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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.192 Lisboa Sept. 2009

 

Emigração e desenvolvimento da previdência social em Portugal**

Victor Pereira*

 

Este artigo analisa a política social do final dos anos 60 e inícios dos anos 70. Demonstra que o alargamento da previdência social corresponde a uma tentativa de ajustamento do governo face à emigração que se iniciou no fim da década de 50. Este alargamento resultou também da acção no seio do Estado de uma corrente de altos funcionários inspirados pela doutrina social da Igreja renovada pelo Vaticano II, da inserção de alguns agentes administrativos nas comunidades epistémicas internacionais ligadas às políticas sociais e de uma tentativa de legitimação do poder de Marcelo Caetano.

Palavras-chave: emigração; Estado-providência; Estado Novo; movimentos sociais.

 

Emigration and the development of social welfare in Portugal

This article analyses social policy in the 1960s and early 1970s. It shows that the expansion of the social welfare system was an attempt by the government to adapt to the emigration which began in the late 1950s.  Other factors behind the expansion of the system were measures taken within the government by a group of senior officials who were inspired by the new life given to the Church's social doctrines arising from Vatican II, the membership of some administrative officials in international communities of experts on social policy, and the attempt to legitimize the Marcelo Caetano regime.

Keywords: emigration; welfare state; Estado Novo; social movements.

 

A emigração portuguesa dos anos 1957 a 1974, que se direccionou para a Europa, em geral, e para a França, em particular, é entendida por muitos autores como uma das principais causas (e consequências) da mudança social que ocorreu nos anos 60 e 70 e como um factor essencial da emergência e da consolidação da democracia em Portugal. Para António José Telo, a emigração foi "o factor isolado que mais terá contribuído para a democratização da sociedade portuguesa" (Telo, 1997, p. 161) e, para Manuel Villaverde Cabral, a emigração "subverteu profunda e irreversivelmente os valores, as aspirações, as atitudes e os comportamentos dos campos" (Cabral, 1987, p. 321). Se estes enunciados gerais são considerados dados adquiridos por parte das ciências sociais, o mesmo não se pode dizer dos estudos das políticas públicas conduzidas pelo regime ditatorial, nos quais eles são praticamente elididos. Segundo estes estudos, a emigração teria somente subvertido a sociedade e não teria de modo algum influenciado as decisões tomadas pelo regime autoritário, para além, evidentemente, das leis e regulamentações ligadas directamente a este fluxo de população. Quando referido, o fenómeno emigratório constitui pouco mais do que uma parte do contexto geral no qual os actores políticos e administrativos se movimentavam. Foi só no 25 de Abril de 1974, e no processo político posterior, que houve uma convergência entre uma sociedade metamorfoseada pela emigração (e pela industrialização e urbanização, processos nos quais, de forma circular e cumulativa, participa a emigração) e o jogo político (Cabral, 1989, pp. 185-186). A partida de milhares de portugueses, saídos das regiões rurais do Centro e do Norte do País, considerados por uma parte da historiografia o sustentáculo silencioso do regime salazarista, é assim tida como elemento negligenciável no processo de tomada de decisão política da ditadura. O estudo das políticas das últimas décadas do Estado Novo reproduz, frequentemente, a imagem de um executivo monolítico todo-poderoso que legisla e executa as suas medidas sem considerar as dinâmicas sociais mais desestabilizadoras. Tomamos aqui o exemplo das medidas relacionadas com a evolução da previdência social e, mais precisamente, com a política de extensão da previdência social às populações rurais. Os estudos que se debruçam sobre a génese do Estado-providência em Portugal nos anos 60 e 70 do século xx ocultaram completamente as dinâmicas da sociedade portuguesa e, mais particularmente, a emigração. Eles tendem a apresentar as medidas tomadas no domínio social como uma expressão da magnanimidade do poder político. Estas leituras são o resultado de dois processos. Por um lado, há uma escassez de estudos sobre as políticas sociais baseados em trabalho de arquivo. Por outro lado, a mobilidade transnacional da população foi muitas vezes interpretada como uma "arma" utilizada pela ditadura para sobreviver, concedendo-se pouca atenção à análise do "repertório de acção" que era acessível às classes populares portuguesas no Estado Novo. Ora a mobilidade da população foi temida pela ditadura e interpretada por uma parte dos agentes políticos e administrativos como um sinal de descontentamento. Veremos assim que a evolução da previdência social no final dos anos 60 e nos inícios dos anos 70 corresponde em parte a uma tentativa de ajustamento do governo face à mobilidade transnacional que se iniciou no fim da década de 50. Ela resulta também da acção no seio do Estado de uma corrente de altos funcionários inspirados pela doutrina social da Igreja renovada pelo Vaticano II, da inserção de alguns agentes administrativos nas comunidades epistémicas internacionais ligadas às políticas sociais, de uma tentativa de legitimação do poder de Marcelo Caetano num período de transição de "referencial global" (Muller, 2005) e de crise de hegemonia e legitimação que o Estado português conheceu a partir de 1969 (Santos, 1990, pp. 17-27).

 

Os atrasos de um "quase-Estado-providência"

Os autores que estudaram o Estado-providência português concordam que, em comparação com o que aconteceu na maior parte dos países da Europa ocidental, ele surge tardiamente e nunca se assemelhou aos seus congéneres. As definições do Estado-providência — "quase-Estado-providência" (Santos e Ferreira, 2001, p. 185); "semi-lumpen-Estado-providência" (Reis, 1995, p. 31) — tentam ilustrar a persistência do facto de o Estado não proteger suficientemente a maioria da população perante os diferentes riscos sociais. Também se pode falar de um "quase-Estado-providência" na medida em que tanto os agentes do Estado como a população não haviam interiorizado a protecção social como um direito, mas como uma "benevolência estatal" (Hespanha e Alves, 1995, p. 127), inscrita muitas vezes em redes clientelares.

Sem pretender abusar de uma interpretação funcionalista que resume a criação e o desenvolvimento do Estado-Providência ao processo de industrialização e de crescimento económico (Merrien, Parchet e Kernen, 2005; Skocpol, 1992, pp. 12-14), este atraso é em parte reflexo da singularidade da trajectória económica, social e política de Portugal. País tardiamente e limitadamente industrializado, Portugal conservou até aos anos 60 os traços de uma sociedade predominantemente rural. O próprio desenvolvimento da indústria no século xix e durante grande parte do século xx inscreveu-se no ecossistema da agricultura familiar de pequena propriedade, e não contra ele (Pereira, 2001, pp. 61-63). A "indústria nos campos" (Dewerpe, 1985), em família, limitou os efeitos da "industrialização manchesteriana" urbana. Não houve massificação do assalariado, êxodo rural e urbanização maciços nem "desafiliação" (Castel, 1995) de milhares de indivíduos. A mão-de-obra das fábricas era muitas vezes constituída por pequenos proprietários e/ou parceiros (ou pelos seus dependentes, como as mulheres e as crianças), em posição de pluriactividade e integrados na sociedade camponesa. Este tipo de industrialização foi, em parte, protegido pelas políticas económicas do Estado Novo, que temia as concentrações urbanas e operárias e as suas eventuais consequências sociais e políticas. Mesmo nos anos 60 e 70, os arautos da industrialização e do desenvolvimento económico, como Rogério Martins, defendiam que eram as fábricas que deviam ir para os campos, "junto das populações, e não as populações para junto das fábricas"1. No entanto, estes discursos eram muitas vezes formas de limitar o descontentamento dos meios conservadores (sectores agrícolas, pequenos e médios empresários do Centro e do Norte do país, a notabilidade da província) e esconder a progressiva concentração industrial em zonas urbanas, sobretudo em Lisboa e arredores.

Este quadro económico e social permite compreender por que é que as elites políticas só atrasadamente impulsionaram a criação de um Estado-providência. Grande parte da população estava integrada na sociedade rural, protegida perante os riscos sociais pelos familiares e pela "sociedade-providência" (Santos, 1993). Na invalidez, na velhice ou na doença, os indivíduos tinham o apoio dos familiares. Em caso de despedimento das fábricas, os camponeses-operários podiam regressar aos trabalhos do campo. A inexistência do Estado-providência em Portugal até o terceiro quartel do século xx deve-se também à ideologia dos principais dirigentes da ditadura salazarista. Estes revelavam uma grande relutância em ver o Estado empreender políticas sociais e implementar um Estado-providência que conduzia, segundo alguns, à irresponsabilidade dos indivíduos, à destruição das famílias e "equivaleria a aniquilar ou ferir gravemente a pessoa humana e a pôr em prática princípios de sentido socialista, repelidos pela concepção cristã da vida"2. Segundo Salazar, os riscos sociais, como a velhice ou a doença, deviam ser geridos pelas próprias famílias e, se necessário, pela caridade, na qual a Igreja Católica tinha um papel de relevo (Pimentel, 2000). O Estado só devia intervir para ajudar os bons pobres, aqueles que não podiam trabalhar, de maneira supletiva, e apenas em última instância. No entanto, é de notar que, embora de forma deficiente e demoradamente por causa do fracasso da implantação da organização corporativa baseada no princípio de associação entre o capital e o trabalho e de não intervenção do Estado, em 1935, com a lei n.° 1884, o governo deu início a um sistema de protecção, pela via de seguros sociais contra a doença, a invalidez e a velhice, de parte dos assalariados dos serviços, do comércio e da indústria, aqueles que eram precisamente mais urbanizados, mais "desafiliados" e podiam constituir uma ameaça à ordem política3.

A data da criação do (quase) Estado-providência em Portugal difere, segundo os autores, em função da forma como interpretam o conceito de Estado-providência. Alguns, ligando Estado-providência e democracia, fazem-no remontar a 1974-1975 (Mozzicafreddo, 2000 [1997]). Outros situam a sua génese nos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70, com as medidas tomadas pelo governo de Marcelo Caetano (Guibentif, 1997a; Lucena, 1976b). A legislação anteriormente promulgada — legislação sobre o trabalho de 10 de Maio de 1919 (Pereira, 1999), a lei n.º 1884, de 16 de Maio de 1935, o decreto-lei de 1942 sobre os abonos de família e a lei n.° 2115 de 1962 — era demasiado restritiva, tinha sido muito imperfeitamente aplicada (ou por vezes literalmente não aplicada, como grande parte da legislação de 1919) e dizia respeito a uma franja demasiado pequena da população para que possamos falar da existência de um Estado-providência. Em 1960 apenas 1 182 000 portugueses — 35,6% da população activa — estavam cobertos pela previdência social. Este número disparou em apenas uma década, nomeadamente com a extensão da previdência social aos trabalhadores rurais. Em 1970, 2 396 000 portugueses estavam cobertos, correspondendo a 78,3% da população activa (Carreira, 1996, p. 82). Porém, devemos manusear estes números com grandes cautelas, como aponta, aliás, um relatório do Ministério das Corporações e da Previdência Social de 1973 (Ramalho, Bento e Ferreira, 1973). Estes dados eram muitas vezes sobreavaliados e escondiam o facto de esta cobertura ser, em certos casos, meramente teórica, devido, por exemplo, aos períodos de garantia e de quotizações exigidos. Por fim, os montantes das prestações financeiras eram muito baixos e a assistência médica de qualidade limitada. No entanto, a legislação de 1962 e os aprofundamentos feitos durante o marcelismo constituíram a matriz da segurança social do pós-25 de Abril (Lucena, 1977; Carolo, 2006).

