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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.201 Lisboa out. 2011

 

Novos tempos, novos ventos? A extrema-direita europeia e o Islão

 

José Pedro Zúquete*

* ICS, Universidade de Lisboa, Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9, 1600-189 Lisboa, Portugal. e-mail: jpzuquete@gmail.com

 

Resumo

Desde o início deste milénio que a investigação académica tem identificado o sentimento anti muçulmano como uma característica-chave da extrema-direita europeia. Este artigo discute a história e a validade do termo “islamofobia”, assim como a emergência e consolidação do tema da “Eurábia” na ideologia da extrema-direita. Analisa ainda a forma como as concepções de uma tomada de poder pelos muçulmanos na Europa têm contribuído para reconfigurar a ideologia da extrema-direita e para formar novas convergências entre diferentes margens do espaço político.

Palavras-chave: Islão; extrema-direita; identidade; imigração.

 

New times, new winds? The European extreme right and Islam

Abstract

Since the turn of the millennium, academic research has pointed to anti-Muslim sentiment as a key feature of the European extreme right. This article discusses the background and validity of the term “Islamophobia”, as well as the coining and spread of the term “Eurabia” in extreme right ideology. We also examine how the concept of rising Muslim power in Europe has helped to alter extreme right ideology and forge new alliances across the political landscape.

Keywords: Islam; extreme right; identity; immigration.

 

Introdução

A palavra “islamofobia” é uma palavra difícil. No entanto, ela está cada vez mais presente nos discursos sobre a presença muçulmana no Ocidente, e nomeadamente na União Europeia. O Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC), que em 2007 foi substituído pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), publicou um relatório (Report on Racism and Xenophobia in Member States of the EU, de 2007) muito mediático sobre “discriminação e manifestações de islamofobia” desde 2001. E desde o começo do novo século que se tem assistido a uma autêntica explosão desta palavra no vocabulário.

Existe um forte carácter de novidade na islamofobia. O documento que fundou oficialmente o EUMC, em 19971, não lhe faz nenhuma referência, salientando apenas “o fenómeno do racismo, xenofobia, e anti-semitismo”. A literatura sobre a extrema-direita europeia acompanhou a crescente popularidade da palavra islamofobia na esfera pública. Embora haja um debate contínuo sobre o que significa exactamente ser um partido de extrema-direita, tem-se formado um relativo consenso em descreve-lo como nacionalista, anti-sistémico, e exclusivo. Jean-Yves Camus (2005), por exemplo, assinalou a emergência do Islão como “o novo inimigo” no imaginário da extrema-direita. Mas o que é um facto é que, no mundo académico, a islamofobia não era vista como uma característica básica da ideologia da extrema-direita. É verdade que o Islão tem sido alvo de partidos da extrema-direita, particularmente desde a década de 80. Em 1990, por exemplo, a revista Identité, do partido Front National (Frente Nacional), dedicou um dos seus números à “reemergência” do Islão2, denunciando a sua incompatibilidade com a cultura europeia. Mas a tendência académica era a de considerar a rejeição do Islão apenas como uma dimensão de “xenofobia” e de ver as narrativas “anti-muçulmanas” simplesmente como uma componente do discurso contra a imigração (v., por exemplo, Davies e Lynch, 2002, p. 162).

A situação mudou. E a partir do começo do século, e sobretudo no seguimento do 11 de Setembro de 2001, a ameaça do “crescente” e o espectro de uma Europa muçulmana, tornaram-se temas prioritários no universo ideológico da extrema-direita europeia. Assim, o conceito de Islão passou a galvanizar a acção do grupo, e ao mesmo tempo que este prepara a “defesa” contra a islamização da Europa, novos temas emergem, outros declinam, alguns objectivos partidários são reconsiderados, e o potencial para novas alianças cresce. Assim sendo, este estudo aceita a premissa de que a ideologia da extrema-direita não é estática mas, dentro de certos limites, evolui e molda-se de acordo com o contexto.

Este estudo focaliza-se numa variedade de partidos políticos europeus de extrema-direita, nomeadamente da Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Holanda e Itália. A razão da escolha de partidos que têm um passado diverso e que, até ao momento, têm tido resultados eleitorais também diversos, serve para mostrar como, não obstante as diferenças, exibem muitas semelhanças na maneira como lidam com o tema do “Islão”. Como o objectivo principal é analisar a narrativa relativa ao Islão, a fonte primária é a literatura dos partidos (manifestos, comunicados à imprensa, publicações e discursos), assim como entrevistas aos líderes e membros dos partidos (conduzidas pelo autor ou por órgãos da comunicação social). Também foram incorporadas fontes secundárias (de jornais e da internet, por exemplo), que ajudam a compreender melhor e a contextualizar as concepções desses partidos.

Tendo em conta que cada secção deste estudo pode servir de base para outro artigo (ou monografia), e por isso a análise nunca pode ser total e exaustiva, o objectivo é o de fornecer uma visão geral dos desenvolvimentos que, nesta óptica, abrem novas possibilidades de investigação relativamente à ideologia da extrema-direita contemporânea.

O regresso dos soldados cristãos?

Os autores de um research paper da Comissão Europeia, publicado em 1998, argumentaram que já não era possível discutir o futuro político, “sem também discutir questões de sentido, espiritualidade e identidade cultural” (Cleveland e Luyckx, 1998). Mais de uma década depois, estas palavras são mais certeiras do que nunca, especialmente no que diz respeito ao “futuro político” da Europa.

Uma das evoluções mais importantes dos últimos anos tem sido a crescente relevância de temas cristãos na comunicação verbal e não-verbal da extrema-direita europeia (Liang, 2007). A crescente percepção dos muçulmanos e do Islão, em geral, como uma ameaça sinistra para as comunidades nativas é, em grande parte, responsável por esta evolução. Nalguns casos, como o da Frente Nacional, a maior atenção dada ao Cristianismo é uma continuação e intensificação de uma prévia plataforma ideológica. Quando Le Pen defende a ilegalização de grandes mesquitas por se tratar de “edifícios de conquista político-religiosa” que “ameaçam a identidade cristã do nosso país”, ele está, grosso modo, a reiterar um tema familiar.

