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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.175 Lisboa jul. 2005

 

Miguel Dias Santos, Os Monárquicos e a República Nova, Quarteto Editora, colecção «Centenário da República, 1910-2010», n.º 2, Coimbra, 2003, 218 páginas.

 

Diego Palacios Cerezales

 

A história contemporânea vive um bom momento em Portugal. Desde meados da década de 1990 que a investigação nesta área tem proliferado graças à generalização de cursos de mestrado especializados e à realização regular de teses. Ao contrário da situação da historiografia nas décadas de 1970 e 1980, na qual a urgência de encontrar explicações globais dava lugar ao primado das grandes sínteses históricas, no momento actual assistimos à proliferação de monografias que se dedicam a aspectos parciais dos processos históricos — a lugares, problemas, protagonistas ou acontecimentos. Assim, embora o desenvolvimento da historiografia esteja ainda longe de alcançar os níveis observados noutros países europeus, diferentes núcleos de investigação têm vindo a cumprir um programa de investigação implícito que, por seu turno, poderá conduzir futuramente à realização de novas sínteses.

Os Monárquicos e a República Nova, de Miguel Dias Santos, faz parte desse programa de investigação implícito e insere-se numa colecção da editora Quarteto que promete continuar a publicar obras sobre a República até, pelo menos, ao seu primeiro centenário, em 2010. O presente livro é uma adaptação de uma tese de mestrado defendida na Universidade de Coimbra em 1998 e constitui um estudo da prática política dos grupos monárquicos durante o sidonismo.

Trata-se de um livro de estrita história política em que se narra o enredo da luta pelo poder na qual se envolveram os grupos monárquicos entre 1917 e 1919. Como assinala o autor, a historiografia académica já tinha reconhecido a importância dos monárquicos durante a república, mas ainda não os estudara em si mesmos. Por um lado, atribui-lhes relevância, já que as suas incursões de 1911 e 1912, bem como a breve restauração de 1919 no Porto, são frequentemente citadas como catalisadoras de realinhamentos no campo republicano. Entre outros factores, essas ameaças monárquicas são geralmente consideradas fundamentais para a reafirmação da hegemonia política dos «Democráticos» do PRP, já que configuravam contextos propícios a iniciativas de unidade republicana contra a «reacção». Por outro lado, contudo, esse papel catalisador parece contentar os historiadores, de tal modo que só o Integralismo Lusitano, uma das facções da família política monárquica que a posteriori haveria de ter maior influência doutrinária, foi objecto de estudo em si mesmo.

Aquilo que Dias Santos faz é, precisamente, entregar o protagonismo do seu relato aos monárquicos, detectar o leque das suas posições políticas e as relações diferenciadas e cambiantes que cada uma dessas posições manteve com o projecto sidonista à medida que este se solidificava e, finalmente, oferecer uma explicação da cadeia de acontecimentos que levaram os monárquicos que participavam nas juntas militares do Norte a proclamarem a Monarquia em 1919.

O livro divide-se em quatro capítulos. O primeiro, «O equívoco sido nista», trata do acolhimento positivo que a revolução de 5 de Dezembro de 1917 teve nas fileiras monárquicas. Segundo o autor, os monárquicos não apoiaram Sidónio Pais unicamente porque este representava um «mal menor» em comparação com a República Velha, mas também porque viam no sidonismo elementos positivos e construtivos. Em primeiro lugar, para o conjunto do campo conservador, o sidonismo encarnava as ideias de ordem e de exercício pessoal do poder. Em segundo lugar, oferecia liberdade de acção aos monárquicos, proporcionando-lhes, inclusivamente, a oportunidade de participarem no governo — possibilidade essa que provocou alguns embaraços nas hostes realistas. Em terceiro lugar, o sidonismo mobilizava as classes conservadoras e o catolicismo da província, uma mobilização que os monárquicos sobrevalorizaram como a expressão do sentimento monárquico dos portugueses. Assim, nesta fase inicial, os monárquicos apoiaram o sidonismo de uma forma quase unânime, na mesma medida em que, ao considerarem que conservadorismo, o catolicismo e a monarquia eram inseparáveis, não concebiam a ameaça que a formação de um partido republicano conservador ou a integração do catolicismo no regime republicano podiam representar para o seu projecto restauracionista.

O segundo capítulo, «Desfazendo equívocos», aborda as divisões que emergiram no campo monárquico quando o sidonismo deixou de parecer uma solução transitória até ao final da guerra e, pelo contrário, acelerava a sua institucionalização como regime presidencialista. Embora o rei exilado, D. Manuel, mantivesse a posição de apoio ao governo pelo menos até ao fim da guerra, começava a surgir nas hostes monárquicas o receio de que o republicanismo conservador lograsse integrar o catolicismo político na República, retirando aos monárquicos aquilo que consideravam ser uma base natural de apoio. Foi devido a esse receio que alguns sectores monárquicos começaram a conspirar contra a República Nova, afirmando-se numa corrente «revolucionária» que liderou, contra os desejos expressos de D. Manuel, a breve restauração de Janeiro de 1919.

As origens dessa divisão no seio da família monárquica constituem o tema explorado no terceiro capítulo, «A causa monárquica». Para entender a disparidade de posições e estratégias desenvolvidas pelos monárquicos durante o sidonismo, Dias Santos faz uma retrospectiva e analisa a organização política dos monárquicos desde a implantação da República em 1910, estudando a sua estruturação a partir de órgãos da imprensa e, particularmente, a sua falta de unificação doutrinal.

