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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.6 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGO

 

A Casa da Comenda de Raul Lino: de torre medieval a residência de veraneio

Raul Lino's House of Comenda: from a medieval tower to a summer villa

Isabel Maria Duarte Espada Pratas Sousa de Macedo*

FAUL - Faculdade de Arquitetura / Universidade de Lisboa, 1349-055 Lisboa, Portugal.

 

RESUMO

A casa da Comenda, situada numa das mais belas paisagens da Arrábida, sobranceira ao rio Sado, é um dos mais sublimes, mas menos conhecidos projetos do arquiteto Raul Lino. Aqui, de forma inigualável, o seu génio criador e sua profunda compreensão pela Natureza resultam numa simbiose quase perfeita entre paisagem e construção.

Tão bem retratada por Artur Pastor, esta casa encerra uma história que começou vários séculos antes, e que lhe atribui, enquanto lugar de permanência humana, um significado mais vasto. Se, no dealbar do século XX, este é o lugar de implantação de uma estância de veraneio aristocrática, quinze séculos antes, em pleno domínio romano, servia de cenário a um complexo industrial. Pelo meio, foi palco de importantes episódios na história da nação, dos quais se destaca uma enigmática “reunião” convocada de urgência por D. Manuel I, como comprova um documento pouco estudado que encontramos no Arquivo Municipal de Lisboa.

 

PALAVRAS-CHAVE

Comenda / Raul Lino / Mouguelas / Residência de veraneio

 

ABSTRACT

The House of Comenda, located in the astonishing landscape of Arrábida, overlooking the Sado river, is one of the most sublime, but lesser-known projects of the architect Raul Lino. Here, in a unique way, his creative genius and his deep understanding about nature result in an almost perfect symbiosis between landscape and construction.

Beautifully depicted by Artur Pastor, this house contains a history that began centuries earlier, which assigns it, while human establishment, a wider significance. If, at the beginning of the 20th century, this is the vacation house of an aristocratic family, fifteen centuries earlier, during the Roman Empire, it constituted a fish processing industrial complex. Meanwhile, this place witnessed remarkable episodes in Portugal's history, as, for example, an enigmatic “meeting” urgently convened by King Manuel I, described by a little known document we found in the Municipal Archives of Lisbon.

 

KEYWORDS

Comenda / Raul Lino / Mouguelas / Summer villa

 

 

INTRODUÇÃO

Projecta para construir e habitar o espaço de forma a preservar o mundo – a natureza e a cultura a que pertence, de forma a realizar, a possível articulação entre a Terra e Céu, entre o Homem e Deus. A habitação, finalidade da arquitectura, é para Lino uma forma de escapar à alienação, de permitir ao homem a realização da sua identidade – a correspondência entre o interior e o exterior, entre a alma e o corpo, entre a casa e o mundo. Ora, a identidade do homem pressupõe a identidade do lugar, a criação de um sentimento de pertença ao cosmos, de pertença ao Ser. A arquitectura poética, tal como a encara Lino, escapa à dimensão de prosaica construção tecnológica e manifesta uma intenção orgânica de valorização do todo, de um todo singular, na totalidade pluridimensional da relação do homem com as coisas1.

 

 

Figura 1

 

1. Vestígios romanos no sítio da Comenda

Refere Joaquim Rasteiro2 que “na foz da ribeira da Ajuda ou de Aravil” se encontravam “restos de edificações romanas”, visíveis consoante o nível das águas, que corresponderiam a fundos de pequenos tanques construídos em argamassa à base de “tijolo pisado”. Mais tarde, Marques da Costa3 vem igualmente referir ter encontrado:

[...] as ruínas de cetárias romanas, iguaes às de Troia e como ellas destinadas à salga de peixe e moluscos para exportação bem como muitos fragmentos de objetos da indústria romana, como fragmentos de amphoras, de tégulas, de imbrices, moedas de imperadores do século IV, e ainda uma infinidade de valvas de moluscos marinhos, que atestam que os Romanos exploravam neste logar a pesca e conserva de peixe e mariscos4.

Quase sessenta anos mais tarde, novo artigo vem dar-nos notícia de que, a olho nu, facilmente se observaria na margem esquerda da ribeira de Aravil (ou Ajuda), no sítio da Comenda, “abundância de destroços, como restos de cerâmica, tegulae, imbrices, lattores e de outros vestígios tipicamente romanos. De entre estes testemunhos de antiga povoação sobressaem enormes fragmentos de opus signinum e de argamassa”5.

Referia o mesmo artigo a então existência de estratos perfeitamente conservados, sendo que em baixa-mar era possível atestar os vestígios de grandes “pias” destinada à salga de peixe, designadamente cetárias, disseminadas ao longo da margem. Outros vestígios existentes na época, de uma construção de tipo hipocausto, hoje já completamente destruídos, são atribuídos por Vítor Gonçalves6, corroborado, mais tarde, por Tavares da Silva7, a restos de uma antiga construção romana, provavelmente pertencente à zona aquecida a um conjunto termal. O mesmo investigador relata-nos ainda a grande abundância de materiais de construção diversos, entre tijolos, pedras afeiçoadas, tegulae e imbrices, bem como de cerâmicas tardias em barro grosseiro e em terra sigillata (cerâmica fina), moedas datadas do século IV e ainda um número considerável de mós (molae manuariae) em granito branco-acinzentado, idênticas a tantas outras encontradas nas ruínas romanas de Tróia e mesmo na área urbana de Setúbal.

