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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.204 Lisboa jul. 2012

 

A descriminalização do aborto em Portugal: Estado, movimentos de mulheres e partidos políticos

The decriminalization of abortion in Portugal: State, women’s movements and political parties.

 

Rosa Monteiro*

*CES, Universidade de Coimbra e Instituto Superior Miguel Torga. E-mail: monteiro.rosa14@gmail.com

 

Resumo

Neste artigo ana­lisa-se a agenda política da descriminalização do aborto em Portugal, a sua genealogia, agentes, momentos críticos e resultados, destacando-se o papel do principal organismo oficial para a igualdade e a sua articulação com os movimentos e associações de mulheres, bem como o papel dos partidos políticos em relação a este assunto. Ponderam-se também os fatores que condicionaram a atuação destes vários agentes, e que contribuíram para que apenas em 2007 se produzissem resultados políticos destacados nesta matéria.

Palavras-chave: políticas de igualdade; aborto; feminismo de Estado; movimentos de mulheres.

 

Abstract

This paper analyses the political agenda of the decriminalization of abortion in ­Portugal, its genealogy, agents, critical aspects, and results. It highlights the role of the main equality organism, in conjunction with the women’s movements, as well as the role of political parties. It also seeks to explain the factors that constrained the actions of those several agents on this issue and that contributed to the delay, until 2007, in producing significant results.

Keywords: equality policies; abortion; State feminism; women’s movements.

 

INTRODUÇÃO

O ano de 2007 representou um marco decisivo na história da militância pela descriminalização do aborto em Portugal. Nele se realizou o (segundo) referendo sobre a “Interrupção Voluntária da Gravidez” (designação oficialmente adotada) realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas de gestação, e do qual o “sim” saiu vencedor. Em consequência, foi publicada a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que despenaliza a IVG. Em 2005, o Partido Socialista (PS) tinha inscrito no seu programa eleitoral a realização deste novo referendo, empenhando-se na campanha pelo “sim”, o que constituiu, sem dúvida, um fator importante para o resultado desta consulta, depois de mais de trinta anos de reivindicações feministas.

Neste artigo, analisam-se as reivindicações tendentes à descriminalização do aborto em Portugal, adotando as novas abordagens ao estudo das políticas públicas que não se circunscrevem à decisão ou resultado produzidos. Essas abordagens concebem a produção de políticas como um processo (Dormagen e Mouchard, 2007), e procuram compreendê-lo no encadeado de ações ao longo do tempo, embora fujam às limitações apontadas (­Dormagen e ­Mouchard, 2007; Sarmento, 2001) às análises sequenciais1 propostas, entre outros, por Jones (1970) e Cobb e Elder (1972). Trata-se de uma análise polissémica e estrategicamente orientada, em que importa perceber o processo complexo e multidimensional, não dependente apenas da ação dominante de um tipo de agente (Estado, partidos políticos e movimentos sociais), e amplamente determinado por fatores contextuais e estruturas de oportunidades políticas, como sugerido pela abordagem do processo político (­McAdam, McCarthy e Zald, 1996; McAdam, 1998; Tarrow, 1998). Olho, por isso, a Lei a que se refere este trabalho como um produto diferido de reivindicações antigas, e de articulações e desarticulações entre movimentos de mulheres, mecanismo oficial para a igualdade e partidos políticos, entre outros agentes.

A análise parte do papel articulador e facilitador que se atribui aos mecanismos oficiais para a igualdade na literatura sobre feminismo de Estado (­Lovenduski, 2005, 2008; McBride e Mazur, 1995, 2005; McBride, 2001; Valiente, 2005, 2006), e questiona efetivamente esse papel em face desta questão concreta. A abordagem do feminismo de Estado estuda a articulação dos mecanismos oficiais para a igualdade e dos movimentos de mulheres na produção de políticas de igualdade (Mazur e McBride, 2010). Dorothy McBride e Amy Mazur (2008) definem o feminismo de Estado como as ações dos mecanismos oficiais de igualdade no sentido de incluir as exigências dos movimentos de mulheres no Estado, com vista à produção de resultados políticos. O pressuposto da abordagem é o de que os mecanismos oficiais são facilitadores da representação descritiva e substantiva dos interesses das mulheres, constituindo-se como aliados potenciais dos movimentos na canalização da reivindicação política e, por essa via, como importantes agentes-pivô nas reivindicações feministas sobre o Estado, bem como nas análises sobre políticas de igualdade (Mazur e McBride, 2010).

Esta análise faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre o feminismo de Estado em Portugal2, em que analisei o papel da atualmente designada Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (antes CCF e CIDM) na promoção das políticas de igualdade, em articulação com os movimentos de mulheres e com os partidos políticos (Monteiro, 2011). A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (DL 164/2007, de 3 de maio) veio suceder à Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres – CIDM (DL 166/91), e à Comissão da Condição Feminina – CCF (DL 485/77). Este organismo tem sido o mecanismo oficial para a igualdade com maior abrangência de mandato e longevidade, não obstante estas reestruturações. Dadas as várias designações que conheceu, refiro-me a ela apenas como Comissão. A pesquisa empírica foi realizada com base num estudo de caso sobre a Comissão, que requereu uma abordagem qualitativa composta, em termos de fontes de investigação, pela realização de 53 entrevistas semi-estruturadas (técnicos/as e ex-técnicos/as da Comissão; ex-presidentes e dirigentes da Comissão; responsáveis político/as da tutela; peritas; dirigentes de associações de mulheres; especialistas) e pela análise de material de arquivo (atas e documentos diversos), legislação, publicações e artigos de imprensa.