 

"E o povo, onde está?"4

Os processos que conduziram à implementação da legislação social dos anos 60 e 70 também são questionados. No entanto, há nestas interpretações uma ideia recorrente: a da falta de reivindicação das populações. André Samouco, debruçando-se sobre a extensão à população rural da previdência social operada pelo governo de Marcelo Caetano, nota que ela "ocorreu sem que se tivesse verificado qualquer movimentação reivindicativa por parte dos novos beneficiários" (Samouco, 1993, p. 394). Pierre Guibentif, no epílogo de um estudo consagrado ao desenvolvimento da segurança social em Portugal, constata "a ausência de um actor que tem, aliás, frequentemente, um papel importante: o movimento operário. As reivindicações relativas à previdência social praticamente nunca aparecem, salvo no quadro de algumas, raras, grandes empresas" (Guibentif, 1986, p. 232). Num outro estudo, este autor põe em evidência "o fraco peso das intervenções do que poderíamos chamar sociedade civil, entre os factores de desenvolvimento [do aparelho português da segurança social] desenhado mais acima. O governo parece muitas vezes agir numa espécie de vazio sociológico" (Guibentif, 1997a). Porém, Pierre Guibentif também avança uma interpretação que poderíamos considerar "neo-institucionalista" e "política". Ele realça o papel de certos funcionários ligados ao Ministério das Corporações e da Previdência Social (Guibentif, 1997a e 2001) e a acção de Marcelo Caetano, que, para "salvar o regime político, perigosamente ameaçado pelas guerras coloniais e pelo seu isolamento internacional", levou a cabo a "revalorização da sua orientação social" (Guibentif, 1997a, p. 59).

A partir das interpretações de Samouco e dos primeiros trabalhos de Guibentif parece que devemos concluir que a legislação social é simplesmente fruto de uma concessão dos dirigentes portugueses, visivelmente magnânimos, e mais particularmente de Marcelo Caetano. Este raciocínio, porém, é insuficiente para compreender o que conduziu os dirigentes portugueses a "oferecerem" regalias sociais e a alargarem a previdência social a uma população rural aparentemente apática. Ele tende a esquecer quais eram as possibilidades de reivindicação das classes populares, ou, utilizando outro termo, as "estruturas de oportunidades políticas"5, no período do Estado Novo.

Sob a ditadura, as classes populares portuguesas dificilmente podiam reivindicar e não tinham um acesso livre, regular e eficiente ao espaço público. Ao contrário das diferentes fracções das elites, elas não podiam, mobilizando-se, transformar certos fenómenos sociais em problemas públicos6. Da mesma forma, não podiam expressar-se nas eleições, das quais estavam muitas vezes excluídas. Acresce ainda que as eleições eram manipuladas e os resultados falsificados, como aconteceu em 1958. O sistema corporativo, raro no Norte e no Centro até meados de 1960, era, como lembra Schmitter, uma "fraude" (Schmitter, 1999), não permitindo a expressão eficaz das reivindicações dos trabalhadores, apesar da acção de certos funcionários do subsecretariado de Estado das Corporações e da Previdência Social (Patriarca, 1995). As queixas das classes populares eram mediadas junto do governo central pelos notáveis locais. Esta posição de intermediação era uma das principais fontes do "poder" destes notáveis (Foucault, 1994 [1976], p. 121). Obviamente, a intermediação operada pelos notáveis não era neutra. Estes defendiam junto do poder central os seus próprios interesses, muitas vezes à custa das classes populares. Por fim, as formas reivindicativas, como as greves e as manifestações, convertidas pelo regime em "expressão de desafio global" (Cerezales, 2003, p. 64) contra as instituições, eram proibidas e duramente reprimidas7. Neste panorama, como é que as classes populares portuguesas podiam reivindicar a edificação de um Estado-providência? Quais eram as oportunidades que elas tinham para se mobilizarem? Por certo houve reividicações operárias ou camponesas no Estado Novo, mas foram severamente reprimidas. Os seus actores — como era o caso dos militantes do Partido Comunista Português — pagaram um custo importante: a vida clandestina e a consequente diluição dos laços familiares e da existência social para os militantes, torturas, maus-tratos, prisões em condições muito penosas e prejudiciais para a integridade física e psicológica dos detidos. No entanto, quando expressas, as reivindicações relacionavam-se na maioria dos casos com os salários, o horário e as condições de trabalho. Por vezes eram também "defensivas", acontecendo em períodos de crise, como no caso dos motins camponeses na Segunda Guerra Mundial (Rosas, 2000) ou das lutas contra a florestação dos baldios (Freire, 2004).

Temos de notar também que, numa perspectiva europeia, a falta de reivindicação do movimento operário no domínio do Estado-providência está longe de ser uma singularidade portuguesa. Estudos recentes sobre a génese do Estado-providência na Europa indicam que os operários e as organizações que se reclamavam deles não estiveram sempre na vanguarda da constituição do Estado-providência. Na França da III República ou na Alemanha de Bismarck, muitos sindicatos e partidos socialistas opunham-se às políticas sociais, que viam como ataques da "burguesia" para subjugar o movimento operário, como meio de integrar os operários no jogo democrático ou como irrupções do Estado e da sua burocracia na vida e na intimidade dos indivíduos8.

No Portugal salazarista, se as mobilizações colectivas eram raras, é incorrecto pensar que as classes populares eram passivas e apáticas. Deve distinguir-se, retomando o vocabulário de Manuel Villaverde Cabral, ele próprio inspirado por Marx, o "movimento real" e o "movimento operário organizado" (Cabral, 1977, p. 16). Com efeito, as conclusões de Samouco e de parte dos trabalhos de Guibentif resultam de uma focalização sobre o "movimento operário organizado". Esta focalização implica a ocultação das formas de resistências perante as diferentes formas de dominação, perante as condições de vida e de trabalho (salários, repartição das colheitas entre rendeiros, caseiros e proprietários, etc.). A principal resistência usada pelas classes populares portuguesas foi a emigração. Ir trabalhar para outros países à procura de melhores salários constituía, segundo a expressão de James Scott, uma"arma dos fracos" (Scott, 1985).

Considerar a emigração uma forma de resistência não é um enunciado pacífico. Por diversas razões. Em primeiro lugar, por causa do legado histórico para o qual remete a palavra "resistência"9. Em segundo lugar, por causa da forma como a emigração foi interpretada pela oposição ao regime ditatorial e por uma parte da historiografia portuguesa. Em Portugal, a resistência está conotada com a oposição organizada (em partidos ou em organizações mais ou menos institucionalizadas) ao Estado Novo. Por isso, a emigração, fenómeno constituído por um agregado de acções individuais não organizadas nem reivindicadas por qualquer organização, não é referida como resistência. Mais: as principais organizações que se reclamavam do movimento operário não interpretavam a emigração como uma resistência ao regime, mas como um instrumento usado pelo regime para se manter. Durante uma emissão em 13 de Março de 1966, a rádio Portugal Livre, dependente do Partido Comunista Português, argumentava que "a emigração serve os interesses e os desejos do governo em diferentes aspectos. O menos importante não é o facto de as verbas enviadas pelos emigrantes representarem um factor que permite manter o equilíbrio dos orçamentos do governo salazarista. Desta forma, o fascismo transforma o drama da emigração numa maneira de continuar a sua política de protecção do grande capital financeiro e monopolista às custas dos emigrantes e em desprezo do sofrimento e da ruína do nosso povo"10. Para a maioria das organizações da oposição, a emigração, "expulsando" homens jovens e dinâmicos, eventuais "empreendedores de mobilização", e melhorando as condições de vida da população, impedia a expressão de protestos sociais. Cada um buscava soluções individuais, dificultando as mobilizações colectivas que estas organizações pretendiam coordenar. Este raciocínio assemelha-se a uma primeira versão da teoria elaborado por Albert Hirschman. Segundo o economista, face à deterioração da qualidade de um bem ou de um serviço, os indivíduos podem deixar de consumir o produto, cortar relações ou, perante um Estado, emigrar (Hirschman, 1995a). Os indivíduos podem também revoltar-se para assinalar a quebra da qualidade e incitar a organização a emendar a situação. Isto leva-os a protestar individualmente e, se tal for possível, dadas as dificuldades apontadas por Mancur Olson (Olson, 1978 [1966]), colectivamente. Finalmente, eles podem ser leais, permanecer silenciosos e não denunciar a perda de qualidade. Gérard Bajoit tornou mais complexa esta última alternativa, distinguindo entre lealdade e apatia (Bajoit, 1988). Na sua opinião, em certas situações, os indivíduos preferem não abandonar nem se indignar (caso encontrem aí um interesse), mas deixam de participar activamente na relação: ficam apáticos, podendo posteriormente mudar de comportamento (Brodiez, 2008). Esta grelha de leitura dos comportamentos coloca a impossibilidade da coexistência, em determinada proporção, do abandono e da indignação. Assim, demasiado abandono enfraquece ou anula a indignação. Este mecanismo comporta-se como um "modelo hidráulico simples: a degradação suscita um descontentamento, cuja pressão será canalizada sob a forma de indignação ou de abandono; quanto mais a pressão se escapa através do abandono, menos alimenta a indignação" (Hirschman, 1995b, p. 25). Uma vez consumado o abandono, a indignação é considerada impossível. No entanto, alguns autores e o próprio Hirschman, em trabalhos posteriores, criticaram este mecanismo (Hirschman, 1986 e 1995b; Pfaff e Kim, 2003). Em certos casos, a deserção pode favorecer a tomada da palavra. Primeiro, a relação de força mudou. Os actores são mais raros, por isso mais preciosos e com mais poder de reivindicação. Segundo, sabendo que têm oportunidades de fuga (emigração ou mudança de empresa) perante a repressão ou diversas retaliações, os actores sociais podem incrementar a expressão das reivindicações (Hirschman, 1995b). Foi o que aconteceu a partir de 1969, depois de Marcelo Caetano ter liberalizado a política de emigração, fazendo baixar o seu custo em termos financeiros e físicos. O aumento dos movimentos sociais nestes anos não se pode somente explicar pela liberalização operada na legislação sindical ou pela aceitação tácita das greves por parte das autoridades (Patriarca, 2004), mas fica a dever-se também ao surto emigratório e às facilidades dadas à emigração. Portugal passou a "exporta[r] trabalhadores [e] a importa[r] luta de classes" (Pereira, 1975 [1974], p. 35). Como lamentava um empresário da indústria têxtil: "os que ainda cá ficaram se começaram a tornar [sic] mais indisciplinados, mais exigentes e menos produtivos. Se se pretende admoestar um operário por falta de rendimento, por serviço mal feito, ou até responsabilizá-lo por prejuízos causados à empresa, é certo e sabido que no dia imediato não aparece ao trabalho, insurge-se com veemência contra a empresa e pouco depois verifica-se que já abandonou o país"11. Nos anos 70, o PCP mudou também o seu discurso perante a emigração. O Avante! condenava o acordo de emigração assinado em 1971 entre a França e Portugal, qualificando-o de ajuda do governo francês "à guerra colonial". O artigo reconhecia que a emigração favorecia as lutas em Portugal: "A emigração anual de cerca de 100 000 trabalhadores, a rarefacção de mão-de-obra em Portugal, a redução do `exército de reserva' [isto é, do número de desempregados], criam condições favoráveis à luta por melhores salários. Ante as lutas dos trabalhadores, os capitalistas pretendem abafar [nas palavras de M. Caetano] a `perigosa mentalidade de reivindicações'"12.

