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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.178 Lisboa  2006

 

Elites locais e poder municipal. Do antigo regime ao liberalismo

Paulo Jorge da Silva Fernandes*

 

Neste texto analisam-se as transformações ocorridas a nível da composição das elites de poder locais no período de transição do Antigo Regime para o liberalismo. A análise realizada permitiu constatar que com a implantação do liberalismo e consequente alteração dos mecanismos de acesso ao poder, tendo por base novos critérios de avaliação social, as antigas oligarquias locais perderam a exclusividade no acesso às vereações. Contudo, a substituição de critérios de notabilidade social por critérios económicos e literários não implicou, na generalidade dos casos, o afastamento total das antigas elites dirigentes, apenas as obrigou a partilharem os principais cargos municipais com indivíduos de outra condição social.

Palavras-chave: Elites, Antigo Regime, Liberalismo, Elites locais

 

Elites locales et pouvoir municipal. De l’Ancien Régime au libéralisme

Ce texte analyse les transformations qui se sont produites au niveau de la composition des élites locales du pouvoir pendant la période de transition de l’Ancien Régime au libéralisme. L’analyse réalisée a permis de constater que, avec l’implantation du libéralisme et la conséquente modification des mécanismes d’accès au pouvoir, sur la base de nouveaux critères d’évaluation sociale, les anciennes oligarchies locales ont perdu leur exclusivité d’accès aux édilités. Toutefois, le remplacement de critères de notabilité sociale par des critères économiques et littéraires n’a guère impliqué, dans la plupart des cas, l’éloignement total des anciennes élites dirigeantes, cela les ayant uniquement obligé à partager les principales charges municipales avec des personnes d’une autre condition sociale.

 

Local elites and municipal power. From the Old Regime to liberalism

This article looks at the changes which took place in the make-up of local power elites in the period of transition from the Old Regime to liberalism. The analytical work carried out for this study shows that, as the consolidation of liberalism changed the mechanisms of access to power, based on new criteria for assessing social values, the old local oligarchies lost their exclusive control over town councils. However, the replacement of social status criteria by economic and educational criteria did not, for the most part, lead to the complete removal of former governing elites; it merely required them to share the main council positions with persons of a different social standing.

 

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1 Citem-se, entre outros, Luís Vidigal, Câmara, Nobreza e Povo. Poder e Sociedade em Vila Nova de Portimão (1755-1834), Câmara Municipal de Portimão, 1993, Maria Teresa Fonseca, Relações de Poder no Antigo Regime. A Administração Municipal em Montemor-o-Novo (1777-1816), Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, 1995, e Absolutismo e Municipalismo. Évora 1750-1820, Edições Colibri, 2002, Paulo Jorge Azevedo Fernandes, As Faces de Proteu. Elites Urbanas e o Poder Municipal em Lisboa de Finais do Século XVIII a 1851, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1999, João Manuel Rodrigues Pereira, Elites Locais e Liberalismo. Torres Vedras 1792-1878, dissertação de mestrado, Lisboa, ISCTE, Secção Autónoma de História, 1997, e Maria Antónia F. Pires de Almeida, Família e Poder no Alentejo, Elites de Avis — 1886-1941, Lisboa, Edições Colibri, 1997.

2 António Manuel Hespanha, História das Instituições. Época Medieval e Moderna, Coimbra 1992, Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime, colectânea de textos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, e As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político. Portugal — Século XVII, 2 vols., Lisboa, 1986.

3 Joaquim Romero de Magalhães, O Algarve Económico 1600-1773, Lisboa, Editorial Estampa, 1993; Maria Helena Cruz Coelho e Joaquim Romero de Magalhães, O Poder Concelhio: das Origens às Cortes Constituintes, Coimbra, Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, Coimbra, 1986.

4 José Viriato Capela, O Município de Braga de 1750 a 1834. O Governo e a Administração Económica e Financeira, Braga, 1991; O Minho e os seus Municípios. Estudos Económico-Administrativos sobre o Município Português nos Horizontes da Reforma Liberal, Braga, mestrado de História das Instituições e Cultura Moderna e Contemporânea, Universidade do Minho, 1995.

5 Nuno Gonçalo Monteiro, «Os concelhos e as comunidades», in José Mattoso (dir.), História de Portugal, vol. iv, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993, «Os poderes locais no Antigo Regime», in César Oliveira (dir.), História dos Municípios e do Poder Local, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, «Poder local e corpos intermédios: especificidades do Portugal moderno numa perspectiva histórica comparada», in Luís Espinha da Silveira (coord.), Poder Central, Poder Regional, Poder Local, Uma Perspectiva Histórica, Lisboa, Cosmos, 1997, pp. 47-61, e «Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime», in Análise Social, n.º 141, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 1997.