Neste texto analiso, em particular, a intervenção da Comissão na agenda da descriminalização do aborto, e procuro compreender a trajetória desta agenda, constrangidas que foram ambas por fatores condicionantes expostos na literatura, como sejam certos tipos de conservadorismo, nomeadamente o religioso (Htun e Weldon, 2007; Valiente, 2005); o tipo de políticas relativamente ao status quo: doutrinais ou não doutrinais (Htun e Weldon, 2007); a existência de contramovimentos (McBride e Mazur, 2005; McBride, 2001); as características do sistema político-institucional, como a abertura e a existência de práticas de consulta; as atitudes dos principais partidos políticos; as características da própria Comissão, e dos movimentos de mulheres portugueses.

Em primeiro lugar, será abordada a Lei e o seu significado no contexto português. Expõem-se também algumas das suas principais limitações e contestações. Em segundo lugar, reconstrói-se a trajetória de militância ou reivindicação em torno da agenda, destacando os protagonistas e os seus motivos. Destaca-se, em particular, o tipo de envolvimento da Comissão, procurando compreender fatores relevantes face ao contexto sociopolítico. O tipo de participação da Comissão na agenda do aborto será classificado de acordo com uma tipologia que estabelece quatro modalidades: insider, marginal, formativa e ausente (Monteiro, 2011).

 

ABORTO E SUA DESCRIMINALIZAÇÃO: O SIGNIFICADO DE UMA AGENDA

Até 2007, Portugal era dos países europeus com legislações mais restritivas em matéria de aborto a pedido da mulher. Em 2007, como referi acima, um referendo alterou a situação. Na sequência da vitória do “sim”, a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, despenalizou a Interrupção Voluntária da Gravidez, estabelecendo que esta não seria punível desde que fosse “realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez” (art.º 142 alin. e). É claro que também estabelece a obrigatoriedade de um período mínimo de reflexão de três dias, a garantia à mulher de “disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão” e de “disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão”. Assegura também ao pessoal médico o direito à objeção de consciência, entre outras ressalvas que fazem dela, na conceção de algumas ativistas, uma lei imperfeita e moralista. Ela despenaliza quando seguidos todos os parâmetros que prescreve, e define um prazo considerado reduzido face a outros países.

É importante lembrar que até 1984 a prática de aborto era completamente proibida em Portugal. A Lei de 6/84 veio permitir a IVG nos casos de perigo de vida da mulher, perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, em caso de malformação do feto, ou quando a gravidez resultasse de uma “violação”. A Lei n.º 90/97, de 30 de julho, alargou o prazo em situações de malformação fetal e do que até então era chamado de “violação”. E foi este quadro legal que persistiu até 2007.

Na ditadura, o planeamento familiar e a contraceção eram completamente proibidos em nome da ideologia pró-natalista, católica e conservadora do regime. A própria Associação para o Planeamento da Família (APF), que nasceu controversamente em 1967 (impacto do Concílio Vaticano II sobre alguns católicos e católicas progressistas), teve de ter aprovação do cardeal patriarca de Lisboa e incluir um consultor eclesiástico (Tavares, 2008). A pílula chegara ao país em 1962 e vinha com o rótulo de “produto do demónio” – este método contracetivo era legalmente considerado produto abortivo e prescrito como método de regulação do ciclo menstrual (Vilar, 2009). No final do regime, o problema do planeamento da família impunha-se portanto como premente, tendo sido inclusivamente discutido em reuniões da primeira célula de feminismo institucional (Monteiro, 2010) e retratado no icónico livro feminista, apreendido em 1972, Novas Cartas Portuguesas.

No período pós-revolução, a Constituição de 1976 consagrou o direito ao planeamento familiar, e a atribuição ao Estado do “dever de divulgar o Planeamento Familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam essa mesma paternidade consciente”. Nesse mesmo ano, o secretário de Estado da Saúde (e membro da APF), Albino Aroso, criou consultas de planeamento familiar nos Centros de Saúde. Mas só 10 anos depois da Revolução de 1974 surgiriam as primeiras leis neste domínio – a da Educação Sexual e Planeamento Familiar (Lei 3/84, 24 de março), e a já referida exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, Lei 6/84. Em 1982, uma sondagem do jornal Expresso revelava que 72% das pessoas inquiridas eram favoráveis ao aborto. Os valores (incertos) do aborto clandestino estimavam-se, na década de 1970, entre os 100 000 e os 200 000 por ano, 2% dos quais terminavam em morte (o aborto era a terceira causa de morte das mulheres) (Tavares, 2008). Em 1999, calculava-se que apenas 1 a 2% dos abortos se realizavam ao abrigo da legislação, numa clara disjunção entre a law in books e a law in action, ou entre os códigos legais vigentes e as práticas sociais (Duarte e Barradas, 2009; Santos, 2010). Um inquérito realizado pela APF revelou que, em 2005, teriam sido realizados cerca de 17 mil abortos clandestinos em ­Portugal. Dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) relativos a 2008 indicavam a realização de cerca de 18 mil IVG em Portugal.

