologia territorial mais discriminante que as diferenças segundo o orçamento ou o género artístico. A capacidade para difundir os espetáculos fora da área da região da sede é a mais valorizada pelas DRAC e pelos equipamentos culturais certificados. A ação cultural, orientada para as ações artísticas educativas, detêm o lugar mais elevado na ocupação do tempo e nas receitas das companhias centradas na sua região de implantação, e o nível menos elevado para as companhias periféricas, que privilegiam o espaço nacional e internacional para a sua difusão. As receitas obtidas na coprodução, significativamente superiores às da ação cultural, são, pelo contrário, mais elevadas para as companhias periféricas.

Uma investigação exploratória conduzida na DRAC da Île-de-France foi realizada em fevereiro e março de 2013, em colaboração com Bérénice ­Hamidi-Kim, com acesso aos dados sobre os subsídios e a entrevistas semiestruturadas feitas a oito pessoas (quatro peritos e um conselheiro setorial da DRAC, uma inspetora de teatro, um consultor de teatro da ONDA, um antigo conselheiro do ministro da Cultura). Os dados recolhidos corroboram e esclarecem os resultados obtidos na investigação nacional às companhias de teatro.

 

A INCERTEZA NO VALOR E NA MISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

 

A missão de interesse geral ligada ao serviço público do teatro caracteriza-se, em França, por uma articulação entre as exigências da produção artística e a democratização cultural, favorecendo o acesso às obras de arte de elevado nível ao maior número de pessoas (Urrutiaguer, 2009). Este apoio manifesta-se a dois níveis: na prospeção de artistas promissores pela sua originalidade e coerência da sua abordagem, merecedores de apoio como forma de acelerar o desenvolvimento da sua carreira, que é limitado a priori pelos mecanismos de mercado; na apreciação do grau de difusão nacional e internacional dos espetáculos produzidos pelos artistas subvencionados. O projeto de democratização cultural exige um investimento em recursos humanos no território regional, que pode estar dirigido para esforços educativos a longo prazo ou para a promoção de espetáculos a curto prazo, sob a forma de produtos articulados.

 

AS TENSÕES ACENTUADAS ENTRE OS OBJETIVOS

 

Existem tensões inerentes entre um reconhecimento institucional, sobretudo fundado nas capacidades de inovação estética dos empresários do espetáculo, e a procura do desenvolvimento dos públicos através de propostas artísticas inovadoras, especialmente se estas são realizadas por artistas pouco conhecidos (Lang e Lang, 1988; Assassi, 2007). Estas tensões são acentuadas pela estabilização dos financiamentos públicos.

Por um lado, as subvenções de funcionamento dos equipamentos culturais progridem menos do que os custos fixos, nomeadamente a massa salarial. Esta redução da margem disponível para as atividades artísticas2 requer o desenvolvimento de recursos próprios, o que reduz o incentivo ao risco nas operações de produção ou de compra de espetáculos. Por exemplo, os subsídios recebidos pelos 15 centros nacionais dramáticos nacionais (CDN) e pelas salas nacionais da região da Île-de-France diminuíram seis milhões de euros constantes em sete anos devido à falta de classificação dos apoios públicos sobre os preços e à retirada de algumas coletividades locais (Dorny et al., 2012, p. 29).

Por outro lado, os fluxos de entrada nos dispositivos das ajudas públicas são racionados pela necessidade de organizar fluxos de saídas equivalentes, sendo o orçamento público constante e o crescimento demográfico das companhias elevado. As saídas das companhias das convenções trienais suscitam assim disputas entre diferentes registos de justificação: a memória histórica das contribuições anteriores de artistas que recusam a sua desclassificação, de acordo com uma lógica patrimonial do reportório; os juízos sobre o seu grau de envelhecimento, denunciando uma falta de renovação estética, o que compromete radicalmente a personalidade dos encenadores; a tomada em conta de indicadores quantitativos sobre o número de espetáculos, de representações, de entradas pagas segundo uma lógica de racionalização do orçamento, acentuada pela Lei Orgânica dos Estatutos das Finanças (LOLF); as expetativas de uma resistência política dos diretores artísticos em função da sua notoriedade mediática. Um indicador da performance da LOLFL para o programa 131 da criação, sobre o qual insiste a diretiva nacional dos objetivos de 2013-2015, é uma taxa de entrada mínima das companhias nos dispositivos de ajuda na ordem dos 33% (MCC, 2013, p. 4). Este objetivo é alcançado principalmente pela rotação de acesso às ajudas à produção para os projetos pontuais.