6 Luís Espinha da Silveira, Território e Poder. Nas Origens do Estado Contemporâneo em Portugal, Cascais, Patrimonia Historica, 1997, «Estado liberal e centralização. Reexame de um tema», in Luís Espinha da Silveira (coord.), Poder Central, Poder Regional, Poder Local, Uma Perspectiva Histórica, Lisboa, Cosmos, 1997, pp. 63-84, e «Estado liberal, centralismo e atonia da vida local», in Actas dos IV Cursos de Verão Internacionais de Cascais, vol. II, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1998, pp. 127-145.

7 Nuno Gonçalo Monteiro, «Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime», in Análise Social, vol. XXXII, n.º 141, 1997, pp. 335-368.

8 Maria Teresa Fonseca, Relações de Poder no Antigo Regime. A Administração Municipal em Montemor-o-Novo (1777-1816), Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, 1995, p. 186.

9 Maria Teresa Fonseca, Absolutismo e Municipalismo. Évora 1750-1820, Edições Colibri, 2002, pp. 166-167.         [ Links ]

10 Cf., para Barcelos, José Viriato Capela, «A câmara, a nobreza e o povo ...», e para Braga, do mesmo autor, «Braga, um município fidalgo...».

11 José Viriato Capela, «Braga, um município fidalgo...», pp. 309-322.

12 Jorge Fonseca, «Uma vila alentejana no Antigo Regime: aspectos sócio-económicos de Montemor-o-Novo nos séculos XVII e XVIII», in Almansor, 4, Montemor-o-Novo, 1986, pp. 199-202.

13 Maria Teresa Fonseca, Absolutismo e Municipalismo...

14 Maria Teresa Fonseca põe reservas à tese da dificuldade do preenchimento dos lugares nos pequenos concelhos e à apetência para o seu exercício nos grandes municípios. As reservas da autora resultam do facto de em Évora a aristocracia local, apesar de ter restringido o acesso aos principais cargos da governança, muitas vezes ter procurado esquivar-se ao seu exercício, ao contrário do que aconteceu em pequenos concelhos, como Lavre e Vimieiro, em que os pedidos de escusa foram muito raros (Absolutismo e Municipalismo..., p. 134).

15 Luís Vidigal, Câmara, Nobreza..., p. 261.

16 João Manuel Rodrigues Pereira, Elites Locais e Liberalismo. Torres Vedras 1792-1878, dissertação de mestrado, Lisboa, ISCTE, Secção Autónoma de História, 1997, p. 98.

17 Id., ibid., p. 162.

18 Rui Santos, «Senhores da terra, senhores da vila: elites e poderes locais em Mértola no século XVIII», in Análise Social, n.º 121, 1993, pp. 345-370.

19 «Regimento para a eleição dos vereadores», in José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, 1603-1612, Lisboa, Imprensa de J. J. Andrade e Silva, 1854, pp. 314-316. As citações seguintes reportam-se ao mesmo regimento.

20 Cf., entre outros, Nuno Gonçalo Monteiro, «Os poderes locais no Antigo Regime» (coord.), in História dos Municípios e do Poder Local [Dos Finais da Idade Média à União Europeia], César de Oliveira (dir.), Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p. 162, e António Pedro Manique, «Processos eleitorais e oligarquias municipais nos fins do Antigo Regime», in Arqueologia do Estado. Comunicações 1, Lisboa, História & Crítica, 1988, pp. 112-113.

21 Cf. José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, 1634-1640, Lisboa, Imprensa de F. X. de Souza, 1855, pp. 228-230.

22 Cf. António Pedro Manique, «Processos eleitorais e oligarquias municipais nos fins do Antigo Regime», in Arqueologia do Estado. Comunicações 1, Lisboa, História & Crítica, 1988, p. 113.

23 Cf. Joaquim Romero de Magalhães, O Algarve Económico, 1600-1773, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 328.

24 «Regimento para a eleição dos vereadores», in José Justino de Andrade e Silva, op. cit., p. 315.

25 Ibid., p. 325.

26 Alvará de 21 de Agosto de 1618, in José Justino de Andrade e Silva, op. cit., p. 334.

27 Joaquim Romero de Magalhães, «As estruturas sociais de enquadramento da economia portuguesa de Antigo Regime: os concelhos», in Notas Económicas, n.º 4, 1994, p. 31.