O aborto clandestino enquanto problema de saúde pública foi um dos quadros interpretativos3 mais eficazes dos movimentos pró-escolha, em detrimento de outros fatores como as reivindicações feministas do direito da mulher ao seu corpo (Abranches e Ferreira, 1986; Alves et al., 2009; Pena, 2008; Tavares, 2003, 2008). Na década de 2000, os episódios de judicialização e mediatização, especialmente de julgamentos de mulheres pela prática de aborto, constituíram acontecimentos decisivos na expansão de uma certa intolerabilidade social a uma legislação tão restritiva e disléxica (Pena, 2008). Ao longo das últimas quatro décadas, os julgamentos de mulheres relacionados com o aborto intensificaram-se e agravaram-se, culminando com os julgamentos bastante mediatizados da década de 20004. Estes julgamentos demonstraram de forma evidente que afinal Portugal levava mulheres a tribunal por terem praticado aborto, e desmontaram o argumento do contramovimento para a manutenção da lei restritiva.

Apesar de genericamente podermos afirmar que os partidos de esquerda foram os principais impulsionadores das iniciativas legislativas em matéria de aborto e de educação sexual e planeamento familiar, o facto é que até à década de 2000 mesmo estes se revelaram bastante subordinados ao receio de ­afrontarem os setores mais conservadores da sociedade e das instituições portuguesas. Foi a partir desta altura, que coincide com o período mais intenso (2001-2007) da agenda da IVG em Portugal, na sequência de manifestações de protesto aos julgamentos por prática de aborto, da vinda do barco da ­organização Women on Waves e do referendo de 2007, que se vislumbrou uma clara diferenciação de posições entre os partidos de esquerda (Bloco de Esquerda – BE, PS e ­Partido Comunista Português – PCP), apoiantes da descriminalização da IVG, e o ­Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS/PP), opositores desta alteração legislativa.

Antes desse período, mulheres dos setores femininos dos partidos políticos denunciavam contenções, e mesmo traições, dos líderes políticos à causa do aborto (no PCP, a subordinação da questão à “causa maior da luta de classes”, até aos anos 1980; no PS, o acordo com o PSD para a realização do referendo de 1998 e a vitória do “não” pela falta de apoio do líder do partido, António Guterres) (Amorim, 1998; Palla, 1998; Seabra, 2007)

 

Empurradas para um Referendo que não desejávamos e que não tínhamos hipóteses de ganhar, pela ausência de organização e de meios de informação e mobilização, enfrentámos a poderosa máquina da Igreja católica e dos meios mais conservadores, a que não faltaram voluntários e dinheiro para realizar uma campanha agressiva e dispendiosa face à nossa penúria de recursos. Tal como, no passado, as sufragistas, sobre os defensores da legalização do aborto choveram calúnias e injúrias. O mais doloroso, porém, foi o desrespeito e o abandono a que fomos votadas por aqueles em quem muitas de nós confiávamos e aqui, destaco em primeiro lugar: os responsáveis do Partido Socialista, que não ousaram combater a vontade do seu líder, disponibilizando recursos materiais e humanos indispensáveis à vitória da sua proposta, que, no entanto, se enquadrava plenamente no ideário socialista [Palla, 1998, p. 44].

 

Não obstante a Lei de 2007, o debate sobre o aborto não está ainda fechado na sociedade portuguesa, os contramovimentos reivindicam uma revogação dos progressos legislativos alcançados, algumas associações, como é o caso da APF,5 reclamam um alargamento do prazo de 10 semanas, e não existem ainda estudos sobre o impacto e efectividade da legislação de 2007. Segundo Duarte Vilar (2009), na sequência da Lei todas as mulheres portuguesas que necessitarem têm acesso a serviços de IVG gratuitos em serviços públicos de saúde, clínicas privadas e alguns Centros de Saúde. Houve inclusivamente um inesperado envolvimento dos hospitais na aplicação da lei, o que indica, na sua leitura, que os profissionais careciam de enquadramento legal para uma prática que eles próprios sentiam como premente. Exemplifique-se, porém, a falta de consenso neste setor profissional com a polémica gerada pelas declarações do presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida6 e do presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia e Obstetrícia7, defendendo o pagamento de taxas moderadoras pelas mulheres que recorrem aos serviços de IVG no Serviço Nacional de Saúde.

 

ATORES E FATORES DA MOBILIZAÇÃO PELA DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

Na análise que fez sobre a ação dos mecanismos para a igualdade do Reino Unido, Lovenduski refere que não encontrou nenhum caso em que os mecanismos oficiais para a igualdade se tenham oposto a uma prioridade do movimento. Contudo, mantiveram-se em silêncio sobre assuntos controversos, como foi o caso da agenda da descriminalização do aborto. Lovenduski concluiu que eles preferiram não se opor às organizações dos movimentos de mulheres, mas que estavam constrangidos pelas suas posições oficiais, justificando assim a sua não intervenção (2007, p. 160). Terá sido também esse o caso da Comissão em Portugal? Como classificar e compreender o tipo de intervenção que apresentou? Que tipo de aliança manteve com os movimentos de mulheres?