 

OS DISPOSITIVOS DE JULGAMENTO DO GOSTO

 

Os dispositivos de julgamento de gosto são necessários para fornecer pontos de referência aos consumidores nas escolhas de protótipos (Karpik, 2007; Francis, 2004) e como forma de reduzir a incerteza sobre o seu valor. A cadeia de valor das artes do espétaculo subvencionado está estruturada em torno da imbricação de dois tipos de mercado, de acordo com a tipologia de Harrison White (1997): “up-stream” dos produtores para os fornecedores; “down-stream” dos produtores para os consumidores.

Em primeiro lugar, existem circuitos de financiamento da oferta artística, fundados em dispositivos de seleção dos equipamentos culturais por relações de parceria com outros produtores. Pode tratar-se de diretores de outros equipamentos que estruturam redes de trocas internas de espetáculos. No que diz respeito às relações com os diretores de companhias, elas oscilam entre um polo de companheirismo a longo prazo e o polo especulativo de uma programação destinada a promover uma identidade de marca de um equipamento, de acordo com os efeitos da tendência artística. A viabilidade económica exige uma compensação dos riscos nas escolhas da programação de um equipamento cultural subvencionado, em função do conhecimento da segmentação da procura pela direção. De acordo com o projeto artístico do diretor do estabelecimento, o centro de gravidade da programação situa-se entre estes dois polos do companheirismo e das transações de mercado.

Por outro lado, a difusão e a exploração de espetáculos efetuam-se por uma relação das propostas artísticas dos artistas programados com a população de um território. As disposições para a população local pagar e para trazer os espetadores de fora para assistir aos espetáculos e eventos culturais determinam a sua valorização monetária a curto prazo. É possível que existam discrepâncias entre os níveis de apropriação dos espetáculos pelos diferentes segmentos de público e a avaliação que é feita pelos líderes profissionais de opinião acerca do seu valor estético. Estes últimos avaliam também o valor cognitivo das obras em função do crédito dado ao discurso do artista para situar a sua prática e as suas intenções na história da arte. A exposição das obras junto da população é filtrada pelas escolhas dos programadores em função das suas expetativas de uma receção compatível com a manutenção de uma relação de confiança com os seus públicos. Os grupos “recusados” são obrigados a autoproduzir os seus espetáculos e a procurar uma difusão dos mesmos fora dos equipamentos culturais instituídos.

Os comentários das comissões consultivas de especialistas das DRAC sobre a classificação das companhias raramente são conhecidos do público. Eles contribuem, por seu turno, para a determinação de um crédito fiduciário dos diretores artísticos, que atua sobre a sua capacidade de construção de redes de produção e difusão dos espetáculos.

Existe, portanto, uma imbricação entre dois tipos de dispositivos de julgamento. Um dispositivo de julgamento por princípio impessoal, fundado num processo de deliberação colegial, centrado na apreciação do valor estético dos espetáculos anteriores ou em curso de exploração em função das diferenças consideradas pertinentes pelos especialistas das comissões. Os dispositivos de julgamento pessoais dos circuitos de financiamento são orientados pelo grau de confiança conferido pelos programadores aos projetos de companhias em função dos seus conhecimentos sobre estas microempresas, das suas reuniões realizadas diretamente com os vendedores e da circulação de informações sobre a reputação corporativa dos diretores artísticos das companhias. A presença dos diretores dos equipamentos culturais nas comissões consultivas de especialistas acentua esta imbricação, descrita por Philippe Urfalino (1989, p. 101) como a “academia invisível”.

 

O FUNCIONAMENTO DAS COMISSÕES DE ESPECIALISTAS

 

A descentralização administrativa do Ministério da Cultura em torno das DRAC tem-se acelerado desde a lei de 1992 com a monotorização das companhias de teatro, dos grupos nacionais e dos CDN. A equidade na implementação de políticas culturais estatais a uma escala regional requer o desenvolvimento de dispositivos de harmonização nos procedimentos de avaliação.

 

AS INSTRUÇÕES CIRCULARES

 

A carta de compromisso de 19 de outubro de 1984 (MCC, 1984), dirigida pelo ministro da Cultura aos prefeitos regionais e às DRAC, definiu os contornos da comissão de especialistas. Como o interesse pela imparcialidade administrativa descarta de responsabilidade os políticos, os funcionários culturais e os diretores das companhias, a presença dos programadores das instituições teatrais é desejável. A composição efetiva das comissões de especialistas acrescenta a estas últimas os críticos de teatro, os autores, os atores e os professores. Estes são nomeados por decreto do prefeito, sob proposta do diretor da DRAC.