Conclui-se, portanto, que neste sítio da Comenda existiu uma estação romana de relativa importância, provavelmente com função satélite em relação a Cetóbriga (Setúbal), mas, ainda assim, com dimensão considerável no que respeita à salga, produção e conserva de peixe. Neste contexto, as habitações que hipoteticamente ali existiram (e das quais Gonçalves nos relata vestígios) pertenceriam aos operários desta “fábrica”, às quais se juntariam outras construções afetas às funções quotidianas que caracterizavam as ocupações romanas (balneários). O próprio achado das mós parece provar uma certa autossuficiência económica, e a qualidade da sigillata encontrada aponta para a possível existência de casas abastadas, reforçando a teoria de Vitor Gonçalves de que a Comenda seria muito mais do que “um simples lugar de pernoita”.

Nos últimos 30 anos, o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS) tem vindo a alertar para a necessidade de proteção destes achados, os quais se encontram hoje quase totalmente destruídos pela erosão provocada pelas marés (que ao subirem submergem por completo as ruínas) e também pela mão humana menos sensibilizada para a importância destes vestígios.

 

2. Pré-existências: a Comenda de Mouguellas, a Igreja de N.ª Sr.ª da Ajuda e a Plataforma Fortificada de S. João

Gustavo Portocarrero8 ao debruçar-se sobre o sistema de defesa costeira tradicional na Arrábida, no início da Idade Moderna, refere-se apenas às pré-existências da Torre da Ponta do Cavalo, em Sesimbra, afirmando que nenhum vestígio material de outras torres havia sido encontrado. Contudo, o próprio assume, com segurança, que terão existido outras torres de vigia e fachos, uma vez que era desta forma que então se organizava o sistema de defesa na costa portuguesa, e que a Arrábida não teria sido exceção.

Este sistema consistia “na implantação de torres de vigia em certos pontos importantes da costa – como cabos, portos, a foz de um rio – de onde sentinelas vigiavam o mar à procura de qualquer ameaça”9.

No entanto, em 2005, veio à luz o resultado de uma profunda investigação sobre Comenda de Mouguelas, pertencente à Ordem de Santiago, num artigo publicado nas atas do IV Encontro sobre Ordens Militares10, o qual nos trouxe informação detalhada sobre a “torre” ou “fortaleza” de Mouguelas, conjunto edificado que, mais tarde, no âmbito das obras de reforço defensivo da Restauração, terá sido transformada na plataforma de S. João da Ajuda.

A primeira referência a Mouguelas regista-se por volta de 1275, “altura em que D. Paio Peres Correia fez doação de bens no termo de Palmela, no sítio chamado as “Cimas da Várzea do Galvão”, a um tal Domingos Martins de Mouguelas”11.

Quinze anos mais tarde, o mestre da Ordem de Santiago doa a fortaleza e lugar de Mouguelas a Pedro Salgado, tesoureiro-mor de D. Dinis, que, durante mais de 20 anos recebe os rendimentos da Comenda. No início do século XIV, os bens de Mouguelas incluíam “uma torre-fortaleza, casas, vinhas, gado, entre outros bens de natureza agrícola”12.

 

Figura 2

 

Em 1327, numa listagem dos bens que integravam o património da Ordem de Santiago13, Mouguelas consta entre as comendas referidas. Quase em meados do mesmo século, a sua Torre constitui-se já como um dos principais postos de vigia e defesa do porto de Setúbal, a par da torre do Outão, localizada a jusante.

Pedro de Azevedo14 dá-nos conta que no século seguinte, mais precisamente em 1458, é em Mouguelas que D. Afonso V permanece por dois dias com a sua armada de 93 navios antes da partida para a expedição a Alcácer Ceguer. Este dado histórico muito contribui para a compreensão da importância e das condições que o local apresentava para o acolhimento de tão significativa frota.

Em 1495, entra na história da Comenda de Mouguelas o notável cavaleiro da Ordem de Santiago, Vasco da Gama que, até 1507, mantém a sua posse. Vasco da Gama, fidalgo real e homem da inteira confiança do rei D. Manuel I, havia professado ainda jovem na milícia de Santiago, muito provavelmente por tradição familiar, já que seu pai, alcaide de Sines, e alguns dos seus irmãos haviam igualmente ingressado na Ordem. Segundo Luís Adão da Fonseca15, Vasco da Gama terá vivido em Setúbal (mais tarde é conhecida a sua morada de família em Sines e depois em Évora) por volta de 1492, pois “sabemos, por um diploma de 22 de dezembro, que se envolve numa escaramuça com o alcaide e juízes dessa vila, porque, ao regressar de noite a casa embuçado, é pelo dito alcaide tido como um malfeitor noturno [...]”16. Em dezembro de 1495, D. Jorge de Lencastre, filho ilegítimo de D. João II, duque de Coimbra e governador da Ordem de Santiago agracia Vasco da Gama com as Comendas de Mouguelas e de Chouparia (perto de Alvaiázere), ambas propriedade da dita Ordem, aparentemente sob o pretexto do falecimento do anterior comendador de ambas. Recorde-se que nesta época Vasco da Gama não conhecia ainda a importância social que a sua sucedida aventura além-mar lhe vem a granjear poucos anos depois. Efetivamente, ainda que não apresentasse considerável experiência nesta área, D. Manuel nomeia-o capitão-mor da armada que parte para a Índia em 1497. Regressa dois anos depois, havendo conquistado a tão almejada carreira da Índia.