O aborto foi a questão que mais mobilizou alguns dos frágeis movimentos de mulheres em Portugal (Duarte, 2006; Prata, 2007; Santos, 2010; ­Tavares, 2000, 2008) durante mais de 30 anos, e a que conheceu episódios de luta mais radicais e mediáticos (Alves et al., 2009; Duarte, 2006; Tavares, 2008, s/d, 2007), mas em relação à qual a Comissão optou por ser uma aliada ausente, preferindo deixar essa militância aos movimentos. Ao contrário, por exemplo, da agenda da paridade na política, na do aborto a Comissão esteve ausente, não se tendo envolvido nem empenhado juntamente com as associações de mulheres que integravam o seu Conselho Consultivo (CC)8 e o fizeram desde os anos 1970, tendo para o efeito criado plataformas autónomas. De acordo com a tipologia que adaptei de McBride e Mazur (2005) para traduzir a forma como a Comissão participou no processo de produção das políticas, e o seu grau de envolvimento em cada tema ou agenda em discussão, em função da abertura e responsividade do sistema político, mas também das suas próprias opções e priorizações, por ausente refiro-me aos casos em que a Comissão foi omissa ou se ausentou de uma determinada agenda importante para os movimentos de mulheres. Nestes casos ela não demonstrou uma atitude proativa, e assim revelou não desejar envolver-se nem promover uma determinada causa (­Monteiro, 2011). É importante referir que este tipo ausente de envolvimento constitui uma exceção na trajectória de militância da Comissão por uma grande variedade de causas. Com efeito, a agenda da descriminalização do aborto e a agenda dos direitos das associações de mulheres foram as duas causas que ela deixou à militância autónoma dos movimentos de mulheres (Monteiro, 2011).

No início da década de 1980, depois de uma ação importantíssima no domínio do planeamento familiar legitimada pelas já referidas revisão da Constituição de 1976 e criação de consultas pelo Governo, a Comissão abandonou a agenda da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Antes daquele período, e em articulação com a APF e a Direção-Geral da Saúde, a Comissão desenvolveu um extenso leque de atividades que passaram por publicações, programas de rádio e televisão e espaços em revistas femininas de grande divulgação (como a Crónica Feminina). A partir de 1977-1978, a sua atividade no domínio do planeamento familiar foi extremamente intensa e marcante na sociedade portuguesa. A par dos programas televisivos de divulgação do novo Direito de Família, os programas e rubricas nos meios de comunicação social sobre planeamento notabilizaram e deram a conhecer a Comissão em extensos setores sociais dessa altura (Monteiro, 2011).

Talvez porque a problemática do planeamento familiar tenha passado a estar muito associada à da educação sexual e do aborto, e por se tratar de políticas “doutrinais”, com implicações no status quo religioso e geradoras de ­oposição e de contramovimentos (Htun e Weldon, 2007), estas foram áreas em que a Comissão parece ter optado por não intervir a partir deste ­período. Como refere Evert Ketting, o planeamento familiar na Europa ocidental tem sido a história da luta das pessoas contra as autoridades (1999, p. 52). Prova deste caráter doutrinal da política foi a forte oposição conservadora que a própria Comissão sentiu aquando dessa intervenção formativa nos finais da década de 1970 no domínio do planeamento familiar. Segundo relatado nas entrevistas que realizei não só a técnicas, mas também a responsáveis políticos da altura, a existência da Comissão chegou mesmo a ser posta em causa pelos setores ­conservadores da Aliança Democrática (AD) – uma coligação de centro direita9 no Governo desde 1980 – nomeadamente da Secretaria de Estado da Família (do CDS). A chegada ao poder destas forças políticas gerou um ambiente adverso à intervenção neste domínio “doutrinal” (Htun e Weldon, 2007); os projetos da Comissão de informação para o planeamento familiar foram criticados pelas hierarquias da Igreja Católica e pelo poder local, e denunciados ao poder central. Também nos jornais, setores do CDS e do PPD acusavam: “com dinheiro da Unesco, esterilizam-se mulheres em aldeias portuguesas”. Como Jiménez (2002) refere, neste período, e no seio desta coligação PPD-PSD, CDS e PPM, estes dois partidos mais conservadores tentaram legitimar a ideo­logia e as políticas de direita, tentando forçar o PPD-PSD a deslocar-se nesse sentido também. A autora fala mesmo de uma “direitização” das propostas do PPD-PSD entre 1980-1987 (2002, p. 269), reforçando o papel tradicional das mulheres e o valor da família. A Comissão estava a intervir numa área sensível e “doutrinal” (Htun e Weldon, 2007), considerada afrontadora dos princípios religiosos e do modelo de sociedade e de mulher preconizado nesses setores. Para eles, a ameaça aos costumes e à família eram riscos que advinham da “emancipação da mulher”.

Não terá sido esta experiência de ameaça e oposição pela intervenção nesta área sensível o único fator a justificar a ausência da Comissão desta agenda. No estudo que realizei sobre feminismo de Estado (Monteiro, 2011), apurei outros motivos que exploro mais à frente. Por agora, importa conhecer um pouco melhor, ainda que de forma muito abreviada, a história da militância pela descriminalização do aborto em Portugal.

Os principais momentos de debate público e político da luta pela despenalização do aborto foram: a apresentação de um Projecto de Lei, pelo PCP, em 1982; a discussão e aprovação de um Projecto de Lei do PS, em 1984; as propostas de 1997, e o referendo de 1998; o referendo de 2007 e a proposta que o antecedeu.

Em termos de mobilização feminista importa referir que a reivindicação do aborto foi introduzida na discussão pública pelo movimento de ­mulheres, concretamente pela sua fação radical logo no pós-25 de Abril de 1974 (­Magalhães, 1998; Pena, 2008; Tavares, 2008). Como referiu Maria José ­Magalhães (1998), nela ficou impressa a marca histórica das feministas ­radicais que, logo em 1974-1975, o reclamaram como direito da mulher ao seu corpo e à escolha livre. Mas só no final da década se constituiu uma primeira plata­forma comum autónoma – a CNAC (MLM, IDM, UMAR, GAMP, Grupo de Mulheres da AAC) –, enquanto primeira estrutura de mobilização autónoma e distinta da plataforma comum institucional que constituía a secção das ONG do CC, onde a heterogeneidade de associações presentes impossibilitava tomadas de posição conjuntas, como era denunciado por algumas ativistas feministas (Bento, 1998).

