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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.201 Lisboa out. 2011

 

José Eduardo Franco e Célia Cristina Tavares, Jesuítas e Inquisição: Cumplicidades de Confrontações, Rio de Janeiro, Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2007, 133 páginas. 

 

Juan Ignacio Pulido Serrano

Universidade de Alcalá

 

A obra que aqui analisamos, Jesuítas e Inquisição de José Eduardo Franco e Célia Cristina Tavares, é um livro necessário e oportuno, pois propõe-nos uma reflexão serena e matizada sobre alguns aspectos principais da nossa modernidade num universo geográfico central como é o de Portugal e o das suas conquistas. Aspectos e problemas da modernidade ocidental, na sua projecção atlântica, nem sempre bem compreendidos.

O esforço realizado por José Eduardo Franco e Célia Cristina Tavares para favorecer uma melhor compreensão destas duas instituições, a Companhia de Jesus e o Tribunal do Santo Oficio, vem de trás, desde as suas primeiras investigações, o que lhes permite manejar a bibliografia fundamental, as pesquisas mais recentes, e as fontes documentais necessárias para levar a cabo este trabalho.

O objectivo do presente estudo é a “desconstrução” dos mitos elaborados no século xviii e xix, os quais forjaram uma imagem deformada da Inquisição e dos Jesuítas e, portanto, distante da realidade. O quarto e último capítulo do livro explica-nos, precisamente, como foi criado o referido mito na época do Marquês de Pombal, legando à posteridade uma interpretação simplificada e polarizada daquela realidade que chegou aos nossos dias como um sólido edifício ideológico. Os autores, bons conhecedores do terreno que pisam, dão-nos as chaves principais para explicar as razões e o sentido daquele mito: a suposta cumplicidade e cooperação entre os inquisidores e os jesuítas para assegurarem o seu domínio sobre a sociedade foram a causa do atraso secular e diferenciado de Portugal e do Brasil perante o resto da Europa. É este o problema de fundo que os historiadores nos apresentam. Um assunto de extraordinário interesse, incitador de debate e de reflexão.

A análise das relações de “cumplicidade” e “confrontação” mantidas entre a Inquisição e a Companhia de Jesus durante os séculos xvi exvii, tema que ocupa os três primeiros capítulos do livro, pretende cobrir o vazio que deixa a desconstrução do mito anti-jesuítico e anti-inquisitorial. Não se trata de substituir uma imagem negativa por outra com contornos hagiográficos. O que se procura é fundamentalmente compreender, rejeitando juízos apriorísticos. Isto torna-se mais premente quando falamos de um tema polémico como o da Inquisição ou o da Companhia de Jesus, pois ambas foram instituições protagonistas da modernidade ocidental, concretamente no âmbito da catolicidade. Duas instituições com histórias paralelas, marcadas por paradoxos e problemáticas semelhantes.

O fenómeno religioso foi uma das chaves dessa primeira modernidade, entre o século xv e xvi. As sociedades de então eram profundamente religiosas e regiam-se por poderes que impulsionaram políticas confessionais com o fim de realizar projectos político-religiosos. Mas todo este processo decorreu num contexto de profundo e violento conflito. Neste sentido, a Inquisição e os Jesuítas foram instituições com um alto grau de protagonismo. A elas se lhes confiou, em boa medida, a expansão e defesa da Igreja Católica. Os Jesuítas, devotando-se à missão de converter os não-católicos, com estratégias e meios precisos e eficientes. Os inquisidores, empenhandose na eliminação do erro doutrinal pela aplicação do direito punitivo e da repressão, administrando as fórmulas necessárias para reconciliar o herege com a Igreja e, em casos extremos, fazendo uso do fogo purificador. 

Duas instituições, portanto, com procedimentos e objectivos próprios para conseguir um fim comum. Não é estranho que na sua larga história houvesse ocasião para a concertação e coordenação de esforços, como nos explicam os autores neste sugestivo livro. Aconteceu nos momentos fundacionais, em meados do século xvi, ou em espaços fronteiriços, como na Índia aquando da criação do Tribunal da Inquisição em Goa. A cooperação conjuntural, num tempo e espaço concretos, alimentaria o mito posteriormente construído. Mas o domínio de tal mito sobre a nossa visão actual impede-nos, por vezes, de observar matizes e problemáticas, as quais são resgatadas pelos autores deste livro, transportando-nos para períodos de forte confrontação entre Jesuítas e Inquisidores. Na verdade, os caminhos da Inquisição e da Companhia tomarão rumos diferentes, mesmo contrários em determinadas ocasiões, como os momentos explosivos que ocorreram durante o século xvii, a propósito  do problema dos cristãos novos.

Para concluir, esta obra conduz o leitor através de um tema fascinante, cujas sombras marcam o imaginário colectivo como poucos outros, e contribui sem dúvida para o necessário processo de compreensão histórica. 

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