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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.193 Lisboa out. 2009

 

Luísa Oliveira, Sociologia da Inovação — A Construção Social das Técnicas e dos Mercados, Oeiras, Celta Editora, 2008, 177 páginas

 

Hugo Pinto

Centro de Estudos Sociais — Universidade de Coimbra

 

A inovação, tradicionalmente estudada pela economia enquanto fenómeno complexo e multidimensional, confronta-se com a necessidade de uma abordagem que ultrapasse limitações disciplinares onde a sociologia poderá ter um contributo relevante. Este é o ponto de partida de Luísa Oliveira (ISCTE e CIES) em Sociologia da Inovação — A Construção Social das Técnicas e dos Mercados. 

No primeiro capítulo, “Para uma definição de inovação: a trajectória de um conceito”, procura-se encontrar um conceito útil de inovação para uma abordagem sociológica que possa ser operacionalizada de forma robusta no estudo de casos concretos. Schumpeter continua a ser, neste quadro, uma referência fundamental, ao mostrar que a inovação está menos associada a novos saberes e a avanços científicos do que à criatividade e à iniciativa. O carácter distinto da inovação não depende da qualidade do artefacto em si, mas de um conjunto de atributos que lhe são conferidos pelo exterior, nos quais o critério da rendibilidade económica é uma componente intrínseca (p.21). No quadro de um sistema de inovação, as fronteiras conceptuais são difíceis de definir porque se baseiam numa negociação permanente entre actores – daí a emergência de noções híbridas, como tecnociência. A utilização das patentes enquanto indicadores de inovação deverá ser efectuada com especial cautela, uma vez que nem todas as invenções se concretizam em patentes e nem todas as patentes estão na base de inovações. O patenteamento depende das lógicas institucionais de cada país, o que origina a grande diversidade de sistemas de inovação na Europa e condiciona fortemente a competitividade dos territórios.

O segundo capítulo, “Um sociólogo no mundo da economia: leituras, perplexidades e interrogações”, tenta, a partir de teorias económicas estabilizadas, encontrar ligações à sociologia para o estudo da inovação. Para esse fim, o regresso a Schumpeter é importante para compreender que existem actores sociais da inovação, recuperando a noção do «empresário-empreendedor». A relevância que a ciência tem é sublinhada pelos primeiros modelos explicativos da inovação, nos quais esta é entendida como um processo linear puxado pela ciência. Posteriormente, estas visões têm sido alargadas a modelos como o chain-linked ou o modelo de turbilhão, que acrescentam novas dinâmicas, mas também novos actores à análise. A autora mostra como a aprendizagem tem um lugar central na inovação, criando um impasse teórico, já que a economia, ao colocar o conhecimento como aspecto central, ignora largamente o papel do «sujeito que conhece». Esta insuficiência explicita o contributo que a sociologia poderá ter no estudo da inovação: perceber quem são esses actores sociais no contexto actual.

“A teoria do actor-rede como metáfora da inovação” (capítulo 3) é essencial para abordar sociologicamente a inovação. A grande novidade da TAR é permitir perceber que uma inovação se concretiza apenas com o envolvimento de um leque alargado de actores que transpõem os seus interesses para chegarem a objectivos partilhados e a benefícios comuns. A transferência de conhecimento assume-se, deste modo, como um complexo processo social de tradução de interesses e de saberes. As redes são constituídas por colectivos de elementos humanos e não humanos. Apesar de a TAR atribuir o mesmo valor ontológico a estes dois tipos de actores, Luísa Oliveira entende que procurar compreender a realidade apenas com recurso à análise da acção humana é redutor, mas que também é difícil aplicar o conceito de simetria (p. 76), uma vez que existem grandes dificuldades em atribuir a acção a elementos não humanos (non-human agency).

No capítulo 4, “Para uma sociologia da inovação”, tenta-se estruturar os alicerces para uma teoria sociológica da inovação que, por um lado, compatibilize elementos das perspectivas económicas, recuperando o papel do empresário schumpeteriano (o fazedor de redes na TAR) e elevando os indivíduos à categoria de actores, e, por outro, entenda que o sucesso da inovação está subordinado, quer à tradução dos interesses dos actores na construção do novo artefacto técnico-científico, quer aos mercados. O espaço de inovação é, neste contexto, uma noção central distinta de outras, como os sistemas nacionais de inovação, porque aponta directamente para o espaço profissional e de aprendizagem que é construído pela interacção entre os actores, uma construção social dependente das organizações e das instituições (p. 89). Esta construção é socialmente condicionada e não resulta apenas do conhecimento científico e técnico ligado às ciências duras, mas inclui também aquelas que se associam à construção de mercados e estruturação das redes. A adaptação da TAR surge, assim, como um método interessante para obter informação adicional sobre a inovação com vista a aumentar a inteligibilidade do fenómeno em estudo. Esta vertente permite adicionar às mais tradicionais correntes da economia (usualmente caracterizadas por informação de tipo extensivo) uma informação do tipo intensivo.