Ora, em 1506, enquanto a Comenda de Mouguelas se encontrava ainda sob a posse de Vasco da Gama, agora já feito almirante após uma bem sucedida segunda viagem à Índia (1502/1503), surge-nos, do Arquivo Municipal de Lisboa, novo documento de vital importância para a historiografia deste local: uma convocatória de D. Manuel I a elementos das autoridades municipais de Lisboa e outros, para comparecer, no dia 4 de maio de 1506, em Mouguelas17:

Pero Vaaz da Veigua e luís da costa vereadores e precurador e os quatro dos mesteres da nossa cidade de lixboa e nuno fernamdez stpriuam da camara da dita cidade / Nos el Rey vos emviamos muyto saudar. Compre a noso seruiço vijrdes todos a nos pera comvosco fallarmos algũuas cousas porem vos mamdamos que loguo tamto que esta vos for dada vos partaes todos juntamente e vos vijnde de meenhãa que he quymta feyra a mougeellas homde aveemos por bem que vos venhaes apouseemtar. E como hy fordes fazey no llo saber pera vos mamdarmos omde vos venhaaes pera vos fallarmos e compri o loguo asy por o que compre asy a nosso seruiço. Stprita em setuuel oje quarta feira aas quatro oras depois meo dia em iij dias de Mayo, amtonio carneiro a fez 1506.

(assinado:) Rey18

Demoremo-nos um pouco neste documento. Nesse ano, uma vez mais, e como já era recorrente, uma epidemia de peste assolava o território, determinando a mudança da corte para locais não contagiados. A rainha, Maria de Aragão e Castela, encontrava-se recolhida em Abrantes, juntamente com a sua corte, enquanto o rei se encontrava em Setúbal, local estratégico para o controle da política do reino. Daí que fosse natural que, necessitando o rei de se reunir para tratar de algum assunto, convocasse os intervenientes para junto de si, evitando deslocações maiores do monarca. Mas qual a razão de localizar esta reunião em Mouguelas? Sendo que a convocatória não menciona, propositadamente, o motivo da reunião, várias são as hipóteses que se abrem, ainda que a exploração das mesmas extravase o escopo deste artigo. Ainda assim vejamos: a convocatória chama, com a maior urgência os seus destinatários, obrigando-os a partir de imediato de Lisboa para Setúbal (atente-se que a convocatória é escrita no dia anterior e que ainda teria de chegar aos destinatários), ou mais precisamente, para Mouguelas, onde, pela nossa investigação, existia acomodação na torre de vigia e demais dependências que aí se localizavam. Aparentemente, tais acomodações seriam dignas para a “aposentadoria” dos visados, facto que não repugna se recordarmos que, na verdade, ao momento, se tratava de uma “casa” do almirante Vasco da Gama.

A 3 de maio, data da convocatória, havia já quase dois meses decorridos da partida da oitava armada que D. Manuel I envia para a Índia, capitaneada, desta vez, por Tristão da Cunha, a qual havia partido precisamente de Setúbal (a 6 de março). O assunto podia prender-se com as questões da carreira da Índia, fundamentais para a gestão da política do Reino, até porque, na beira do rio Sado, o local prestava-se a todos e quaisquer temas que se relacionassem com as armadas do rei. As naus não partiam todas ao mesmo tempo e, nesse ano, Afonso de Albuquerque também enceta uma viagem à Índia. Acresce que um dos destinatários da convocatória é Pero Vaz da Veiga, nome mencionado na bibliografia dos Descobrimentos como capitão de uma das embarcações que integra uma expedição à Índia em 1503, juntamente com Francisco de Albuquerque (primo de Afonso de Albuquerque). Estranhamente, a nau de Pero Vaz da Veiga foi então dada como “perdida”, pelo que é possível, três anos mais tarde, ser aquele um familiar homónimo.

Mas um tema mais provável deve ser considerado: haviam passado apenas duas semanas do massacre dos judeus ou cristãos-novos em Lisboa. Este malogrado episódio pôs em causa a autoridade do Rei que, fora da capital, e através dos seus magistrados, teve alguma dificuldade em pôr fim às atrocidades instigadas pelos dominicanos19. Todo o processo que se seguiu, de identificar, julgar e condenar os envolvidos terá seguramente exigido todos os esforços por parte do rei e das autoridades judiciais competentes, razão esta que nos leva a crer ser este o provável assunto que dominou a reunião de Mouguelas.

Importa reter, através do contributo que nos fornece este documento, e pese embora não o aprofundemos no âmbito deste artigo, que Mouguelas seria muito provavelmente o local, mais perto de Setúbal - onde o rei se encontrava - que melhores condições ofereceria para a “aposentadoria” dos visados na convocatória, independentemente do assunto que a motivava, fosse pela importância do seu comendador, que não sabemos se estaria presente, ou pelo facto de garantir a discrição que a reunião certamente exigia, e que o paço de Setúbal, onde se encontraria parte da corte, não permitia.

