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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.192 Lisboa set. 2009

 

Inger Furseth e Päl Repstad, An Introduction to the Sociology of Religion: Classical and Contemporary Perspective, Aldershot, Ashgate, 2006, 241 páginas.

 

Inger Furseth e Päl Repstad, no seu livro An Introduction to the Sociology of Religion, afastando-se de um padrão generalista, revelam o mérito de produzir uma obra simultaneamente acessível e conceptualmente sólida. De facto, este livro tem a virtualidade de atingir um público transversal, destinando-se tanto a estudantes universitários que iniciam as suas pesquisas no campo religioso como a investigadores com formação avançada e não necessariamente sociológica.

Longe de ser um trabalho de síntese sobre o estudo sociológico das religiões, os autores procedem a um exercício reflexivo e crítico relativamente a autores e teorias, apresentando ainda uma estrutura inovadora na apresentação do manual, rompendo com os formatos mais comuns de livros da sociologia das religiões com este carácter. Desde logo, na breve introdução acerca do que é a sociologia, onde fica evidente a sua preocupação em destacar os grandes debates internos dentro desta área do conhecimento — as teorias orientadas para o actor e as orientadas para a estrutura, bem como as perspectivas que valorizam seja o conflito, seja o consenso —, assumindo-os como eixo condutor na obra, sublinhando que esses debates perpassam a sociologia das religiões e, por essa razão, revisitando-os à medida que apresentam e reflectem sobre autores e teorias.

Num segundo momento, Furseth e Repstad situam a sociologia das religiões na sociologia, tendo reconhecido previamente (no prefácio) que, se há algum propósito implícito na obra, esse é o de contribuir para que a sociologia das religiões não se torne um campo isolado dentro da sociologia geral.

Ao apresentarem as várias perspectivas sociológicas sobre a religião, os autores referem outras disciplinas que estudam a religião, enunciando fronteiras e afinidades: a antropologia, a história das religiões, a teologia, a história da igreja e os estudos religiosos em geral. Convém esclarecer que a importância atribuída a estas últimas disciplinas resulta do facto de os autores definirem claramente que o contexto social do seu livro é o cristianismo. Enquanto aspecto distintivo dos campos disciplinares, Furseth e Repstad procedem a uma explicitação da normatividade sociológica e de como esta se aplica, de modo particular, à sociologia das religiões. O último capítulo, "Sociologia, teologia e fé religiosa", ilustra bem isso: ao estabelecerem a relação entre os diferentes campos, explicam como os aspectos normativos do pensamento sociológico constituem simultaneamente virtualidades e limitações.

Ainda no que respeita à interdisciplinaridade, e apesar de os autores sublinharem a demarcação relativamente a qualquer tipo de abordagem essencialista, questionamo-nos se, permanecendo fiel ao construtivismo, não seria pertinente reflectir sobre os desafios que os desenvolvimentos mais recentes na área das ciências biológicas lançam às ciências sociais e, de modo muito particular, à sociologia das religiões. Estudos sobre o bem-estar e a felicidade, por exemplo, são temas que muito especificamente solicitam contributos à sociologia das religiões, tal como à psicologia, à economia e à antropologia.

No capítulo 2, "A religião como fenómeno", os autores, além de estabelecerem uma distinção entre as definições substantivas e funcionais, expõem os problemas que se colocam neste campo. Embora a sociologia das religiões seja cada vez menos ambiciosa na sua busca de uma definição universal de religião — principalmente no plano substantivo —, dado que é cada vez mais difícil encontrar um conjunto de conteúdos comuns a todas as religiões, esta tarefa não deixa de ser indispensável. Pela nossa parte, recordamos que o número crescente de sociólogos originários de sociedades de tradição não cristã poderá ser entendido como um recurso fundamental para o enriquecimento dos instrumentos conceptuais existentes.

Ao contrário da estratégia tradicional de se percorrer as perspectivas de cada autor sobre a religião, Furseth e Repstad preocupam-se em apresentar o lugar da religião no trabalho global de cada autor. Isso acontece no capítulo dedicado aos autores clássicos — figuram aqui Marx, Durkheim, Weber, Simmel, Freud, Mead e Parsons —, mas é particularmente evidente no capítulo seguinte, cujo título é "A religião na sociologia contemporânea e na análise cultural". Esta opção, que retoma a questão do actor e da estrutura, abre ainda canais de comunicação com outros campos dentro da sociologia, sensibilizando o leitor para o modo como autores centrais da teoria sociológica contemporânea abordam a religião. Desta forma, Luhmann, Goffmann, Bourdieu, Giddens e mesmo Berger e Luckmann figuram neste capítulo, menos pela sua especificidade dentro da sociologia das religiões e mais pelo seu contributo para a teoria social. Os autores justificam ainda a inclusão, neste mesmo capítulo, da análise cultural com o argumento de que teóricos fundamentais, como "Habermas, Bauman e Foucault, deram contributos significativos para a filosofia, a ética e a crítica cultural" (p. 49). Em suma, enfatizam o que esses autores disseram acerca da religião e como as suas perspectivas podem ser adoptadas no estudo da mesma.

Ainda no plano de organização dos conteúdos, o modo como os autores situam a secularização escapa aos procedimentos tradicionais. Ao invés de dedicarem um capítulo (ou mais) à secularização, considerando-a um processo autónomo e monopólio da sociologia das religiões, concebem-na como uma das grandes narrativas, a par da modernidade, pós-modernidade e globalização. Essa abordagem abre caminho para a apresentação, no capítulo seguinte, de um dos temas mais importantes da sociologia das religiões na actualidade, que é o da religião na esfera pública, discutindo aí religião oficial e Estado, religião civil, nacionalismo religioso, religião pública e poder político.

É igualmente relevante o modo como outras questões nucleares da realidade religiosa de hoje são criteriosamente autonomizadas em capítulos. Referimo-nos à "religiosidade individual", a "organizações e movimentos religiosos", à "religião, unidade social e conflito", à "raça, etnicidade e religião" e à "religião e género". Neste quadro, julgamos que também teria feito sentido incluir um capítulo dedicado à relação entre a religião e a natureza ou o ambiente, uma vez que se trata de um tema discutido no âmbito dos novos movimentos sociais (incluindo os religiosos) e de um novo puritanismo secularizado.

Admitindo que a sociologia das religiões foi frequentemente remetida para as margens de desenvolvimentos sociológicos importantes, Furseth e Repstad procuram ressituá-la através de uma reflexão maturada acerca do seu futuro. O livro traz, assim, o debate da sociologia contemporânea para o campo religioso e a religião para o debate sociológico contemporâneo.

 

Helena Vilaça

Investigadora do Instituto de Sociologia

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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