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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.197 Lisboa  2010

 

Carlos Fortuna, Rogério Proença Leite (orgs.), Plural de Cidade: novos léxicos urbanos, Coimbra, Ed. Almedina, 2009, 344 páginas.

 

Roselane Gomes Bezerra

CES, Universidade de Coimbra

 

O que diferencia a cidade desejada da imaginada e da vivida? Este é o desafio sociológico que permeia o livro Plural de Cidade: Novos Léxicos Urbanos, organizado pelos professores Carlos Fortuna, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, e Rogério Proença Leite, da Universidade Federal de Sergipe. No conjunto dos seus diversos artigos, esta obra apresenta uma coesão lógica a partir das reflexões e inspirações de autores brasileiros e portugueses integrantes da Rede Brasil-Portugal de Estudos Urbanos. Este grupo de pesquisa, com uma ampla experiência na temática da cidade e especialista no estudo comparativo entre cidades brasileiras e portuguesas, foi capaz de apresentar uma actualização dos estudos da urbe por meio da reflexão crítica dos novos léxicos que fazem as cidades.

Partindo da afirmação de que existem cidades dentro da cidade, o Plural de Cidade não é somente uma junção de diferentes cidades, mas também uma obra que reflecte sobre as acções políticas, de direitos e de práticas sociais desiguais no meio urbano. O diferencial deste livro incide na qualidade crítica dos autores, atentos à construção de abordagens culturais originais e de novos léxicos que dêem conta das interfaces que as diferentes práticas culturais apresentam hoje. Percorrendo um fio condutor comum, que incorre na confirmação da premissa simmeliana da “predominância de um ethos metropolitano na vida humana”, o livro é composto por três secções, nas quais se analisam, respectivamente, as artes de fazer, de usar e de consumir a cida de.

Na primeira parte, António Arantes, Silvana Rubino, Paulo Peixoto, Heitor Frúgoli Jr., Sérgio Braga e Carlos Fortuna animam uma discussão a respeito das artes de fazer a cidade. Com base em estudos empíricos e amplas reflexões teóricas, eles desenvolvem críticas a respeito da utilização de léxicos adoptados nos debates sobre a cidade sem um adequado debate conceptual. Essa questão é abordada pelo primeiro autor (A. Arantes) ao discorrer acerca da expressão “património cultural”, enfatizando que ela designa representações que, elas próprias, requerem explicações. Seguidamente, S. Rubino faz uma exegese do termo gentrification, explicando a sua opção em denominar essa prática no Brasil como “enobrecimento urbano”, e demonstra como essa palavra deixou de ter um significado descritivo para se tornar uma categoria analítica. P. Peixoto, por sua vez, analisa os vocábulos “requalificação e reabilitação urbanas”. Apoiando-se numa abordagem sociológica, este autor enfatiza a idealização de práticas sociais nos espaços requalificados e do hiato entre a cidade projectada e a cidade vivida. Já H. Frúgoli faz uma análise das interpretações multidisciplinares das cidades, especialmente no campo das ciências sociais, e apresenta os principais temas, objectos e métodos que vêm sendo utilizados nos estudos da urbe.

Ainda no que diz respeito à apreciação dos léxicos que envolvem as formas de “fazer a cidade”, S. Braga parte da ideia de fronteiras nacionais e segmentos sociais para falar de culturas populares na cidade. O autor destaca a importância da descrição etnográfica e discorre sobre os desafios urbanos presentes nas análises desse fenómeno, que vem sendo estudado no Brasil na perspectiva de um tempo, lugar e restituição das “ausências” dos segmentos populares. No último capítulo desta secção, C. Fortuna indaga-se sobre o paradoxo entre a predominância do urbano no mundo actual e o “fim” anunciado da cidade. Essa ambivalência no modo de pensar a cidade decorre das transformações nas formas urbanas e também das “expressões culturais” que a cidade comporta actualmente sem explicações nos quadros teórico-analíticos. Partindo dessa constatação, o autor afirma que uma tal dicotomia dificulta as reflexões da urbe na sua globalidade e apresenta alguns instrumentos analíticos e conceptuais que estão a contribuir para novas construções teóricas da cidade.

Na segunda parte, “Artes de usar a cidade”, os autores (José Magnani, Lúcia Bógus, Cristina Meneguello, Luciana Mendonça, Fraya Frehse, João Teixeira Lopes e Rogério Proença Leite) abordam a questão dos diferentes usos do espaço urbano. Nesta secção, o leitor encontra uma cuidadosa reflexão a respeito da utilização do método etnográfico desenvolvida por J. Magnani, especialmente quanto à questão da etnografia no contexto urbano. L. Bógus centraliza a sua intervenção no tema da segregação sócio-espacial e apresenta os diferentes pressupostos teóricos das reflexões acerca deste tema nos últimos cem anos. A autora fala também das investigações recentes que analisam a segregação residencial à luz dos impactos da globalização sobre as cidades. C. Meneguello aborda a relação entre espaços e vazios urbanos; enuncia alguns exemplos e o léxico que define esse fenómeno em diferentes países; e apoia-se na relação memória-esquecimento para questionar os sentidos desses espaços nas cidades.