Mas, noutros casos, a “viragem para o Cristianismo” constitui uma novidade, implicando mesmo a rejeição de posições anteriores. Esse é o caso da Lega Nord (Liga do Norte). Durante uma fase inicial, que durou até ao fim da década de 1990, a Igreja católica era atacada como um inimigo natural das liberdades do Norte de Itália, devido à sua cumplicidade com as forças centralizadoras e opressivas desde a fundação do país. A eclosão da guerra do Kosovo (vista pelo partido como uma tentativa dos EUA de “islamizarem” a Europa), assim como uma crescente ênfase na tradição (uma resposta à liberalização dos costumes e à globalização), mudaram o discurso do partido numa direcção pró-cristã. A orientação anti-islâmica do partido aprofundou-se a partir dos ataques terroristas de 11 de Setembro, passando o Islão a ser sinónimo de terrorismo, violência e morte. O partido intensificou as suas campanhas contra práticas e políticas que, de alguma maneira, pudessem facilitar a “islamização” do país. Um eurodeputado da Liga declarou durante um protesto de rua contra a burca, que “o Islão é um vírus perigoso, e nós temos de o conter porque a Padania tem de permanecer crist㔠(AGI, 2006). Batalhas históricas são reinterpretadas à luz do constante fluxo de imigração muçulmana para a Europa. Quando o parlamento italiano decidiu remover um quadro da batalha naval de Lepanto (1571, na qual a frota otomana foi derrotada por forças cristãs), Mário Borghezio, um dos dirigentes máximos da Liga, reagiu indignado, dizendo que essa decisão “era um ataque contra a identidade cristã do país, [porque Lepanto] assinalava a vitória de um Europa cristã contra a invasão muçulmana”.3 Neste contexto, não constituiu uma surpresa que o órgão oficial do partido tenha sido um dos maiores apoiantes do papa Bentoxvi quando este referiu o papel basilar da violência no Islão. Da mesma forma, dirigentes da Liga elogiaram o papa pelos seus esforços para “recristianizar” a Europa. “Nós precisamos de agradecer a Ratzinger”, declarou um dirigente, “por causa dele a Igreja relembrou as suas origens”.4 O Partido Nacionalista Britânico (BNP) conheceu uma trajectória similar. O seu líder, Nick Griffin (2005b), identificou o partido como “a vanguarda da resistência à islamização”, considerando-a “o problema mais premente da primeira metade do nosso século”. Tal como a Liga do Norte (Saint-Blancat e Friedberg, 2005) o partido tem-se oposto à construção de novas mesquitas, vendo-as como um passo rumo à “colonização islâmica” do país (como por exemplo aquela que será a maior mesquita da Europa planeada para os jogos olímpicos de 2012).5 Até um símbolo tradicional do nacionalismo inglês, como São Jorge, é descrito como um “ardente e poderoso símbolo da oposição ao Islão”6. Além disso, o BNP tem defendido o papa Bento XVI e enaltecido a sua “coragem por falar contra os perigos do Islão”, criticando ao mesmo tempo a Igreja Anglicana por não ter a determinação para enfrentar “a ameaça bem real da Inglaterra se transformar num Estado islâmico nas próximas décadas”7. Não admira que o BNP esteja por trás da criação de uma nova organização cristã, o Christian Council of Britain8 (2007), em cuja declaração de objectivos se pode ler que “Nestes tempos de crise moral e perante a possibilidade bem real do vazio espiritual ser preenchido por cultos e doutrinas perigosas, agora mais do que nunca, é preciso realinhar de novo a Igreja com o seu rebanho perdido”. Quando o arcebispo de Cantuária, e líder da Igreja Anglicana, referiu que a incorporação de alguns aspectos da sharia na lei britânica era “inevitável”, o BNP reagiu afirmando que esse tipo de declarações revelavam a disposição das classes dominantes “para trair a tradição cristã do país a fim de apaziguar o Islão”9. A atenção dada pelo BNP a temas, lemas e símbolos do Cristianismo tem sido tão visível que provocou uma contínua reacção de membros e líderes da Igreja, os quais acusaram o partido de “raptar” a religião para fins puramente políticos.

Mas esta renovada ênfase na “identidade crist㔠das “comunidades originais” europeias, ameaçadas pelo avanço impiedoso do Islão, pode ser visto um pouco em todos os partidos de extrema-direita na Europa. A coligação de partidos de extrema-direita no Parlamento Europeu “Identidade, Tradição e Soberania” (que apenas durou de Janeiro a Novembro de 2007), tinha como princípio fundador “o empenho nos valores, tradição e cultura cristã”. O líder do grupo, Bruno Gollnisch, afirmou que um dos objectivos desta coligação era ir além de um mero eurocepticismo. O grupo não se iria limitar a atacar a UE; também iria defender os “valores cristãos”10. Durante as eleições parlamentares austríacas de 2006, por exemplo, o Partido da Liberdade fez campanha recorrendo a uma plataforma especificamente anti-islâmica. Num dos seus cartazes eleitorais podia ver-se a catedral de Viena com uma lua crescente em vez da cruz, e com uma legenda em que se lia “este é o verdadeiro desejo oculto dos muçulmanos”. Entre avisos contra a iminente islamização do país, o partido flamengo Vlaams Belang assume-se como o verdadeiro guardião do Cristianismo. Como refere um dos seus líderes, Filip Dewinter11, “Relativamente ao aborto, eutanásia, casamento gay, adopção por casais homossexuais, valores de família, subsídios para escolas judias ou cristãs, nós defendemos sempre o ponto de vista cristão [...] Nós somos melhores cristãos que os chamados democratas-cristãos […] Muitos de nós não somos crentes no sentido religioso do termo, mas partilhamos os valores morais do cristianismo. Eles representam a fundação da civilização europeia”.

Esta ideia de uma “Europa crist㔠sob ameaça, enfraquecida pela secularização, e ameaçada de morte pelo contínuo fluxo migratório de populações muçulmanas, encontrou apoio nos avisos do papa Bentoxvi contra o vazio espiritual no qual a Europa caiu (Ratzinger, 2007), devido ao triunfo de uma racionalismo ímpio que nega às pessoas o papel da fé e a direcção espiritual (Shorto, 2007). A ideia de que é imperioso defender de uma forma mais agressiva os valores cristãos, de forma a obter uma “recristianização” da Europa, tem ganho terreno na hierarquia católica, mas também em sectores protestantes. Neste cenário, não é de estranhar que muitos partidos nacionalistas vejam nos apelos da Igreja, nomeadamente do Vaticano, a confirmação da sua própria mensagem, e que a encarem como um aliado contra o colapso da Europa cristã, que surge de forma inelutável no horizonte. Kaufmann (2006) afirmou que o crescimento de uma Europa islâmica pode levar a uma resposta nacionalista indígena, ou “a uma renovada atenção à identidade cristã [da Europa]”. Mas estas variáveis não se opõem e não se excluem uma à outra. Os mais recentes desenvolvimentos nos partidos “indígenas” indicam que, particularmente em oposição a uma tomada de poder por parte dos muçulmanos, um rumo pró-cristão já está em andamento.

Rumo ao filosemitismo?

Embora o anti-semitismo esteja ausente do discurso de alguns partidos (por exemplo, na Liga do Norte), a desconfiança relativamente aos judeus — considerados estrangeiros, desenraizados e envolvidos em conspirações internacionais contra a unidade da nação — há muito que caracteriza os partidos de extrema-direita europeus, de que é exemplo a Frente Nacional, em França. Contudo, recentemente tem-se observado uma mudança no discurso de muitos destes partidos numa direcção decididamente pró-judaica. Esta tendência, contudo, não é uniforme, e alguns partidos, como o Partido Nacional Democrata Alemão (NPD), permanecem decididamente leais às suas origens anti-semitas (Hentges, 2003).

Um bom exemplo é o do partido nacionalista separatista flamengo Vlaams Belang, que tendo começado por prestar uma atenção mínima aos judeus (Mudde, 2000, p. 100), num contexto cada vez mais anti-islâmico, tornou-se um apoiante leal do judaísmo e sionismo. Dewinter tem, em várias ocasiões, professado o seu apoio e admiração pelos judeus, tanto nos meios de comunicação social judaicos como nos principais media, fazendo referência às raízes “judaico-cristãs” da Europa e do Ocidente. Os “valores judeus são os valores europeus”, afirmou numa entrevista, e “a civilização judaica é uma das raízes da civilização ocidental” (Dewinter, 2007). O partido prometeu defender as comunidades judaicas dos ataques de muçulmanos, descritos como “os primeiros pogroms na Bélgica desde a Segunda Guerra Mundial” (Dewinter, 2003). Israel é igualmente elogiada como um “aliado natural” da Europa, por ser considerada a única nação no Médio Oriente onde vigora a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, e o estado de direito, numa região governada por ditadores sangrentos.