Retomando a definição proposta por Ian Kershaw, que define a resistência como os actos que resistem à ideologia e às práticas dos regimes não democráticos, a emigração pode ser interpretada como uma "resistência" (Kershaw, 1997, p. 296) ou, segundo a terminologia de Nicolas Werth, como uma "insubordinação social" (Werth, 2006, p. 64). Emigrando de forma clandestina, milhares de portugueses tornaram-se, segundo a legislação promulgada em 1961, criminosos. Estes emigrantes não só não respeitavam a lei, como desobedeciam às "condutas" impostas de forma autoritária pelo regime. Emigrar era "uma forma radical de recusa" (Pereira, 1975 [1974], p. 34) das condições de vida que lhes eram impostas em Portugal.Emigrando para auferir melhores salários, obter melhores condições de vida para si e para as suas famílias e favorecer a ascensão social dos seus filhos, milhares de portugueses mostraram-se espantosamente impermeáveis aos discursos difundidos pelas elites do regime e veiculados pelos meios de propaganda e grande parte do clero. Eles recusavam-se a povoar as províncias ultramarinas, como pedia a propaganda difundida pela maioria dos dirigentes da ditadura (e, antes deles, parte dos dirigentes da monarquia e da I República). O facto de em 1974, depois de dezassete anos de emigração, viverem mais portugueses (metropolitanos) em França do que nas províncias ultramarinas depois de vários séculos de colonização não foi ainda suficientemente realçado13. Ora, por um lado, temos um fluxo emigratório exposto publicamente ao opróbrio por grande parte das elites do país, sobretudo entre 1961 e 1968, e, por outro lado, um fluxo apresentado como a panaceia para a sobrevivência do império português. Isto mostra que os portugueses não eram sujeitos passivos perante os projectos das elites ditatoriais e os meios de propaganda do regime. Como o demonstrava também o facto de os emigrantes terem — para eles e para os filhos — ambição, vontade de ascensão social e subversão das rígidas hierarquias sociais. Eles não seguiam o pensamento de Salazar, que pretendia que "uma vida, esmagada pelo anseio de materialidades sem o culto dos valores morais, seria humanamente inferior e indigna de viver-se" (Salazar, 1945 [1937], p. 44). Contudo, é verdade que o regime não politizou muito o desvio que constituía a emigração clandestina (Pereira, 2007a).

A perspectiva de Kershaw e de outros autores que trabalharam sobre a resistência em contextos não democráticos põe assim de lado as ideias de intencionalidade e de concertação como elementos fundamentais de definição dos movimentos de resistência e de protesto colectivo. Com efeito, o primado da intencionalidade tende a reduzir as mobilizações colectivas aos grupos com o capital cultural necessário à expressão destas "intenções", aos que têm, num determinado momento e num dado contexto, interesse em fazê-lo e, por fim, aos grupos que são vistos como capazes de expressar reivindicações políticas por entidades terceiras (Estado, organizações internacionais, partidos políticos, campo intelectual, etc.), dado o seu capital social, económico e cultural. Esta aproximação não admite que existem situações, como é o caso dos regimes autoritários, em que a expressão organizada do protesto é impossível, dada a inexistência de partidos ou de organizações realmente representativas, ou muito custosa (por causa da repressão), e afasta assim aqueles que não sabem ou não podem exprimir os seus "motivos políticos", os que não têm interesse (porque poderia ser contraproducente)14 ou, finalmente, aqueles a quem os Estados e outras entidades atribuem apenas "motivações económicas", em função das suas origens sociais e dos empregos ocupados. Todavia, alguns autores defendem que ao considerar inúmeros comportamentos dos agentes sociais resistências ou protestos, estes conceitos perdem o sentido e já não querem dizer nada. Se qualquer acto, mesmo o mais trivial, é considerado um acto de resistência a um regime não democrático15, o termo "resistência" é esvaziado do seu sentido. No caso da emigração portuguesa em direcção à Europa, alguns podem pretender que a emigração não representa um sinal de descontentamento ou de abandono. A maior parte dos migrantes não exprimia qualquer censura contra o regime ou contra a situação socioeconómica. Partir era unicamente o resultado de uma estratégia individual ou familiar. Por outro lado, esta mobilidade não foi encarada pelos actores como uma maneira de permitir a reprodução da pequena exploração familiar, a compra de terras e de meios de produção? Em suma, a emigração inscreveu-se num modelo socioeconómico preciso que ela viabilizou e, da mesma forma, legitimou. Além disso, assimilar a emigração a uma resistência não é menosprezar "a incorporação da necessidade do mundo social [...] o sentido dos limites" (Bourdieu, 1998 [1997], p. 164), que têm as classes populares portuguesas, resultado do analfabetismo, da repressão, da censura e do amordaçamento do pensamento operado pelo regime salazarista, do enquadramento antigo e estreito exercido pela Igreja católica conservadora? E nos países de destino estes migrantes não conservaram, apesar de teoricamente libertos da tutela do Estado português, esta atitude de retraimento em relação àquilo que lhes parecia ser "político", isto é, o que eles supunham ser proibido pelo regime português? No entanto, estas críticas dão a primazia a uma intencionalidade dos actores (intencionalidades presumidas) sobre as suas práticas efectivas, esquecendo a ruptura que a emigração constitui com as condutas impostas pelo regime salazarista.

James Scott tentou desvendar o "etnocentrismo de classe", do qual dão provas os que se debruçam — do exterior — sobre o campesinato, não distinguindo mais do que duas imagens do camponês: o camponês revoltado ou o camponês submisso. A armadilha está em pensar que em regimes autoritários os camponeses — ou as classes dominadas, no seu todo — podem demonstrar o seu descontentamento seja através da participação nos partidos políticos ou nas associações (quando estas organizações existem), seja por via de greves, manifestações ou de outras formas de acção colectiva transgressora ou não (a transgressão, sendo relativa ao contexto político, pode ser, ou não, tolerada pelo Estado). Na maior parte dos casos, salvo excepções, que confirmam a regra, as acções seriam duramente reprimidas e, na maioria das vezes, contraproducentes. As oportunidades de tornar ostensivamente visíveis (não será a própria emigração um tipo de visibilidade pelo desaparecimento, temporário ou definitivo?) os protestos camponeses são, dentro destes contextos políticos, particularmente gravosas (repressão, prisão, perda do emprego e dos recursos sociais ou simbólicos, etc.) e de eficácia muito aleatória. Mas, segundo Scott, os camponeses possuem um repertório extenso de acções, de "resistências quotidianas", que "requerem pouca ou nenhuma coordenação ou planeamento"; eles fazem uso de um entendimento implícito e de redes informais, representando muitas vezes uma forma de auto-ajuda. Tipicamente, eles evitam qualquer confrontação directa com a autoridade (Scott, 1985, p. xvi). A caça furtiva, o roubo, a sabotagem dos meios de produção, a emigração, constituem acções desse repertório de resistências quotidianas que, evitando qualquer confronto directo com o Estado ou com os grupos dominantes (médios ou grandes proprietários, empregados, notáveis locais), lhes permitiu, algumas vezes, tornar mais suportáveis as condições de vida, o domínio económico e simbólico, e travar o domínio "daqueles que procuravam usurpá-los do seu trabalho, alimento, impostos, rendas e lucros" (Scott, 1985, p. 29).

Ninguém pode negar que a emigração é, em parte, causada por uma vontade de melhorar as suas condições — do conjunto familiar —, é um selfhelp. Este movimento corresponde a uma "fuga": trata-se de procurar noutro lugar a melhoria das suas condições de vida, de se eximir aos constrangimentos económicos, simbólicos e políticos. Esta "fuga" poupa tanto os dominados como o regime e os dominantes de uma contestação aberta e frontal. Um inspector da PIDE em Coimbra notava que a emigração — que ele designava por fuga — era para os trabalhadores um meio de melhorar a vida, evitando os conflitos e a repressão: "será a falta de salários actualizados a causa da fuga para França dos aludidos operários, que não desejam envolver-se em conflito com a entidade patronal e sofrer as possíveis consequências"16. Finalmente, se a emigração não responde a uma concertação prévia, ela apoia-se, em contrapartida, sobre redes de sociabilidades, sobre intensas trocas informais no seio da sociedade. É impressionante que centenas de milhares de portugueses tenham abandonado o país clandestinamente, desafiando o Estado e as leis impostas pelo governo. Isto mostra o poder da sociedade-providência (e também a organização dos passadores, a incapacidade e pouca vontade do Estado para executar a lei (Pereira, 2005), a importância de milhares de cooperações, de acordos implícitos e de protecções (Silva, 2008).

Das "resistências quotidianas" descritas por Scott, a emigração é, sem dúvida, a mais eficaz. Com um custo relativamente baixo — a repressão da emigração clandestina, largamente ineficiente (Pereira, 2005), não se assemelhou à repressão das outras formas de subversão —, ela tem lucros muito elevados. Sendo "consagrada pela tradição, legitimada pelas autoridades morais, como os párocos, e não sujeita a sanções, como a `subversão'" (Martins, 1998, p. 126), a emigração permite, de forma bastante segura, melhorar as condições de vida. Como as outras resistências quotidianas, pouco espectaculares, não reivindicadas como tal, a emigração pode mudar substancialmente as relações de poder entre os grupos dominados e dominantes. Mounia Bennani-Chraïbi e Olivier Fillieule observam que "abundam exemplos, pelo contrário, de práticas de resistência cuja generalização acaba por provocar mudanças sociopolíticas ou, pelo menos, limitar seriamente as ambições do poder" (Bennani-Chraïbi e Fillieule, 2003). Os estudos sobre a sociedade rural portuguesa contemporânea abundam em exemplos de profundas mudanças sociais provocadas pela emigração que os protestos colectivos só dificilmente teriam podido alcançar sem repressão (Silva, 1998).

 

Mobilidade e políticas sociais

Desfazendo a construção da emigração como aliada da ditadura, e analisando-a como uma das práticas de resistência das classes populares portuguesas perante as dominações políticas, económicas e sociais que sofriam, podemos responder à pergunta inicial — onde está o povo? — e matizar a ausência de mobilizações populares apontada pelos estudiosos citados. Porém, é verdade que os emigrantes não partiam para pedir especificamente protecções contra os riscos sociais. Mas, como já referimos, a grande maioria dos Estados-providência não nasceu de reivindicações específicas das classes populares. Eles nasceram da mobilização de algumas elites políticas e/ou administrativas que traduziram certas reivindicações populares ou dinâmicas sociais em incentivos para implementar políticas sociais. Henri Hatzfeld evidenciou que os sistemas franceses de reformas (1910) e de seguros sociais (1930) provêm sobretudo da acção de elites políticas e administrativas reformistas e não são propriamente conquistas do movimento operário, que demonstrava certas relutâncias perante esta legislação (Hatzfeld, 1971). Stein Kuhnle e David Khoudour-Castéras, por seu turno, realçaram o laço entre a mobilidade e a génese do Estado-providência. Para Stein Kuhnle (Kuhnle, 1981), face à emigração da população, que se dirigia para os Estados Unidos, as elites dirigentes escandinavas promulgaram, no final do século xix e no início do século xx, várias leis no domínio social destinadas a reduzir as partidas. Por sua parte, Khoudour-Castéras prova, apoiando-se num importante conjunto de dados estatísticos, que a legislação social implementada pelo governo de Bismarck na década de 80 do século xix provocou a redução da emigração alemã (Khoudour-Castéras, 2005 e 2008). No entanto, Khoudour-Castéras não defende que o chanceler tenha protegido uma parte substancial dos trabalhadores para impedir a emigração. Esta intenção não se deduz nem dos discursos de Bismarck nem dos trabalhos de preparação das diferentes leis sociais (Kott, 1995; Machtan, 1999; Hennock, 2007). A intenção de Bismarck era diminuir a influência da oposição, nomeadamente dos sociais-democratas, ligar as classes populares ao império e reduzir os riscos sociais e políticos causados pela industrialização. A instituição de políticas sociais pode ser vista pelos dirigentes de um regime autoritário como uma maneira de obter uma certa legitimidade, que eles não possuem, nem pela unção do sufrágio universal, nem pela tradição.

