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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.175 Lisboa jul. 2005

 

Francisco António Lourenço Vaz, Instrução e Economia. As Ideias Económicas no Discurso da Ilustração Portuguesa (1746-1820), Lisboa, Edições Colibri, 2002, 484 páginas.

 

José Luís Cardoso

 

Este livro corresponde à tese de doutoramento defendida pelo autor na Universidade de Évora em Fevereiro de 2001. Credenciado por estes pergaminhos académicos, o livro oferece inequívoco testemunho de apurado trabalho de investigação sobre temas e autores que nos desvendam aspectos menos conhecidos da história da ilustração portuguesa. Um dos principais méritos deste livro consiste na revelação e análise de documentação de alguns núcleos arquivísticos até agora pouco ou nada investigados. Por isso, representa desde logo valor novo e acrescentado à herança historiográfica disponível. Uma herança que Francisco Vaz também explora e amplia, contribuindo desse modo para valorizar os trabalhos que mais recentemente têm sido produzidos sobre os assuntos que revisita com sucesso. Aprende-se muito com este livro, razão de sobra para se recomendar leitura atenta.

De que se ocupa, afinal, Francisco Vaz?

O livro está dividido em duas partes distintas, sujeitas a uma mesma temática envolvente, que é a do desenvolvimento do discurso económico ao longo do período em análise. Na primeira parte surgem destacados três temas que funcionam como pretexto de demonstração das mudanças que se operam no panorama das ideias económicas. A usura, o luxo e a organização de sociedades económicas são os assuntos eleitos por Francisco Vaz. Relativamente aos dois primeiros (usura e luxo), a preocupação central é a de explicar o modo como se procura esbater a condenação moral de excessos utilitários no comportamento económico individual. A visão de que tais excessos poderiam trazer consequências morais e sociais desagregadoras é substituída pela noção de que deverão servir propósitos e objectivos de reforma e desenvolvimento económico. Quanto ao terceiro tópico, a organização de sociedades económicas, ensaia-se uma explicação do seu papel na difusão da instrução pública e na difusão do conhecimento aplicado ao fomento das actividades económicas. Na abordagem que faz sobre os autores e instituições portugueses mais relevantes para o estudo destes três temas, Francisco Vaz procede a análises comparativas que permitem detectar a difusão e assimilação de ideias produzidas e aplicadas noutros contextos europeus. Refira-se, aliás, que essa é uma faceta que demonstra bem a qualidade da investigação produzida, mantendo sempre presente a ideia de que a ilustração portuguesa não existe isolada das outras experiências iluministas que entre nós fazem repercutir os seus efeitos.

Entre os autores que mais influência terão exercido em Portugal, Francisco Vaz distingue o abade napolitano António Genovesi, a quem dedica os capítulos introdutórios da primeira parte do livro. A presença marcante da obra de Genovesi no ensino da filosofia moral, do direito natural, da lógica e da metafísica na Universidade de Coimbra, reformada por Pombal em 1772, não deixa qualquer margem para dúvidas. Aos domínios do saber acima referidos junta-se ainda o da economia civil, mais tarde renomeada de economia política, à qual Genovesi dedicou importante obra que exerceu forte impacto junto de alguns autores portugueses. O estudo de Francisco Vaz sobre o modo como a influência genovesiana impregna o discurso económico no nosso país tem a ambição de sugerir que se trata de uma influência não apenas decisiva, mas até estruturante do conjunto das ideias económicas produzidas em Portugal ao longo do período em estudo. Sem desmerecer a presença de Genovesi, julgo por vezes exagerada a reivindicação da sua preponderância. Se atendermos aos próprios temas e autores a que Francisco Vaz dedica maior atenção, não será difícil encontrar outras matrizes e fontes de inspiração que esbatem ou subalternizam o peso de Genovesi na ilustração portuguesa. A vontade inicial de revelação dos vestígios deixados por Genovesi no pensamento português _ declaração de propósitos enunciada nas páginas iniciais do livro _ acaba por ser preterida, não se assistindo ao desfilar de provas sistemáticas dessa marca indelével. E ainda bem que assim é, porque o que se perde na verificação da coerência interna dos objectivos do livro ganha-se na demonstração implícita da complementaridade de influências que balizam e enformam as ideias económicas em Portugal na segunda metade do século xviii. Ou seja, é o próprio Francisco Vaz que oferece argumentos para contestar que Genovesi seja o único ou o mais importante dos nomes influentes na ilustração económica portuguesa.

Na segunda parte do livro são apresentados os percursos da vida e obra de três autores aos quais pouco relevo tem sido até agora dado na perspectiva do estudo da evolução das ideias económicas: Frei Manuel do Cenáculo, Ricardo Raimundo Nogueira e José António de Sá. Cada um destes capítulos constitui ensaio autónomo de análise do pensamento e acção dos autores escolhidos, mediante recurso a fontes documentais inéditas e justificadamente valorizadas através de apreciação crítica pertinente. Sem dúvida que os contributos aqui trazidos por Francisco Vaz ajudam a melhor compreender a inegável importância dos autores que estuda. Nos casos de Frei Manuel do Cenáculo e de Ricardo Raimundo Nogueira, é patente o esforço em demonstrar como a matriz do pensamento de Genovesi se transmite às concepções que os autores portugueses consubstanciam através da ênfase colocada no papel da instrução e divulgação do conhecimento com objectivos pedagógicos, quer no plano formativo e civilizacional, quer no plano prático das reformas e acções concretas a promover com vista ao bem-estar das populações. As suas obras e acções testemunham uma das principais ideias-força do pensamento das Luzes, ou seja, que a instrução e a educação são factores determinantes do progresso. Neste sentido, Frei Manuel do Cenáculo e, sobretudo, Ricardo Raimundo Nogueira procuraram realizar projectos de reforma tendo em vista a realização da felicidade e prosperidade económicas. Quanto ao terceiro dos autores estudados, José António de Sá, o destaque é justamente atribuído a uma outra das facetas cruciais da mentalidade ilustrada da época, concretamente a ideia de que é necessário observar, viajar, percorrer o território com o duplo propósito de o conhecer, à luz dos ensinamentos proporcionados pelas ciências exactas e naturais, e de o transformar, à luz das considerações doutrinais garantidas pelas ciências morais e políticas. A economia surge na intercepção destes domínios que José António de Sá contribui para promover através dos seus planos de observações e de viagens filosóficas, beneficiando também do ambiente e condições criadas pela Academia das Ciências de Lisboa.

O livro termina com uma breve conclusão que, de certa forma, procura resumir e interligar os diferentes capítulos que o compõem. Apesar de útil, é sobretudo revelador de uma das dificuldades que o leitor experimenta perante este livro: a verificação de que a articulação dos conteúdos coerentes e precisos dos diferentes capítulos não é plenamente alcançada através da presença de um fio condutor, de um eixo ou núcleo de análise para o qual convirjam os argumentos expostos separadamente. Não obstante esta reserva, sem dúvida que o somatório dos capítulos constitui valiosa contribuição para o estudo da formação do discurso económico na ilustração portuguesa.

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