O Partido Nacional Britânico (BNP) constitui um exemplo paradigmático, devido à sua tentativa de distanciamento do anti-semitismo, que tem sido uma das forças motrizes do partido desde a sua origem. O líder do partido criticou a paranóia anti-judaica (Griffin, 2005a), afirmando que, para o BNP, “a ideia de que ‘os judeus são o inimigo’ está absolutamente esgotada”, porque o partido quer “prosseguir com as lutas reais” (Griffin, 2005b). O partido anunciou que “tem seguido em frente nos últimos anos, desembaraçando-se dos grilhões das teorias da conspiração e do anti-semitismo velado que atrasou o partido ao longo de duas décadas”. Ao invés, o partido apontou dois grupos como sendo os verdadeiros inimigos do povo britânico: “Anglo-Saxões Celtas da esquerda liberal, nascidos no Reino Unido” e a “Horda do Crescente, a “onda interminável de islamistas que afluem às nossas costas com o intuito de envolver as nossas ilhas no abraço da sua bárbara religião do deserto”12. O partido tem dado espaço às vozes que abertamente professam a sua admiração por Israel. Um colunista escreveu contra a “franja lunática do movimento nacionalista” anti-semita, elogiando a abordagem “nacionalista” de Israel, já que, “o séculoxxi é o século do islamismo”, afirmando que se não se oferecesse resistência à ameaça do extremismo islâmico, dentro de 100 anos o Ocidente ficaria transformado na “Eurábia” (Barnes, 2006).

Em França, Marine Le Pen, a nova presidente da Frente Nacional desde Janeiro de 2011, e que jurou alterar a imagem negativa do partido, concedeu desde cedo abertura à comunidade judaica francesa e, enquanto deputada do Parlamento Europeu, inscreveu-se na Delegação para as Relações com Israel. Ela esteve por detrás da decisão de enviar membros da Frente Nacional a uma manifestação em memória de um judeu francês assassinado num crime de ódio, e disse à comunicação social que queria pôr um ponto final numa “série de mal-entendidos” entre o partido e a comunidade judaica, a qual, “nada tinha a temer da Frente Nacional”13. Numa outra ocasião, afirmaria que “a comunidade francesa, que é cada vez mais vítima de ataques dos radicais islâmicos, deve poder contar com o nosso apoio”14 (Chombeau, 2007, pp. 295-297). Esta demonstração de solidariedade para com os judeus levou a que vozes mais tradicionais a acusassem de tentar criar, juntamente com o partido flamengo Vlaams Belang, “um eixo de aproximação com a comunidade judaica para confrontar os muçulmanos”.15 Guillaume Faye, um dos principais teóricos da nova direita francesa, apoia esta evolução e afirma que os que defendem uma identidade europeia deviam libertar-se de um “anti-judaísmo crónico” e obsessivo porque o perigo real é a colonização por parte do “terceiro mundo e do Islão” (Faye, 2007, pp. 240-244).

Recentemente, algumas vozes no mundo académico têm defendido que os “muçulmanos” substituíram os “judeus” como o novo “outro” transnacional nos discursos de exclusão no seio da União Europeia. “Bem-vindos à Europa, onde os judeus já não são perseguidos, mas sim venerados enquanto antepassados cosmopolitas”, observou Boyer (2005, p. 523). Para Bunzl (2007, pp. 44-45), a forma moderna de anti-semitismo já percorreu o seu caminho histórico, e actualmente “simplesmente não há qualquer debate sobre a legitimidade da presença judaica na Europa”. Enquanto o anti-semitismo é algo do passado, “concebido para proteger a pureza do estado-nação étnico, a islamofobia é a forma de proteger o futuro da civilização europeia”. Na opinião de outros autores, o anti-semitismo oferece um modelo real sobre a forma como, cada vez mais, os muçulmanos são encarados como eternos estrangeiros à cultura autóctone (Silverstein, 2005, p. 366; Kundnani, 2007, p. 30). Contudo, existem diferenças substanciais, e óbvias, que não devem ser subestimadas, entre o tratamento e o estatuto conferido aos judeus no passado e a situação actual dos muçulmanos na Europa. E a verdade é que o anti-semitismo tradicional pode ressurgir noutros termos — numa forma de anti-sionismo feroz, por exemplo — podendo até manifestar-se na violência anti-judaica perpetrada por jovens muçulmanos (observável na segunda Intifada Palestina 2000-2006. V., por exemplo, Ganor, 2011). No entanto, o reconhecimento crescente do contributo judeu para a cultura europeia por parte de alguns partidos da extrema-direita, e o subsequente apoio a Israel, poderão evidenciar que a demonização tradicional dos judeus ocupa agora a retaguarda face à actual estigmatização dos muçulmanos nos discursos de pertença e exclusão na Europa.

Para lá do nacionalismo?

Há muito que o nacionalismo tem sido considerado como cerne, e talvez como a característica mais importante dos partidos de extrema-direita (Mudde, 2000, p. 171). Estes partidos anunciam-se com orgulho como as únicas e “autênticas” forças nacionais do país, e a maioria apresenta variantes da palavra “nação” nas suas designações. Tem sido observado que, no seio de alguns círculos intelectuais, tais como os que rodeiam a nova direita europeia, o nacionalismo estava a ficar fora de moda, tendo sido substituído por uma aliança a uma fonte mais lata de identidade cultural, tal como a Europa. Este desenvolvimento, contudo, não se limita a estes pequenos círculos, e o que proponho defender é que, apesar de concordar que o nacionalismo possa ter mais do que um centro de controlo (Eatwell, 2004, p. 9), a posição cimeira que os conceitos de “Europa” e “Ocidente” ocupam nos discursos da extrema-direita europeia justificam um olhar mais atento sobre a hipótese da “defesa” das comunidades originais por parte destes grupos se ter alargado cada vez mais a um nível europeu, não se restringindo às fronteiras ou territórios do país em causa.

Esta trajectória pode ser observada ao longo de todo o espectro de partidos da extrema-direita, e intensificou-se nos últimos anos. De certa forma, este discurso pós-nacionalista centrado nas fronteiras e tradições europeias e ocidentais, vem complementar a perspectiva nacionalista, mas tem igualmente o potencial de lhe fazer concorrência. A ênfase colocada numa entidade mais alargada — Europa ou o Ocidente — emana tanto da necessidade colectiva de defesa dos europeus autóctones em relação aos ataques da nova ordem mundial e do seu ethos globalizante (que apaga tradições e raízes), como do medo e luta contra a islamização.

O tema recorrente da transformação da Europa numa nova entidade geopolítica dominada por muçulmanos chamada “Eurábia” está presente em muitos discursos. A obra da historiadora judia Bat Ye’or (2005) assumiu-se como referência, e conceitos como “Eurábia” e Dhimmitude (referindo-se ao estatuto de sujeição dos cristãos e judeus sob governação islâmica) fazem parte do vocabulário da extrema-direita (pode até dizer-se que penetraram também alguns sectores da direita inserida na corrente maioritária). Quando se lhe pediu que definisse o seu partido, Filip Dewinter, líder do Partido flamengo, replicou: “Somos os defensores da civilização ocidental, com os seus dois pilares: judaico-cristianismo e a herança da Grécia antiga”. Bat Ye’or é apontada como aquela que foi capaz de denunciar a “viragem política vergonhosa” que levou as elites europeias e árabes a congeminarem em conjunto a criação da “Eurábia”, e a afirmar que os “políticos europeus se ajoelham perante o Islão”. Bat Ye’or esclarece toda uma série de dinâmicas que se mantinham até então na sombra. Dewinter (2006)16 explica-o da seguinte forma: “Nunca percebi como é que os políticos europeus podiam ter as vistas tão curtas. Parece-me tão absurdo”. Mais uma vez, Bat Ye’or explica como é que isto encaixa num padrão mais lato que visa a criação de uma nova entidade política chamada “Eurábia”. Não se trata apenas de fraqueza ou má decisão. Forma parte de um plano. Dewinter acrescenta que os políticos de “orientação eurábica pensam que podem consolidar o seu poder político através de uma aliança com o mundo muçulmano, vendendo a Europa aos seus piores inimigos. Têm esperança de que uma Eurábia forte possa servir de contrapeso ao poder dos Estados Unidos (Dewinter, 2006)17. A questão central, aqui, prende-se com a sobrevivência da Europa, e potencialmente de todo o Ocidente, sendo a ameaça para a comunidade flamenga apenas parte de uma luta mais vasta à escala europeia.