Em termos organizativos, os monárquicos não contaram com um partido político de massas, moderno, nem tão-pouco com uma estrutura orgânica clara. Além disso, o próprio objectivo da restauração, enquanto objectivo nacional com vocação consensual, entrava em choque com a organização dos monárquicos como partido no seio do regime republicano, aumentando as dificuldades organizativas.

Por outro lado, os seus esforços da estruturação depararam-se em diversas conjunturas com a acção punitiva de grupos de voluntários republicanos que «empastelaram» repetidamente as redacções da imprensa realista. No tratamento destes aspectos, lamentamos que o autor não analise de modo mais sistemático as margens de acção pública efectiva com que contaram os monárquicos nem o grau de perseguição a que foram submetidos entre 1910 e 1917. A historiografia revisionista concedeu um lugar central às práticas terroristas dos republicanos radicais, e este aspecto reveste-se de uma importância crucial para se chegar a uma boa caracterização da República Velha.

Os diferentes jornais que serviam de veículo às ideias dos monárquicos não expressavam nem uma estratégia nem uma doutrina unificada, um facto que leva Dias Santos a rejeitar que se pudesse falar de um verdadeiro movimento monárquico. O princípio monárquico permitia integrar esses homens na mesma família política —porém, tal como se verificara antes de 1910, quando o campo monárquico se encontrava dividido e era palco de disputas entre opções nitidamente liberais que respeitavam o espírito da Carta Constitucional e outras facções que defendiam vias autoritárias ou soluções corporativas, também durante a República os monárquicos se mostraram incapazes de definirem consensualmente que tipo de monarquia pretendiam restaurar. Os elementos mais próximos da tradição liberal — e do próprio D. Manuel — tinham dificuldades em defender um simples regresso às instituições vigentes antes do 5 de Outubro. A monarquia constitucional encontrava-se desacreditada devido à sua própria incapacidade final de defender a monarquia. Em contrapartida, o Integralismo Lusitano e o sector conspirativo do monarquismo, próximo de Paiva Couceiro, sonhavam com uma monarquia tradicionalista, orgânica, descentralizada e cristã, renegando o parlamentarismo. No entender de Dias Santos, a falta de organização e a divisão doutrinal constituem, no fim de contas, as causas fundamentais do fracasso da restauração monárquica.

O quarto capítulo, «A contra-revolução em movimento», narra o jogo de posições e iniciativas dos diversos sectores monárquicos a partir do Verão de 1918, numa altura em que os elementos mais radicais conspiravam já abertamente. Dias Santos analisa com particular pormenor o mês que medeia entre o assassinato de Sidónio Pais e a proclamação da Monarquia do Norte, procurando esclarecer quais os processos e decisões que estiveram por detrás dessa proclamação e, muito particularmente, as controvérsias no seio do campo monárquico relativamente a uma possível solução militar, enquanto solução nacional e suprapartidária, que precedesse uma restauração. Contudo, mesmo depois de termina da a guerra e após o assassinato de Sidónio, D. Manuel manteve a orientação colaboracionista com o governo e travou, por meio do seu lugar-tenente Aires de Ornelas, a possibilidade de organizar uma saída militar. D. Manuel favorecia a formação de um bloco conservador que pudesse levar a efeito políticas de ordem contra a agitação social e as ameaças revolucionárias do partido democrático, mas viu-se ultrapassado pelos acontecimentos. As sublevações militares democráticas de Chaves e Santarém, já depois da morte de Sidónio, e a atitude contemporizadora com a esquerda republicana de Tamagnini Barbosa constituíram os acontecimentos que, segundo Dias Santos, criaram nos sectores monárquicos mais radicais a convicção de que as únicas alternativas eram ou a restauração imediata ou o regresso dos democráticos ao poder. Perante esta alternativa, os monárquicos decidiram-se unilateralmente pela restauração no Porto. A história dos 25 dias de monarquia ultrapassa já o âmbito do trabalho de Santos Dias, mas o autor parece pressupor que a derrota era certa.

O livro é ameno, mas, por outro lado, as teses que apresenta não constituem uma inovação historiográfica. Em última análise, este retrato de primeiro plano não nos mostra os monárquicos de um modo substancialmente diferente do retrato em segundo plano que a mais recente historiografia sobre a República nos apresentou. Em todo o caso, o valor acrescentado desta investigação encontra-se no modo meticuloso como o autor documenta as suas afirmações, sobretudo a partir de memórias e de intervenções na imprensa.

Como é inevitável, na investigação ficam coisas por fazer e problemas por formular. Além disso, o leitor poderá sentir a falta de um plano mais estrutural de análise dos processos políticos que explicite as condições de possibilidade das acções empreendidas e dos seus resultados. Dias Santos parte do princípio de que os monárquicos não se enganavam quando afirmavam que os portugueses eram, na sua maioria, conservadores e monárquicos. Assim, o autor atribui o fracasso restauracionista às fragilidades intrínsecas do campo político realista, explicando desse mesmo modo por que razão os militares conservadores, que teriam podido unir-se por detrás de uma figura carismática como Sidónio Pais, não optaram por se juntar às inconsistentes hostes monárquicas. Contudo, falta, por exemplo, uma tentativa de avaliar sistematicamente essas supostas preferências da população e de quantificar de algum modo a capacidade de mobilização dos próprios monárquicos e dos seus aliados condicionais, como a Igreja; falta, além disso, uma análise da capacidade de mobilização dos seus adversários do vasto e também heterogéneo campo não monárquico; finalmente, falta construir, mediante esse exercício, uma explicação estruturada da crise política e da breve guerra civil que se seguiram ao assassinato de Sidónio.

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