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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.195 Lisboa  2010

 

Edward J. Hackett, Olga Amesterdamska, Michael Lynch e Judy Wajcman (eds.), The Handbook of Science and Technology Studies, Cambridge (MA), MIT Press, 2008, 1065 páginas.

 

Ana Delicado

ICS, Universidade de Lisboa

 

Os estudos sociais da ciência e tecnologia (ESCT) são uma área científica com crescente visibilidade e relevância que, ao longo das últimas décadas, tem atingido um acentuado grau de institucionalização através da publicação de monografias e periódicos específicos, da constituição de associações, da organização de reuniões científicas, da criação de centros de investigação e departamentos universitários e da oferta de programas de pós-gradução. Na confluência das ciências naturais e sociais e de várias disciplinas das ciências sociais, estes estudos dispõem de um leque alargado e diverso de objectos de estudo e enfoques temáticos.

A presente obra é exemplo disso mesmo. Editada pela 4S — Society for the Social Studies of Science, uma das mais importantes associações da área que publica a revista Science Technology and Human Values e organiza reuniões quadrienais (em conjunto com a EASST — European Association for Studies of Science and Technology), esta colectânea constitui a 3.ª edição do Handbook. A 1.ª edição data dos anos 70 [Spiegel-Rösing, Price, Solla (eds.), 1977] e marca os primórdios do desenvolvimento desta área; a segunda, editada em 1995 [Jasanoff, Markle, Peterson e Pinch (eds.)], reuniu já quase três dezenas de artigos, alguns dos quais de referência, amplamente citados e debatidos, como “Boundaries of science”, de T. Gieryn, “Laboratory studies: the cultural approach to the study of science”, de K. Knorr-Cetina, “Public understanding of science”, de B. Wynne, ou “Science controversies: the dynamics of public disputes in the United States”, de D. Nelkin.

Os textos publicados nesta edição (38 artigos de 76 autores) dão conta dos mais recentes desenvolvimentos teóricos e empíricos dos ESCT, ao mesmo tempo que revelam o avultado crescimento da pesquisa nesta área. Fiel aos procedimentos “democráticos” do campo científico, a colectânea resulta de um call for papers alargado e de artigos solicitados pelos editores sobre temáticas específicas não contempladas nas propostas recebidas. Assim, nas páginas deste livro coexistem autores consagrados dos ESCT, como B. Latour, H. Collins, S. Wyatt, S. Shapin ou S. Yearley, estudantes de pós-graduação e jovens investigadores.

A origem institucional dos autores é, porém, reveladora de algumas das assimetrias dos ESCT e do “sistema mundial de ciência”. Mais de metade deles estão associados a instituições americanas, acima de uma dezena a instituições britânicas e quase duas dezenas a instituições de outros países europeus (com destaque para a Holanda), não existindo, contudo, qualquer artigo proveniente de Portugal ou Espanha. Neste contexto, são somente três os autores provenientes de países “periféricos” (Colômbia, Índia e Tailândia), ainda que todos com passagens pelas universidades do “centro”. Se bem que a universalidade da ciência se sobreponha a considerações nacionais, tal distribuição não deixa de reflectir o papel central dos Estados Unidos na produção científica e a preponderância da língua inglesa. Até que ponto esta distribuição representa a efectiva estruturação geográfica do campo dos ESCT (e não apenas do seu “centro”) é uma questão que se coloca.

A maioria destes ensaios são essencialmente revisões da literatura existente sobre determinada temática (review articles), em alguns casos em diálogo com artigos das edições anteriores, sintetizando as principais referências teóricas e o conhecimento produzido em múltiplos estudos empíricos, propondo enquadramentos interpretativos dos fenómenos ou agendas de investigação futura.

Os artigos encontram-se organizados em cinco partes distintas, precedidas de curtos textos introdutórios. A primeira parte, intitulada “Ideas and perspectives”, reúne textos de natureza essencialmente teórica. Para além de artigos relativos à história e epistemologia dos ESCT, contém outros que versam sobre algumas das correntes teóricas que neles influem, tais como a teoria política, a teoria social feminista, o enquadramento teórico-metodológico dos “mundos sociais”, o determinismo tecnológico, a sociologia do conhecimento e os estudos pós-coloniais.

