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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.194 Lisboa  2010

 

Paula Santana (coord.), A Cidade e a Saúde, Coimbra, Almedina, 2007, 254 páginas.

Geógrafos, arquitectos, urbanistas, engenheiros do ambiente e ainda um economista, um pediatra e um artista plástico fornecem contributos para esta obra colectiva, que resulta de um extenso trabalho de investigação interdisciplinar. Numa visão abrangente, este livro oferece pistas preciosas quer para uma reflexão sobre saúde ambiental, desenvolvimento sustentável, bem-estar dos habitantes das zonas urbanas, planeamento urbano e saúde pública, quer para a execução de políticas que, numa visão a longo prazo, apostem na criação de condições urbanísticas que potenciem a saúde dos habitantes, numa gestão ambiental que dá prioridade à sustentabilidade e a “estratégias positivas que permitam um caminho certo e enérgico, livre de qualquer tipo de corrupção e privilégio” (p. 13). Aprazível pela clareza dos textos e pela qualidade das suas ilustrações, a obra divide-se em três partes: “A saúde nas cidades”, “A saúde na Área Metropolitana de Lisboa” e “A saúde na Amadora”.

A primeira oferece tópicos de reflexão sobre os conceitos de cidade, de saúde e de urbanização. José Manuel Simões descreve o movimento das cidades saudáveis, iniciado em 1988 sob o impulso da Organização Mundial da Saúde e da Comissão Europeia. Por sua vez, Manuel da Costa-Lobo mostra claramente como a saúde representa um tema de engenharia e popõe um planeamento urbanístico multidisciplinar acompanhado por “profissionais-ponte” (p. 49) de diversos domínios. Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus defendem, com justeza, a utilização de instrumentos de avaliação de impacte ambiental (AIE) e de avaliação ambiental estratégica (AAE) que devem integrar a análise de factores ligados à saúde e ter em conta não só os aspectos da saúde relacionados com o indivíduo, mas também os determinantes sociais, ambientais e institucionais, numa visão holística, orientada por um conceito de saúde que não ignora as dimensões sociais e psicológicas e por uma apreciação pró-activa dos problemas associados aos riscos para a saúde. Arlindo Philippi Jr. e Tadeu Fabrício Malheiros, por seu lado, abordam a questão da gestão ambiental na governação política e descrevem estratégias para integrar a qualidade ambiental urbana e o desenvolvimento humano nas políticas locais e globais. Por fim, Javier de Mesones diz-nos como deveria ser a “cidade do futuro”: uma cidade «na qual devem ser desenvolvidas acções e estratégias positivas» de forma pró-activa e racional.

Na segunda parte, Maria João Alcoforado e Henrique Andrade, considerando que “os problemas do ambiente e da sustentabilidade urbana têm de ser equacionados no contexto das mudanças globais, climáticas e não só” (p. 100), debruçam-se sobre o clima e a saúde na cidade, demonstrando, através de um estudo de caso, a importância da inclusão de aspectos climáticos no ordenamento do território. Acerca da sustentabilidade física e social dos espaços urbanos, Helena Nogueira, Paula Santana e Rita Santos lembram-nos que as orientações políticas determinam a emergência de “territórios de oportunidade para a saúde” que se opõem aos “territórios de vulnerabilidade e risco” (p. 119). Porque “os lugares são diferentes e criam diferenças na saúde das populações” (p. 97), Helena Nogueira, baseando-se nos conceitos de territórios de privação sociomaterial e de segregação e exclusão socioterritorial, procura avaliar os níveis de privação sociomaterial. Paula Santana, Helena Nogueira e Rita Santos abordam ainda um outro tema de grande actualidade — o da obesidade —, realçando o papel do ambiente neste problema de saúde que afecta as populações dos países mais ricos e mostrando que os “ambientes obesogénicos” (p. 143) proporcionam desequilíbrios vários. A rematar esta parte, que põe em foco a Área Metropolitana de Lisboa, um artigo sobre “Privação sociomaterial e saúde na área Metropolitana de Lisboa” (p. 155), no qual a autora, Helena Nogueira, procura especificar a relação existente entre a mortalidade, a morbilidade, a privação sociomaterial, a evolução demográfica e as migrações.

A terceira parte, centrada na Amadora, destaca a influência das características da área de residência no estado de saúde (física, mental, emocional, social) da população e na sua qualidade de vida. Assim, por exemplo, as áreas urbanas com maior densidade e poucos espaços verdes são as que apresentam valores de desconforto mais elevados. Por sua vez, o desconforto propicia comportamentos de risco, aumento da criminalidade e insegurança. A partir destas constatações, os autores apresentam estratégias para um planeamento urbano que promova a segurança e a qualidade de vida e contribua para o desenvolvimento sustentável.