Poucos anos mais tarde, em 1512, D. Jorge de Lencastre, duque de Coimbra e filho bastardo do rei D. João II, na qualidade de mestre da Ordem, procede a uma visitação à comenda, a qual nos ilustra com muita clareza os seus limites, bem como nos fornece a descrição dos principais edifícios aí existentes. A fortaleza, que afinal padecia de pouca conservação quando Vasco da Gama a deixara, estava agora reparada e a sua “torre feita de novo, com três janelas, e coberta de telha, sendo o telhado forrado de canas. Junto à torre, uma casa térrea com o seu celeiro e uma estrebaria”20.

Em 1534, nova visitação dá-nos informação ainda mais pormenorizada:

Está na dita torre um portal de pedra, pelo que se entra a ela, de nove palmos, com suas portas boas. E à entrada da dita porta está logo uma casa térrea na dita torre, com outra logo além desta, e assim está uma escada de madeira, entrando pela dita porta da banda do sul, por que se sobe ao sobrado da dita torre. E no dito sobrado está uma só casa da grandura da dita torre, a qual está guarnecida e bem madeirada e encaniçada. E tem esta casa uma chaminé de tijolo e uma janela para o norte e outra para o sul. [...] está outra casa fora desta torre, térrea, por onde vai um pátio ladrilhado e ainda outra grande casa térrea que se chama o aço [...] uma estrebaria e palheiro que está pegado com esta [...] e um forno de cozer pão21.

Esta mesma visitação refere-se também à ermida de Nossa Senhora da Ajuda, implantada em local muito próximo à Torre de Mouguelas. Esta ermida foi sede da freguesia com o mesmo nome, a qual era capelania e curato na Mesa da Consciência. Em 1573, o prior-mor do convento de Palmela dá licença aos moradores da Rasca, Ribeira do Alcube e Grelhal para poderem ouvir missa e receber os sacramentos naquela ermida. Anexada em 1850 à freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, a freguesia de Nossa Senhora da Ajuda servia aos pequenos povoados isolados a poente, fora do perímetro urbano amuralhado de Setúbal, de cuja distância de “duas léguas de serras e de mau caminho e áspero”22 justificava a licença concedida em 1573. Em 1768 esta freguesia contava apenas com 74 fogos23.

Na visitação de 1534 é descrita a a ermida de Nossa Senhora da Ajuda, a qual tinha:

uma capela nivelada e um altar de pedra e cal. E sobre ele a imagem de Nossa Senhora, de vulto. E arco da dita capela é de alvenaria, guarnecida de cal. O corpo da igreja tem as paredes de pedra e cal guarnecidas. Está madeirada de novo e tem um portal de pedra. Junto desta igreja, da parte do sul, está uma capela que mandou fazer o conde dom Vasco da Gama, depois que foi na Índia.

No âmbito do quadro de estratégia nacional de defesa levado a cabo após a restauração da independência (1640) e a par com a construção do perímetro amuralhado abaluartado concebido para a vila de Setúbal e de outras estruturas defensivas em redor daquele e ao longo da costa, também a Torre de Mouguelas foi adaptada a fortificação, integrando a linha de defesa do porto de Setúbal e tomando a designação de S. João da Ajuda.

 

Figura 3

 

A plataforma de S. João era um pequeno forte, designado com aquelle nome, que se construiu no espaço que fica entre a destruída ermida de S. Braz e a Igreja de Nossa Senhora d'Ajuda, e ficava junto ao sítio da Commenda ou de Mouguellas.

O tenente do castelo de S. Filippe [....] nas suas plantas sobre a fortificação do porto de Setúbal, dá o desenho do forte, a que chama de reducto, e coloca no logar que fica apontado.

O abbade Castro escrevendo em 1763, e mencionando as fortalezas de Setúbal, designa o forte de Nossa Senhora d'Ajuda, que decerto não confundiu ou substituiu pelo d'Albarquel, porque deste fez logo em seguida menção.

A plataforma foi construída em 1680 a oeste e em distância de mais de 500 metros da Villa de Setúbal, ficando colloccada sobre a margem do Sado, e traçada de modo que servisse de defesa ao porto da villa, e do Castello de
S. Felippe que lhe ficava sobranceiro24.

Na fachada NE da atual casa da Comenda encontra-se ainda colocada uma lápide, testemunho da estrutura fortificada setecentista, que, de forma sucinta, nos esclarece um pouco mais sobre a sua história. Na mesma pode ler-se:

ESTA PLATAFORMA DE S. JOÃO PELAS UTILIDADES QUE DELA SE CONHESEM PERA DEFENÇA DESTE PORTO, VILA E CASTELO, MANDOU FAZER AQUI JOÃO DE SALDANHA GOVERNADOR DAS ARMAS DESTA VILA E SUA COMARCA DESENHOVA O CAPITÃO SEBASTIÃO PRA DE FRAS ENGENRO DE S. MGDE ANNO 1680.

