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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.192 Lisboa Sept. 2009

 

Fernando Oliveira Baptista e Ricardo TerraSantos, Os proprietários Florestais, Oeiras, Celta Editora, 2005, 94 páginas.

 

Constitui objectivo deste livro tornar públicos os principais resultados relativos a um inquérito efectuado aos proprietários florestais privados em Portugal, no qual participaram os dois autores em causa, integrando uma equipa mais vasta do Instituto Superior de Agronomia (ISA). O trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto "Estudos dos Problemas Estruturais das Explorações Florestais Portuguesas", onde se procurou contemplar o conhecimento da história florestal de Portugal a partir da segunda metade do século xix, assim como dos perfis actuais da floresta portuguesa. Para a concretização deste último objectivo procedeu-se à identificação e caracterização dos perfis dos proprietários florestais privados, que constitui o tema central desta obra.

Efectivamente, os proprietários florestais privados são detentores de três quartos da superfície florestal do continente, um valor só por si suficientemente expressivo para os colocar em primeiro plano na abordagem das "questões florestais". O estudo efectuado é, sem dúvida, um grande contributo para um melhor entendimento da problemática florestal com uma substancial sustentabilidade científica, num tema muitas vezes povoado de banalidades e/ou ideias preconcebidas. Os seus resultados traduzem-se numa obra de consulta obrigatória para todos aqueles que procuram conhecer, compreender e transformar a realidade florestal, em particular para os decisores políticos.

Em termos metodológicos, refere-se que foram realizados dois questionários, abrangendo 2406 proprietários florestais individuais no continente. Um de carácter mais geral e destinado à caracterização socioeconómica da propriedade e do proprietário florestal e o outro destinado a inquirir sobre as práticas florestais, efectuado por espécie florestal mais relevante na área florestal pertencente ao proprietário, a saber, pinheiro bravo, sobreiro, eucalipto, carvalho, castanheiro e azinheira. A partir dos resultados obtidos foi possível construir uma tipologia dos proprietários florestais e proceder à sua descrição e caracterização, evidenciando as diferenças mais importantes entre estes.

Ainda em termos metodológicos, são de realçar dois aspectos. Em primeiro lugar, dos 2691 proprietários inicialmente seleccionados, apenas 901 foram efectivamente inquiridos. Mas mais importante do que o número dos que não responderam, é de sobrelevar as razões desse facto e ainda as consequências das posteriores substituições processadas. Assim, no que concerne às causas da não-resposta, sobressaem o falecimento, o seu desconhecimento pelos informadores locais e ainda a sua ausência. Estes dados, só por si, são elementos caracterizadores do perfil dos proprietários florestais com repercussões nos modelos de gestão, nas lógicas económicas e nas expectativas dos mesmos em relação à floresta. Para além disso, as substituições efectuadas reduziram o número de proprietários não residentes no concelho a que pertenciam as freguesias escolhidas, tornando mais difícil a caracterização do perfil desta categoria de proprietários. O segundo facto importante refere-se à maior presença neste inquérito dos proprietários das grandes superfícies florestais, o que é igualmente indicador das expectativas, motivações e interesses dos pequenos proprietários florestais em relação à floresta.

Os autores estruturaram a apresentação dos resultados em quatro capítulos. No primeiro, intitulado "Proprietários e propriedades", é apresentada uma tipologia dos proprietários a partir de um conjunto de variáveis relevantes para a sua diferenciação, que procuraram dar ênfase à relação entre os proprietários florestais e as respectivas propriedades em termos das lógicas económicas que subjazem às práticas de gestão adoptadas. Definiram-se então cinco tipos: investimento-reserva; propriedade-reserva; trabalho-reserva; exploração-reserva; empresa florestal. Procedeu-se também à escolha de um conjunto de variáveis destinadas à validação desta tipologia, com o objectivo de demonstrar a presença de diferenças relativamente a outras vertentes nos cinco tipos considerados. Entre elas, vale a pena salientar a questão da dimensão e fragmentação da propriedade. A estrutura da propriedade fundiária emerge, de forma recorrente, na problemática da floresta actual tanto ao nível do senso comum como nos meios científicos, onde é facto aceite o predomínio da pequena e muito pequena propriedade florestal.