Nos dois últimos capítulos, “A construção social das técnicas e dos mercados”, é efectuada uma análise ao nível micro das redes de inovação em duas empresas distintas: a E1, que faz parte de um grupo industrial português que trabalha na concepção e montagem de equipamento para telecomunicações, e a E2, subsidiária portuguesa de uma multinacional europeia de software. A autora dá aqui atenção a dois passos essenciais para uma mais adequada aplicação empírica. O primeiro é compreender a empresa como um dos nós da rede que contêm conhecimento e saberes que condicionam o processo inovador. Na empresa existem os empreendedores/fazedores de redes e ela própria pode ser um “observatório” que permite olhar as interacções sociais com os outros actores. O segundo passo consiste em perceber a própria rede, as relações que se estabelecem e as tensões e proximidades que se geram, em particular o desenvolvimento da tradução de interesses (muitas vezes lida como um processo de transferência de conhecimento).

Os dois casos analisados de construções de artefactos técnico-científicos em empresas de base de conhecimento são muito distintos (na sua dimensão, relação com os mercados e interligação com actores essenciais, como sejam os ligados à produção de conhecimento). No primeiro caso, a empresa nasce associada ao desenvolvimento de um artefacto a partir da universidade que foi apropriado pela indústria. Foi possível seguir o caminho da construção inicial do artefacto e do próprio mercado. Nesta avaliação tornou-se evidente que o principal mecanismo de transferência de conhecimento entre a universidade e a indústria é a contratação de pessoal qualificado, não emergindo interesses divergentes entre estes dois mundos (p. 125) nem tão-pouco grande necessidade de tradução de interesses. Oliveira aponta duas razões essenciais para este afastamento: (i) o dinheiro para a investigação é dinheiro público para os dois mundos; (ii) porque não existe nada para trocar — a universidade forma e a empresa recruta, a relação mais tradicional. No caso de E2, a rede de inovação está consolidada e a empresa tem poucas relações com a academia portuguesa, sendo estas, na sua maioria, de prestação de serviços. A empresa multinacional é activa na investigação, mesmo ao nível fundamental, mas estes investimentos acontecem principalmente em países desenvolvidos que beneficiam de economias significativas de escala e de aglomeração. Adicionalmente, a E2 assume um papel de vigilância tecnológica do que acontece no meio científico português, detectando e apontando oportunidades de negócio para a empresa-mãe. Para ambos os casos, os incentivos públicos à investigação em consórcio aparecem como principal motivo para a cooperação universidade-empresa. Os laços das empresas com a universidade têm um carácter essencialmente informal, onde os principais responsáveis compatibilizam normalmente papéis nos dois mundos, enquanto gestores de topo e professores universitários. A iniciativa da colaboração parte maioritariamente do mundo da ciência, que tenta aproximar-se da indústria, numa racionalidade que subverte o valor económico do conhecimento que a academia tende a “oferecer”. Continua a ser ao Estado que cabe pagar a maior fatia das despesas em I&D, e, por este motivo, muitas vezes esses projectos acabam por não ir ao encontro dos interesses da própria empresa, que apenas participa neles enquanto não incorre em custos. Do ponto de vista dos actores, Luísa Oliveira retira uma ilação principal (p. 161): a co-presença do espírito empreendedor e do fazedor de redes com a autonomia da empresa consolida as redes e a concretização da inovação. Outra conclusão relevante é que os problemas de tradução podem ser disfarçados pela rendibilidade económica no curto prazo; no entanto, podem emergir deficiências fortes com a existência de padrões de conhecimento, de cultura e institucional diversos. Oliveira termina com uma defesa do papel das ciências sociais neste mundo tecnocrático: uma vez que a construção das inovações e dos mercados é um processo social que resulta da interacção de múltiplos actores, os cientistas sociais são cruciais na estruturação de redes e na tradução de interesses.

Sociologia da Inovação, vista por um economista, é, assim, um livro que merece atenção. Ao tentar compatibilizar as bases do estudo económico com uma abordagem profundamente qualitativa e com grande capacidade explicativa das relações sociais da TAR, permite uma explicação mais satisfatória sobre o modo como se concretizam as inovações. Esta perspectiva permite dotar as análises económicas de natureza mais macroscópica, mesmo aquelas de natureza heterodoxa na economia, como as escolas evolucionista ou institucionalista, com um grande enfoque que facilita o entendimento à microescala do que condiciona e potencia o processo inovador. Por outro lado, a abordagem sugerida tem uma grande capacidade operacional. Ao escolher uma definição restrita de inovação enquanto novo artefacto técnico-científico que é valorizado pelo mercado, permite uma análise consistente com as noções tradicionais da economia e focar a atenção num dos elementos não humanos centrais do processo de formação do actor-rede. A visão da transferência de conhecimento enquanto processo de tradução onde é necessário engajar os actores em objectivos e compromissos partilhados é também muito relevante e está de acordo com aquilo que se sente que é a prática dos organismos de interface entre a universidade-empresa que se vão multiplicando pelo país. As dificuldades de tradução, de contacto entre os dois mundos, são uma realidade para a qual é necessário criar pontes.

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