A circular de 12 de maio de 1999 (MCC, 1999)3 afirmou a plena autonomia de julgamento dos especialistas, convidados a apreciar o texto e as escolhas dramatúrgicas, a relação com o espaço de representação e o público, a encenação, a interpretação, e a perceção global dos espetáculos. As companhias orientadas para a animação são explicitamente excluídas dos apoios à produção teatral.

Os inspetores de teatro devem relembrar os princípios de avaliação nacionais no início da reunião da comissão de especialistas para garantir uma harmonização dos processos de seleção entre as comissões das diferentes regiões. Os inspetores elaboram uma síntese dos debates entre os especialistas sobre a avaliação do trabalho artístico de cada companhia. Apesar de denotar apreço por este procedimento como forma de refletir sobre os matizes nas apreciações realizadas, a inspetora entrevistada admitiu, no entanto, as dificuldades para explicar a metodologia utilizada para limitar os enviesamentos da subjetividade na sintetização de opiniões, quando estas são divergentes.4 A sua participação é importante porque a síntese que produz é acompanhada por uma informação ordenada de “muito favorável” a “desfavorável”, o que determina a probabilidade de acesso a um apoio à produção. Esta é a origem da discórdia em caso de debate entre as partes, podendo ser parcialmente mitigada através da reformulação da nota de informação e da síntese.5

 

A COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES

 

Os testemunhos recolhidos junto de especialistas das DRAC indicam uma evolução na composição das comissões segundo as inflexões da política cultural estatal.

Apesar do aumento do número de especialistas da região da Île-de-France na década de 1990 para fazer face ao forte crescimento das companhias, o acompanhamento da sua produção continua ainda incompleto, nomeadamente no caso dos grupos localizados a mais de 20 km de Paris. Um dos papéis dos conselheiros de teatro das DRAC, que partilham a cobertura territorial da região, é construir um calendário mensal de espetáculos a assistir em função dos pedidos de apoio à produção e do acompanhamento das companhias convencionadas. Um parecer não pode de facto ser emitido a não ser que pelo menos um terço dos especialistas tenha visto um espetáculo para construir uma avaliação coletiva.

A presença mais forte de professores, nomeadamente do ensino secundário, é notada no fim dos anos 90 por todos os especialistas entrevistados. Pode traçar-se um paralelo entre essa abertura ao meio docente e a vontade da ministra da Cultura Catherine Trautmann (1997-2000) de dar um peso acrescido às missões educativas e sociais das empresas das artes do espetáculo na carta das missões do serviço público, estabelecida em outubro de 1998 para as artes do espetáculo. Essa tendência evolutiva, iniciada pelo seu antecessor Philippe Douste-Blazy com a experimentação de “projetos culturais de bairro” (Montfort, 1998), provocou a demissão de alguns especialistas. Estes últimos estariam em desacordo com o alargamento da avaliação que tivesse em conta as contribuições da animação cultural do território em vez de se limitar aos julgamentos sobre o valor estético dos espetáculos. As resistências por parte de artistas profissionais estabelecidos provocaram, em fevereiro de 2000, a demissão de Catherine Trautmann, substituída por Catherine Tasca, mais interessada na promoção das obras de arte.

A presença dos dirigentes de equipamentos culturais, marginal na década de 90, tornou-se maioritária nas comissões de especialistas.6 Isto traduz uma mudança nas preocupações estatais com a difusão de espetáculos face a uma produção artística numerosa. Este facto social reforça a imbricação entre um dispositivo de julgamento impessoal sobre o valor estético dos espetáculos e os dispositivos pessoais de julgamento ligados às redes inter-organizacionais controladas por esses dirigentes. Uma crítica recorrente à prova de seleção dirige-se aos conflitos de interesse, por causa dos enviesamentos da avaliação pelas companhias que foram programadas, ou pelo contrário rejeitadas, nos equipamentos dirigidos pelos especialistas da comissão.7

Os especialistas entrevistados sublinham a existência do problema, relativizando-o por um processo de deliberação coletiva que pode colocar à vista de todos o apoio marcado de um programador. O antigo diretor da agência cultural da região de Paris, depois conselheiro de um ministro da Cultura, acredita assim que a diversificação dos estatutos dos equipamentos representados limita as conivências, cumplicidades.8 Este não é o caso da atual composição da comissão de peritos da DRAC da Île-de-France, na medida em que quatro instituições não classificadas estão aí representadas.

Esta sobre-representação das direções dos equipamentos, nomeadamente os equipamentos certificados, nas comissões consultivas influencia necessariamente a correlação positiva entre a capacidade de descentração da difusão dos espetáculos fora da região da sua sede, a probabilidade de acordos convencionados por parte das companhias da DRAC, e o grau de acesso à programação de equipamentos culturais certificados, o que também ficou dito no estudo nacional sobre as companhias (Urrutiaguer et al., 2012).