28 O decreto estabelece que as câmaras serão compostas por «vereadores, procurador e escrivão» (artigo 1.º) eleitos, com excepção do escrivão, «pelos moradores do concelho por pluralidade relativa, e escrutínio secreto» (artigo 2.º). Elegíveis eram apenas os cidadãos que estivessem no exercício dos seus direitos, maiores de 25 anos, com residência no concelho há pelo menos dois anos, «que tiverem meios de honesta subsistência, e não estiverem occupados em algum emprego incompatível» (artigo 3.º)

29 Rui Graça Feijó, Liberalismo e Transformação social, Lisboa, Editorial Fragmentos, 1992, pp. 202-203.

30 João Manuel Rodrigues Pereira, Elites Locais e Liberalismo...

31 Amílcar Braga, «As eleições no concelho de Cambra no período de consolidação do regime liberal (1834-1851)», in História dos Municípios, Administração, Eleições e Finanças, II Seminário Internacional de História do Município no Mundo Português, Região Autónoma da Madeira, Centro de Estudos de História do Atlântico, Dezembro de 2001, pp. 245-259.

32 Paulo Jorge Azevedo Fernandes, As Faces de Proteu..., pp. 169-189.

33 Helder Adegar Fonseca, «Sociedade e elites...», pp. 93-101.

34 Helder Adegar Fonseca, O Alentejo no Século XIX. Economia e Atitudes Económicas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1996, p. 221.

35 Entre 1834 e 1851 realizaram-se 13 eleições, dez para eleger cinco vereadores e três para eleger sete, o que possibilitou a eleição de 71 indivíduos (10 eleições * 5 vereadores + + 3 eleições * 7 vereadores = 71). Para além destes 71 vereadores sufragados pelo voto, houve mais 18 indivíduos que exerceram as funções de vereador mas que não foram eleitos, apenas integraram comissões municipais nomeadas superiormente, excepto num caso em que foi por aclamação local. Considerando os membros das comissões municipais como vereadores, pois desempenharam efectivamente essas funções, temos um total de 89 possíveis vereadores.

36 Esta comparação deverá ser relativizada na medida em que o número de vereadores que compunham as câmaras não era coincidente: 3 vereadores no Antigo Regime e 5 no período liberal, excepto nos anos de 1837, 1838 e 1839, que eram de nove. Contudo, não deixa de ser significativo que o número de indivíduos que acederam ao município tivesse duplicado com a implantação do novo regime.

37 V., a este propósito, João José Alves Dias, «As eleições de 1834», in Arquipélago, revista da Universidade dos Açores, série «Ciências Humanas», n.º v, Janeiro de 1983, pp. 113-156.

38 V. os casos de Vila Nova de Portimão (Luís Vidigal, Câmara, Nobreza...) e de Torres Vedras (João Manuel Rodrigues Pereira, Elites Locais...).

39 Luís Espinha da Silveira, «Estado liberal e centralização. Reexame de um tema», p. 82.

40 Código Administrativo de 1836, Colecção de Legislação, Arquivo Histórico Municipal de Montemor-o-Novo, A3A113.

41 Nas câmaras de Lisboa e do Porto os vereadores eram em número de treze e onze, respectivamente.

42 Carta de lei de 29 de Outubro, Colecção de Legislação, Arquivo Histórico Municipal de Montemor-o-Novo, A3A116.

43 Comparámos o número de eleitores que participaram nas eleições em 1823 com o total da população em 1814 (6291 habitantes segundo Joaquim José Varela, «Memória Estatística Acerca da Notavel Villa de Monte Mor o Novo», in História e Memórias da Academia Real das Sciências, t. v, parte i, Lisboa, 1817, pp. 12-13), por não termos dados para anos mais próximos dos da data do acto eleitoral. Julgamos, no entanto, que o erro existente não distorce, de forma alguma, a análise que fazemos.

44 O total da população em 1851 era de 9619 habitantes (cf. Arquivo Distrital de Évora, núcleo do Governo Civil, estatística, maço 259).

45 Helder Adegar Fonseca, «Sociedade e elites alentejanas no século XIX», in Economia e Sociologia, n.os 45-46, Évora, 1988, p. 96.

46 Paulo Jorge Azevedo Fernandes, As Faces de Proteu..., p. 162.

47 O total da população em 1842 era de 9036 habitantes (cf. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, arquivo das secretarias de estado, Ministério do Reino, 3.ª Repartição, governos civis e administrações gerais, maço 2018).

48 Helder Adegar Fonseca, «Sociedades e elites...», p. 97.

49 Jaime Reis, O Atraso Económico Português em Perspectiva Histórica (1850-1930), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993, p. 231.

50 Relatórios do Conselho Superior de Instrução Pública, apud Fernando Luís Gameiro, Ensino e Educação no Alentejo Oitocentista, dissertação de mestrado, FCSH, UNL, 1995, p. 8.

51 Helder Adegar Fonseca, «Sociedades e elites...», p. 98.

52 Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890), Lisboa, Difel, 1991, p. 17.

53 Luís Espinha da Silveira, Território e Poder. Nas Origens do Estado Contemporâneo em Portugal, pp. 111-112.

54 Nuno Gonçalo Monteiro, «Os poderes locais...», p. 23.

 

* Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Évora.

 

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