Em 1982, na sequência da agitação, reivindicações e polémica causadas pelos julgamentos de uma jornalista e de uma mulher por prática de aborto (em 1979), e da discussão pública que gerou, o PCP apresentou a primeira proposta de legislação, abandonando a atitude de desconsideração a que votara a questão, considerada “burguesa” nos anos anteriores. Ainda assim, e como refere Virgínia Ferreira (2007), a questão era apresentada como um problema de “natureza social” e não como uma questão de “direitos das mulheres”. Mesmo Zita Seabra, que apresentou a proposta em nome do partido, afirmava:

 

Disse-me [Cunhal] que já tinha pensado nisso e tinha até pedido um projecto ao sector das mulheres comunistas, que fez um texto feminista radical, que o PCP nunca poderia apoiar […]

O PCP tinha, em relação às questões da família, posições muito cautelosas para não assustar sectores mais conservadores e tradicionalistas do povo português, que eram extremamente perceptíveis tanto nos meios operários como nos meios camponeses […]

Assentámos nas seguintes questões: nunca defenderíamos, nem no Projecto de Lei nem nos discursos, a despenalização do aborto; não defenderíamos teses que de uma qualquer forma pudessem fazer do aborto um direito; não defenderíamos a lei numa perspectiva do direito da mulher ao seu corpo; não aceitaríamos a ideia do aborto livre e a pedido da mulher […]

O projecto foi desenvolvido em torno da ideia de que o objectivo era impedir que as mulheres fossem para a cadeia, não se podendo virar costas a um drama social gravíssimo que era o aborto clandestino [Seabra, 2007, pp. 356-361].

 

O debate assumiu um cariz bastante “moral”, confirmando o caráter “doutrinal” da política (Htun e Weldon, 2007), e a “moderação” das forças políticas face ao peso do contramovimento da Igreja católica. Um partido de direita ­detinha o poder executivo, o que significava que o ambiente político era adverso e fechado. O espaço de debate centrou-se nos partidos políticos que não deram voz aos movimentos de mulheres e às suas representantes. ­Exemplo disso foram as críticas e desconfianças da Campanha Nacional pelo Aborto e Contra­ceção (CNAC)10 relativamente ao Projeto de Lei do PCP, que não ­chamou as “mulheres a participarem”, e que não apoiou a CNAC, em 1979, aquando dos julgamentos de Conceição Massano e Maria Antónia Palla (Tavares, 2008, p. 330).

A Comissão demonstrou, pela primeira vez neste debate, que o tema era indesejado, argumentando, na resposta à Assembleia da República, que não tinha sido possível chegar a um consenso na plataforma de ONG do seu CC, pelo que não emitia nenhuma posição (a discussão fizera-se na reunião da secção de ONG a pedido de algumas associações de mulheres ligadas a partidos da esquerda). Saliente-se que entre 1976 e 1979 a Comissão realizara algum trabalho interno sobre a questão do aborto11, situação que se alterou devido à mudança de liderança (segundo descrito pelas pessoas ­entrevistadas).

Em 1984, surge a proposta do PS, que prevê uma descriminalização em algumas condições, e que dará origem à primeira lei que despenaliza o aborto nas situações acima descritas. Os termos do debate ou os quadros interpretativos evocados pelas diversas partes seguiram neste caso um caminho mais “moralista e defensista” (Abranches e Ferreira, 1986), com a própria CNAC a evocar a questão da saúde da mulher e os problemas decorrentes do aborto clandestino (Tavares, 2008).

As reivindicações feministas ressurgiram na década de 1990, depois de mais episódios judiciais, e em 1994 constituiu-se o Movimento de ­Opinião pela Despenalização do Aborto em Portugal (MODAP), uma nova ­plataforma conjunta que juntava associações essencialmente ligadas à esquerda e ­departamentos de mulheres de partidos também do espectro da esquerda. O MODAP seria um dos principais catalisadores de militância pró-legalizadora e pró-escolha, com diversas dinâmicas tanto de caráter discursivo (debates, seminários) como de grupo de interesse (cartas aos partidos, conferências de imprensa, petições) (Beckwith, 2007). Os partidos só reagiram em 1996- -1997 com a apresentação de várias propostas (PCP e PS). Mas foi também nesta altura que o contramovimento católico se organizou melhor com campanhas contra o movimento feminista pró-escolha. A título de exemplo, em fevereiro de 1997, surgiu a campanha “Não mates o Zezinho” pelo movimento “Juntos pela Vida” ligado à Igreja Católica.

Em 1998 uma proposta da Juventude Socialista conseguiu passar no Parlamento, mas um acordo entre o líder do PSD e o líder do PS e primeiro-ministro António Guterres ignorou e remeteu a decisão para um referendo. A concentração da militância pró-legalização num único movimento12 (Tavares, 2008), a maior união do campo da direita do que da esquerda (Freire e Baum, 2001; Freire, 2008), especialmente a atitude de falta de apoio e de envolvimento do Partido Socialista na campanha (Freire, 2008), a força do contramovimento ligado à Igreja, surgem assim como os fatores por detrás da vitória do “não” no referendo. Desta vez, o partido socialista no poder não foi uma estrutura de oportunidades políticas aberta nem aliada, dada a atitude do seu líder, baseada nas suas crenças pessoais religiosas e morais, mas antes um entrave num contexto político potencialmente favorável. Os movimentos partidários do “sim” à despenalização voltaram ao discurso jurídico-social (Ferreira, 2007), concretamente ao facto de a lei não estar a ser aplicada, e de tal ser intolerável num Estado de direito e democrático; ao facto de o aborto clandestino pôr em risco a saúde e a vida das mulheres; e, por último, ao facto de se tratar de uma tripla injustiça social – económica, sanitária e penal (Ferreira, 2007).