 

AS MODALIDADES DE AVALIAÇÃO COLEGIAL

 

EM 2009, O relatório do Tribunal de Contas sobre os créditos de intervenção do Ministério da Cultura para as artes do espetáculo denunciou a opacidade dos critérios de atribuição das subvenções, a falta de avaliação, assim como o desconhecimento das ações nas comunidades locais. Este relatório apelava à formação de “critérios objetivos”, a uma mobilidade dos consultores setoriais para limitar os enviesamentos relacionais na avaliação e respeitar a aplicação das diretivas nacionais de orientação das DRAC (Pérennou, 2009).

 

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E INCOMENSURABILIDADE DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA

 

Ao longo de 1996, os conselheiros responsáveis pela área do teatro nas DRAC, a Inspeção-Geral e o Gabinete de Atividades Teatrais da Direção Central do Teatro e dos Espetáculos realizaram uma avaliação de 166 companhias de teatro convencionadas e ainda de 343 com apoio anual ou ao projeto. Atribuíram uma pontuação escalonada de 0 a 3 para resumir a avaliação qualitativa dos diferentes critérios, agrupados em duas famílias principais: “arte, métier e profissão”; “utilidade pública”.

A avaliação artística, central, foi dividida em três componentes:

 

•    O “trabalho no palco”, que avalia o grau de domínio do “saber-fazer”, a inteligência na escolha dos textos e a sua encenação;

•    A “dimensão artística (no palco)” em torno de “capacidade de provocar inteligência, a emoção, o entusiasmo”;

•    O “profissionalismo fora do palco” através da capacidade de estabilizar uma equipa competente e visível nas redes profissionais.

 

A avaliação da utilidade pública, colocada de forma secundária na avaliação das companhias, é dividida em três critérios principais:

 

•    A “audiência territorial/local”, seguindo o reconhecimento do seu enraizamento local ou os esforços desenvolvidos para uma nova implantação territorial;

•    A “ligação educativa” através da participação significativa em atividades pedagógicas de iniciação;

•    Os “recursos da companhia” em função do impacto no setor teatral local através da partilha de recursos, das contribuições para a formação profissional ou a organização de um festival.

 

No seu conjunto, as avaliações mostravam a insuficiência do métier no palco para um terço das companhias convencionadas, dois terços das companhias com apoio aos projetos; da dimensão artística para metade das companhias convencionadas, dois terços das companhias com apoio aos projetos. Para mais de metade das companhias, sem grande diferença entre as duas categorias, o profissionalismo foi considerado médio, mas a audiência territorial e a implicação nas missões educativas foi vista como de boa qualidade.

Os pareceres dos peritos, dos conselheiros setoriais e da inspeção, convergiram nas entrevistas de 2013, contradizendo o caráter operacional desta decomposição analítica para apreciar a produção teatral. O cálculo de uma média necessitaria de uma ponderação dos critérios e não a sua mera justaposição para permitir comparar os espetáculos e justificar uma posição equitativa numa escala de grandeza. Uma tal operação é dificultada pela ­incomensurabilidade do valor estético de um espetáculo, que envolve interações complexas entre as componentes textuais, visuais, sonoras, musicais, corporais, vocais convocadas. Cada espetador é assim levado a construir um significado a partir das suas referências culturais e da sua sensibilidade. A avaliação de uma representação teatral requer um deslocamento do pensamento para seguir o desenrolar das ações cénicas. Este movimento mental é o mais importante se o encenador desejar afastar-se da univocidade da história representada ou da procura de entretenimento. Seguindo a análise de Rochlitz (1994) sobre a “racionalidade estética”, o processo de julgamento intersubjetivo entra de facto no grau de coerência sensível e intelectual das obras, assim como na pertinência das questões da visão artística do mundo proposto.

Em resposta ao relatório do Tribunal de Contas, a Direção Central das Artes do Espetáculo confirmou a sua orientação a favor da produção de um “parecer artístico global e sintético”, sem excluir no entanto “a ideia de objetivar o voto dos membros das comissões através da atribuição de notas aos diferentes componentes da avaliação: qualidade artística, profissionalismo, condições de difusão” (Assemblée Nationale, 2009, p. 16.).