Para retomar o modelo de Hirschman, quando um organismo — aqui, no caso concreto, o Estado português — vê os seus clientes/sujeitos partirem, este é conduzido a perguntar-se sobre as razões e impelido a tomar medidas para inflectir este movimento. Pode tomar medidas coercivas para impedir este abandono: construir um muro, como fez a ex-RDA quando confrontada com o êxodo da sua população (Dowty, 1987). Ora isto tem vários inconvenientes. Um deles é que, se os descontentes não podem sair, eles são, de certa forma, impelidos à contestação para exprimir o seu descontentamento. Por isso, face a um forte abandono, a organização/Estado pode tentar melhorar os seus "serviços" para conter o êxodo. Ou pelo menos, parte dos actores dessa organização/Estado podem propor essa solução. Se, evidentemente, este abandono resulta da própria essência do organismo/Estado — aqui, no caso concreto, um regime autoritário, a sua obsessão imperial, que conduzia à mobilização da juventude para a guerra colonial e a sua política socioeconómica, que privilegiava uma sociedade hierarquizada e desigual —, a organização não vai autodestruir-se. Mas a organização pode, todavia, reformar-se e tentar emendar alguns dos seus traços repulsivos. Se as elites dirigentes não optam por uma democratização, elas podem tentar melhorar os serviços fornecidos pelo Estado, nomeadamente através da promulgação de uma legislação social que vise reter a sua população. Funcionará essa hipótese no caso português? Será que em Portugal a mobilidade foi interpretada por parte dos actores políticos e/ou administrativos como o resultado do descontentamento da população? Foi o argumento da fixação da população mobilizado com o intuito de criar, aprofundar e alargar o sistema de protecção social?

 

As raízes conservadoras da previdência social no mundo rural

Já no fim dos anos 50, a mobilidade da população era um fenómeno social considerado problemático por parte da elite do Estado Novo. O êxodo rural e as suas consequências — a constituição de bairros de barracas em Lisboa e nos seus arredores, a existência de uma população "vivendo de ocupações irregulares e dos socorros da assistência"17, a concentração industrial, "que tantos perigos sociais, políticos e morais envolve, como os factos vão por toda a parte patenteando"18 — eram lamentados e temidos. Para lutar contra este "problema" foram propostas várias soluções: a construção de habitações, nomeadamente de habitações económicas, em Lisboa; a implantação de indústrias nas zonas rurais; a melhoria das condições de vida das populações rurais para as fixar no campo; a regulação administrativa das migrações dos campos para as cidades. A última solução era inspirada pela legislação italiana de 1928, quando o regime fascista tentou impedir à força o êxodo rural e a urbanização, alguns anos depois de ter suprimido as medidas sociais dirigidas aos rurais em 1919-1920 (Quine, 2002, p. 119). Apesar de defendida pelo ministro das Corporações e da Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo, e recomendada pela comissão encarregada de estudar os problemas relativos aos bairros-de-lata, esta solução não foi aplicada em Portugal.

No conjunto das propostas sugeridas quer pelo Ministério das Corporações e da Previdência Social, quer pela comissão encarregada de estudar os problemas relativos aos bairros-de-lata, defendia-se que a protecção das populações rurais e a melhoria das suas condições de vida impediriam a sua mobilidade. Veiga de Macedo confiava a Salazar que "importa reforçar por todos os meios a política de protecção social aos trabalhadores rurais, para os fixar à terra"19. No conjunto das medidas por ele apresentadas, o ministro referia-se à "extensão e aperfeiçoamento das casas do povo, procurando garantir ao rural amparo na doença, invalidez e velhice"20. A comissão, já citada, era mais precisa. Para ela era necessário "dar maior impulso à actuação dos serviços de protecção social, nomeadamente dos serviços médico-sociais e de assistência junto das populações rurais" e "tomar em especial consideração, nas medidas de carácter social referentes ao fomento social: a concessão de abono de família aos trabalhadores rurais, no esquema que for considerado apropriado para o efeito; a obrigatoriedade de seguros contra acidentes; a inclusão dos trabalhadores agrícolas nos esquemas da previdência; a protecção às crianças e a criação de centros rurais materno-infantis"21. Nota-se perfeitamente que estas propostas se enquandravam numa perspectiva conservadora, temendo o movimento e o desenraizamento da população (Guibentif, 1985, p. 56). Mais do que "compenetrar" a população "da bondade da nossa doutrina"22, proteger uma população carenciada, reduzir as desigualdades sociais ou favorecer o desenvolvimento económico, o objectivo da protecção das populações rurais era impedir a urbanização e a concentração industrial. Estas propostas, visando assegurar o enraizamento das populações rurais, assemelham-se assim à política social preconizada por alguns conservadores franceses no fim do século xix (Dumons e Pollet, 1995, p. 265) ou à (muito limitada) política social desenvolvida pelo ministro de Organización y Acción Sindical do governo de Franco, que se vangloriava, com a introdução, em 1938, de um subsídio familiar (abono de família), de ter contribuído para "travar a emigração da população camponesa para as grandes cidades e núcleos industriais" (González-Bueno y Bocos, 2006, p. 181)23.

A reforma da previdência social levada a cabo em 1962 só muito imperfeitamente realizou as propostas sobre a protecção das populações rurais. Apresentada em 1957, a reforma da previdência social só foi concluída com a promulgação da lei n.° 2115, de 18 de Junho 1962. Tal demora na sua aplicação deixa adivinhar resistências, lutas internas muito fortes, um desinteresse de Salazar, que não jogou logo o seu papel de árbitro, e a dificuldade por parte dos agentes políticos e administrativos em assumir o fracasso da organização corporativa e a intervenção do Estado na previdência social. Esta lei consagrava uma ruptura, profunda mas dissimulada, com a legislação de 1935 e o seu ideal de corporativismo de associação. O Estado criava as caixas distritais de previdência, a Caixa Nacional de Pensões e a Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais. A administração destes organismos e das caixas sindicais de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões era executada pelo próprio Estado. Instituía-se uma espécie de regime geral que cobria os riscos de doença, velhice, invalidez e maternidade. No início, restringindo-se à maioria dos assalariados das indústrias, do comércio e dos serviços, este regime geral devia ser alargado ao resto dos trabalhadores. Assim, no terceiro artigo da base iv, o decreto-lei estipulava que "o governo [...] actuará com a possível urgência no sentido de desenvolver e generalizar a protecção social aos trabalhadores rurais e suas famílias, considerando a mais eficaz coordenação, por via de acordos, de todas as instituições e serviços de previdência, saúde e assistência"24. No entanto, apesar dos trabalhos de uma comissão de política social rural em 1964, esta extensão do sistema da previdência social só se iniciou em 1969.

 

Emigração e comunidades epistémicas

Como vimos, Pierre Guibentif destaca, no processo de reforma da previdência social em 1957-1962, "o aparecimento de uma nova categoria social de técnicos da política social, mediadores de certas necessidades não formuladas, e veículos por vezes, das fórmulas de respostas práticas nos outros países e defendidas pelos organismos internacionais" (Guibentif, 1986, p. 233). Os efeitos da mobilidade da população não são de negligenciar quer no aparecimento deste estrato de funcionários especializados nas questões de segurança social, quer na própria dinâmica do desenvolvimento das políticas sociais em Portugal. É de notar que é com a convenção de segurança social assinada com a França em Novembro de 1957 que a expressão "segurança social" aparece pela primeira vez num texto legal em Portugal (Roseira, 1964, p. 84). A propósito desta convenção, Pierre Guibentif avança a hipótese de que há uma "estimulação actuando sobre o sistema português por causa da sua inserção na rede internacional de coordenação" (Guibentif, 1997b, p. 29). Com efeito, 1957 também é a data da proposta de lei sobre a reforma da previdência social. No entanto, a convenção de 1957 não foi concluída em consequência do ciclo migratório europeu que se iniciou por volta deste mesmo ano. Nem foi planeada como um incentivo à emigração. Pelo contrário. Inicialmente, este documento legal era visto par parte dos actores do Estado como uma forma de impedir a integração dos portugueses em França e favorecer o seu regresso a Portugal. As primeiras referências que encontramos à assinatura de um texto legal que assegurava aos portugueses em França os mesmos direitos sociais de que dispunham os nacionais desse país remontam a 1919. Vários projectos foram desenhados nos anos 1919-1940, os quais se baseavam no princípio de reciprocidade, permitindo aos portugueses em França (ou aos franceses em Portugal) serem tratados em pé de igualdade com os franceses ou com os estrangeiros vindo de países com os quais a França tinha assinado um acordo de reciprocidade25. Os portugueses podiam assim beneficiar da assistência e de certos subsídios sociais que não decorriam do sistema dos seguros sociais (como algumas pensões de velhice). Depois de vários falhanços, em Abril de 1940 foi assinada uma convenção de trabalho e de assistência que regulamentava a vinda de trabalhadores portugueses para a França e reconhecia a igualdade de tratamento. Mas a invasão da França pela Alemanha em Junho de 1940 determinou que o acordo nunca chegasse a ser aplicado. Em 1946, Portugal recusou-se a executá-lo ou a assinar outro documento legal que previsse a emigração de portugueses para a França. Em 1947, o director dos negócios políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Marcelo Mathias, explicava ao representante francês em Lisboa que o governo não pretendia permitir a emigração para a França, tendo iniciado uma política de fomento (electrificação do país, construção de barragens, etc.) e favorecendo a emigração para as colónias e para o Brasil26. Outra motivação estava na mente do diplomata: o governo português temia a presença de portugueses num país democrático cujo governo contava com ministros comunistas. Porém, em 1950, o mesmo Mathias, uma vez embaixador de Portugal em França, reclamou junto do Palácio das Necessidades, a assinatura de um texto legal que possibilitasse que os cerca de 20 000 portugueses em França gozassem dos mesmos direitos sociais que os nacionais desse país. Como a sua sugestão foi ignorada por Lisboa, Mathias voltou, no ano seguinte, a expressar a mesma proposta, focando as desvantagens para Portugal e para a sua economia da falta de um acordo deste tipo. Não tendo direito a todas as ajudas sociais, "o trabalhador português, sentindo-se numa situação de inferioridade, tem uma tendência natural para se desnacionalizar, tendência esta favorecida ainda pela facilidade com que as autoridades francesas acolhem tais pretensões"27. Outra vantagem deste acordo era o de permitir a conservação e exportação de certos direitos sociais, como as pensões de velhice ou de invalidez. Em Janeiro de 1955, como escrevia a Salazar um emigrante em França, "logo que o tratado seja assinado, [poderemos] regressar a Portugal quando inválidos ao trabalho, ou quando velhos, sem receio da miséria e findar os nossos dias no `solo pátrio'"28. Este acordo favorecia então uma estratégia migratória baseada no retorno e assegurava à economia portuguesa a canalização de remessas. Assim, se o governo português se opôs à assinatura de um acordo de recrutamento de trabalhadores até 1963, desde 1952 o governo português iniciou um processo de estudo e de negociações que se concluiu com a assinatura da convenção de segurança social em 1957. Deste demorado processo há que assinalar um elemento que converge com a hipótese de Guibentif acerca da influência dos técnicos especializados na segurança social. Quando, em Março de 1952, a sugestão de Marcelo Mathias é, por fim, tomada em consideração pelo Palácio das Necessidades, este ministério transmite o assunto ao Ministério do Interior, que tutelava os assuntos ligados à emigração e à assistência. É ali, mais precisamente no seio da direcção-geral da administração política e civil, que um funcionário, aliás irmão de Marcelo Mathias, prepara um relatório de 44 páginas sobre a legislação social francesa e aconselha a assinatura de um convénio sobre a segurança social com a França. Vê-se que, no espaço administrativo português, as questões ligadas à emigração e à assistência social ficavam sob a alçada do Ministério do Interior. Porém, um ministério e uma pessoa em particular vão tomar, nos assuntos ligados às convenções sociais de segurança social, um ascendente progressivo: o Ministério das Corporações e daPrevidência Social e Mário Roseira29. A anuência do ministro do Interior em assinar o acordo com a França conduz à criação de uma comissão interministerial composta por Mário Matias, Abílio Pinto de Lemos (das Necessidades) e Mário Roseira, na altura chefe da 1.ª repartição da direcção-geral da previdência do Ministério das Corporações e da Previdência Social. A comissão acaba a redacção de um projecto de acordo em Abril de 1954. Na realidade, foi Mário Roseira que o redigiu, inspirando-se em acordos já assinados pela França e, nomeadamente, no acordo franco-italiano de 1949. Desde então, Mário Roseira vai ser o principal protagonista português de todas as negociações, actualizações, aprofundamentos das convenções e dos acordos ligados à segurança social com a França, mas também com outros países30. A emigração e os instrumentos que ela implica no domínio da segurança social vão ter como consequência uma inserção mais profunda de Mário Roseira na "comunidade epistémica" (Haas, 1990; Kott, 2008) internacional dedicada à segurança social, comunidade que, no entanto, era um espaço de concorrência e de lutas entre várias maneiras de ver a protecção social. Roseira devia conhecer profundamente as legislações sociais dos principais países europeus, como a legislação francesa, que qualificava, em 1957, de "tão progressiva"31, as convenções de segurança social assinadas por outros países, os trabalhos, as recomendações, as convenções das organizações internacionais, como a OECE, a OCDE, a OIT, o Conselho da Europa. Nas várias negociações relativas aos acordos (que implicam acordos administrativos, a elaboração de formulários, a definição de processos administrativos, etc.), Roseira vai encontrar-se com reconhecidos especialistas franceses na área da segurança social, como Jacques Doublet ou Francis Netter. Estes contactos não só favoreceram a circulação de saberes sobre a segurança social em Portugal, como criaram laços de solidariedade e afinidades entre Roseira e diversos actores políticos e administrativos europeus. Estes encontros repetidos, ocasiões de sociabilidades (em jantares, visitas turísticas, etc.), favoreceram a convergência de maneiras de ver e de fazer. A presença de Mário Roseira na Associação Internacional de Segurança Social, a vinda a Portugal de altas personalidades internacionais do campo da segurança social (como Pierre Laroque em 1967, um dos principais criadores da segurança social francesa em 1945), a organização da reunião regional europeia sobre segurança social dos trabalhadores migrantes no Estoril em 1972, ilustram a integração de Roseira na "comunidade epistémica" das políticas sociais. Estes contactos variados e saberes propiciados pelo fluxo emigratório português foram mobilizados por Roseira no espaço político e administrativo português para tentar impor a reforma da previdência social e a sua extensão. Graças aos acordos de segurança social, Roseira granjeou um importante capital técnico e social que ele pôde, em parte, converter no campo administrativo português. Com efeito, Roseira não limitou a sua acção aos aspectos internacionais da segurança social, mas foi um dos principais actores da reforma da previdência social de 1962 e dos projectos de alargamento da previdência às populações rurais (Patriarca, 2008, p. 130). Em 1962, numa palestra perante dirigentes de empresas, realçava que depois da reforma da previdência social, acabada nesse ano, tinham sido "formuladas as patentes necessidades de protecção de outros profissionais dos mesmos sectores e da generalidade dos trabalhadores de outras actividades, designadamente do nosso tão desfavorecido mundo rural" (Roseira, 1964, p. 60). Para apoiar estas reivindicações, tal como faziam aqueles que Albérico Afonso Costa Alho apelidou de "tecnocatólicos" (Alho, 2008), Roseira socorria-se de João XXIII e da encíclica Mater et Magistra: "Os sistemas de seguros sociais ou de segurança social podem contribuir eficazmente para a redistribuição do rendimento global da comunidade política segundo critérios de justiça e de equidade e podem, portanto, considerar-se um dos instrumentos de redução dos desequilíbrios de vida entre as diversas categorias de cidadãos" (Roseira, 1964, p. 61). Esta citação indicava que, nos anos 60, a protecção social dos trabalhadores rurais já não era pensada de um ponto de vista conservador (manter as populações rurais enraizadas), mas em termos de equidade e de justiça social, ideias basilares do catolicismo social então vigente.