Refira-se que a transformação da estrutura de defesa deu-se enquanto a administração da Comenda se encontrava concedida a D. Diniz de Melo e Castro (desde 1651), 1º conde de Galveias, a qual terá passado, em 1709, para o seu filho, D. Pedro de Melo e Castro, 2º conde de Galveias25, que realizou um tombo da propriedade que consideramos de especial relevância no contexto do conhecimento dos seus limites e caracterização pormenorizada.

A medição das construções que este tombo apresenta deixa-nos concluir que seriam ainda praticamente as mesmas já referidas nas visitações de 1512 e 1534, de entre a casa do forno, manjedouras, três casas principais com duas lojas por baixo, palheiro, estrebaria e alguns outros anexos. Curiosamente, a descrição não se refere à nova estrutura abaluartada, e continua a enunciar a “torre” o que nos indica que, muito provavelmente, a mesma se terá mantido por não coincidir na mesma implantação.

 

Figura 4

 

As descrições paroquiais que sucederam o terramoto de 1755 informam-nos que a freguesia de N.ª Sr.ª da Ajuda terá padecido pouca ruína e fornecem-nos uma clara descrição da sua igreja: para além do altar-mor, o templo teria mais quatro altares colaterais (dedicados a S. António, S. Amaro, St.ª Luzia e N.ª Sr.ª do Rosário). Curiosamente, o pároco responsável pelo testemunho não faz qualquer referência à Torre de Mouguelas ou à plataforma de S. João, nem a qualquer outra construção que aí se implantasse. Também o pároco da freguesia de Santa Maria da Graça faz exaustiva descrição das estruturas fortificadas da vila e do território envolvente, mencionando o forte de Albarquel, e, a uma légua da praça de Setúbal, para ocidente, também se refere à torre do Outão, não fazendo qualquer referência a Mouguelas ou S. João26.

Em junho de 1845 ter-se-á celebrado o último batismo na igreja da Ajuda, e, cinco anos mais tarde (1850), a freguesia foi extinta e integrada na de N.ª Sr.ª da Anunciada, tendo a pequena igreja ficado votada ao abandono. No século XIX a designação de Mouguelas torna-se obsoleta, tendo sido substituída pela simples designação de “Comenda”, ainda hoje utilizada.

Não conseguimos aferir a situação da propriedade até 1868, data em que consta de uma escritura de partilhas da herança de Agostinho Rodrigues Albino27, entre a sua viúva e seus filhos28. Por outro lado, um postal integrado na Colecção do 1º Centenário da Elevação de Setúbal a cidade, publicada em 1960, vem ilustrar a Velha Casa da Quinta Da Comenda quando pertencia a Agostinho Maria Rodrigues Albino. A fotografia representada no postal não se encontra datada, mas, como teremos oportunidade de constatar ao longo deste texto, sabemos que será anterior a 1872, ano em que a família de Agostinho Albino vende a propriedade.

Agostinho Rodrigues Albino, agente do antigo monopólio do tabaco, era um rico proprietário e comerciante, cuja fortuna e poder lhe valeram também alguma influência no cenário político setubalense29.

A família é, até hoje, sobejamente conhecida na cidade de Setúbal, sobretudo pelo extenso património urbano que aqui possuía, e que se manteve ainda na sua posse por algumas gerações. Pela referida escritura de partilhas, ficamos a saber que, incluída nos bens do falecido Agostinho Albino, se encontrava

[...] uma herdade denominada a Comenda de Mouguellas, no sítio da extincta freguesia d'e Ajuda, hoje anexada à de Nossa Senhora da Annunciada desta cidade, que se compõe de cazas de habitação, ditas de adega, cavallariça e palheiro, e mais trez cazas, e as ruinas da Capella de São Braz (?)30, com terras de semear, olivaes, vinhas, pinhaes, mattos, pedreiras e fornos de cozer cal, poço, minas de água[…], vários moinhos de vento e um sem número de construções anexas31.

 

 

Dos quatro filhos de Agostinho Albino, pelos quais é distribuída a vasta herança, coube a Henrique Maria Albino, referido como “lavrador, morador em Beja”, a posse da Comenda.

Apenas quatro anos mais tarde, mais precisamente em 1872, a propriedade entra definitivamente na posse da família Armand, responsável pela construção da casa que ainda hoje podemos observar, ainda que ameaçada pelo abandono, mas plena e intacta nos traços concebidos pelo mestre Raul Lino.

 

3. Os Condes d'Armand e a sua Casa na Quinta da Comenda

A 9 de março de 1872, “o Conde Armand, viúvo, morador em Lisboa, na calçada do Marquêz d'Abrantes” comprou, “por cinco contos de reis a Henrique Maria Albino[…] o prédio n.º 1185[…] e os domínios directos dos foros impostos nas quatro glebas que pertencem ao mesmo prédio”32.

Ernest Armand (1829-1898), nascido no seio de uma família de políticos parisienses, cedo abraçou uma fulgurante carreira diplomática, que iniciou logo após terminar os seus estudos em Direito. Assumiu vários postos diplomáticos na Europa, bem como cargos políticos no seu país, nomeadamente como chefe de Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros. A sua valorosa prestação diplomática em Roma, junto à Santa Sé, na década de 60, no quadro dos ataques das tropas de Garibaldi, conferiu-lhe o título de conde, concedido pelo papa Pio IX em 1867.