 

A REALIZAÇÃO DE REUNIÕES DAS COMISSÕES DE ESPECIALIDADE

 

Os conselheiros setoriais desempenham um papel-chave pelo seu conhecimento do tecido teatral regional, a fim de planificar um trabalho de proteção dos especialistas para cobrir, na medida do possível, a amplitude e a diversidade da oferta artística. Eles realizam um trabalho de acompanhamento na receção das candidaturas aos apoios estatais, podendo incentivar a desistência quando os projetos carecem de maturação. Preparam também os dossiês que serão examinados pela comissão. Cada dossiê apresenta, a par das notas de intenção artística, elementos contabilísticos num orçamento provisório, com as coproduções obtidas ou pretendidas, as cedências de espetáculos ou acordos de coprodução com os equipamentos culturais. Para a DRAC da Île-de France, é normalmente exigido um mínimo de 30 representações para a atribuição de uma ajuda à produção, enquanto os cadernos de encargos das companhias convencionadas exigem um mínimo de 120 representações e duas criações de espetáculos durante o contrato de três anos. Os conselheiros setoriais estão encarregados de participar, em concertação com o diretor da DRAC, na transformação dos pareceres dos peritos em propostas de subvenções, bem como de receber os candidatos não aprovados para lhes explicar as razões da rejeição do seu pedido com base nos resumos redigidos pelos inspetores. O mesmo sucede para as companhias sujeitas a uma retirada parcial da DRAC. Estas justificações são importantes no que diz respeito ao grau de perceção de um sentido de justiça, em concordância com os esforços ­produtivos.

Cada candidatura é objeto de uma troca de opiniões entre os especialistas. As entrevistas ajudaram por vezes a identificar alguns dos confrontos entre os líderes de opinião que conseguiram promover os projetos que se inscrevem na sua linha artística, seja os de natureza brechtiana, com ressonâncias sociais, seja os de pesquisa interartística, com a integração de meios audiovisuais no palco (Lesage, 2008; Urrutiaguer, 2008), seja os de envolvimento corporal e vocal dos atores, num contexto de minimalismo cénico.

Os especialistas consultados consideram ser possível a imparcialidade quanto às idiossincrasias dos seus gostos, de modo a assegurar a diversidade do tecido teatral no plano estético e do ordenamento cultural do território regional. Uma companhia envolvida nos processos de criações partilhadas com não-profissionais poderá assim ser apoiada, mesmo se os espetáculos produzidos não corresponderem às inclinações estéticas valorizadas pessoalmente, com a condição de se compreender uma autenticidade e uma originalidade no compromisso artístico dos seus membros fundadores. No entanto, a questão sobre as modalidades pessoais de apreciação do valor estético dos espetáculos embaraça, geralmente, os interlocutores.

Como em qualquer decisão, a convicção de alguns especialistas sobre a coerência e o significado de um trabalho artístico pode mudar as opiniões prévias de alguns deles. De uma forma geral, os especialistas entrevistados concordaram em não se focar nas perceções do último espetáculo que viram da companhia. Procuram levar em conta o percurso artístico anterior dos diretores da companhia, a sua evolução e potencial criativo. No caso de candidaturas a apoio trienal, o trabalho de ação cultural pode ser considerado num plano secundário. No entanto, este trabalho de mediação artística é necessário para tentar ampliar o público e permitir que as representações estejam em cena durante um período de tempo mais longo ou, pelo menos, para reduzir o déficit de exploração do espetáculo programado.

 

AS AVALIAÇÕES DISCRICIONÁRIAS

 

Dois tipos de processos organizam uma distribuição dos apoios do Ministério da Cultura e da Comunicação fora do canal das DRAC. Trata-se, por um lado, da gestão direta das companhias pela administração central, em oposição à lei sobre a descentralização administrativa. Por outro lado, as pressões políticas, na sequência do recurso de diretores artísticos desqualificados pelos pareceres emitidos pelos especialistas da DRAC junto de um vereador ou deputado, podem permitir a concessão ou a manutenção das ajudas públicas às companhias.

 

AS COMPANHIAS GERIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL

 

Cerca de 15% dos créditos de intervenção para a “equipas artísticas independentes” são geridos pela administração central. Os apoios mais elevados (14% do total das dotações para o apoio às companhias) destinam-se às companhias criadas ou geridas por antigos diretores dos teatros nacionais e de centros dramáticos nacionais. O reconhecimento de uma excelência artística para justificar a sua nomeação como dirigentes de um equipamento de produção certificado prolonga-se com o apoio financeiro aquando da sua saída. O antigo diretor dirige uma companhia subvencionada na ordem dos 150 000 euros por ano, enquanto o teto teórico do orçamento anual é de 50 000 euros. Este dispositivo permite ao artista aceder ao seguro de desemprego como intermitente do espetáculo9 e continuar a produzir espetáculos a uma escala nacional, enquanto o acordo é renovado. A avaliação desta área de influência efetua-se de forma arbitrária pela Direção Central, a DGCA (Direção Geral de Criação Artística). As justificações, sem critérios precisos, revelam assim uma lógica patrimonial de apoio à grandeza do nome do artista graças ao seu repertório. O seu número deverá diminuir se um failover se vier efetivamente a realizar para as DRAC. A decisão é regularmente apresentada pelos funcionários do Ministério da Cultura, mas os artistas envolvidos opõem-se a ela apoiando-se no seu renome histórico.

