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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.178 Lisboa  2006

 

O corpo diplomático e o regime autoritário (1926-1974)

Pedro Aires Oliveira*

O propósito deste artigo consiste em proceder à caracterização de um dos corpos de elite do Estado português — os diplomatas — no período compreendido entre 1926 e 1974. Numa primeira parte descrevemos a política dos governos republicanos em relação ao MNE e o impacto do 28 de Maio de 1926 no aparato diplomático. Numa segunda abordamos a forma como os governos da ditadura militar e do Estado Novo procuraram organizar a carreira diplomática. Seguidamente, e com base numa recolha de dados biográficos, traçamos um perfil sócio-político do corpo diplomático no período em apreço. Numa última secção examinamos o modo de relacionamento entre o regime de Salazar e o MNE, traçando, sempre que possível, um paralelo com outras ditaduras europeias (Espanha franquista, Itália fascista e Alemanha nazi).

Palavras-chave: Diplomacia portuguesa séc. XX, Diplomacia, Estado Novo 1926-1974

 

Le corps diplomatique et le régime autoritaire (1926-1974)

Le propos de cet article est de caractériser l’un des corps d’élite de l’Etat portugais — les diplomates — au cours de la période comprise entre 1926 et 1974. Il décrit, dans une première partie, la politique des gouvernements républicains par rapport au Ministère des Affaires Etrangères et l’impact du 28 mai 1926 sur l’apparat diplomatique. Dans une deuxième partie, il aborde la forme dont les gouvernements de la dictature militaire et du Estado Novo ont essayé d’organiser la carrière diplomatique. Ensuite, et sur la base d’une collecte de données biographiques, il trace un profil sociopolitique du corps diplomatique au cours de cette même période. Dans une dernière section, il examine la nature des rapports entre le régime de Salazar et le Ministère des Affaires Etrangères en traçant, toutes les fois que possible, un parallèle avec d’autres dictatures européennes (l’Espagne franquiste, l’Italie fasciste et l’Allemagne nazie).

 

The diplomatic corps and the authoritarian regime (1926-1974)

This article seeks to describe one of the elite bodies in the Portuguese state — diplomats — between 1926 and 1974. The first part describes the policies of republican governments towards the Ministry of Foreign Affairs and the impact of the revolution of 28 May 1926 on the apparatus of diplomacy. The second part looks at how governments under the military dictatorship and the Estado Novo sought to structure the diplomatic profession. Then, based on biographical data, we draw a social and political outline of the diplomatic corps for the period under study. The final section examines the relationship between Salazar’s regime and the Ministry of Foreign Affairs, drawing parallels whenever possible with other European dictatorships (Franco’s Spain, fascist Italy and Nazi Germany).

 

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1 Nos dois últimos anos de vida da monarquia, 11 das 16 legações portuguesas eram chefiadas por titulares, pares do Reino e antigos ministros [cf. Nova História de Portugal (dir. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), Portugal da Monarquia para a República (coord. de A. H. de Oliveira Marques), vol. XI, Lisboa, Presença, 1991, p. 348].

2 É assim que A. H. de Oliveira Marques os classifica em ob. cit., p. 348.

3 V. Lei Orgânica de 1911 (26 de Maio de 1911), com preâmbulo de Bernardino Machado.

4 Sobre estes processos instaurados a Veiga Simões, cf. o estudo de Lina Madeira, Alberto Veiga Simões: Esboço Biográfico, Coimbra, Quarteto, 2002.

5 Cf. Francisco Teixeira da Mota, Alves dos Reis. Uma História Portuguesa, Lisboa, Contexto/Público, 1996.

6 Sobre Luís Teixeira de Sampaio, v. o prefácio de José Calvet de Magalhães aos seus Estudos Históricos, Lisboa, MNE, 1984, Pedro Aires Oliveira, «Sampaio, Luís Teixeira de», in Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito (coords.), Dicionário de História do Estado Novo, vol. II, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, pp. 876-877, e Bernardo Futscher Pereira, «Sampayo, Luís Teixeira de», suplemento ao Dicionário de História de Portugal (dir. António Barreto e Maria Filomena Mónica), vol. IX, Porto, Figueirinhas, 2000, pp. 392-395.

