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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.184 Lisboa  2007

 

Joaquim Costa, Sociologia dos Novos Movimentos Eclesiais. Focolares, Carismáticos e Neocatecumenais em Braga, Porto, Afrontamento, 2006.

 

Uma das chaves para a compreensão do cristianismo contemporâneo em Portugal é o acompanhamento e entendimento da pluralidade de manifestações e instituições que o compõem. Neste contexto, não se tratará apenas de uma pluralidade no sentido de uma alternativa protestante ao catolicismo predominante, mas também da pluralidade de manifestações cristãs no seio da própria instituição católica: os movimentos de renovação carismática, as teologias da libertação, as migrações, etc., promoveram novas direcções e realidades no seio daquilo a que tradicionalmente se chamaria «catolicismo português». Dois bons exemplos que suportam este argumento são a história particular do fenómeno «Fátima» (a forma como a sua frequência e significação foram evoluindo nas últimas décadas) e a contribuição das comunidades migrantes e minorias étnicas (evangélicos e carismáticos brasileiros, profetismo africano, ortodoxos ucranianos, etc.).

Há, no entanto, outras realidades e exemplos menos conhecidos ou mediatizados a corroborá-lo. É o caso deste Sociologia dos Novos Movimentos Eclesiais. Focolares, Carismáticos e Neocatecumenais em Braga, um interessante (e original, pelo tema) estudo sobre os «novos movimentos eclesiais» em Portugal, da autoria do sociólogo da Universidade do Minho Joaquim Costa — esta tese é a versão em livro da sua tese de doutoramento. Este estudo, focado na região de Braga, exemplifica esse conceito de «novos movimentos eclesiais» através do estudo de três grupos distintos: os carismáticos, os focolares e os neocatumenais.

O livro em questão, inserido claramente numa linha de reflexão da sociologia da religião contemporânea, começa precisamente por introduzir o debate teórico, já de si muito discutido, acerca da «religião, modernidade e secularização» (capítulo 1): isto é, a velha questão sobre o papel da religião nas sociedades contemporâneas e a verificação (ou não) de tendências secularizadoras nas mesmas. O autor cita Steve Bruce, Brian Wilson, Daniele Hérvieu-Leger e Marcel Gauchet, entre outros, para retomar o debate sobre se estamos hoje perante um processo de «desclassificação » da religião na definição de estatutos sociais de indivíduos, grupos e Estados e de migração da religião da esfera pública para a privada.

Neste contexto, Costa invoca a genealogia e as teses mais recentes de «regresso do religioso» no virar do milénio e no contexto pós-moderno (pp. 36 e segs.): os «supermercados da fé», o individualismo religioso, etc., traduzem-se num dos principais desafios da instituição católica (e religiosa, neste ponto) contemporânea, o de conciliar o individualismo cristão com a «estrutura» secular (p. 38) e, em última instância, definir o que é ou não «religião» e «ser religioso» — coisa que o próprio autor procura fazer (p. 47).

Costa procura localizar e aprofundar este debate no contexto da «estrutura social» (capítulo 2), isto é, em função dos supostos atributos da referida modernidade ou «crise da normalidade»: cepticismo, individualismo moral, autonomia pessoal, diferenciação/ societalização, perda de controlo social de proximidade, multiplicidade de referências, opacidade estrutural (p. 49) — tudo elementos que, somados a um contexto actual de mediação, mediatização e heterotopia, afectariam a «segurança ontológica » oferecida pela autoridade da tradição. Neste contexto, a religiosidade contemporânea (integrismos, fundamentalismos, novos movimentos eclesiais, etc.) seria uma espécie de reacção a essas «crises de identidade » ou anomias durkheimianas: «Prefiro considerar que a intensa actividade religiosa, podendo ter um carácter evasivo, não se esgota aí [...] Enquanto atitude cognitiva, envolta na questão do sentido da vida, formulo-a como inseparável da noção de segurança, da necessidade de se situar, de se identificar com (inclusão de idênticos) e de se identizar (diferenciação da alteridade)» (p. 58; itálicos do autor).

É, literalmente, na última página do capítulo onde Costa tenta transportar estas reflexões para o contexto específico de Portugal. Neste país, graças à sua particular configuração sócio-económica e história política recente, Costa reconhece a importância da transversalidade do associativismo religioso na assunção de Portugal como um «laboratório fascinante» para a discussão do cristianismo contemporâneo (p. 72).