 

AS PRESSÕES POLÍTICAS

 

As intervenções políticas que se opõe aos pareceres negativos ou à desvalorização das comissões regionais não excedem 10% dos casos, de acordo com os testemunhos dos entrevistados. Os recursos políticos para contrariar uma decisão negativa da DRAC ocorrem muito raramente nos pedidos de apoio à produção, mas são mais comuns nos casos de companhias que deixaram de ser convencionadas, e justificam-se pela degradação das condições de produção provocadas por tal decisão.

A questão colocada pelas interferências políticas liga-se à dos procedimentos de recurso discricionários em caso de sanção pela qualidade do trabalho artístico por uma deliberação colegial. O artista avaliado de forma negativa tende a voltar-se para a administração central ou para o seu/sua deputado(a) ou vereador para litigar a sua causa, denunciando parcialidade nos processos de avaliação da DRAC. O ministro da Cultura pode ser sensível à reação do político eleito, que faz prevalecer a força de ancoragem da companhia, ­desvalorizada no território da sua circunscrição. Tal sucedeu, por exemplo, a uma companhia que administra uma sala de espetáculos de criações partilhadas com a população de Seine-Saint-Denis. A qualidade artística foi questionada de forma consensual pela comissão de especialistas da Île-de-France. Na sequência do apoio de uma deputada baseado nas interações do grupo com a população local, foi decidido avançar com uma moratória da cessação de financiamento do grupo.10

O papel do consultor setorial do gabinete do ministro é o de filtrar os pedidos de mediação política a favor da carreira institucional de alguns diretores artísticos. O consultor é incentivado a dialogar com os diretores das DRAC para compreender os motivos dos pareceres negativos sobre a produção, a difusão e o profissionalismo das companhias mal sucedidas/recusadas para diversificar as suas fontes de informação na sequência de reclamações. De acordo com o antigo conselheiro ministerial entrevistado11, trata-se também de resistir aos pedidos políticos irrefletidos, que se arriscariam a desacreditar as decisões do ministro no mundo da arte subsidiada. Assim, durante a entrevista, citou o exemplo de um neto de um antigo presidente da República que requeria a direção de um centro dramático nacional, com quem dialogou para o fazer compreender a sua falta de maturidade para assumir tal projeto. Por outro lado, teve oportunidade de se opor a decisões de desclassificação de artistas mais velhos, com base em indicadores de produção e de divulgação insuficientes, fazendo prevalecer o respeito pelas contribuições históricas do seu percurso artístico.

 

OS EFEITOS DA AUSTERIDADE FINANCEIRA NA SELEÇÃO DAS COMPANHIAS

 

A EVOLUÇÃO NOS CRÉDITOS DE INTERVENÇÃO

 

Em 1998, havia no domínio do teatro cerca de 167 convenções trienais, 220 ajudas anuais e 232 ajudas à produção. A supressão das ajudas anuais ocorreu progressivamente de 1999 a 2002. Durante esse período, o número de convenções/acordos aumentou 95 e os apoios à produção 97, ou seja uma redução de 28 do número total das companhias apoiadas. De 2002 a 2004, o número de apoios à produção dramática aumentou 13,3% contra 5,5% para as convenções. De 2004 a 2008, a diminuição foi mais importante para os apoios trienais (-14% contra -2% para as convenções pontuais) depois de o aumento do número de companhias apoiadas ter sido relativamente equilibrado entre 2008 e 2011. A subvenção média por companhia em euros aumentou 40,8% entre 1998 e 2006 e diminuiu 11,8% entre 2006 e 2010 para, em seguida, aumentar 3,8% entre 2010 e 2011.12

 

 

No caso da Île-de-France, o número anual mínimo de companhias que deixaram de ser convencionadas cifrou-se em duas em 2006 e 2008 e variou entre cinco e sete em 2007 e de 2009 a 2011. Cinco encenadores foram nomeados para a direção do CDN, três companhias cessaram a sua atividade e três outras mudaram de região de implantação. Os fluxos de entrada não compensaram essa contração pois, entre 2007 e 2012, o número de companhias convencionadas caiu 10,8% (passando de 111 a 99), enquanto o montante global das subvenções acordadas diminuiu 17,1%, a subvenção média anual por companhia convencionada baixou 7,1% para atingir 74 800 euros em 2012.13