Em 1870 é enviado como ministro plenipotenciário extraordinário em Lisboa, onde se estabelece e instala a sua delegação, arrendando para o efeito um palácio em Santos33. Permanece em Lisboa até 1878, ano em que regressa a França, onde, três anos mais tarde, se retira da vida diplomática para se dedicar exclusivamente à política local no cantão de Arcis-sur-Aube (local onde possuía a sua residência, o Chateau d'Arcis-sur-Aube).

 

Figura 6

 

Terá sido durante esse período de oito anos (1870-1878) que o conde Ernest Armand se terá “enamorado” das paisagens únicas da Arrábida, afinal suficientemente próximas de Lisboa, adquirindo a propriedade da Comenda.

Nessa época, e segundo a recolha que fizemos, existiria na Comenda, no local onde outrora se havia implantado a torre de vigia de Mouguelas, e, sobre a própria estrutura abaluartada da plataforma de S. João, uma casa de considerável dimensão, provavelmente com boas condições para que, porventura nos finais de semana, se pudesse instalar o conde Armand.

Mais de vinte anos após ter adquirido a Comenda, quiçá sentindo-se no final da sua vida, e definitivamente retirado no seu país natal, o conde de Armand faz uma escritura de doação da propriedade ao seu filho, o então visconde Abel Henri Georges Armand (1863-1919), registada a 8 de março de 1898.

Abel Henri era o único filho varão do conde Armand e, como tal, o sucessor do seu título. Tenente do 6º Regimento de Couraceiros franceses (6e cuirassiers), e, mais tarde, já como capitão de cavalaria do 10º Regimento de Couraceiros, terá participado na Primeira Grande Guerra (que lhe valeu a nomeação como Chevalier de la Légion d'Honneur), tendo falecido em 1919, com apenas 55 anos.

Ainda como tenente, Abel Henri casa-se em 1891 com Françoise Sauvage de Brantes, em Paris, tendo a ocasião sido assinalada pela imprensa local, ressalvando o caráter do noivo, nomeadamente a sua “brilhante conduta na região de Lahou na África Ocidental e no ataque e captura de Dabou, comandando seis soldados franceses e oito indígenas, matando vinte e sete negros e ferindo quarenta e dois”34.

Desconhecemos, à época em que Abel Henri tomou posse da Comenda, as condições de habitabilidade da construção existente. Indiscutivelmente, a “casa” não teria as condições suficientes para albergar a estância de veraneio da família, considerando que o casal Armand teve cinco filhos.

 

Figura 7

 

Por outro lado, a implantação da construção, absolutamente privilegiada e com condições dificilmente inigualáveis, prestava-se a uma arquitetura mais nobre e ambiciosa, ou pelo menos que tirasse melhor partido da sua situação. Foi provavelmente neste contexto que Abel Armand, tornado conde pela morte de seu pai, em novembro do mesmo ano em que se torna proprietário da Comenda (1898), decide reconstruir a casa existente, adotando uma implantação semelhante e aproveitando a plataforma de S. João como alicerce de uma nova construção, mais adequada à sua condição aristocrática e às necessidades que a sua relação com as melhores famílias europeias lhes exigia.

 

Figura 8

 

Para tal desígnio, decide atribuir o projeto a um jovem arquiteto português que, nesta época, começava a destacar-se no panorama nacional, tendo projetado, nos primeiros anos do século XX, moradias para personalidades das artes ou da alta sociedade como Rey Colaço, Silva Gomes, Jorge O'Neill ou José Relvas. A forma como Lino tira partido do local de implantação em qualquer um dos projetos que concebe e o traço que distingue estas “casas”, talvez (na perspetiva de um estrangeiro viajado) tão caracteristicamente português, terão “seduzido” o conde de Armand, que, aparentemente, se encontrava imune à moda afrancesada dos chalets que se replicavam pela costa do Estoril.

Não dispomos de informação sobre os factos que enquadraram a encomenda ou mesmo a discussão do programa. Mas, em agosto de 1903, o n.º 104 da conceituada revista de arquitetura A Construção Moderna vem apresentar-nos a “Casa do Ex.mo Sr. Conde de Armand”. Sobre o projeto, cujos desenhos aparecem reproduzidos no artigo, diz-se que:

A construcção é feita num pequeno promontório, de luxuriante vegetação, sobranceiro ao rio Sado, em Setúbal, posição extremamente pictoresca, como podem attestá-lo aquelles que tem visto as ridentes margens do bello rio, junto à linda cidade de Bocage.

No citado promontório existe actualmente uma velha casa, cujas paredes, em parte, se aproveitam pois foram levantadas sobre as muralhas de um antigo forte. As grandes varandas da nova construcção deitam para sobre o rio.

O sr. Conde d'Armand entendeu, e muito bem que, no meio de uma paisagem caracteristicamente clássica, em qua abundam as oliveiras, os pinheiros, as agaves, figueiras da Índia e palmeiras, cyprestes, etc., não se deveria collocar um edifício que não fosse de uma grande simplicidade, com grandes superfícies lisas, não regulares e com uma silhueta serena, que esteja em harmonia com aquelas amenas paisagens.