Da parte da Comissão o único sinal que surgiu foi a constituição, na secção de ONG, de um novo grupo de trabalho por iniciativa da APF – o Grupo de Trabalho para a Saúde Reprodutiva.

Depois de 2002, as associações e movimentos pró-escolha passaram a contar com o apoio de toda a esquerda para confrontarem a oposição de um governo de centro direita (PSD e CDS-PP). O episódio de proibição da entrada do barco da Women on Waves em águas portuguesas e da sua receção por corvetas da Marinha, a mando do ministro da Defesa Paulo Portas (CDS-PP), aqueceu o debate e desencadeou manifestações de protesto e de solidariedade nacionais e internacionais a favor da causa (Alves et al., 2009; Duarte, 2006; Peniche, 2007; Tavares, 2008). Os ecos deste episódio e das manifestações contra os julgamentos de mulheres parecem-me ter sido decisivos para gerar um alerta coletivo em relação às contradições e disjunções entre a normatividade jurídica e a normatividade social, o que não só fortaleceu os argumentos pró-descriminalização, mas também esgotou a argumentação do contramovimento católico (de que nenhuma mulher era julgada ao abrigo da lei vigente).

A viragem governativa para um partido socialista, em 2005, e a atitude do seu novo líder, José Sócrates, ao colocar no programa eleitoral a realização de um novo referendo, e ao comprometer abertamente o PS na campanha pelo “sim”, vieram abrir novas perspetivas para esta questão. Verifica-se, desta forma, a tese globalmente defendida na literatura de que viragens governativas à esquerda são mais favoráveis às reivindicações feministas (Lovenduski, 2007; McBride e Mazur, 1995; Sawer, 2007; Valiente, 2007b), o que não aconteceu em ­momentos políticos anteriores, como se viu. Manuela Tavares refere também que o novo quadro interpretativo estrategicamente evocado pelos movimentos pró-despenalização, ­associado à saúde da mulher e ao problema dos abortos clandestinos, e não ao direito à escolha, facilitou a sua aceitação pública em diversos setores antes reféns da argumentação conservadora católica e antifeminista (Tavares, 2008). Ainda que estrategicamente se tenham constituído diversas plataformas de luta na campanha pelo “sim” no referendo (Tavares, 2008), a diversidade reforçou a convergência em torno da mesma reivindicação, bem como as alianças dos movimentos feministas com outros movimentos (especialmente os LGBT), ampliou os seus repertórios de ação e estruturas de mobilização, e contribuiu para a adesão de novas gerações de militantes (Tavares, 2008). Os fatores facilitadores para o resultado do ­referendo de 2007 parecem ter sido, portanto, o consenso da esquerda, o reforço de ­alianças dos movimentos de mulheres na militância pela despenalização, e a viragem governativa para um governo PS com um líder favorável a esta causa.

 

COMISSÃO: PORQUÊ UMA ALIADA AUSENTE?

Dorothy McBride (2001) no trabalho da Research Network on Gender Politics and the State (RNGS) cuja publicação coordenou, afirma que na questão do aborto, a relação entre as características dos movimentos de mulheres e o ambiente político é decisiva na explicação da forma como os mecanismos para a igualdade integraram a questão na agenda política. Ora em Portugal, como se referiu acima, a Comissão nunca tomou uma posição acerca da questão; só uma vez, e por iniciativa da sua presidente, fez pressão junto dos partidos e dos governos, no sentido de promover uma reforma da Lei Penal. Até mesmo em 2007, quando o partido no Governo assumiu proativamente a questão, a presidente da Comissão apareceu nos debates televisivos em torno do referendo “meramente a título pessoal”. Uma dirigente de uma associação de mulheres entrevistada fala assim desta ausência:

 

A Comissão teve um papel importante em toda a legislação que avançou os direitos das mulheres, sem dúvida. Essa [aborto] foi uma lacuna que não conseguiu, não teve coragem política para preencher. Então como é que nós, nessa década de 1970, temos uma Comissão forte, com conhecimentos, que procura… com boas técnicas, que procura colocar as questões da legislação no âmbito da igualdade com esta lacuna?