7 Através do Decreto n.º 29 511, de 31 de Março de 1939.

8 V. memórias de José Noronha Gamito, Nesciedades, Barcelos, Civilização, 1992, 2 vols., em especial pp. 32-35 do 1.º vol.

9 Sobre estas provas, cf. o que diz José Manuel Villas-Boas nas suas memórias, Caderno de Memórias, Lisboa, Temas & Debates, 2003, pp. 42-44.

10 Uma orientação em linha com a filosofia de Salazar relativamente ao funcionalismo público (v. Luís Salgado de Matos, Um «Estado de Ordens Contemporâneo» — A Organização Política Portuguesa, Lisboa, ICS, 1999, 3 vols.).

11 Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935. A evolução da posição dos diplomatas na escala de vencimentos da função pública pode ser acompanhada através dos Decretos-Leis n.º 42 046 (23 de Dezembro de 1958), 47 137 (5 de Agosto de 1966), 49 410 (24 de Novembro de 1969) e 76/73 (1 de Março de 1973). Embaixadores, ministros de 1.ª e de 2.ª estiveram sempre equiparados às letras A, B e E, respectivamente, da escala de vencimentos dos funcionários do Estado.

12 Luís Salgado de Matos, op. cit., pp. 522-523.

13 Franco Nogueira explica a filosofia subjacente a essa reorganização em «Portugal. The ministry for Foreign Affairs», in Zara Steiner (ed.), The Times Survey of Foreign Ministries of the World, Londres, Times Books, 1982, pp. 415-417.

14 Franco Nogueira, Um Político Confessa-se. Diário 1960-1968, Porto, Civilização, 1987, 3.ª ed., p. 201.        [ Links ]

15 Até 1930, as biografias dos diplomatas listados nos anuários do MNE são bastante incompletas, omitindo muitas vezes dados tão elementares como a data e o local de nascimento ou as habilitações literárias.

16 Sobre este incidente, cf. Fernando de Castro Brandão, «A demissão de Ruy Ulrich, embaixador em Londres (1935)», in Negócios Estrangeiros, 7, Setembro de 2004, pp. 125-137.

17 Rui Afonso, Injustiça, Lisboa, Caminho, 1991, pp. 32-33. Para mais informações acerca do «caso Sousa Mendes» e do funcionamento do MNE nos anos 30 e 40, cf. também de Rui Afonso, Um Homem Bom, Lisboa, Caminho, 1995, e o artigo de Douglas Wheeler, «And who is my neighbour? A World War II hero or conscience for Portugal», in Luzo- -Brazilian Review, XXVI, 1989.

18 Cf. Pedro Aires Oliveira, «O corpo diplomático durante a II Guerra Mundial», in História, 23-24, Agosto/Setembro de 1996, pp. 8-25.

19 Sobre Monteiro e os seus desentendimentos com Salazar, cf. Pedro Aires Oliveira, Armindo Monteiro. Uma Biografia Política: 1896-1955, Venda Nova, Bertrand, 2000.

20 Cf. António José Telo, Portugal na Segunda Guerra 1941-1945, Lisboa, Vega, 1991, p. 234 (o choque de opiniões entre Salazar e a dupla Teixeira de Sampaio e Palmela nunca atingiu a gravidade do conflito com Monteiro, o qual se viu demitido pelo presidente do Conselho numa célebre troca de cartas e telegramas em 1943, na sequência do pedido britânico de facilidades nos Açores).