Entre 2010 e 2012, o número de casos recebidos pela DRAC da Île-de-France para pedidos de apoio à produção nas artes dramáticas caiu 15%. A percentagem de pedidos iniciais passou de 39,1% para 30,86 % nas ­candidaturas instruídas e de 29% para 25,4% nas candidaturas das companhias subvencionadas, assim a média das candidaturas instruídas que foram financiadas passou de 38,5% para 34 % . O número médio de intérpretes nos projetos apoiados passou de 6,1 em 2009 para 5,3 em 2012. Este fenómeno reflete as crescentes dificuldades das companhias pouco conhecidas para constituir um círculo de coprodutores e para interessar os programadores na pré-compra dos contratos de cedência de espetáculos ainda em montagem, paralelamente à intensificação da concorrência. A inspetora entrevistada confirmou o abandono frequente do procedimento para a apresentação de candidatura pelas companhias depois de o terem iniciado. Da mesma forma, alguns grupos antecipam o fracasso da seleção pela composição da comissão de especialistas e concentram as suas energias na auto-produção de espetáculos ou nos acordos de cooperação locais.

O custo médio dos projetos apoiados pela DRAC da Île-de-France entre 2008 e 2012 foi de 178 909 euros. Uma diversificação de géneros artísticos nos projetos apoiados é visível entre 2010 e 2012, com uma queda na arte dramática a favor de um reconhecimento acrescido das artes do circo, artes de rua, e da pluridisciplinaridade.

 

O ACOMPANHAMENTO DA DIFUSÃO DE ESPETÁCULOS

 

O apoio às companhias para o alargamento da sua rede de difusão envolve a organização de reuniões entre os programadores e os produtores de espetáculos através de uma intermediação que inspira a confiança dos profissionais. Foram desenvolvidos dispositivos para permitir o acolhimento de curta duração das companhias com a disponibilização de instalações. Os ensaios em torno de um programa/modelo ou de um extrato de espetáculo são seguidos de uma apresentação do trabalho aos dirigentes das instituições culturais e aos especialistas da DRAC ou das Direções de Assuntos Culturais das coletividades locais. Os espaços de acolhimento desejam manter, conduto, o controlo na seleção das companhias cujo trabalho será visionado por profissionais situados na sua esfera de influência. O início difícil dos palcos solidários financiados pela agência cultural da Île-de-France ARCADI é disso revelador. A indeminização pela ARCADI do tempo de ocupação de um espaço por uma companhia não é em geral suficiente para superar a relutância dos espaços em aceitar um princípio de neutralidade artística nos ajustamentos entre as procuras e as ofertas.

O Gabinete Nacional de Difusão Artística (ONDA) é uma organização financiada pelo Ministério da Cultura e da Comunicação com base nas convenções trienais. Cerca de 60% do orçamento é consagrado às garantias deficitárias para compensar uma parte do déficit de exploração dos equipamentos que programam espetáculos considerados inovadores e apoiados pela ONDA após a sua identificação.14

A identificação dos artistas “emergentes” é assegurada pelos conselheiros setoriais da ONDA, também convidados como observadores nas reuniões das comissões de especialistas da DRAC. Estes realizam um trabalho de acompanhamento dialogante com os diretores artísticos sobre os pontos fortes da sua abordagem, os seus processos de maturação estética, a estruturação profissional da sua companhia durante as reuniões individuais ou reuniões informais de acompanhamento. As relações de confiança tecidas pelo conselheiro setorial com os programadores permitem-lhe desempenhar um papel de intermediação. Por um lado, pode atrair a atenção de dirigentes de equipamentos culturais a propósito do interesse dos novos espetáculos propostos, de forma a despertar uma vontade de acompanhamento da atualidade das companhias identificadas durante os encontros interprofissionais de difusão artística. De forma mais informal, as trocas podem realize-se nos corredores das instituições culturais antes de um espetáculo. Da mesma forma, o conselheiro pode orientar o artista nos seus esforços de prospeção dos programadores que possam estar mais interessados pela sua produção. Por outro lado, o crescimento do número de companhias impôs novos formatos de encontros. Em entrevista realizada em 2013, a conselheira da área do teatro da ONDA apresentou assim os princípios do Pow Wow. Os tempos das reuniões são organizados com base no princípio speed-dating com 15 artistas selecionados. O artista patrocinado por um profissional tem a oportunidade de apresentar a sua abordagem diante de cada programador presente durante quatro minutos, cada um a seu tempo, como nos fóruns de procura de emprego. Um jantar de grupo permite continuar as trocas de acordo com as afinidades profissionais desenhadas no decorrer dessas reuniões.15