 

Instituições e alargamento do "espaço social" 32

Uma das principais consequências da convenção da segurança social de 1957 e dos seus prolongamentos foi a importação, por beneficiários portugueses, de prestações francesas (ou de outros países). Por exemplo, em 1958 foi assinado um acordo sobre as prestações familiares. Este texto permitia que as esposas de trabalhadores portugueses em França que residissem em Portugal com os filhos recebessem abonos de família durante dois anos (seis anos depois de 1964). O governo português aceitou a assinatura deste acordo administrativo porque ia ao encontro de um dos eixos fundamentais da sua política de emigração: a separação dos núcleos familiares, que favorecia o incremento das remessas, uma migração baseada no retorno e um estímulo à passividade política e sindical dos emigrantes33. Gonçalves de Proença explicava, em 1966, que, sem estas prestações, "muitos dos familiares dos nossos emigrantes ver-se-iam forçados a abandonar também o nosso país provocando o seu completo desenraizamento e abandono da comunidade portuguesa"34. Para canalizar estes direitos sociais, em ligação com as caixas de segurança social estrangeiras, e remetê-los aos familiares dos emigrantes foram montadas novas instituições. Em 1958 foi criado o serviço dos Acordos Internacionais sobre a Segurança Social no interior da Federação das Caixas de Previdência. Devido às reformas institucionais previstas na lei n.º 2115 de 1962, esta instituição foi substituída, em Dezembro de 1965, pela Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes. Desde 1960 também existia a Comissão de Estudos das Convenções sobre a Segurança Social, presidida por Mário Roseira. Estas instituições deviam ter um conhecimento actualizado das legislações sociais estrangeiras, dos textos internacionais sobre a segurança social e dos acordos bilaterais sobre a segurança social assinados por Portugal com os seus parceiros. O serviço dos Acordos Internacionais sobre a Segurança Social devia, por exemplo, "traduzir e publicar os relatórios da Associação Internacional de Segurança Social"35. Estas instituições tinham secções dedicadas ao "estudo" que empregavam um conjunto de especialistas sobre a segurança social. Pareceres técnicos aprofundados sobre seguros sociais eram doravante possíveis de obter com a formação adquirida por vários técnicos. Nos anos 60 e 70, a Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes publicou regularmente as convenções de segurança social ratificadas, folhetos de explicação dirigidos aos emigrantes e aos seus familiares, para que estes não ficassem privados dos seus direitos. Estavam em jogo avultados montantes monetários. Qualquer modificação da legislação estrangeira ou a assinatura de novos acordos de coordenação de segurança social mais generosos poderiam ser usadas para obter uma actualização e melhoria dos acordos já assinados por Portugal. Os montantes recebidos pelos familiares de emigrantes portugueses estavam longe de ser desprezíveis. Em 1968, 69 000 familiares de trabalhadores portugueses em França, na Alemanha, no Luxemburgo ou na Holanda recebiam, em Portugal, assistência médica e medicamentosa a cargo de organismos estrangeiros. Neste mesmo ano, as famílias de 181 308 descendentes de trabalhadores portugueses em França e no Luxemburgo beneficiavam do abono de família. Eram assim 111 955 275 escudos que transitavam pela Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes e eram remetidos às famílias dos emigrantes36. Este afluxo de dinheiro teve várias consequências sobre o desenvolvimento dos seguros sociais em Portugal. Mesmo não existindo ainda estudos sobre esta temática, pode pensar-se, com razoabilidade, que o facto de várias prestações sociais (abonos de família, assistência medicamentosa, pensões) chegarem, já em 1968, a dezenas de milhares de famílias possa ter exercido alguma influência nas aldeias portuguesas. Se estas prestações já tinham penetrado nos campos pela via dos trabalhadores das indústrias, era a primeira vez que este tipo de direitos aparecia massivamente nas áreas rurais do Centro e do Norte do país. Nas mais isoladas aldeias portuguesas começou a ter-se conhecimento da existência de benefícios sociais. Este elemento fez parte do processo mais vasto de abertura, por intermédio dos emigrantes, dos campos portugueses à Europa ocidental, ao mundo urbano, à sociedade industrial, à democracia liberal e ao Estado-providência. "O emigrante pobre", segundo António José Telo, "torna-se o grande veículo da propaganda dos benefícios da democracia e das vantagens do desenvolvimento e do progresso [...] E um agente tanto mais eficaz quanto é inocente, inconsciente, não pago nem instruído para cumprir essa função" (Telo, 1997, p. 160). Com os migrantes, nomeadamente por ocasião do regresso nas férias, difundem-se novos produtos, novas maneiras de ver, novos desejos e uma certa insatisfação que, em 1969, Adérito Sedas Nunes já tinha diagnosticado (Nunes, 1969, pp. 278-282). Até os informadores da polícia política tinham alertado que havia "constantes manifestações de mal-estar por parte das populações, que ouvem os emigrantes contar maravilhas da vida que se vive no estrangeiro e sentem-se como que prejudicados no seus direitos. Com a falta de conhecimentos, vem-lhe uma espécie de inveja, por não possuírem condições de vida iguais às que os emigrantes dizem possuir"37. Não são apenas os objectos (carros, casas e roupas), mas os salários e os direitos sociais obtidos que os emigrantes propagam. Os que ficam não podem continuar a ver o mundo social como anteriormente. Comparando a situação deles com a dos migrantes, aqueles que ficaram em Portugal tendem a reavaliar a sua posição num mundo social limitado, que havia sido a deles, e a inseri-la num universo social mais vasto (Bourdieu, 2002, p. 221). Os emigrantes portugueses mostraram aos outros rurais a existência de sistemas de protecção social e a existência de direitos. Isto suscitou nos que permaneceram em Portugal insatisfação, qualquer que fosse, aliás, a sua classe social: uma "insegurança social" começava a fazer-se sentir. Robert Castel lembra que a insegurança social surge assim que os indivíduos sentem que as protecções sociais que possuem não os protegem totalmente contra os diferentes "riscos": "A procura de protecções criou assim, ela mesma, a insegurança" (Castel, 2003, p. 6). A experiência do Estado-providência em França e a importação de certos direitos sociais, como o abono de família, provocaram nos que ficaram o sentimento de desprotecção. A insegurança que sentiam levou alguns a reclamar a aplicação dos novos direitos em Portugal ou lançou-os na emigração. Já em 1966, Soeiro de Sousa, do Serviço Nacional de Emprego, notava que "as vantagens da Segurança Social representam um pólo de atracção importante [para a emigração]. O trabalhador que deixou a família no país de origem, à qual são pagas prestações familiares, o trabalhador que se acidentou e regressa com uma pensão de acidentes, o trabalhador que se invalida ou que atinge a idade de reforma e continua a receber a respectiva pensão uma vez regressado ao seu país, são uns tantos estímulos para os que ainda não tomaram a decisão de emigrar [...] Mais do que uma alta de salários, é uma melhoria das condições de Segurança Social que hoje os trabalhadores mais reivindicam" (Sousa, 1966a, p. 21). No entanto, estas hipóteses têm de ser matizadas. Muitos dos emigrantes não usufruíam dos seus direitos sociais. Vindos ilegalmente, desconfiando da administração, não sabendo que tinham direitos, desconhecendo a teia administrativa dos países de imigração, não sabendo ler e escrever (nem em português nem nas línguas dos países onde viviam), muitos portugueses não receberam logo as regalias sociais. Até 1971, as prestações sociais exportadas para Portugal também eram financeiramente limitadas devido ao sistema de comparação vigente na convenção de 1957. Com efeito, o montante dos abonos de família exportado pelas caixas francesas em benefício de uma criança residente em Portugal não podia ultrapassar o montante máximo das prestações concedidas pelas caixas portuguesas. Por fim, o efeito de difusão dos direitos sociais nas aldeias portuguesas tem de ser matizado à luz dos trabalhos sociológicos actuais, que demonstram que grande parte das classes populares não interioriza o facto de que tem direitos sociais (Loison, 2006).

