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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.182 Lisboa jan. 2007

 

Pernas Oroza, Hermínia, Las Clases Trabajadoras en la Sociedad Compostelana del Siglo xix, Santiago de Compostela, Ed. Nigra Imaxe, S. L./Consorcio de Santiago, 2001, 470 páginas.

A história social da Galiza tem sido a «Gata-Borralheira» dos estudos históricos, mais ainda no que se refere à historia social urbana. A Galiza é sobretudo rural, é um pais de camponeses, e os estudos dos seus historiadores têm-se concentrado neste espaço. Daí, por exemplo, a grande importância da investigação sobre o agrarismo no que toca à história social. Mas as cidades e núcleos urbanos existem e, salvo honrosas excepções, carecem de estudos pacientes e pormenorizados que nos conduzam ao bom conhecimento destas realidades, cruciais no desenvolvimento histórico da Galiza.

O livro que estamos a recensear, fruto da tese de doutoramento da autora, é uma honrosa excepção. Hermínia Pernas realiza neste trabalho um estudo da sociedade santiaguense do século xix, no que vai além do que a tradicional história social tencionava, nomeadamente o estudo do movimento obreiro, para elaborar um retrato do conjunto dos sectores sociais. Santiago, como reitera a autora, não é uma sociedade fabril nem de proletários, mas de artesãos, nem é um centro industrializado propriamente dito, articulando-se a indústria em pequenas fábricas com escasso número de operários, o que leva consigo necessariamente um movimento obreiro restringido. Mas esta realidade não resultou numa falha para o presente trabalho, já que é um exemplo da história social entendida como algo mais do que o estudo exclusivo da classe operária industrial e da sua organização sindical. Em Santiago não havia nessa altura obreiros fabris, mas sim trabalhadores e classes populares, que são o objecto de estudo desta investigação. Trata-se, portanto, de um visionamento de conjunto da heterogénea «classe trabalhadora», incluindo não só obreiros industriais e artesãos, mas também empregados, pequenos comerciantes, assalariados… e, claro, camponeses, porque a marca do rural está presente em todas as cidades galegas, sem excepção.

Este trabalho conta com um avançado modelo de análise e com uma moderna metodologia que permite a classificação e o estabelecimento de tipologias válidas para apreender a ampla e complexa realidade social compostelana, facilitando as comparações com investigações sobre outros núcleos urbanos, quer espanhóis, quer estrangeiros. O tratamento sistemático de fontes censitárias possibilitou a realização de um repertório estatístico verdadeiramente notável que permite ao leitor a visualização e compreensão dos distintos grupos sociais compostelanos em números e gráficos. Mas o uso combinado de outro tipo de fontes, especialmente da imprensa periódica e da literatura da época, evita que nos encontremos perante um estudo entediante, enriquecido com a reconstrução dos diversos aspectos da vida quotidiana dos trabalhadores. Da mesma forma, é assinalável, pela sua pertinência e informação suplementar, a colecção de fotografias que acompanham e ilustram o texto.

As condicionantes da vida de conjunto das classes populares santiaguenses do século xix são analisadas minuciosamente, começando pela sua dinâmica demográfica e pela sua estrutura sócio-profissional, ao que é dedicado o primeiro capítulo, insistindo-se, nos que se lhe seguem, nas suas condições de vida e de trabalho, que se nos revelam certamente como precárias, e concluindo-se pela sua cultura, abrangendo desde os níveis de estruturação aos espaços de descanso e divertimento. Uma análise que não esquece a importância que as mulheres têm em cada uma das parcelas, incluídas as manifestações de descontento e o trabalho fora do casal ou as suas penosas condições de vida, especialmente em fases como a velhice e a viuvez. Igualmente destacável é o capítulo dedicado aos sectores marginais, àqueles que strictu sensu não fazem parte das classes trabalhadoras, mas que são analisados nesta investigação, que estuda em pormenor grupos como o das prostitutas, o dos delinquentes, o dos pobres e o dos presos.

O objectivo final do livro é estabelecer a relação entre as condições materiais, profissionais e sociais das classes trabalhadoras e o seu comportamento político, e daí que, ainda que estejamos perante um estudo eminentemente social, também aborde o lado político. No sexto e último capítulo presta-se atenção, nomeadamente, ao associativismo propriamente operário, que toma forma no último quartel do século xix, e a sua mobilização, com uma profunda análise sobre a conflitualidade que esta gerou, indagando as formas de manifestação, quer «tradicionais», como as revoltas de subsistência, quer «formais», já ligadas e promovidas por partidos políticos. Com isto, a autora demonstra que o mundo operário santiaguense não era um remanso de paz social, mas um colectivo que lutou para obter melhorias nas suas condições de trabalho, logrando conquistar os seus próprios espaços de cultura e sociabilidade, lançando as bases para lograr a sua auto-organização.

Depois de abranger os diferentes aspectos da sociedade compostelana, Hermínia Pernas acentua os marcados contrastes que esta apresenta. A estagnação e a decadência em muitos dos âmbitos conjugam-se com sinais de mudança e modernidade dentro dos parâmetros usuais numa sociedade predominantemente agrária, como era a galega nessa altura. A sociedade de Santiago estava num momento de mudança, e nesta obra sublinham-se os indícios da mesma, que matiza a imagem tradicional da capital de Galiza como uma cidade levítica estagnada social e economicamente no Antigo Regime.

Ana Cabana Iglesia

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