E depois há um movimento que surge ao lado e que não conta com o apoio da Comissão para enfrentar a imensa oposição social e até política à causa! [ent. dir. AM]

 

Tendo em conta a semelhança de um pano de fundo marcado por legados institucionais conservadores e católicos, o contraste entre a atitude da Comissão portuguesa e da sua congénere espanhola Instituto de la Mujer, que se aliou às reivindicações feministas pelo aborto em Espanha (Valiente, 2007a), deverão ser elencados outros fatores para perceber a posição da Comissão. Apurei na pesquisa que realizei que tal omissão parece estar muito ligada também às próprias características da Comissão, que a levaram a optar pela não intervenção. A Comissão nunca deu prioridade ao tema do aborto, nem como uma questão de direito da mulher ao seu corpo e à sua reprodução, nem como uma questão de descriminalização e combate ao aborto clandestino ou promoção da saúde das mulheres. Escudou-se na sua condição de “instituição pública, refém de diretrizes governativas” e na fragmentação das ONG do seu CC quanto a este assunto. Ora, em mais de 95% das entrevistas que realizei, esta argumentação foi denunciada como “desculpa”, que pretendia ocultar outro género de motivos:

 

a)   O receio de afrontar as hierarquias e as forças católicas e conservadoras dominantes, às quais até os próprios partidos políticos demonstraram reverência. Como refere Célia Valiente, em ambientes socioinstitucionais como o português, os mecanismos tiveram fortes incentivos para evitar problemas relacionados com a família e reprodução, ainda que estes sejam temas feministas clássicos, e concentrar-se em programas menos controversos (Valiente, 2007b). Recordemos que em ­Portugal a influência da Igreja Católica foi pouco afetada pela Revolução de 1974, como defende Boaventura de Sousa Santos (1984) ou ainda ­Sílvia ­Portugal (2006). Uma das ex-técnicas da Comissão que entrevistei referiu que a Comissão só interveio no domínio do planeamento familiar porque ele estava legislativamente legitimado pela Constituição de 1976 e pela criação das consultas de planeamento familiar pelo Governo nesse mesmo ano, o que parece confirmar a reverência às forças católicas e conservadoras dominantes. Este facto revela a importância da existência de contramovimentos (McBride e Mazur, 2005) e do cariz “doutrinal” desta política (Htun e Weldon, 2007) para a explicação do não envolvimento da Comissão.

b)   O perfil conservador dos seus recursos humanos, concretamente a ligação de algumas das suas mais antigas e reputadas técnicas à Igreja católica. Nas entrevistas, mais de 60% das pessoas que questionei apontaram criticamente esta como a causa decisiva, ainda que tenham destacado duas técnicas e ex-presidentes que, apesar de confessamente católicas, sempre se manifestaram favoráveis à descriminalização do aborto – Ana Vicente e Ana Maria Braga da Cruz. O “conservadorismo” neste domínio foi-me apontado como uma característica da Comissão, contrastante com o seu progressismo e proatividade noutros domínios (não doutrinais), como revela o seguinte depoimento:

 

No interior da Comissão tem a ver com as convicções, porque tivemos muitas discussões internas na Comissão e tinha a ver com as convicções das pessoas, e as pessoas não conseguiam destrinçar o que é a minha opção pessoal e a discriminação e impunham a sua conceção dentro da Comissão. Depois, claro que serviam-se de várias coisas: de ser uma questão moral, de sermos um organismo público, governamental, e de as ONG não produzirem uma decisão comum. Ora tudo isto eram desculpas, porque a Comissão quando queria fazia barulho.

Aliás, eram essas mesmas pessoas que quando queriam não se lembravam nada se era organismo público ou não, iam chatear os ministros. Mas no caso do aborto a religião falou mais alto, as suas convicções [ent., ex-técnica].

 

Em síntese, o perfil de alguns dos recursos humanos da Comissão, o caráter “doutrinal” da agenda, a presença de contramovimentos num ambiente sociopolítico católico, e a consequente prevalência de quadros interpretativos que não toleravam os apelos feministas ditos mais radicais, parecem ser, portanto, os fatores para que a Comissão tenha sido, nesta matéria, uma aliada ausente em termos da representação descritiva e substantiva dos movimentos de mulheres.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Podemos afirmar que em Portugal a questão do aborto foi uma bandeira de alguns movimentos de mulheres portugueses, apoiados, ainda que de forma tímida e inconsistente (Rodrigues, 2009; Prata, 2007; Tavares, 2003, 2007, 2008) pelos partidos de esquerda, contra os partidos de direita e os setores mais conservadores da sociedade portuguesa neles representados (Monteiro, 2011). A Comissão não foi um canal de acesso à decisão, e os partidos de esquerda foram uma estrutura de oportunidade política de importância relativa, à exceção do período entre 2002-2007. O traço conservador dos partidos ou de reverência eleitoralista às forças conservadoras é assinalado, por exemplo, por Jiménez, no facto de grande parte das iniciativas legislativas sobre o aborto serem acompanhadas de propostas sobre proteção da maternidade e sobre educação sexual e planeamento familiar, bem como de discussões acerca de saúde materna (2002, p. 285). Sílvia Portugal (2000; 2006) tem apontado esta influência da Igreja Católica no condicionamento das representações, discursos e políticas (ainda que a autora centre a sua reflexão na área da família), com efeitos na produção de políticas de igualdade. Esta influência e difusão de uma moral conservadora de raiz católica, assoma em questões ou agendas mais sensíveis, marcando clivagens e contradições que se expressam nas políticas, mas também nas práticas das instituições e dos agentes políticos. Só em 2007, uma viragem governativa à esquerda proporcionou uma estrutura de oportunidades políticas conducente a uma alteração legislativa.

Penso que os casos de judicialização do aborto, os seus efeitos mediáticos e os seus ecos internacionais, terão contribuído decisivamente para um ambiente sociopolítico mais favorável a uma reivindicação, não ainda em nome de um direito das mulheres à escolha, mas sim à saúde. O pendor moralista e paternalista relativamente às mulheres fica expresso na própria lei, concretamente nas suas prescrições de acompanhamento e orientação psicológica no “período de reflexão”, que anteriormente referi.