O tema eurábico está igualmente a ganhar força no discurso do Partido Nacional Britânico. Aquando da morte da jornalista e polemista italiana Oriana Fallaci, o partido elogiou-a como tendo sido alguém que “desafiou a transformação civilizacional da Europa em Eurábia”18. Segundo Nick Griffin, líder do BNP, “Estamos profundamente preocupados acerca do projecto elitista, sobretudo francês, mas não exclusivamente, de transformar a EU, a Turquia e o Magrebe na Eurábia. Bat Ye’or está 100% certa em relação a este ponto” (Griffin, 2005a). Num artigo sobre os motins em França, ocorridos em Novembro de 2005, Griffin descreveu o seu partido como estando na “vanguarda” da “luta entre o Ocidente e o Islão”, pois se o partido falhar a sua missão, “a Europa deixará de o ser, e os nossos netos amaldiçoar-nos-ão na sua condição de dhimmi enquanto prestam eterno tributo e sofrem opressão, injustiça, humilhação e violação intermináveis nos territórios que no passado pertenceram aos seus antepassados livres” (Griffin, 2005b). Como escreveu um colunista do BNP, “trata-se, de facto, do início da Quarta Guerra Mundial, que tem as suas raízes na vitória de Carlos Martel sobre o Islão na Batalha de Tours em 732 DC. O Islão desperta uma vez mais, e o Ocidente tem de acordar também” (Barnes, 2006).

A Liga do Norte, em Itália, partilha uma visão semelhante relativamente à necessidade de defender a Europa e o Ocidente dos desígnios “imperialistas” do Islão. Roberto Calderoli, alto dirigente da Liga do Norte, condenando a renúncia do Ocidente às “nossas raízes, identidade e cultura cristãs”, defendia no jornal do partido a necessidade de mover contra o Islão “cruzadas de povos ocidentais que ainda se recordam da batalha de Lepanto”19. Quando a ameaça islâmica — tanto em termos de colonização como de terrorismo — é discutida na literatura do partido, é tipicamente apresentada como um perigo, não apenas para a comunidade, como para os povos europeus e ocidentais. O partido arroga-se o papel de protector supremo do Ocidente contra o Islão. Afinal, “fomos os primeiros e lançar o alarme sobre o perigo que o Islão representa, e a sua hostilidade inerente contra o Ocidente”.20

Mogens Camre21, que foi deputado do Parlamento Europeu pelo partido nacionalista da Dinamarca (o Partido do Povo Dinamarquês), refere igualmente que a necessidade de combater o “perigo real da islamização da Europa” é a prioridade máxima. De forma explícita, ele enquadra o discurso em termos de uma identidade europeia colectiva, afirmando “pensamos que os países islâmicos fazem parte da Idade Média, e não consentiremos que os nossos países democráticos sejam destruídos por pessoas que querem governar o mundo segundo um livro escrito no Médio Oriente nos séculosvii eviii”.

Relativamente ao perigo da “islamização”, Stelzl, um representante do Partido da Liberdade austríaco22 falava da existência de “uma ameaça real relativamente à integridade cultural das nações e povos europeus, das suas tradições e culturas […] [e] quando a islamização põe em perigo as nossas leis, normas, hábitos e tradições, tem de ser revertida”, acrescentando que “os países islâmicos têm de conceder direitos aos cristãos nos seus países, idênticos aos que a Europa confere aos muçulmanos que integram a nossa sociedade”. Simultaneamente, quando foi anunciado um novo partido pan-europeu por quatro líderes da direita nacionalista (da Áustria, França, Bélgica e Bulgária), a ambição era a de salvar a Europa do duplo mal da “globalização e islamização”. “Patriotas de todos os países da Europa uni-vos!”, exortava o líder do Partido da Liberdade austríaco na conferência onde esses planos foram anunciados. No cerne dos partidos políticos vulgarmente descritos como de “extrema-direita”, o nacionalismo é ainda a força predominante. Contudo, é difícil não reparar na viragem crescente rumo a dinâmicas e argumentos pós-nacionalistas no discurso de muitos desses partidos. Os exemplos que aqui se apresentam reforçam esta percepção. É como se existisse uma relação directa entre as suas preocupações relativamente à comunidade islâmica (ou umma) unida pela fé e costumes, e a necessidade de esses mesmos partidos se apresentarem como representantes e defensores de primeira linha de uma comunidade transnacional europeia (e ocidental), igualmente unida por uma fé e valores (cristãos) comuns.

Esta dinâmica apresenta-se de forma explícita, por exemplo, no modo como a potencial (e cada vez mais improvável) adesão da Turquia à EU é retratada pela extrema-direita europeia. Muitos dos materiais de propaganda contra a entrada da Turquia, produzidos por vários partidos, representam um crescente ameaçador pairando sobre o mapa da Europa, com o título “Turquia Não!” Uma das formas utilizadas pelo Partido da Liberdade austríaco para promover uma imagem anti-sistema nas eleições parlamentares de 2006 foi afirmar repetidamente que, ao contrário dos partidos dominantes, se opunha à entrada da Turquia na UE (FPÖ, 2006). O “projecto europeu” alternativo avançado pelo ex-líder da Frente Nacional francesa, Jean-Marie Le Pen, assenta “num grupo de povos pertencentes a uma civilização cristã [e] que partilham uma cultura comum” (Le Pen, 2006b), o que efectivamente exclui qualquer país muçulmano (como a Turquia). Erguendo o espectro de uma “verdadeira invasão islâmica da Europa” na eventualidade da adesão da Turquia à União Europeia, a Liga do Norte tem vindo a fazer uma campanha incessante por um referendo popular que “permita que todos os cidadãos tenham uma palavra a dizer num assunto histórico que selará o destino dos nossos povos”23. Há quem defenda que o debate em torno da adesão da Turquia transformou este país no “outro” em termos de auto-definição do que costumava ser considerado europeu (Göle, 2006, p. 255). Mais precisamente, Casanova (2006, p. 242) escreveu que depois de mais de trinta anos de imigração oriunda de territórios fora da Europa, a questão turca faz parte de um assunto mais vasto no qual o Islão é identificado como o “outro absoluto”. Contudo, a rejeição do Islão pelos partidos de extrema-direita é desvalorizada pelo mesmo autor como sendo meramente “nativista” e “nacionalista” (Casanova, 2006, p. 243). Tal como tentei demonstrar nesta secção, poder-se-ia acrescentar uma terceira dimensão “europeísta”, independentemente do facto de esta Europa ser muito diferente da actualmente promovida por Bruxelas.

O conceito de “identidade europeia” alargada — que vai além da mera ligação aos países de origem — partilhado por estes partidos, está seguramente associado ao papel de destaque que o Islão desempenha como “o outro” nos discursos contemporâneos sobre o que significa ser-se europeu no séculoxxi.

Da periferia para o centro?