Será este o contexto desenhado por Costa na introdução do seu tema de pesquisa: os «novos movimentos eclesiais» (capítulo 3), que interpreta como movimentos de «protesto espiritual » não só em relação ao mundo contemporâneo, como também à tradição institucional eclesiástica (p. 73), definindo-se, desde dentro da cúpula católica, como laicais e espirituais. Esta questão da definição é precisamente um dos principais pontos de reflexão na Cúria romana em relação a estes movimentos de base — um processo de designação que Costa procura acompanhar na sua tentativa de explicação do nascimento e essência dos mesmos para assim nos introduzir nos três grupos por ele estudados.

O primeiro deles é o chamado Movimento dos Focolares (ou Obra de Maria) — abordado no capítulo 4 desta obra —, um movimento espiritualista nascido em Itália na década de 1930 (fundado pela activista católica Chiara Lubich), que promove votos de castidade, pobreza e obediência e se declara «reevangelizador » tanto de cristãos como de leigos e ateus. O segundo grupo é o do Movimento Neocatecumenal (capítulo 5), fundado em Espanha na década de 1960 com o propósito de «re-missionar» uma Europa «pós-cristã», agnóstica e ateia (p. 96), invocando a exigência da conversão, baptismo e catequese como o «único caminho verdadeiro». Já o terceiro «grupo» não o será tanto, mas antes um movimento de renovação mais abrangente: a Renovação Carismática — ou, nas palavras do autor, um «pentecostalismo católico» (p. 119). Este movimento, transversal ao catolicismo e protestantismo e assente essencialmente no reconhecimento de contacto directo e «íntimo» (p. 123) com Deus através do Espírito Santo (que se manifesta e atribui «carismas » aos crentes), conseguiu igualmente ver-se reconhecido como expressão federativa.

Estes três grupos — a sua história, organização e especificidade — são acertadamente descritos por Costa, que nos dá conta da forma como foram recebidos no seio da Cúria vaticana (um interessante mecanismo de aferição do seu papel no cristianismo contemporâneo). Este esforço descritivo antecederá (esperamos nós) a apresentação do contexto empírico em causa, que o autor abordou através de observação directa e da aplicação de um questionário — cuja relevância e vicissitudes discutirá ao longo de todo um capítulo (o 7), mas que, curiosamente, não nos é disponibilizado na obra. No entanto, Costa regressa a um registo de heurística sociológica ao procurar reflectir sobre os aspectos comuns e afins aos três movimentos propostos (capítulo 8) — os perfis sociográficos, os contextos de proselitismo e recruta, dinâmicas de conversão — para depois insistir nos aspectos particulares de cada um (capítulos 9, 10 e 11). É aqui, finalmente, que ficamos a conhecer aspectos concretos da vida e actividade focolar, neocatecumenal ou carismática, a incursão nas suas particularidades e a complexificação dos retratos superficiais e homogéneos anteriormente traçados: as ideologias, tensões, discrepâncias entre grupos e no seio dos mesmos, o seu lugar na religiosidade cristã local, etc.

Com uma estrutura de argumentação que nos transporta progressivamente do plano abstracto e teórico (a sociologia das religiões contemporâneas) para o plano empírico e concreto (os novos movimentos eclesiais em Braga) e com um estilo de argumentação nem sempre linear e facilitador, o leitor fica com uma certa sensação de desequilíbrio a favor da reflexão teórica: não ficamos com um retrato suficientemente consistente sobre a realidade portuguesa e, neste caso concreto, do Norte do país — noutras palavras, como é que estes grupos vivem a sua experiência religiosa de facto no contexto da realidade portuguesa contemporânea? É-nos oferecida informação deste teor, mas dispersa por notas de rodapé e comentários laterais nas páginas finais dos capítulos.

No entanto, esta será, em última instância, uma opção metodológica do autor, cujo propósito principal é, assumidamente, o de elaborar uma «sociologia dos novos movimentos eclesiais». Neste sentido, estamos perante uma contribuição valiosíssima para as ciências sociais preocupadas com a religiosidade e cristianismo em Portugal.

 

Ruy Llera Blanes

 

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