Ergue-se, pois, a construcção sobre o rochedo cerca de 15 metros acima do nível do rio, ficando as varandas sobrepostas na parte mais proeminente […]

Desejava-se grande economia na construcção quanto à sua parte ornamental e por isso se conserva uma grande simplicidade na maior parte do seu exterior.

Foi recommendação especial do sr. Conde d'Armand, o emprego da telha nacional, em forma de canal, que, no seu entender, não formará no conjuncto do telhado uma mancha dura, monótona e fria, como aconteceria com a telha francêsa.

Na propriedade, que é enorme, está o sr. Conde d'Armand tratando de traçar um grandioso parque, junto à casa onde tenciona vir passar um ou dois mêses em cada anno, fugindo ao borborinho de Paris, sua habitual residência, para se entregar neste remanso do occidente às doçuras da vida campestre.

Apesar do estylo da construcção ser tradicionalista, género a que, quasi exclusivamente se tem dedicado o nosso amigo sr. Raul Lino, a casa tem todos os confortos modernos mais aperfeiçoados, não esquecendo as retretes à inglêsa, tinas esmaltadas, encanamentos, autoclysmos, estufas, elevador, e outras muitas machinas e apparelhos modernos, os mais commodos, para tornar a estancia mais agradável.

O projeto reproduzido não corresponde exatamente ao que, mais tarde, acabou por vir a ser construído. A poente encontrava-se prevista, neste projeto inicial, uma ala de quartos mais vasta, que originava, ao nível do respetivo alçado, um volume maior, mais rígido e monótono.

A diferença reside precisamente na redução do volume a poente, com consequência numa igual redução em planta, ficando a casa com menos uma sala ao nível do piso térreo, e com dois quartos a menos no primeiro piso, incluído também algumas alterações pontuais ao nível da resolução das circulações verticais.

 

 

A propósito deste projeto, Raul Lino escreve35:

[...] Como digo sempre, as obras de arquitectura são o produto de um consórcio entre o arquitecto e a entidade que as encomenda. Se se entendem bem, a criação sai escorreita; quando não há entendimento, o resultado é defeituoso se não mesmo aleijado.

[...] o que me surpreendeu foi o Conde Armand dizer-me que não desejava que eu fizesse um só traço do projecto sem ter primeiro gozado uma noite de luar no sítio onde tencionava fazer a sua casa.

[...] o resultado lá está; e percebe-se no todo o gosto académico e meridional que agradava àquele francês civilizado.

O início do século XX constituiu-se como um período particularmente fértil no que respeita à discussão sobre os valores da arte e da arquitetura em Portugal. Numa busca ansiosa pela “modernidade”, encabeçada por uma burguesia sedenta de afirmação social, tomam fôlego as modas ditadas por Paris e, em consequência, todo um formulário afrancesado impregna a encomenda arquitetónica. As propostas de Ventura Terra, formado na École Nationale et Spéciale des Beaux-Arts, em Paris, representam bem as tendências que ganhavam espaço numa Lisboa muito permeável às novas correntes.

 

Figura 10

 

À primeira vista, seria de esperar que o conde de Armand, ele mesmo francês, tivesse uma maior familiaridade com uma arquitetura mais “beauxartiana”, ou mesmo que procurasse qualquer uma das reproduções da arquitetura de veraneio que se diversificava já nesta altura em Cascais. Mas Raul Lino, como bem refere Rui Garcia Ramos, “projectou a Casa da Quinta da Comenda, sem preconceitos formais ou estilísticos, numa arquitectura balnear de influência clássica, com um misto de sabedoria e refinamento, perfeita na localização sobre a baía de Setúbal e na adaptação da organização interna ao programa moderno”36. Rui Ramos, eventualmente na procura de uma arquitetura balnear com invariantes formais em locais e países diversos, encontra na Villa Kérylos (1902-1908), projetada por Emmanuel Pontrémoli para um promontório semelhante na Riviera Francesa, características muito semelhantes às da casa da Comenda, ainda que esta última, em nosso entender, expresse, sobretudo na estrutura porticada da sua loggia, um gosto mais italianizante.

 

Figura 11

 

No entanto, a atitude de Raul Lino neste projeto rejeita claramente o imobilismo da ideia do estilo único, bem como qualquer tipo de revivalismo, procurando, sim, a relação orgânica entre a construção e a vida, adequando o espaço projetado ao lugar e aos seus habitantes.

E, efetivamente, “aquele francês civilizado” parece ter compreendido perfeitamente o espírito da luxuriante paisagem da Arrábida, e a necessidade de implantar ali um edifício que não lhe tomasse o protagonismo, mas que nela se integrasse, como se de um seu elemento natural se tratasse.

Para Raul Lino, cuja vida foi sobretudo dedicada ao estudo da “casa”, e que procurou sempre um contacto direto com a sua tão amada “natureza”, a encomenda do projeto da casa de Abel Armand, numa das mais belas localizações da costa portuguesa, ter-lhe-á surgido, seguramente, como uma oportunidade irrecusável para planear um “casamento” perfeito entre a sua obra e a natureza.