 

Ultimas resistências

Entre 1962 e 1969, milhares de portugueses emigraram, actores do Estado português viram nesta mobilidade um incentivo para uma melhoria da protecção da população, designadamente da rural, difundiram-se paulatinamente direitos sociais nos campos, instituições e especialistas eram doravante capazes de desenvolver um sistema de previdência social, a legislação de 1962 sobre previdência social já previa a extensão do sistema a toda a população activa. Ora, nesse período, o alargamento da previdência social não teve lugar. O que é que impediu a implementação desta medida, que, como demonstra a correspondência do ministro das Corporações e da Previdência Social, José João Gonçalves de Proença com Salazar, estava pronta e era vista como uma forma de limitar a emigração?38

A 12 de Novembro de 1965, ao apresentar ao ditador os projectos legislativos do seu ministério, Gonçalves de Proença estima que "seria muito significativo festejar o 40.° aniversário do regime com a extensão da previdência aos meios rurais"39. Este desejo de estender a previdência social não era novo para o ministro. Ele já o tinha revelado publicamente em 27 de Maio de 1964 (na véspera do aniversário da revolução de 28 de Maio de 1926) (Proença, 1965, p.265), ano em que uma comissão de política social rural estudou a extensão da previdência social aos trabalhadores rurais. Mas este desejo não encontrou acolhimento favorável junto de Salazar. A 28 de Maio de 1966 apenas é promulgada uma nova legislação sobre os contratos de trabalho. O que não impediu Gonçalves de Proença de se congratular junto do presidente do Conselho e de repetir a associação entre a política social e a mobilidade transnacional da população:

Permito-me, por último, enaltecer também o significado que virá ligar os momentos fundamentais do texto às duas datas de maior projecção na política social portuguesa — o 28 de Maio (publicação) e o 23 de Setembro (entrada em vigor). Será, repito, uma reforma verdadeiramente digna e expressiva de associar a população activa às comemorações do 40.° aniversário da Revolução Nacional, que assim ficará mais fortemente gravada no seu espírito, levada a associar constantemente, até pelo simples enunciado da data do novo diploma, o 28 de Maio à renovação operada na legislação social portuguesa. Tenha-se igualmente presente que tudo quanto se fizer para aumentar os motivos da estabilidade social da nossa população será serviço grande prestado ao país, evitando o seu despovoamento progressivo pela sangria da emigração40.

Em 17 de Janeiro de 1967, Gonçalves de Proença volta à carga informando Salazar de que

o segundo problema apreciado com o senhor ministro da Economia — sobre a possível extensão, por intermédio das caixas de previdência e casas do povo, do abono de família aos trabalhadores rurais — encontrou também da sua parte a maior receptividade, tendo ficado assente que o assunto irá ser convenientemente estudado pelos dois departamentos, na dupla perspectiva das possibilidades económicas da nossa lavoura e do interesse social das providências a adoptar (ainda recentemente reclamadas na Assembleia Nacional). Na consideração deste último aspecto foi especialmente ponderado o valor positivo da política social como meio de fixação dos trabalhadores ao campo, donde hoje todos procuram fugir, merecendo igual ponderação os aspectos económicos imediatos dos novos encargos que para o efeito terão de ser criados. De acordo com a orientação recebida, serão esses estudos (que, aliás, se encontram já bastante adiantados da nossa parte) levados oportunamente ao conhecimento de Vossa Excelência, a quem competirá, uma vez mais, dar a palavra definitiva de orientação e, seguramente, o mérito de este novo progresso da nossa política social41.

Era ao presidente do Conselho que cabia tomar a decisão final. Todavia, a receptividade que Gonçalves Proença julgou ter encontrado junto do ministro da Economia, José Gonçalo Correia de Oliveira, é totalmente negada numa carta que este último envia, em 17 de Abril de 1967, ao ministro das Corporações e da qual, através de uma cópia, dá conta a Salazar. Esta correspondência constitui uma longa queixa contra a perspectiva de uma extensão da previdência e constitui, por outro lado, um ataque às acções levadas a cabo pelo ministro das Corporações no domínio da regulamentação do trabalho. Abordando a política social rural, isto é, a política de salários, o esforço do INTP para que os grémios aceitassem os contratos sobre o horário de trabalho rural, e o esboço de projecto de protecção dos rurais, Correia de Oliveira mobiliza o tópico da "retórica reaccionária" (Hirschman, 1991) para recusar os postulados da reforma. Segundo ele, o aumento dos salários rurais não estava correlacionado com a produtividade. Por um lado, ele põe em dúvida o instrumento estatístico ao afirmar que os salários médios não reflectiam as diferenças regionais e temporais. Por outro, ele aponta o darwinismo social da emigração, ideia partilhada também por parte da oposição, defendendo que esta tem

incidido, como é natural, nos mais aptos, nos mais empreendedores, nos melhores. Em muitas regiões vão, assim, ficando livres para o trabalho agrícola os diminuídos fisicamente e os que nunca prestaram para coisa nenhuma. E, porque se encontram sozinhos em campo, são estes os que beneficiam e impõem as constantes elevações de salário. Por outro lado, a escassez da oferta está a levar os nossos trabalhadores agrícolas a não aceitar o menor reparo ao seu trabalho: trabalham como querem, quanto lhes apetece e segundo o seu critério: "e, se o patrão não esta contente, é só dizer porque quem o queira e por mais não falta". Tudo isto leva a uma redução enorme da produtividade que, dantes já era baixíssima, do trabalhador agrícola42.

Em seguida, afirma ainda que não pode aceitar um novo aumento dos custos da produção, pois não quer aumentar os preços (e daí, em consequência, alimentar a inflação), e que os proprietários não podem suportar um tal encargo, ocultando a pobreza e a miséria reinante nos campos e insinuando que os trabalhadores eram correctamente remunerados:

É curioso notar que os nossos trabalhadores que, no campo, alcançam um horário de oito horas quase sempre se recusam a trabalhar fora do horário seja qual for o preço que se lhe ofereça pelas horas suplementares. Isto permite concluir que o salário ganho nas oito horas os satisfaz — e alguma razão terão para o seu contentamento43.

Enfim, é sobre a implantação do sistema de protecção social que ele estende os dois principais argumentos da retórica reaccionária: a inutilidade e a perigosidade. Segundo ele, a proposta do ministro das Corporações estava votada à inutilidade, pois, "de resto teria que ser muito vasto, um esquema de política social com suficiente poder de atracção de uma mão-de-obra agrícola que teria de se qualificar para merecer o que quer ganhar. O esquema em causa é, em meu entender, insuficiente para atingir aquele objectivo e, mesmo assim, é incomportável"44. Seguidamente, convoca o argumento do perigo, afirmando viver "angustiado com o receio de não poder o governo evitar uma ruptura das bases em que se baseia, há tantos anos, a estabilidade financeira interna que permitiu ao país realizar tudo o que fez. Se essa ruptura se verifica, arriscaremos tudo desde a segurança do trabalhador à segurança da nação"45. Termina a sua missiva pedindo ao ministro das Corporações que abandone o seu projecto porque: "não podendo ser aceite, ele vai criar, no trabalhador rural e nas organizações que o pretendem subverter, um pretexto de descontentamento contra patrões e contra a política económica que pode ter as mais sérias e injustas consequências"46.

A longa argumentação desenvolvida pelo ministro da Economia e o conflito com Gonçalves de Proença ilustram a falência do neofisiocratismo português e as contradições da política económica nos anos 60, contradições personalizadas na figura de Correia de Oliveira. O principal actor da abertura económica e comercial de Portugal à Europa (Lucena, 1999; Leitão, 2007) erige-se em defensor dos grupos conservadores, os proprietários agrícolas, e mais particularmente os alentejanos e os ribatejanos. Quando foi nomeado ministro da Economia em 1965, substituindo José Maria Teixeira Pinto, o objectivo de Correia de Oliveira era acalmar a "actividade agrícola", que se "encontrava então" num estado de "autêntica revolta", convencida que estava "de que o governo a queria levar ao seu colapso para, depois, promover uma grande reforma agrária"47. Parte dos proprietários agrícolas criticava virulentamente José Maria Teixeira Pinto e sentia-se "quase que troçados pelo senhor ministro da Economia, quando comparecemos diante dele ou que Sua Excelência vem falar ao país, através da rádio televisão portuguesa"48. Correia de Oliveira censurava a acção dos técnicos de sensibilidade católica social do seu ministério: "um dos serviços do ministério da Economia criado para o apoio à lavoura preocupava-se mais em pregar política social e reforma agrária do que em fazer apoio técnico e financeiro e gastava parte das suas disponibilidades a imprimir e a distribuir, de graças, excertos dos documentos emanados da Santa Sé e de centros laicos católicos"49. Para apaziguar as queixas expressas por parte dos proprietários agrícolas, Correia de Oliveira foi visitar pessoalmente os grandes proprietários alentejanos. Cutileiro conta que, quando passou por Monsaraz, Correia de Oliveira "permaneceu em casa de um dos latifundiários e foi aí que se procedeu à análise da situação" (Cutileiro, 1977 [1971], p. 212). As medidas tomadas pelo ministro da Economia enquadraram-se na política económica salazarista, de laivos mercantilistas, cuja prioridade era controlar a inflação e proteger-se dos seus efeitos políticos (reivindicações populares, greves, desordens públicas, etc.) (Salazar, 1998 [1918]; Garrido, 2004). Os governos de Salazar tentaram assim manter os salários dos trabalhadores agrícola baixos para abastecer as cidades de produtos agrícolas baratos [cujos preços, como Correia de Oliveira confessou em 1966, foram congelados (Cabral, 1986, p. 8)], contendo assim os salários das populações urbanas, a inflação e os movimentos sociais. Mas o abastecimento das cidades a baixo preço não devia reduzir demasiado os lucros dos proprietários agrícolas. A intervenção de Correia de Oliveira perante as iniciativas de Gonçalves de Proença visava estes dois objectivos: acalmar os proprietários agrícolas do Ribatejo e do Alentejo sem ter de aumentar os preços dos produtos agrícolas tabelados e, assim, favorecer a inflação. Perante as reivindicações dos latifundiários — que reclamavam há anos o aumento dos preços agrícolas — o governo preferia dar subsídios e tentar manter baixos, por vários meios, os salários dos trabalhadores agrícolas. Neste caso, esta meta era alcançada tirando aos trabalhadores rurais a possibilidade de obter regalias sociais. Ora isto ia contra certas reivindicações feitas ao longo dos anos 60 pela Corporação da Lavoura, então dirigida por António Pereira Caldas de Almeida, que pedia a Salazar o "estabelecimento imediato do abono de família para os trabalhadores rurais, colonos da Junta de Colonização Interna e empresários familiais [sic] e uma subida no preço"50 dos principais cereais. As organizações corporativas da lavoura declaravam-se favoráveis à extensão das políticas sociais aos trabalhadores rurais desde que os preços dos produtos agrícolas aumentassem (Lucena, 1980). O que Salazar, temendo a inflação, sempre recusou. A recusa da extensão da previdência social aos rurais também divergia das opiniões expressas por vários técnicos do Ministério das Corporações e da Previdência Social, que não mobilizavam somente a argumentação da fixação da população mas eram também influenciados pelo catolicismo social da justiça social. Assim, Soeiro de Sousa afirmava nas páginas da Análise Social: "o mundo do trabalho agrícola é ainda o que tem maior peso entre os três sectores de actividade económica, não faz sentido que a previdência continue a ignorar tão desafortunado núcleo populacional" (Sousa, 1966b). Na década de 60, Salazar, pouco sensibilizado pela justiça social, focava as suas prioridades no esforço de guerra e preferia conciliar dois objectivos aparentemente pouco conciliáveis. Por um lado, pretendia não descontentar os proprietários agrícolas em declínio económico, social e político e não fragmentar perigosamente a "retaguarda". Por outro lado, procurava favorecer um importante crescimento económico, indispensável à continuação das guerras coloniais. Este desenvolvimento, ao contrário do que pretendiam os actores políticos e administrativos de sensibilidade católica, não reduzia as desigualdades sociais, aumentava-as51. A extensão da previdência social aos rurais era vista por Salazar como uma fonte de problemas inútil com os proprietários rurais e uma medida gravosa que ia proteger uma população que devia movimentar-se, não obstante os discursos elogiando a imobilidade52.