A questão da adopção pela direita dominante ou mainstream de temas que previamente “pertenciam” aos partidos da extrema-direita (tal como os que dizem respeito à lei e à ordem pública, ou imigração, por exemplo) tem sido tratada com alguma regularidade pela literatura sobre a extrema-direita (Hossay e Zolberg, 2002, pp. 305-313). Hainsworth publicou um livro sobre estes partidos, com o revelador subtítulo Das Margens para a Corrente Maioritária, no qual conclui afirmando que “numa variedade de situações, influenciaram as agendas, políticas e discursos dos principais partidos e governos” (Hainsworth, 2000, p. 14).

Nesta secção, descreverei as formas como a crescente importância do assunto do Islão trouxe efectivamente para a corrente principal opiniões e políticas previamente encaradas como excessivamente “extremistas” e relegadas para a periferia do espectro político pelos partidos do centro.

Mas antes de ilustrar e discutir este ponto, incidirei sobre outra consequência de extrema importância que esta ênfase no Islão teve para a extrema-direita. Com efeito, nos últimos anos temos assistido a uma assimilação crescente por estes partidos de um número de assuntos que são “respeitáveis”, moralmente convincentes para uma maioria substancial da opinião pública, e que assentam em atitudes e formas de pensar relativamente consensuais. Em resumo, a extrema-direita tem cooptado temas em relação aos quais a grande maioria dos políticos pertencentes ao mainstream, tanto da esquerda como da direita, tem dificuldade em discordar. Este desenvolvimento dificultou a distinção entre o que constitui a “corrente dominante” e o que deveria ser categorizado como “extremo”, tornando-a, por vezes, irremediavelmente turva.

A situação das mulheres nas comunidades muçulmanas — e o tema dos direitos das mulheres em geral — ilustra bem este ponto. Quando se discute a situação das mulheres no Islão, a extrema-direita europeia avança argumentos que, num passado não muito distante, seriam considerados exclusivos dos grupos progressistas femininistas do Ocidente. A extrema-direita tem estado activamente visível na sua rejeição de várias práticas culturais associadas ao Islão — desde a utilização do véu islâmico, aos casamentos forçados, passando pelos crimes de honra e à mutilação genital feminina, recorrendo a argumentos semelhantes aos esgrimidos pelos grupos pertencentes ao mainstream, que denunciam desigualdades e discriminação contra as mulheres. Esta evolução está presente em todo o continente. Mogens Camre24, do partido nacionalista dinamarquês, afirmou que “os véus islâmicos e as burcas discriminam as mulheres. O seu efeito real é manter as mulheres afastadas da sociedade e impedi-las de obter liberdade e igualdade. Nenhuma sociedade se pode desenvolver sem que haja igualdade e liberdade para as mulheres”. Um dos livros mais populares na Dinamarca, intitulado Islamistas e Ingénuos, foi escrito em co-autoria por duas figuras da corrente principal política do país (ambos sociais-democratas, uma delas feminista), e denuncia os impulsos “totalitários” do Islão e a sua reivindicação em controlar todos os aspectos das vidas dos seus apoiantes, especialmente das mulheres. Como observava um dos autores “Se uma mulher não usar o véu, os islamistas exercerão uma pressão máxima e recorrerão à violência para assegurar que ela o usa. É essa tentativa zelosa de aplicar os princípios islamistas que o torna tão autoritário como o nazismo ou o comunismo” (NPR, 2006).

Nos últimos anos, o tema da “opressão das mulheres” no seio do Islão tornou-se um dos principais temas da literatura da Liga do Norte. Para a Liga, a condição das mulheres muçulmanas é um sinal revelador do “atraso” do Islão, e é incompatível com os costumes e atitudes morais de uma civilização ocidental superior que se bate pela igualdade dos géneros. Um deputado do partido observava que o estilo de vida ocidental “assenta em [noções de] democracia civilizada e respeito pelos outros […] enraizadas no ADN de cada cidadão”, enquanto o estilo de vida no Islão “se baseia em tradições bárbaras tais como a sharia, a pena de morte, a lei de talião […] infibulação, poligamia, a ideia de que no seio das famílias os homens são superiores às mulheres”.25 Quando o parlamento italiano se recusou a tomar uma decisão relativamente a uma moção apresentada pela coligação Liga do Norte sobre “violações contra a liberdade das mulheres em nome da religião”, uma deputada do partido demonstrou o seu ultraje declarando que “para não ofender susceptibilidades islâmicas” o parlamento decidiu ignorar o facto de “no nosso país existirem mulheres e crianças que são ‘escravizadas’ ou sujeitas a restrições pessoais ou forçadas [a aceitarem] a poligamia em nome de uma crença religiosa que não reconhece o princípio da igualdade entre homens e mulheres” (Lussana, 2007).

O Partido Nacional Britânico interveio igualmente a favor dos direitos das mulheres, especificamente no contexto dos relatórios na comunicação social sobre a criação de tribunais sharia e a existência de um sistema legal bipartido no Reino Unido.26 O BNP27 acusou a comunicação social, particularmente a BBC, de ignorância face “ao abuso que as mulheres e as minorias sofrem às mãos das leis sharia no mundo inteiro”, acrescentando que “as mulheres são espancadas, violadas, assassinadas, mutiladas e oprimidas pela ‘cultura’ muçulmana e a lei inglesa nunca deveria voltar as costas a estes membros vulneráveis da sua sociedade”. Tal como a Liga do Norte, o BNP sublinha a igualdade de géneros na sua denúncia do Islão. O partido avisa que se o governo não conseguir impedir que a lei islâmica se imponha, tal “constituirá uma aleivosia e uma refutação directa da moral ocidental, que prevê que todos os indivíduos sejam iguais e tratados em pé de igualdade aos olhos da lei.”

O debate em torno do uso do véu islâmico nas escolas públicas francesas constitui exemplo de um tema que combina as questões aliadas à separação entre Igreja e Estado com as da igualdade de géneros, e que mobilizou numa frente comum forças distintas do espectro político, desde a extrema-direita aos feministas e progressistas. Por exemplo, uma das apoiantes mais fortes da abolição do hijab foi uma destacada feminista, Elisabeth Badinter, que denunciou o lenço como símbolo da “opressão de um sexo”, incompatível com a tradição ocidental de emancipação da mulher (Fekete, 2006, p. 17). Um socialista e antigo presidente do SOS Racisme defendeu uma política de esquerda de quotas de imigração, e a imposição, a título de pré-condição para potenciais imigrantes, de respeito tanto pela “laïcité[secularismo] como pela igualdade de géneros” (Caeiro, 2006, p. 206). Assim, não nos devemos surpreender quando Jean-Marie Le Pen, nos seus discursos, apelava repetidamente à necessidade de aplicar o princípio da separação entre a Igreja e o Estado, ao mesmo tempo que condenava as medidas adoptadas pelo governo francês (assim como por outros governos) para “institucionalizar” o Islão no país (Laurence, 2006). Estas medidas, afirmou Le Pen, assinalaram o fim do princípio da laïcité e a fase inicial do financiamento oficial do Islão em França sob a pressão exercida pela sua florescente “força demográfica e migrante” (Le Pen, 2006a). A necessidade de manter uma neutralidade religiosa e cultural nas escolas públicas foi igualmente avançada pelo Partido da Liberdade na Áustria como motivo para banir o uso de lenços, tanto por professoras como por alunas (IHF, 2005, p. 35). O Partido do Povo dinamarquês esteve por trás de uma proposta que pretendia banir adereços de cabeça “culturalmente específicos”, excepto no caso de manifestações culturais que reflectissem uma origem judaico-cristã (IHF, 2005, p. 56). Já a Liga do Norte lidera, em Itália, a luta contra qualquer tentativa de remoção de símbolos cristãos das escolas, defendendo ainda que a constituição italiana devia reforçar, de forma explícita, a “identidade crist㔠do país, como forma de impedir a “ocupação” muçulmana das instituições públicas.28