A Cidade e a Saúde reflecte sobre a saúde da cidade e a saúde na cidade, propondo soluções para uma cidade com melhor saúde. A cidade não se resume a um espaço físico. É um espaço de vivência que compreende indivíduos com os seus quotidianos, rotinas e relacionamentos. É um organismo vivo. É, simultaneamente, refúgio e ameaça. Une e discrimina. Protege e agride.

A ligação entre os problemas de saúde e o ambiente humano construído já foi largamente demonstrada. Vários estudos científicos evidenciaram a ligação intrínseca entre a organização da cidade e a qualidade de vida dos seus habitantes. O planeamento da cidade e a engenharia urbana têm uma forte relação com a saúde das populações, pois oferecem aos cidadãos as condições para enfrentar os perigos que comprometem a saúde pública e para potencializar estrategicamente os recursos ambientais necessários ao bem-estar e à saúde de todos. Um urbanismo favorável à saúde visa melhorar ao mesmo tempo a qualidade do ambiente construído e a qualidade de vida dos indivíduos. Assenta na ideia de que a cidade vai além das construções, ruas e espaços públicos. É um organismo que vive, que respira, e o seu estado de saúde está estreitamente ligado ao dos seus habitantes.

Os sistemas de urbanismo na Europa atribuíram uma importância crescente ao ambiente construído, assente numa concepção estreita de cidade que privilegia o rendimento financeiro a curto prazo em detrimento da qualidade de vida dos habitantes. Mas será que num meio ambiente, numa cidade e com uma população sem saúde se poderá criar uma economia em boa saúde? A saúde constitui antes um estímulo importante para a produtividade económica. Um urbanismo que não favorece a saúde contribui para o aumento das despesas com esta, com os serviços de polícia e com os serviços sociais. Os urbanistas, pela sua acção, influenciam os ambientes sociais, físicos e económicos, bem como a maneira como as cidades funcionam. Por esta razão eles desempenham um papel fundamental na saúde das cidades, garantindo condições de vida que contribuem para a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida dos seus habitantes. Daí que os autores desta obra argumentem solidamente que as questões de saúde, bem-estar e qualidade de vida devem imperativamente ser encaradas nas políticas de urbanismo a fim de resolver muitos dos problemas com os quais são confrontadas as cidades hoje em dia. E que exponham os princípios, os procedimentos, as políticas e as práticas de um urbanismo em prol da saúde. Os temas abordados constituem, portanto, elementos importantes para o desenvolvimento de um urbanismo favorável à saúde.

No universo urbano português, a qualidade de vida tem mais a ver com a procura do que com a oferta, ou seja, o bem-estar depende mais do nível social, económico e cultural de cada indivíduo do que das características de cada cidade e da qualidade da sua oferta pública. Dar conta das questões de saúde na avaliação de impactes ambientais, no respeito pela democracia, pela equidade e pelo desenvolvimento sustentável é, pois, um desafio urgente tanto para os profissionais do ambiente quanto para as autoridades de saúde, os urbanistas, os promotores privados e os decisores políticos. Por isso, “o planeamento deve ser considerado em várias escalas e resulta dos diferentes decisores, desde o nível individual até ao governamental” (p. 107).

Os processos de planeamento territorial e a construção da sustentabilidade estão directamente relacionados com o grau de compromisso dos governos, dos sectores empresariais e da sociedade civil. “A organização destes atores em formato de parceria cria condições de sinergismo para que se alcancem resultados palpáveis e duradouros” (p. 78). É, pois, necessário possibilitar interacções entre ambiente, economia e sociedade, comunicação e concertação entre os vários parceiros implicados na construção da cidade, e desenvolver sinergias no sentido de um desenvolvimento mais justo e duradouro. O desenvolvimento humano não é possível sem qualidade ambiental. “A saúde está dependente de um conjunto de factores ambientais que têm um papel fulcral na emergência de oportunidades para a saúde, ou, em oposição, de vulnerabilidades e risco” (p. 97).

Numa época em que tanto se fala de aquecimento global, de problemas de saúde pública, de desenvolvimento sustentável, de segurança e de “cidades saudáveis”, esta obra não só dá conta dos conceitos em jogo, contextualiza os factos e analisa as situações, como também propõe soluções, orientações estratégicas, pistas de reflexão e de actuação para responder aos desafios que colocam as cidades, a urbanização crescente e as suas consequências. Trata-se, portanto, de uma obra actual, útil e de leitura obrigatória para actores da sociedade (da acção social à ciência, do activista ao empreiteiro), decisores políticos e não só.

 

Marta Maia

CRIA-ISCTE

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