 

CONCLUSÃO

 

Os desequilíbrios entre o crescimento da produção de espetáculos e as capacidades de difusão pelos equipamentos culturais certificados, de expansão do público incitam assim o Ministério da Cultura a preconizar hoje um desenvolvimento das relações de cooperação entre os locais-centros de recursos, as agências regionais de desenvolvimento cultural apoiadas pelas coletividades locais, as companhias. A composição das comissões de especialistas das DRAC orienta-se no sentido de uma representação excessiva de dirigentes de equipamentos culturais, nomeadamente dos equipamentos certificados.

A hibridização das lógicas de serviço público e das lógicas de mercado traduz-se numa imbricação dos dispositivos de julgamento pessoais desses dirigentes com os dispositivos de julgamento supostamente impessoais pela procura de uma equidade na distribuição das subvenções públicas. Como estas últimas têm um papel fundamental para alargar as receitas de coprodução e de vendas de espetáculos, os mecanismos de exclusão num contexto de restrição financeira reforçada são suscetíveis de desencorajar alguns diretores artísticos16, mas são também capazes de levar outros grupos a inventar redes alternativas. Estes últimos enfrentam, no entanto, a precariedade económica.

 

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Recebido a 27-12-2013. Aceite para publicação a 12-03-2014.

 

NOTAS

1 Os apoios deste fundo são orientados principalmente para um apoio parcial do déficit operacional das 60 a 120 primeiras apresentações de um espetáculo (Urrutiaguer, 2014, p. 67).

2 A margem disponível para o setor artístico é a diferença entre as subvenções de funcionamento e as taxas fixas, como o montante das despesas artísticas financiadas pelas dotações públicas.

3 Esta circular deve ser revista para ficar de acordo com o direito comunitário sobre os organismos encarregados de distribuir os apoios públicos.

4 Entrevista de D. Urrutiaguer, MCC, 15-03-2013.

5 “Pode acontecer que o debate seja muito renhido e que se incline mais para o favorável. Então dizes que vamos colocar um [parecer] ‘de preferência favorável’. Se se colocar um [parecer] ‘de preferência favorável’ na Île-de-France, os especialistas sabem muito bem que a companhia tem fortes hipóteses de não obter apoio. Pode haver reviravoltas. Naquele momento, ficámos de acordo; vamos reconstruir o parecer, vamos reformulá-lo. Isso pode acontecer em geral… duas vezes durante a manhã, duas vezes à tarde mas não é assim tão frequente.” (Ibid.)

6 Entre os 18 membros da comissão da Île-de-France, apenas um teria dirigido um equipamento cultural em 1994 contra 15 num grupo de 28 em 2013 (contando duas antigas diretoras de teatro entre as “personalidades qualificadas”).

7 Por exemplo, o coletivo Chiens de Navarre é atualmente programado por um número significativo de equipamentos culturais certificados e a sua notoriedade foi reforçada por uma receção entusiástica dos seus últimos espetáculos. No entanto, nenhum dos programadores da companhia tem assento no conselho consultivo do teatro na DRAC da Île-de-France. Este recusa-se a convencionar o coletivo provavelmente por causa de divergências sobre a pertinência da sua utilização de um certo escárnio teatral (Serror, 2013).

8 Entrevista de D. Urrutiaguer, Lyon, 19-02-2013.

9 Os subsídios de desemprego representaram 46,7% do rendimento global dos intermitentes do espetáculo em 2007 (Charpin et al., 2008, anexo 1, p. 49).

10 Entrevista de B. Hamidi-Kim e D. Urrutiaguer, Paris, DRAC, 26-02-2013.

11 Entrevista de D. Urrutiaguer, ENSATT, Lyon, 19-02-2013.

12 Cálculos realizados a partir de Cardona, Lacroix (2005, p.122) e Lacroix (2013, p. 101).

13 Cálculos realizados a partir de dados tratados por um perito da DRAC da região da Île-de-France

14 Entre 2006 e 2012, em média, 1 185 garantias de um montante médio de 1 995€ apoiaram 758 espetáculos de 595 equipas artísticas para 3,6 representações cada uma (estes cálculos são uma elaboração própria realizada a partir de ONDA, 2013, p. 52).

15 Entrevista de B. Hamidi-Kim e de D. Urrutiaguer, ONDA, 01-03-2013.

16 Num artigo do Le Monde de 2005, Guillaume Delaveau resumiu as queixas dos diretores das companhias como um grito do coração: “O poder passou das mãos dos encenadores para os programadores.”

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