A segunda parte, intitulada “Practices, people and places”, tem um cariz fortemente metodológico e empírico. Por um lado, concentra-se na temática da ciência como prática, que é uma das principais linhas genealógicas dos ESCT, a qual corresponde aos estudos de natureza local, focados na observação das actividades e da interacção dos cientistas com outros actores humanos e não humanos. Neste sentido, podem-se encontrar artigos sobre a comunicação entre pares e a retórica científica, o contributo das ciências cognitivas para a análise da prática científica, a necessidade de ligação das etnografias de laboratório à “produção de factos científicos”, a construção e utilização de imagens científicas, a utilização da internet no trabalho científico e ainda as culturas epistémicas da “ciência electrónica” (e-science). Outro tema trabalhado nesta parte é a dimensão institucional da ciência, com textos que abordam a distribuição geográfica da ciência e os fluxos de transferência de conhecimento, a reprodução da ciência pela formação dos cientistas e, por fim, a divisão sexual do trabalho científico e a persistência de assimetrias de género na ciência.

A terceira secção, “Politics and publics”, dá conta das relações da ciência com outras duas esferas sociais: as instâncias de decisão política e a sociedade civil. Para além de um primeiro ensaio de natureza mais geral dedicado ao lugar central da ciência no mundo contemporâneo e a autoridade da mesma, são incluídos textos sobre o activismo e a mobilização cívica em matérias técnico-científicas (com destaque para as áreas da saúde e ambiente); os processos de consulta aos cidadãos e os fóruns híbridos (debates entre peritos e leigos); as interacções entre utilizadores e tecnologias; as considerações éticas da ciência e da engenharia; o uso do conhecimento científico pelo poder político.

Designada “Institutions and economics”, a quarta parte do Handbook destaca a relação do sistema científico com outras duas esferas sociais: a economia e o direito. Nestes textos são discutidas questões como a comercialização da ciência, a propriedade intelectual, o financiamento da investigação, as relações entre a universidade e a indústria, a transferência de tecnologia, as políticas de inovação e de capital humano, a relação entre conhecimento e desenvolvimento, as aplicações militares da ciência e ainda a regulação jurídica da actividade científica.

Por fim, a quinta parte, “Emergent technosciences”, é dedicada às áreas “de ponta” da investigação científica em mais rápida mutação e desenvolvimento e que requerem uma atenção mais detalhada por parte dos ESCT. Entre estas consideram-se a genética, a biomedicina, o ambiente, o sistema financeiro, as tecnologias da informação e comunicação e a nanotecnologia.

Acrescente-se, porém, que num leque tão vasto de artigos há pelo menos uma lacuna a apontar, ou seja, a ausência de estudos que tomem as ciências sociais como objecto dos ESCT. Ainda que a reflexão epistemológica e histórica de disciplinas como a sociologia e a antropologia tenha uma ampla tradição, há que estender às ciências sociais o “princípio de simetria”, submetendo-as ao olhar próprio dos estudos sociais da ciência. Neste domínio científico está, em larga medida, por fazer o exame das culturas epistémicas, a realização de etnografias de laboratório, as análises das políticas científicas dirigidas a este sector, a problematização da comunicação da ciência e da relação com o público e a discussão do uso do conhecimento científico sobre o social na concepção de políticas.

Uma palavra final para a escassa visibilidade internacional dos ESCT portugueses. Entre os milhares de estudos citados ao longo deste livro, menos de meia dezena são de autores portugueses. É certo que esta é ainda uma área pequena e recentemente desenvolvida em Portugal, sem o grau de institucionalização já atingido noutros países. Porém, face aos níveis de crescimento assombrosos que a ciência portuguesa registou nas últimas décadas, é de esperar que os ESCT também se expandam e adquiram projecção além fronteiras. Haverá então que esperar por uma 4.ª edição deste Handbook.

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