A crescente atenção política em relação ao Islão tem-se manifestado igualmente na oposição feroz ao ritual de abate de animais — particularmente a produção de carne halal, a única permitida pela lei sharia —, um tema de destaque nos discursos da extrema-direita. Nesta oposição, estes movimentos têm-se juntado frequentemente aos grupos defensores dos direitos dos animais no protesto contra a comida halal, acusando-a de fomentar um método de abate desumano e bárbaro. O Partido Nacional Britânico tem estado activo nesta frente, chegando até a anunciar, em primeira mão, que a carne halal era servida em muitas escolas do país devido a um número crescente de alunos muçulmanos. O partido citou um relatório elaborado por um grupo de defensores dos direitos dos animais, argumentando que este método causava grande sofrimento aos animais. O partido afirmou mesmo que não só “este é um assunto que tem a ver com o bem-estar dos animais”, mas também que “os pais têm o direito de saber se os seus filhos estão, sem o saberem, a ser alimentados com carne proveniente de animais abatidos em rituais”29. Da mesma forma, também o Partido do Povo dinamarquês lançou uma campanha com o objectivo de banir o abate halal porque “qualquer consideração sobre as minorias religiosas não se deve sobrepor às considerações acerca dos animais” (IHF, 2005, p. 59). Acusações semelhantes, tanto por parte da extrema-direita, como por parte das organizações protectoras dos animais sobre o abate ritualizado, foram reportadas na Áustria (IHF, 2005, p. 37), Itália (Guolo, 2000, p. 898), e em França (IHF, 2005, p. 74). Nos Países Baixos, em Junho de 2011, o Partido pelos Animais viu a sua proposta de proibição do sacrifício ritual dos animais para consumo humano aprovada pelo parlamento, contando, entre outros, com os votos favoráveis do partido da extrema-direita, o Partido da Liberdade, liderado por Geert Wilders.

Simultaneamente, devido à pressão exercida pela “questão islâmica” nas sociedades contemporâneas, os partidos no governo canalizaram políticas públicas e orientaram discursos para posições que, anteriormente, teriam sido vistas como extremistas e exclusivistas. A título de exemplo, veja-se a importância crescente que as normas e valores culturais detêm nas discussões sobre imigração, identidades nacionais e sentido de pertença nacional em toda a Europa. Nos últimos vinte anos, tem sido defendido que os partidos contemporâneos de extrema-direita já não mantêm as posições racistas clássicas nas suas atitudes discriminatórias e exclusivistas relativamente a outros indivíduos e comunidades. Taguieff (1994, pp. 96-106) descreveu esta transformação no seio da extrema-direita, que passou do “racismo biológico” (baseado na desigualdade e hierarquia das raças) para uma nova forma de racismo “diferencialista”, em que a exclusão assenta nas diferenças culturais. Este novo racismo cultural defende o direito à diferença dentro do qual as distintas culturas, encaradas como totalidades incomensuráveis, precisam de ser preservadas e separadas de forma a não se corromper a “autenticidade” e “integridade” de cada uma. Este ponto de vista encara os grupos culturalmente distintos como estrangeiros, cuja absorção atribui à sociedade predominante uma tarefa inglória e potencialmente desastrosa. A distinção que Taguieff introduz tem sido amplamente utilizada nos estudos sobre a extrema-direita na Europa e fora dela (Hainsworth, 2000; Johnson, Patten e Betz, 2005). De forma semelhante, Stolcke (1999, p. 30) acrescentou a noção de “fundamentalismo cultural” ao debate sobre grupos racistas e anti-imigrantes. Esta forma the exclusão baseia-se na assunção de que as culturas são incomensuráveis, com a ressalva de que, por contraste com as teorias racistas, o fundamentalismo cultural “tem uma certa abertura que deixa espaço a que os imigrantes que assim o desejam possam viver no nosso seio, e assimilarem a nossa cultura” (Betz e Meret, 2009, pp. 316-319). Gündüz (2010, pp. 40-45) chama-lhe “justificação cultural,” a primazia da cultura como categoria analítica de compreensão dos imigrantes e dos problemas que os afectam.

Contudo, à medida que o século xxi avança, não pode deixar de se observar a revitalização cultural que tem vindo a tomar conta das principais correntes políticas europeias. Apesar da existência anterior de uma ênfase nos aspectos culturais (veja-se, por exemplo, a relutância da Alemanha, durante muitos anos, em conceder cidadania aos gastarbeiter, muitos dos quais são Turcos), esta tem sido a partir da década de 90 particularmente conspícua, tanto ao nível das principais políticas como nos discursos sobre a imigração. Num artigo publicado em 1997, o politólogo Giovanni Sartori chamou a atenção para os desafios que a imigração em massa colocava às comunidades europeias, especialmente as provenientes dos países islâmicos. Numa referência ao perigo que os “culturalmente estranhos” representavam, Sartori (1997, pp. 68-69) escreveu que os “estranhos que não estão dispostos a dar em troca o que recebem, que decidem permanecer ‘estrangeiros’ ao ponto de desafiarem as leis dos países que os acolhem, arriscam-se a ser alvo de medo, rejeição e hostilidade”.

Estes argumentos têm sido reforçados após os ataques terroristas dos extremistas muçulmanos, tanto na América como na Europa. Modelos de integração muçulmana — desde os multiculturais (no Reino Unido e nos Países Baixos) aos centralizados na assimilação (tal como acontece em França) — têm sido postos em causa e reprovados devido à realidade inevitável do aumento crescente de comunidades separadas que não se integram, e que muitas vezes se recusam a fazê-lo, chegando a mostrar-se manifestamente hostis às normas e valores da sociedade mais alargada.

A percepção crescente do perigo que o extremismo islâmico representa para as sociedades civis da Europa criou uma necessidade política de intervenção, em nome da segurança nacional. Assim, dentro deste revivalismo cultural, residem preocupações não só sobre o desaparecimento cultural da Europa, mas também sobre a necessidade premente de fazer face à actividade de células terroristas islâmicas em solo europeu. Este constituiu o ponto de partida para uma vaga de novas políticas em relação aos imigrantes e recém-chegados que emergiu em toda a Europa, e não só exigiu, mas muitas vezes impôs, a obrigatoriedade de “integração” e de aceitação das normas e valores “autóctones” como condição para ingressar ou permanecer no país. Estas políticas estão intimamente associadas a uma tónica mais acentuada na identidade “nacional” e nos valores aos quais os imigrantes têm de demonstrar a sua lealdade. Esta reafirmação apressada da identidade nacional e dos valores liberais não só proveio dos conservadores (Fukuyama, 2006, pp. 12-19), como permeou todo o espectro ideológico. O progressista David Goodhart (2006, p. 13) defende que a esquerda deve abandonar “a falácia que o nacionalismo e o sentimento nacional são apenas e necessariamente forças beligerantes e xenófobas”. Esta questão tem óbvias consequências para os regimes democráticos. Até porque nos países onde existe uma desconexão entre a percepção popular da identidade nacional como hereditária (descendência, nascimento no país, etc.) e políticas governamentais que facilitam a obtenção da nacionalidade, a confiança no sistema político diminui consideravelmente (McLaren, 2011).