21 José Calvet de Magalhães, «À sombra do poder», in O Mundo em Português, 9, Junho de 2000, pp. 15-16. Diga-se de passagem que o embaixador Calvet de Magalhães não parece ter feito parte do lote de diplomatas colocados «na prateleira» durante o Estado Novo. Na segunda metade da década de 60, na qualidade de director-geral dos Negócios Económicos, teve ocasião de se ocupar de alguns dossiers críticos para a política ultramarina do regime, tais como o acordo comercial com a Rodésia de Ian Smith (1965) ou as negociações para a escolha do consórcio que haveria de levar a cabo a construção da barragem de Cabora Bassa (1967-1968). Nos anos do marcelismo conduziu as negociações para a renovação do Acordo de Defesa com os Estados Unidos (1971) e foi promovido ao cargo de secretário-geral do MNE nesse mesmo ano. Sobre o percurso de Calvet de Magalhães, cf. o seu depoimento em Álvaro de Vasconcelos, Conversas com Calvet de Magalhães. Eu opeístas e Isolacionistas na Política Externa Portuguesa, Lisboa, Bizâncio, 2005, e os vários artigos que evocam a sua carreira na revista Relações Internacionais, 8, Dezembro de 2005, pp. 93-163.

22 Agradeço ao Pedro Leite de Faria esta informação.

23 V., a este respeito, os livros de José Freire Antunes, A Guerra de África, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, 2 vols., e Jorge Jardim. Agente Secreto, Venda Nova, Bertrand, 1996. Infelizmente, o recente trabalho de Dalila Cabrita Mateus, A PIDE/DGS na Guerra Colonial 1961-1974, Lisboa, Terramar, 2004, explora pouco este assunto.

24 Manuel Braga da Cruz, O Partido e o Estado no Salazarismo, Lisboa, Presença, 1988, p. 235.

25 Numa entrevista recente ao Expresso, Calvet de Magalhães afirma que os diplomatas inscritos na Legião eram «muito poucos» e que na União Nacional só conhecia um (cf. José Pedro Castanheira, «O senhor embaixador», in Expresso, 29 de Março de 2003, bem como o divertido livro de reminiscências de Calvet de Magalhães, Diplomacia. Doce e Amarga, Lisboa, Bizâncio, 2002).

26 Aliás, esse tipo de preocupações nem sequer era apanágio exclusivo dos regimes ditatoriais. Durante a guerra fria, todos os candidatos à função pública no Reino Unido, por exemplo, estavam sujeitos a um security check destinado a averiguar se pertenciam (ou tinham estado recentemente ligados) ao Partido Comunista britânico ou a organizações fascistas. Por se recear que isso pudesse dar origem a chantagens, a homossexualidade era também um factor impeditivo do acesso ao serviço diplomático. Estas restrições vigoraram até 1991 (cf. John Dickie, Inside the Foreign Office, Londres, Chapman, 1992, p. 17).

27 V. Gordon A. Craig, «The German Foreign Office from Neurath do Ribbentrop», in Gordon Craig e Felix Gilbert (eds.), The Diplomats, Princeton, N. J., Princeton University Press, 1994, 2.ª ed., pp. 406-436, e Kurt Dob, «The history of the German Foreign Office», in Zara Steiner, ob. cit., pp. 225-255.

28 Cf. Charles Halstead, «Spanish foreign policy», in James W. Cortada (ed.), Spain in the Twentieth-Century World, Westport, Connecticut, Greenwood Press, 1980, p. 61.

29 Sobre a diplomacia do fascismo italiano até à «era Ciano», cf. H. Stuart Hughes, «The early diplomacy of Italian fascism: 1922-1932», in Gordon Craig e Félix Gilbert, pp. 210-233.

30 Agradeço a António Costa Pinto o facto de me ter chamado a atenção para este ponto durante a exposição oral desta comunicação no II Colóquio de História Social das Elites do ICS.

31 Sobre o estilo de liderança de Franco após a segunda guerra mundial, cf., entre outros, Charles Halstead, ob. cit., e a biografia de Paul Preston, Franco, Londres, Harper Collins, 1993.

 

* Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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