Neste âmbito, os resultados deste trabalho revelam que para uma idêntica estrutura de propriedade coexistem perfis socioeconómicos diferenciados, assim como diferentes papéis da floresta na economia familiar do proprietário. Ao lado desta vertente temos igualmente como relevante o perfil socioeconómico dos proprietários, onde o tratamento dos dados apontou para um perfil relativamente homogéneo: geralmente, são homens, a grande maioria com mais de 60 anos, e mais de 70% têm, pelo menos, um descendente directo. Entre um quinto e um terço não têm qualquer instrução e cerca de metade apenas concluiu o 1.º ciclo. Mais de metade declarou-se reformada. Quer isto dizer que cada um dos tipos evidencia "uma especificidade própria", só apreendida quando se contempla a lógica económica de cada um deles, e, como ainda referem os autores, esta tipologia constitui um contributo para "evidenciar os limites de muitas das soluções hoje formuladas".

Já no capítulo 2, com a designação de "Produtos e serviços", os resultados apresentados reportam-se aos produtos obtidos e aos serviços prestados pelos proprietários florestais privados. Nestes produtos foram consideradas, não só as produções tradicionais da floresta — com destaque para a madeira, cortiça, resina, frutos silvestres, entre outros —, como também outros produtos e serviços relacionados com a caça, produtos silvestres e actividades de lazer e recreio. Em todos os cinco tipos considerados, a presença destes últimos foi reduzida, ou seja, os proprietários florestais têm ainda uma percepção tradicional da floresta em termos produtivos.

A análise das questões relativamente ao investimento adquiriu particular relevo nos temas abordados no capítulo 3, denominado "Trabalho e investimento". Conclui-se que mais de metade dos inquiridos declarou não ter realizado qualquer investimento e os que investiram na floresta fizeram-no à custa de capitais próprios, tendo os subsídios uma representação pouco marcante. Tal como sublinham os autores, trata-se de uma floresta arredada do investimento, que, nos casos em que se realiza, parte de capitais próprios e privilegia os produtos florestais tradicionais.

No capítulo 4, o último, cujo título é "A floresta e os proprietários", assumem destaque as principais conclusões do trabalho realizado. Em primeiro lugar, os proprietários florestais privados diferenciam-se pelas lógicas económicas com que gerem as suas propriedades, pelas práticas de gestão, pelos produtos e serviços a que se dedicam, pelos modelos de trabalho e de investimento que adoptam. Mas também evidenciam um conjunto de características comuns: são, na sua maioria, idosos e reformados; a madeira e a cortiça constituem os produtos de maior importância e os serviços ambientais têm uma expressão muito ténue nas propriedades florestais; o investimento é reduzido e feito com recursos a capitais próprios, tendo como destino privilegiado a arborização; em termos de trabalho, o comprador tem um papel muito influente no caso da madeira, comparativamente à cortiça, e o recurso à subcontratação para algumas operações florestais é já assinalável. Quer isto dizer que, para além das diferenças na composição por espécie florestal e na estrutura de propriedade, o que diferencia os agentes estudados são as suas lógicas económicas, tema que deverá ocupar posição de referência nas opções que se fizerem em termos de política florestal. Ainda neste capítulo são apresentadas estimativas quanto à área que cabe a cada um dos tipos definidos e à sua distribuição por cada região agrária.

A concluir o capítulo, duas chamadas de atenção: uma para a "opacidade da floresta", onde os autores expressam uma posição favorável em relação ao associativismo florestal, e outra para os decisores políticos: a política florestal não deve seguir a via penalizadora e coerciva, já que "a floresta é demasiado vulnerável para suportar imposições do exterior".

 

Amélia Branco Dias

Instituto Superior de Economia e Gestão

ameliab@iseg.utl.pt

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