Deste modo, é verdade que as políticas de integração cívica adquiriram uma natureza (coerciva) de obrigatoriedade (Joppke, 2007, p. 5). Os Países Baixos iniciaram este processo através da revisão de uma lei de integração já existente, e avisando os recém-chegados de que deviam “conhecer os valores holandeses e acatar as normas do país”. Os imigrantes são actualmente obrigadas a passar um teste de imigração que inclui um DVD que mostra homossexuais e mulheres nuas (Fekete, 2006, p. 4). Esses testes de cidadania, desconhecidos na Europa durante muito tempo, estão a tornar-se norma. Na Dinamarca, o website do Ministério da Integração dá instruções aos potenciais cidadãos para “trabalhar, pagar os impostos, não agredir as crianças, e demonstrar respeito pela igualdade de direitos entre os sexos” (Fekete, 2006, p. 3). O Reino Unido introduziu uma cerimónia de cidadania de tipo americano, e começou a utilizar testes de cidadania. Estas medidas foram precedidas por um debate vigoroso, durante o qual os políticos pertencentes à corrente dominante, tanto da esquerda como da direita, defenderam a necessidade de uma afirmação mais assertiva dos valores nacionais “essenciais”. O antigo ministro da Administração Interna, David Blunkett, jurou “proteger os direitos e deveres de todos os cidadãos e confrontar as práticas e crenças que os limitam, sobretudo as mulheres. A esquerda tem que ser coerente na sua defesa dos valores essenciais, em vez de se recolher num relativismo moral quando o seu compromisso é posto em causa” (Blunkett, 2001). Num editorial, o conservador David Davis, na altura ministro-sombra da Administração Interna, colocava a questão: “será que vamos estabelecer os compromissos necessários para preservar as liberdades, a tolerância, o dar e receber, que caracteriza a sociedade mais aberta, vital e criativa da história? Ou iremos permitir a fragmentação de lealdades, a divisão de comunidades, que corroerão os alicerces dessa mesma sociedade?” (Davis, 2006). Tem havido uma crescente discussão pública sobre práticas que não fazem parte da cultura britânica, como por exemplo os casamentos forçados (particularmente entre primos direitos muçulmanos), e um membro do governo trabalhista lançou o alarme sobre os perigos “genéticos” da endogamia.30

A França, sob iniciativa do então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, adoptou um contrato de integração social obrigatório (com o objectivo de combater a endogamia étnica) para todos os novos imigrantes. Para além disso, antes de se candidatarem a um visto de residência permanente, os imigrantes em França têm de provar que estão bem integrados na sociedade francesa, o que, entre outras coisas, significa que o candidato precisa de agir em conformidade com os princípios da República Francesa (Joppke, 2007, pp. 9-12). Como sinal da mudança dos tempos e do que é agora aceitável propor relativamente às políticas de integração para os imigrantes na Europa, Sarkozy prometeu (e cumpriu), durante a campanha para as presidenciais em 2007, criar um Ministério para a Imigração e Identidade Nacional. Isto fez com que Jean-Marie Le Pen o acusasse de exercer “proxenetismo” nos terrenos da Frente Nacional.31 A primeira lei apresentada pelo novo ministério tinha por alvo os estrangeiros que queriam reunir-se às suas famílias, e introduziu testes para determinar o conhecimento da língua francesa, da história e dos “valores republicanos” dos futuros imigrantes.32E desde o início do seu mandato como presidente que a questão da identidade nacional francesa (ou seja, do que significa “ser francês”) tem estado na primeira linha, nomeadamente através do lançamento de debates públicos sobre o tema por todo o território nacional. Dentro desta evolução não constitui uma surpresa que, em Setembro de 2010, a França se tenha tornado no primeiro país europeu a interditar, de facto, o véu integral em espaços públicos.

Estes exemplos demonstram a mudança clara ocorrida nos últimos anos no discurso e políticas relativos à imigração. A mudança tem sido conduzida pela importância que o Islão, enquanto ameaça para a segurança e valores europeus, tem adquirido junto da opinião pública. Para além disso, o debate sobre os novos modelos de integração de imigrantes está associado a narrativas culturais (um facto que nem sempre é reconhecido pelos dirigentes políticos), e à necessidade de as comunidades cujos costumes culturais se opõem aos da maioria da população autóctone, se adaptarem e ajustarem. Existe uma justificação cultural subjacente que permeia as novas reformas de cidadania e de “contratos de integração” impostos aos recém-chegados. É verdade que a tónica está na integração, e estas novas medidas oficiais revelam, em si mesmas, a crença na possibilidade de integração de imigrantes provenientes de culturas distintas, como é o caso dos muçulmanos. E também é verdade que este optimismo praticamente não se faz sentir nos discursos da extrema-direita, que defendem a impossibilidade dessa integração, e a necessidade de separação. No entanto, a tendência em direcção às justificações culturais como forma de decidir ou determinar um sentido de pertença à comunidade —há muito considerada uma característica da extrema-direita — é clara. Esta evidência leva à questão da maleabilidade do conceito de “extremismo”, variando conforme as circunstâncias e os políticos que estão por detrás dos discursos e das políticas. Assim, o rótulo de “extremismo” depende do mensageiro, e não da mensagem (Burleigh, 2007, p. 479).

Existem, contudo, diferenças. Enquanto os discursos mainstream sobre a imigração muçulmana tendem a ser subtis em termos do diagnóstico e das proposta de solução, a posição da extrema-direita caracteriza-se pela adopção de um cenário do “uma-coisa-ou-outra” (assimilação ou expulsão) e pelo tom apocalíptico (o advento da “Eurábia”, a extinção dos povos europeus, etc.). Pode igualmente defender-se que a extrema-direita, ao promover os valores ocidentais e democráticos como forma de oposição ao Islão, está acima de tudo a lutar pela legitimidade, ao vacinar-se a si própria contra acusações de racismo e de xenofobia, ao mesmo tempo que persegue o seu sonho máximo de homogeneidade étnica (Betz, 2007, pp. 46-51).

A extensão e o grau de influência que a extrema-direita exerceu, especialmente após o 11 de Setembro, sobre o establishement (inserindo as suas posições no seio das correntes dominantes), ao mesmo tempo que foi influenciada por um ambiente anti muçulmano favorável (levando-a a cooptar temas), merece certamente uma investigação qualitativa e quantitativa mais aprofundada.

O “espírito da decadência” desloca-se para o centro?

Contudo, há uma outra questão sobre a qual é importante reflectir. Uma das forças motrizes da ideologia da extrema-direita é a ideia de declínio, seja da nação, ou, cada vez mais, da Europa. Num contexto em que existe a percepção de que os sinais irreversíveis da “decadência” estão por todo o lado, os líderes de extrema-direita retratam os seus grupos como os “últimos defensores” das suas comunidades perseguidas, cuja identidade cultural, autenticidade, e independência se encontram ameaçadas pelas forças nacionais e globais. O “desaparecimento” ou “morte” da comunidade é, nestes discursos, uma possibilidade real que se agiganta num horizonte próximo. O patriarca da extrema-direita europeia, Jean-Marie Le Pen, avisou repetidamente que a França e a Europa, devido à imigração massiva e à queda demográfica, estão a viver como que no arame. A sua filha Marine Le Pen33 defende que “a continuarmos assim, a Europa deixará de ser a Europa [mas] tornar-se-á uma República islâmica”, acrescentando que “estamos num ponto de viragem, e se não protegermos a nossa civilização, ela desaparecerá”. Para o líder do Partido Nacional Britânico, o que está em causa é a sobrevivência da Europa, por causa da “imigração massiva ininterrupta e da elevada taxa de nascimento dos muçulmanos, aliada à nossa taxa suicidamente baixa” (Griffin, 2005b).