Em 2007, a resposta do Estado foi, nesta matéria, de apropriação, o que segundo a tipologia da RNGS acontece quando o Estado não aceita as ­representantes das mulheres no processo de decisão, mas lhes dá alguma satisfação política (McBride e Mazur, 2005). Talvez por isso Cristiana Pena relativize esta vitória, dizendo que a mobilização em torno do aborto foi mais do que uma luta feminista, foi também uma batalha de conceções de família e de planeamento familiar, entre esquerda e direita, tendo inclusivamente muitas das suas ativistas rejeitado assumir-se como feministas, por recearem o rótulo ou por não concordarem com algumas das estratégias expressivas usadas: “O backlash da sociedade civil e dos media sobre o feminismo foi sempre tão demolidor que, nem em 2007, as feministas portuguesas assumiram sozinhas esta luta!” (Pena, 2008, p. 45). Segundo a autora, mesmo os focusing events que desencadearam a abertura de estruturas de oportunidades políticas, como os julgamentos e a sua mediatização, acabaram por ser objeto de uma apropriação e anulação da luta feminista diminuindo o impacto das suas reivindicações.

Na análise realizada conclui que esta foi uma das pouquíssimas temáticas políticas da igualdade de mulheres e homens em que a Comissão se demitiu e não assumiu um papel de aliada ativa e proativa dos movimentos de mulheres (Monteiro, 2011). A Comissão optou pela não intervenção dado o “conservadorismo” de alguns dos seus quadros, bem como as oposições antevistas numa política “doutrinal”, deixando-a aos movimentos de mulheres organizados em plataformas (CNAC, MODAP e mais tarde “Movimento Sim pela tolerância”, por exemplo). Estes militaram de forma autónoma e expressiva, dadas as limitações da sua plataforma institucional na Comissão, ainda que condicionados a modelar os quadros interpretativos das reivindicações de modo a torná-los mais “eficazes”, ainda que menos feministas (Abranches e Ferreira, 1986; Alves et al., 2007; Pena, 2008; Tavares, 2008). Este foi um tema que sempre abriu fissuras na sociedade, nos partidos, em diversas instituições e até mesmo nos próprios movimentos, como é o caso relatado por Manuela Tavares da APF (2008). As conceções sobre a questão da descriminalização do aborto não foram nunca consensuais, por desafiarem princípios morais estabelecidos com base num pano de fundo católico, o que em grande parte explica a sua demora e a polémica que geraram na sociedade portuguesa.

 

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Recebido a 14-07-2011. Aceite para publicação a 07-03-2012.

 

Notas

1  Aponta-se às abordagens sequenciais no estudo das políticas públicas limitações que têm a ver essencialmente com a afirmação de uma linearidade e racionalidade que não corresponde à forma como a decisão política acontece; faz-se também uma crítica ao facto de ser uma análise que tende a centralizar nos governos o epicentro da decisão política.

2  Doutoramento em Sociologia do Estado, Direito e da Administração, enquadrado pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e pelo Centro de Estudos Sociais, sob orientação da Professora Doutora Virgínia Ferreira. A pesquisa beneficiou do apoio da FCT e deu origem à dissertação intitulada Feminismo de Estado em Portugal: Mecanismos, Estratégias, Políticas e Metamorfoses.

3  Tradução de Frames, que significa genericamente os modos de definição e de construção dos problemas (Snow, 2004; Lombardo, Meier e Verloo, 2009).

4  Maia (2001-2002), Aveiro (2003-2007), Setúbal (2003-2006) e Lisboa (2004). V. Peniche, 2007 e Santos et al., 2010.

5 RTP Notícias, 15-07-2010: “Prática de aborto clandestino perdura em Portugal”.

6  Diário de Notícias, 16-05-2011: “Movimento de utentes critica possibilidade de mulheres que abortam pagarem taxas moderadoras”.

7  Jornal i, 02-04-2011: “Aborto. Obrigar as mulheres a pagar seria um retrocesso na lei”.

8  A Comissão possui desde as suas primeiras formas, logo nos anos 1970, um organismo consultivo – o Conselho Consultivo –, constituído por duas secções – a Interministerial e a das ONG. Este conselho constituiu um importante espaço de institucionalização política e de articulação para os frágeis movimentos de mulheres e para os departamentos de mulheres de partidos políticos que pouco ou nenhum poder têm tido dentro das estruturas partidárias.

9  Coligação constituída pelo Partido Popular Democrático (PPD) atual PSD, pelo Centro Democrático Social (CDS) e pelo Partido Popular Monárquico (PPM).

10  Plataforma Autónoma de Associações de Mulheres, constituída em 1979.

11   Em 1976, a CCF realizou um estudo de direito comparado sobre o aborto, e o tema fez parte do seu Plano de Ação. Em 1977, a CCF entregou ao ministro de Estado a nota 11/A propondo a constituição de uma Comissão Interministerial na dependência da PCM para estudar a questão do aborto. Em 1979, a presidente da CCF, Maria do Carmo Romão, assumiu-o e afirmou-o como “uma questão de tolerância, e não uma questão moral” nas reuniões do CC; contactou o ministro da Justiça para que a CCF fosse ouvida. No CC da CCF procurou chegar-se a uma posição comum, o que não foi possível dada a heterogeneidade de posições.

12  Movimento Sim pela Tolerância, que no próprio nome indicava um enquadramento interpretativo para a despenalização pouco assertivo, uma vez que fazia do Sim uma questão de tolerância para com um gesto que se anunciava assim errado (Alves et al., 2009), retirando combatividade ao argumentário.

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