Embora vencido pelo ministro da Economia, Gonçalves de Proença, alguns meses mais tarde, não hesita em exprimir publicamente o seu desacordo com a decisão tomada. Recusando os argumentos que diziam que os custos destas medidas seriam demasiado elevados, ele argumenta que, pelo contrário,

os encargos que o alargamento da previdência social a esses sectores daria lugar são bem menores do que os custos de toda a ordem a que dá origem a ausência desse seguro, dado a influência que tal facto tem tido, por exemplo, sobre o êxodo rural e consequentes falta de mão-de-obra e aumento do custo de retribuição do trabalho. Queremos com isto significar que, em nossa opinião, esse êxodo pode em certa medida ser combatido através da criação de condições que tornem mais aliciante o trabalho, para o que muito pode contribuir o seguro social" [Proença, 1965, pp. 32-33].

Gonçalves de Proença liga, claramente, a melhoria das prestações fornecidas pelo Estado à redução do volume da emigração. Para ele, se se pretendia verdadeiramente fixar a população em Portugal, era preciso melhorar as suas condições de vida e a sua protecção. O veto de Correia de Oliveira e de Salazar à extensão da previdência social demonstra a fecundidade da "polity-centered analysis" proposta por Theda Skocpol (1992, p. 40). Foi a natureza particular do jogo político nos últimos anos do salazarismo que impediu a introdução de políticas recusadas pelos grupos conservadores em declínio. E isto apesar da existência no próprio seio do Estado, nomeadamente no Ministério das Corporações e da Previdência Social, de uma "nebulosa reformadora" (Topalov, 1999) constituída por "tecnocatólicos". Norteados pela doutrina social da Igreja, que se encontrava então em plena reformulação, e pelas normas difundidas pelas organizações internacionais, agrupados em vários associações católicas (Acção Católica, Juventude Católica Universitária, etc.), estes técnicos ligados ao Ministério das Corporações foram actores da reformulação da política social numa tentativa de luta contra as desigualdades, de modernização das estruturas produtivas e de adopção e implementação do modelo fordista em Portugal. Muitos destes técnicos do Ministério das Corporações eram próximos do sociólogo Adérito Sedas Nunes e colaboravam com a revista que ele dirigia de facto, a Análise Social. Houve assim uma certa convergência entre técnicos do ministério das Corporações de sensibilidade católica social e a disciplina sociológica53. Esta influência da sociologia sobre os técnicos que pugnaram pela implementação do Estado-providência vai ao encontro de outra hipótese de Stein Kuhnle (1996) e dos trabalhos de autores como Dietrich Rueschemeyer e Theda Skocpol (1996) ou Pierre Rosanvallon (1990). Com efeito, o desenvolvimento das ciências sociais e das estatísticas permitiu que certos fenómenos sociais até então invisíveis pudessem ser construídos em "problemas públicos" por certos actores (como alguns actores estatais). Em Portugal, os sociólogos — e outros investigadores sociais — tentaram "mostrar as realidades sociais que o regime ignorava ou escondia, desmontar as ocultações sociais que serviam ao regime para se justificar a si próprio ou para impedir que se revelassem os seus aspectos sociais mais clamorosos" (Nunes, 1988, p. 17). Assim, os artigos da revista Análise Social, criada em 1963, descreviam, quantificavam e apontavam os atrasos, as insuficiências, as desigualdades vigentes na sociedade portuguesa.

 

Caetano, política social e legitimidade

Dois meses depois da sua chegada à Presidência do Conselho, na Assembleia Nacional, Caetano apresentava o seu programa relativamente à política social: "procurará [...] acelerar o ritmo da política social para que se acompanhe, e até estimule, o desenvolvimento económico e assegure mais equitativa distribuição dos rendimentos. Neste capítulo a situação dos trabalhadores rurais merecerá especial cuidado, por dever de justiça e até por necessidade de fixar nos campos a mão-de-obra de que a agricultura carece" (Caetano, 1969, p. 98). Nesta frase, Caetano resume as três ideias basilares, repetidas desde os anos 50, que estiveram na origem da reforma de 1962 e das propostas do seu alargamento e aprofundamento: limitar a emigração, favorecer a modernização do país e reduzir as desigualdades sociais em nome da justiça social. Em Abril de 1969, na sua terceira "conversa em família", Caetano perguntava-se: "como havemos de conseguir estancar, ou pelo menos reduzir consideravelmente a emigração para o estrangeiro? Pois melhorando as condições da vida rural. Se tivermos uma agricultura mais rica, associada à indústria e produzindo para grandes mercados, poderá haver trabalho mais constante e melhores salários, previdência e assistência eficazes para os trabalhadores" (Caetano, 1969, p. 102). Assinalando os protestos expressos contra a sua iniciativa sobre a protecção dos trabalhadores rurais, ele assegurava: "trata-se de fazer justiça aos trabalhadores rurais, desirmanados do operariado fabril em regalias e protecção, e trata-se de agir no próprio interesse das empresas agrícolas, pois se não acudirmos a quem nelas trabalha deixarão de dispor de mão-de-obra dentro de pouco tempo. Continuarmos parados, cruzando os braços perante a iniquidade, em homenagem à rotina, é que não pode ser" (Caetano, 1969, p. 102).

A lei n.º 2144, de 25 de Maio de 1969, inicia o processo de extensão da previdência social aos rurais e a concessão do abono de família, limitando-se, porém, a uma escassa fatia desta população. É sobretudo o decreto n.° 445, de 23 de Setembro de 1970, que realiza a extensão da previdência social aos trabalhadores rurais. Nos anos seguintes, as prestações e serviços fornecidos conhecem várias revalorizações, ainda que sem atingir uma quantidade e uma qualidade comparáveis às oferecidas noutros países europeus.

Por que é que, passados mais de dez anos sobre os pedidos feitos pelo ministro das Corporações no sentido de se alargarem as medidas de previdência social às populações rurais, e numa altura em que o êxodo rural (emigração e migração para o litoral português) havia esvaziado os campos, esta extensão foi finalmente realizada? Por que é que o governo alargou o sistema de previdência social a uma população que, devido à emigração e à subida dos salários que esta proporcionou e às remessas que disponibilizou, vivia menos miseravelmente do que nos fim dos anos 50? Quais eram as motivações de Caetano?

Caetano fez desaparecer as barreiras conservadoras que impediram a implantação de medidas já prontas há vários anos54. Rompeu com a inércia que grassou até 1968 e retomou o fio das ideias e dos projectos que se tinham multiplicado nestes anos. O que singulariza a governação de Caetano é que ela põe fim às ambiguidades e à duplicidade que reinaram nos anos 1959-1968. Apesar da entrada de Portugal na EFTA, Salazar nunca reconheceu no espaço público português a escolha da via da modernização e as suas consequências para os sectores tradicionais da sociedade portuguesa, mais particularmente para a burguesia agrária. Os discursos reaccionários e antimodernos preenchiam o espaço público, enquanto os escritos dos industriais e dos modernizadores eram vigiados pela censura55. Mesmo os planos de fomento eram atentamente revistos para eliminar os aspectos mais críticos e potencialmente perturbadores para os meios conservadores. Caetano acaba com esta duplicidade, assumindo o desenvolvimento económico e a modernização do país. A modernização já não é vista como um perigo para a ditadura, mas como uma maneira de a salvar, legitimando-a. Nesta busca de uma legitimidade baseada na eficácia económica e no bem-estar da população, Caetano avança rapidamente no assunto da previdência social.

Estas medidas enquadravam-se na política defendida por Caetano desde os anos 50, que pretendia reduzir as desigualdades sociais, ajudar os mais desfavorecidos e assegurar um desenvolvimento harmonioso económico e industrial do país. Eram essas as reivindicações que ele formulara na sua correspondência particular com Salazar ou que inscreveu no II plano de fomento, que preparou quando passou pelo ministério da Presidência do Conselho entre 1955 e 1958. Há então uma certa continuidade, como mostrou Fernando Rosas, entre as propostas de Caetano antes de 1968 e a sua governação. Por outro lado, em 1968, Caetano recupera o fervilhar de ideias dos anos 50 e 60. Em 1968, em várias políticas públicas, como foi o caso da política social, Caetano só tem de promulgar decretos que já estavam prontos há anos.

Mas é preciso não ver apenas nesta legislação promulgada por Marcelo Caetano uma concessão magnânima ou uma simples coerência com um conjunto de ideias anteriores. Trata-se, mais do que isso, de uma concessão feita a fim de travar o movimento da emigração, entendido como um protesto colectivo silencioso e como uma forma de cortar a insatisfação e o sentimento de insegurança social provocado pela emigração. Diferentemente de Salazar, que viveu quase em clausura durante os últimos anos do seu "reinado", não conhecendo o país senão pelos jornais, pela correspondência recebida e pelos relatos das suas visitas, Marcelo Caetano esteve atento às mutações socioeconómicas do país e possuía uma leitura menos passadista destas evoluções. Esta política não deu os seus frutos a curto prazo, pois a emigração conheceu o seu apogeu entre os anos de 1969 e 1971. Mas ela revela a tentativa de Marcelo Caetano para se ligar às classes populares e para ganhar uma legitimidade — à falta da conferida pelo sufrágio livre e concorrencial dos eleitores ou pela tradição — à qual ele aspirava a fim de, nomeadamente, se tornar mais independente em relação aos "ultras" salazaristas, representados pelo presidente da República, e de enfraquecer a oposição (Valente, 2002, p. 136; Fernandes, 2005). O início do processo das concessões de regalias sociais à população rural acontece poucos meses antes das eleições legislativas de Novembro de 1969, com as quais Caetano queria legitimar — perante Américo Tómas e os "ultras", mas também perante a oposição — o seu poder e fortalecer a sua autoridade. Do mesmo modo, as medidas sociais dirigidas à população rural propiciavam a Caetano nas suas visitas à província aclamações populares, em parte organizadas pelas autoridades locais, que ele instrumentalizava na luta travada com Belém. Depois das manifestações de apoio popular, devidamente propagandeadas, Caetano, segundo um antigo ministro do seu governo, podia falar "com vigor reforçado" ao "presidente da República [que] não podia naturalmente ignorar a importância de tão exuberante apoio das populações" (Pinto, 1994, p. 297).

 

Conclusão

O exemplo dos efeitos directos e indirectos da emigração portuguesa sobre a evolução do Estado-providência português demonstra que o estudo do regime autoritário português não pode reproduzir a ideia de uma política autónoma da sociedade na sua globalidade, agindo sem tomar em atenção os movimentos da população, que, como a emigração clandestina o prova, podia desobedecer de facto aos desejos formulados pelas elites e libertar-se das leis destinadas a controlar e regulamentar a mobilidade. E por detrás da imagem de apolitismo ou de passividade que temos do campesinato português, ou da imagem que este transmitiu para se proteger, "resistir e adaptar-se" (Silva, 1998), esconde-se uma variedade de práticas sociais que podemos considerar formas de resistência. As grelhas de análise oferecidas por uma parte da literatura sobre os movimentos sociais revelam-se insuficientes para descodificar as práticas sociais dos indivíduos pertencentes às classes sociais populares nos regimes autoritários. Como defendem estudiosos de regimes totalitários e autoritários (Blum e Mespoulet, 2003, p. 5), é necessário matizar o primado do político sobre as dinâmicas sociais e ver nas decisões políticas adaptações às tensões existentes no seio da sociedade. Esta perspectiva tem de ser articulada com um estudo fino do campo político e administrativo e das estratégias dos actores que nele actuam e estão em luta para impor ao Estado, portanto à sociedade na sua globalidade, as suas visões do mundo.