Especialmente desde a última década, esta ideia de decadência, outrora encarada como sendo periférica e marginal, deslocou-se para o centro e é cada vez mais adoptada pelas vozes conservadoras do mainstream. Tanto autores reputados, como muitos comentadores dos dois lados do Atlântico têm, nos últimos anos, redigido o guião dos últimos dias da Europa, segundo o qual, devido ao colapso demográfico, políticas multiculturais auto-destrutivas e imigração desregrada, proveniente sobretudo de países muçulmanos, a Europa atravessará mudanças drásticas que a transformarão para sempre. Em 2007, o historiador Bernard Lewis34 defende que devido à desistência da Europa na batalha pelo controlo cultural e religioso, a única questão que permanece relativamente ao futuro da Europa é se teremos uma Europa islamizada, ou um Islão europeizado. Walter Laqueur (2007, p. 19) escreveu o “epitáfio por um velho continente”, defendendo que devido à imigração descontrolada, às políticas multiculturais mal orientadas, que produziram sociedades paralelas, agravadas pela auto-imposta guetorização dos imigrantes muçulmanos e por um severo problema demográfico, a Europa se apercebeu “tardiamente de que o continente enfrentava problemas enormes que ainda não tinha conseguido resolver, e que a questão não era mais a emergência ou não de um super-poder dominante, mas sim a sua sobrevivência”.

O tema da decadência europeia encontra-se igualmente presente na obra de Niall Ferguson (2006), que defende que o Islão, por razões demográficas, tem uma vantagem a longo prazo relativamente à Europa (e ao Ocidente), pois uma “sociedade jovem ao Sul e a Leste do Mediterrâneo está a colonizar silenciosamente, no sentido original do termo, um continente envelhecido e secularizado que lhe fica a Norte e a Ocidente”. O “Ocidente está em decadência […] já deu o que tinha a dar, está velho e esclerótico,” referiu o escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte35, acrescentando que o Islão vai “ganhar a guerra e merece ganhá-la”. De forma significativa, a obra de Edward Gibbon sobre a História do Declínio e Queda do Império Romano (1776) é frequentemente citada como um aviso agoirento sobre o “declínio e queda” em curso da Europa e do Ocidente (v. Steyn, 2006, p. 123).

Já outras vozes conservadoras, envolvidas no debate público, são mais dramáticas e prevêem um futuro de guerra para a Europa, com violência generalizada provocada por uma “reacção autóctone” contra os muçulmanos. “É difícil imaginar outro cenário futuro para a Europa, que não a sua islamização ou uma guerra civil”, segundo um comentador (Prager, 2006). Steyn pensa que um cenário futuro de guerra na Europa é provável, como resultado do “declínio e distúrbios civis que estes factores económicos e demográficos trarão: assim como [trarão] a conquista — a recolonização da Europa por parte do Islão” (Steyn, 2006, pp. 108-109), enquanto o colunista Ralph Peters36 avisou que “longe de gostarem da ideia de conquistarem a Europa pelo número de filhos que têm, os muçulmanos da Europa vivem na corda bamba […] não tenho qualquer dificuldade em imaginar um cenário de navios americanos ancorados, com marines dos EUA a desembarcar em Brest, Bremerhaven ou Bari para garantirem a evacuação segura dos muçulmanos da Europa”.

Este cenário sombrio para os muçulmanos na Europa é partilhado por vozes à esquerda, como a revista New Statesman37, que publicou uma história de primeira página sobre “O próximo holocausto” (dos muçulmanos na Europa), em que colocava a pergunta retórica “os novos pogroms estão no horizonte?”. Estas profecias, contudo, ainda são contrabalançadas na esfera pública por aqueles que vêm na Europa um paraíso mais do que um inferno (Rifkin, 2006; Leonard, 2006).

A “louvável” e “respeitável” adopção por parte da extrema-direita de assuntos que reúnem um consenso relativamente alargado na Europa (a emancipação das mulheres, por exemplo), assim como a “viragem cultural” nas políticas de integração, corroboram a hipótese da cada vez maior indefinição das fronteiras entre os discursos classificados como razoáveis e extremistas. E o assunto fica ainda mais nebuloso porque a extrema-direita usa o Cristianismo como escudo ideológico, e muitas vozes conservadoras disseminam igualmente o tema catastrófico do “declínio e queda” das nações europeias sob a dupla pressão da imigração e da demografia.

 

Conclusão

Tentando prever o futuro, Peter Jay e Michael Stewart (1987) descreveram um cenário pós-milénio no qual, num contexto de colapso económico, um partido pan-europeu, o Europe First Movement, conseguiu superar as divisões entre partidos nacionalistas, tomou o poder e lançou-se numa missão de tornar a Europa livre de “influências estrangeiras”. Apesar de nesta previsão o tema do Islão estar ausente, existem tendências na Europa que, se não confirmam propriamente o “apocalipse” descrito pelos autores, dão credibilidade a um eventual cenário no qual movimentos extremistas pan-europeus, alegando serem a última esperança de uma civilização em declínio, podem consolidar-se. E a realidade é que, pela Europa fora, estamos a testemunhar em diferentes partidos da extrema-direita o crescimento de dinâmicas pós-nacionais, o fortalecimento de uma identidade cristã, a rejeição de passados anti-semitas, e a crescente respeitabilidade de algumas das suas posições no debate público sobre o papel do Islão na Europa (Betz e Meret, 2009; Gündüz, 2010). Estes novos tempos e novos ventos trazem, desta maneira, novos desafios não só para a literatura sobre a extrema-direita contemporânea, como para futuras reflexões sobre o papel e o significado de sociedades liberais e democráticas no século XXI.

 

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Recebido a 09-10-2010. Aceite para publicação a 16-8-2011.

 

Notas

1 V. http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:1997:151:0001: 0007:EN:PDF>,[consultado em 13-1-2011].

2 Identité, 6, Março-Abril de 1990.

3 La Padania, 25-3-2007.

4 La Padania, 19-9-2006.

5BNP, 27-3-2007 e BNP, 30-3-2007.

6 BNP, 4-7-2006.

7 BNP, 2-11-2006.

8 V. http://christiancouncilofbritain.co.uk/

9 The Voice of Freedom, 2008.

10 The Daily Telegraph, 16-1-2007.

11 Entrevista por e-mail concedida ao autor em Novembro de 2006.

12 BNP, 28-07-2006.

13Le Monde, 3-3-2006.

14 Cit. The Jerusalem Report, 10-1-2005.

15 Le Monde, 3-3-2006.

16Entrevista por e-mail concedida ao autor em Novembro de 2006.

17 id.

18 BNP, 18-9-2006.

19 La Padania, 8-7-2005.

20 La Padania, 19-9-2006.

21Entrevista por e-mail concedida ao autor em Outubro de 2006.

22 Entrevista por e-mail concedida ao autor em Outubro de 2006.

23 La Padania, 1-3-2005.

24 Entrevista por e-mail concedida ao autor em Outubro de 2006.

25 La Padania, 19-9-2006.

26 The Daily Telegraph, 29-11-2006.

27 BNP, 5-2-2007.

28 La Repubblica, 10-9-2005.

29 BNP, 21-9-2006 e BNP, 13-10-2006.

30The Daily Telegraph, 17-2-2008.

31 Le Figaro, 10-3-2007.

32 Le Figaro, 12-6-2007.

33 International Herald Tribune, 15-1-2008.

34 The Jerusalem Post, 29-1-2011.

35 Entrevista in Tabu, 29-11-2008, pp. 64-68.

36 New York Post, 26-11-2006.

37 New Statesman, 5-12-2005.

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