Partindo do desafio de relacionar sonoridades e cidade como forma de entendimento das dinâmicas urbanas, L. Mendonça reflecte sobre o lugar da escuta no estudo das cidades; tece considerações sobre a noção de “paisagem sonora”; e discute a condição do pesquisador-ouvinte no contexto urbano actual. A referida autora fundamenta essas reflexões a partir de um levantamento teórico e da observação de cidades que são exemplares para exploração das sonoridades e da audição. F. Frehse centra-se nos significados de “usos da rua” nos estudos urbanos, questionando o sentido da referência a “usos” de entre as várias relações possíveis dos indivíduos com o lugar público. Nas suas palavras, “o uso de ‘usos’ não é gratuito” e essa expressão aparece nas investigações, ora com um sentido descritivo, ora interpretativo. Teixeira Lopes discute a questão das políticas culturais urbanas e das classificações dos espaços públicos. Por meio de um levantamento teórico, o autor apresenta alguns princípios norteadores de uma política cultural pública, em contraposição às políticas carismáticas e às de simples democratização cultural. Para finalizar esta secção, Proença Leite discorre sobre o tema dos espaços públicos na pós-modernidade, chamando a atenção para o carácter restritivo das classificações em torno da categoria “espaço público”. Discute também a ideia da suposta morte desse espaço e sugere a adjectivação “intersticial” para pensar a noção de “espaço público” em relação à construção social do espaço e à espacialização das acções sociais.

Na terceira parte, I. Barreira, E. Vicente, C. Gagliardi, M. E. Rodrigues, U. Rafael, A. R. Montecón e C. Ferreira discutem as “Artes de consumir a cidade”. Conforme o título sugere apresentam-se nesta parte ensaios que reflectem sobre diferentes formas de apropriação da urbe. Como é uma constante na obra, ao longo desta secção o leitor também é levado a reflectir sobre os novos léxicos para os estudos urbanos, seja por meio da análise de guias turísticos, seja pelo estudo de políticas patrimoniais ou ainda de investigações na área do turismo, migrações ou meio ambiente.

Assim, Irlys Barreira apresenta roteiros turísticos como narrativas que revelam modos de afirmação da imagem de uma cidade. A partir do exame de alguns guias da cidade de Lisboa escritos em diferentes momentos históricos, a autora discute temas como cultura, representação e conflito simbólico. Eva Vicente fala da evolução do conceito e do sector do “património”. Para ela, a relevância social e económica das políticas patrimoniais tornou-se um instrumento de grande utilidade nos planos dos governos. Clarissa Gagliardi centra a sua intervenção na questão das práticas históricas do turismo para reflectir sobre turismo, cidade e património cultural. Maria Eugenia Rodrigues aborda o tema do ambiente, sustentabilidade e cidade, defendendo que as cidades não só estão na natureza, como também influenciam determinantemente o ambiente. O objectivo deste ensaio foi mapear algumas dimensões da construção do que se tem vindo a designar por sustentabilidade urbana. Baseando-se na leitura de autores que têm vindo a contribuir para a temática da “sociologia das cidades”, Ulisses Rafael desenvolve um levantamento sociológico do processo de urbanização, enfatizando os factores de atracção das cidades, especialmente para as populações migrantes.

Os dois últimos capítulos são dedicados à temática dos consumos culturais. Para Ana Rosa Mantecón, a questão do encontro entre os públicos e os bens culturais apresenta-se às ciências sociais como um desafio teórico e metodológico. A autora desenvolve uma reflexão acerca das noções de “consumo, campo, bens e serviços culturais” e da categoria de público. Já Claudino Ferreira discorre acerca da crescente importância da cultura para as políticas urbanas e do facto de se estar a dar uma maior atenção ao papel dos intermediários culturais. Discute as noções de intermediação e de intermediário cultural, de forma a classificar a ambiguidade conceptual e analítica com que essas categorias têm sido utilizadas no debate sociológico. E desenvolve uma análise crítica de algumas dimensões centrais do papel cultural, político e social dos intermediários culturais.

Para finalizar, enfatizo que a multiplicidade de temas abordados no Plural de Cidade faz desta publicação uma obra elucidativa para o entendimento do estudo dos novos léxicos urbanos. A experiência e internacionalização dos autores contribuíram para essa percepção “das cidades que existem dentro da cidade” e para tornar o livro actual no panorama dos estudos da sociologia urbana. Por meio de diversos caminhos teóricos e metodológicos, estes estudiosos foram capazes de sintetizar a complexidade da problemática das práticas urbanas contemporâneas nas suas dimensões culturais, políticas, económicas e sociais.

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