 

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Notas

1 Palavras de Rogério Martins citadas por Francisco António da Silva naAssembleia Nacionala 25 de Fevereiro de 1970 (Diário das Sessões, n.° 27, X legislatura, 1.a sessão legislativa, p. 495).

2Junta de Acção Social, Guia Prático da Previdência, n.° 17 da biblioteca social e corporativa, colecção «Formação Social», 1961. As citações são tiradas das determinações da lei relativa à reforma da previdência, subscrita em 28 de Maio de 1957 pelo ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.

3 Sobre a lei n.° 1884, o seu fracasso, e as várias leis no domínio dos seguros sociais promulgadas até 1962, v. Lucena (1976a), Guibentif (1985) e Cardoso e Rocha (2003).

4 Esta pergunta é o título de um livro de José Tengarrinha (2008).

5 Sobre este conceito, suas aplicações e seus limites, v. Cerezales (2003) e Fillieule (2005).

6 Sobre a construção de problemas públicos, v. Becker (1985 [1963]), Gusfield (1981) e Lahire (1999). Sobre a construção do fenómeno emigratório português em problema público entre os anos de 1957 e 1974, v. Pereira (2008).

7 Como descreve Cerezales (2008), as formas da repressão policial evoluíram ao longo dos anos. Por motivos de política externa, a repressão tornou-se menos contundente nos anos 60 e 70, mas não menos eficiente para impedir e travar as mobilizações transgressivas. É de notar também que a partir de 1969, por despacho do ministro do Interior, as greves deixaram de ser sistemática e automaticamente reprimidas pelas forças da ordem (Patriarca, 2004 e 2008).

8 No caso da legislação sobre seguros sociais de 1919, Miriam Halpern Pereira encontrou referências à resistências no movimento operário. Porém, essas referências são posteriores e não se encontram na imprensa da época (Pereira, 1999). Sobre as resistências dos movimentos operários franceses e alemães às políticas sociais, v. Dumons e Pollet (1995), Kott (1995), Noiriel (2005 [2001]) e Hennock (2007).

9 V., para o caso francês, Farge e Chaumont (2005).

10Rádio Portugal Livre, emissão de 13 de Março de 1966, recebida na Pide em 15 de Março de 1966, IANTT/PIDE/DGS, processo 11/46, pasta 1, emigração clandestina, n.° 2511.

11 Carta de Manuel de Oliveira Violas, administrador-geral da empresa Corfi, ao presidente do Conselho, Marcelo Caetano, em 29 de Setembro de 1969, arquivo da Presidência do Conselho, IANTT/PCOS/MC/PRC-2/A-74-10, cx. 81.

12 "Os acordos sobre a emigração. O governo francês ajuda a guerra colonial", Avante!, n.° 435, Novembro de 1971, p. 4.

13 Sobre o povoamento das colónias africanas, v. Castelo (2007).

14 Sobre a impossibilidade de criticar a ordem estabelecida, ou a falta de interesse em fazê-lo, v. Scott (1990). Scott demonstra que os dominados (camponeses, escravos, etc.) tendem a desenvolver, face aos dominantes (Estado, proprietários rurais, senhores, etc.) e às entidades externas, um discurso "público" feito de resignação, de aceitação da ordem social e do seu estatuto. Eles procuram convencer os dominantes e as entidades externas de que não constituem um perigo para a ordem estabelecida e esperam tirar partido dessa atitude. Todavia, ficarmos por esta constatação é um erro, pois eles desenvolveram entre si um discurso encoberto, cheio de ironias, de críticas à ordem estabelecida, no qual criticam os dominantes e desmontam os mecanismos do seu domínio. Este discurso encoberto, uma espécie de cultura de resistência, explica que, assim que emergem acontecimentos revolucionários, os dominados, que pareciam apoiar um determinado regime ou sistema político, não o defendem.

15 Para o debate sobre o termo Resistenz aplicado à Alemanha nazi, v. Kershaw (1997, p. 296).

16 Ofício confidencial do inspector da DGS Armando Ferreira da Silva ao director-geral da Segurança, Fernando Silva Pais, 20 de Setembro de 1971, ANTT/PIDE/DGS, Delegação de Coimbra, emigração, n.° 10 706.

17 Relatório da comissão encarregada de estudar os problemas relativos aos "bairros de lata", Março de 1958, IANTT/AOS/CO/PC-59, pasta 7.

18 Discurso proferido pelo ministro das Corporações e da Previdência Social em 23 de Setembro de 1957, IANTT/AOS/CO/CR-4, pasta 4.

19 Esquema das providências sugeridas pelo delegado do Ministério das Corporações e da Previdência Social para resolução do problema das barracas em Lisboa e zona suburbana, 10 de Dezembro de 1957, IANTT/AOS/CO/CR-4, pasta 4.

20 Ibid.

21 Relatório da comissão encarregada de estudar os problemas relativos aos "bairros de latas", Março de 1958, ANTT/AOS/CO/PC-59, pasta 7.

22 Nota do ministro das Corporações e da Previdência Social sobre o problema da habitação em Lisboa, s. d., ANTT/AOS/CO/CR-4, pasta 4.

23 Sobre o Estado-providência espanhol, v. Cabrero (1989), Moreno e Sarasa (1992) e Comin (1999).

24 Ministério das Corporações e da Previdência Social, política social, Colectânea de Legislação, Lisboa, Junta de Acção Social, 1963, p. 35.

25 Sobre os acordos de reciprocidade e convenções de segurança social, v. Perrin (1993), Rosental (2006) e Douki, Feldman e Rosental(2006).

26 V. ofício do ministro da França em Portugal, Jean du Sault, ao ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Georges Bidault, 19 de Maio de 1947, AMAE, série "Europe", subsérie "Portugal", 1944-1949, vol. 31.

27 Ofício do embaixador de Portugal em França, Marcelo Mathias, ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Cunha, 5 de Novembro de 1951, AHD, maço 300.

28 Carta de Vitorino de Sousa Aguiar a António de Oliveira Salazar, 28 de Janeiro de 1955, IANTT/ PCOS/MC, PRC-1/A-20-7, cx 59.

29 Nascido em 1913, licenciado em direito pela Universidade de Lisboa e em economia política pela Universidade de Coimbra.

30 Portugal também assinou convenções de segurança social com a Espanha (1962 e 1969), a República Federal da Alemanha (1964), o Luxemburgo (1965), os Países Baixos (1966), a Argentina (1966), o Brasil (1969) e a Bélgica (1970).

31 Relatório de Mário Roseira, sem data precisa (entre Fevereiro e Novembro de 1957), AHD, EEA 558.

32 Champagne(2002, p. 214).

33 Sobre a separação dos núcleos familiares como elemento estruturante da política de emigração portuguesa, v. Baganha (1988), Miranda (1999) e Pereira (2002).

34 Discurso de José João Gonçalves Proença na inauguração da Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes, IANTT/AOS/CP-229.

35 Relatório da Caixa Central de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes enviado ao secretário-geral da Presidência do Conselho a 4 de Fevereiro de 1969, arquivo do Ministério da Presidência do Conselho (sem cota).

36 Em 1968, segundo as estatísticas apresentadas por José António Pereirinha e Daniel Fernando Carolo, as despesas com abonos de família elevavam-se a 1 752 558 000 escudos (Pereirinha e Carolo, 2006, p. 29).

37 Informação fornecida por um informador chamado "Viriato" a 19 de Agosto de 1971, IANTT/PIDE/DGS, Delegação de Coimbra, emigrantes, n.° 10 555.

38 A abundante correspondência enviada por José João Gonçalves de Proença ao presidente do Conselho pode ser consultada nas caixas IANTT/AOS/CP-228 e IANTT/AOS/CP-229 dos arquivos de António Oliveira Salazar, depositados no Arquivo Nacional/Torre do Tombo. Apenas constam deste acervo as missivas enviadas pelo ministro, e não as eventuais respostas redigidas por Salazar.

39 Carta de José João Gonçalves de Proença, ministro das Corporações e da Previdência Social, a António Oliveira Salazar, presidente do Conselho, a 12 de Novembro de 1965, IANTT/AOS/CP-228.

40 Carta de José João Gonçalves de Proença, ministro das Corporações e da Previdência Social, a António Oliveira Salazar, presidente do Conselho, 21 de Maio de 1966, ANTT/AOS/CP-229.

41 Carta de José João Gonçalves de Proença, ministro das Corporações e da Previdência Social, a António Oliveira Salazar, presidente do Conselho, 17 de Janeiro de 1967, ANTT/AOS/CP-229.

42 Carta de José Gonçalo Correia de Oliveira, ministro da Economia, a José João Gonçalves de Proença, ministro das Corporações e da Previdência Social, 17 de Abril de 1967, IANTT/AOS/CP-229.

43 Ibid.

44 Ibid.

45 Ibid.

46 Ibid.

47 Carta do ministro da Economia, José Gonçalo Correia de Oliveira, ao subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, José Paulo Rodrigues, 6 de Julho de 1966, IANTT/AOS/CP-204.

48 Carta de António Van Zeller Pereira Palha ao presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, 11 de Novembro de 1963, IANTT/AOS/CP-209 (sublinhado por Salazar).

49 Carta do ministro da Economia, José Gonçalo Correia de Oliveira, ao subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, José Paulo Rodrigues, 6 de Julho de 1966, IANTT/AOS/CP-204.

50 Carta do presidente da Corporação da Lavoura, António Pereira Caldas de Almeida, ao ministro da Defesa Nacional, António de Oliveira Salazar (Salazar foi ministro da Defesa Nacional, depois da Abrilada, de 13 de Abril de 1961 até 4 de Dezembro de 1962), IANTT/AOS/CO/EC-22, pasta 15.

51 V. as críticas proferidas por José Antunes Varela sobre a pouca sensibilidade de Salazar, nos anos 60, no que tocava às desigualdades e injustiças provocadas pelo desenvolvimento económico (Pinto, 1993, pp. 109-110).

52 Sobre as ambiguidades da política de emigração portuguesa nos anos 60, v. Pereira (2007b).

53 Sobre o desenvolvimento da sociologia em Portugal e os seus laços com a Igreja Católica, v. Gomes (2005), Ferreira (2006) e Cabral (2008).

54 Sobre a recuperação por Caetano de iniciativas desenhadas nos anos 1960, v. Pereira (2007b), Barreto (1991, p. 61) e Patriarca (2008).

55 V., por exemplo, as memórias de Mário Murteira (2008, pp. 65-66), que, nos anos 60, escrevia no Diário de Lisboa sob o pseudónimo de "Economista" e afrontava "censores particularmente obtusos".

 

* Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Av. de Berna, 26-C, 1069-061, Lisboa, Portugal. e-mail: victorpereira_ihc@fcsh.unl.pt.

** Este texto beneficiou dos preciosos comentários de Souhaïl Belhadj, Michel Cahen, Daniel Carolo, Diego Palacios Cerezales, Eric Morier-Genoud, Amaral da Silva Lala, Lætitia Mikles, Anne-Sophie Perriaux, Frédéric Vidal e Fabienne Wateau. Agradeço a todos, como aos dois referees da Análise social, o inestimável auxílio.

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