Ter-lhe-á parecido, quem sabe, quase como um ensaio retirado do livro de Thoreau37 que tanto o influenciou, na tomada de consciência dos valores ligados com uma vida interiorizada e meditativa, no seio da mãe-natureza, “extraindo ensinamentos e objectivos para construir e habitar com um respeito quase coercivo pela relação casa-meio”38. O conde de Armand, homem de grande cultura e gosto refinado, havia compreendido a magia daquele local, ou não teria feito tão singular exigência prévia ao seu arquiteto. O resultado final, como Raul Lino refere, é, indiscutivelmente, magistral, revelando um domínio total sobre o diálogo fundamental entre a arquitetura e a paisagem.

 

Figura 12 e 13

 

É parca a informação de que dispomos sobre o período de construção da casa. As fotografias que apresentamos, gentil cedência do Dr. Gabriel Armand, não se encontram datadas.

Curiosamente, alguns autores situam cronologicamente a casa da Comenda em 1909, mas se sabemos, pel'A Construcção Moderna que o projeto é de 1903, temos hoje a certeza que em 1908 a obra se encontrava concluída. Em junho desse ano, no seu número 6, a revista A architectura portugueza publica um extenso artigo de Henrique das Neves intitulado “A casa do Sr. Conde Armand na quinta da Commenda, próximo a Setúbal”.

Eis uma casa d'habitação em cujo traçado colaboraram, não somente o intento do seu destino, como também a região, o clima e a paisagem: destino: - residência d'estio; clima – o da zona-sul de Portugal («le pays du soleil»); paisagem – fundo montanhoso revestido em geral de vegetação; frente – a confluência do rio Sado na amplidão do Oceano39.

Henrique das Neves redige uma verdadeira ode à arquitetura de Lino, rejubilando com a forma como a obra tira partido da sua implantação natural. Destaca sobretudo as varandas: “Aquellas varandas! [...] Lá se nos foram os olhos n'ellas[…]Como o olhar se me absorvia n'aquellas varandas!”40

Sobre o proprietário, Abel Armand, escreve que:

[...] de chapéu de grandes abas, uma vara na mão e botas altas é assim que encontramos o sr. Conde, fidalgo de primorosa educação, percorrendo esta sua propriedade, que elle ama. Considero-o um artista-filósofo. Nas horas de calor, em quanto descança, tira da algibeira o seu Virgilio, e assim se deleita sub tegmine fagi, imaginando ter diante de si, quando ergue o olhar do livro, as verdadeiras paisagens que acaba de ver tracejadas n'aquellas églogas41.

Na fotografia que vemos acima (Fig. 12), datada de cerca de 190642, vemos uma casa claramente recém-construída, com uma latada ainda despida das trepadeiras que haveriam de crescer. De acordo com o discurso de Henrique das Neves, ficamos também a saber que, originalmente, a construção terá sido branca43 (a maioria das imagens posteriores representa uma casa ocre), aspeto que parece ser corroborado nesta mesma fotografia, se atentarmos à falta de contraste entre a caixilharia branca e as paredes exteriores.

Sobre a “simplicidade monacal” do interior, justifica-a pela ornamentação bastante que lhe confere a natureza. “Veja-se na planta, onde a biblioteca e a sala de recepção foram colocadas: imediatamente contíguas à varanda inferior [...] Pois que melhor gabinete d'estudo? E que melhor sala para receber pessoas nossas amigas?”44

 

Figura 14

 

E conclui (de forma bem semelhante à nossa!):

Do sr. Conde Armand, direi ainda, da minha lavra: foi uma homenagem que prestou à classe dos architectos portugueses, confiando a um d'elles a dispendiosa edificação da sua nova casa da Commenda. Suspeito que não terá de arrepender-se.

Algum portuguez talvez haja, que, no seu caso, tivesse mandado vir [...] architecto francez45.

O projeto original da casa da Comenda encontra-se integrado no espólio de Raul Lino cedido à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian. No entanto, os desenhos disponíveis não se encontram datados, pelo que, dos dados que hoje temos, sabemos tratar-se de elementos de várias datas, ou seja, para além dos iniciais, também os de outra campanha de obras posterior que não a da sua construção inicial.

A Primeira Grande Guerra, na qual Abel Armand participou, e os tempos difíceis vividos nessa época, sobretudo para uma família francesa, terá muito provavelmente afetado a permanência da família na Comenda na época estival. A 29 de abril 1919, sem ter praticamente disfrutado da sua estância portuguesa, o conde morre na sua residência em Paris, deixando o seu título ao seu filho primogénito, Roger Ernest Marie Joseph Armand (1893-1981). A Comenda e todos os seus domínios ficam, por herança, na posse da viúva e dos seus filhos.

 

Figura 15

 

 

Figura 16

 

Restabelecida a paz, a família Armand terá retomado as épocas estivais na Comenda, tendo inaugurado um período de grande utilização da propriedade, seja pelos elementos da família, seja por amigos a quem os condes emprestavam ou alugavam a casa quando não estavam em Portugal.

Em 1932 encontramos uma primeira imagem do novo conde de Armand, Roger Ernest (à data com 39 anos e ainda solteiro), fornecida, desta feita, pela comunicação social local46. O Correio do Sado noticiava que “a coincidência de se encontrar nesta cidade, o ilustre proprietário da Quinta da Comenda, o sr. Conde Armand”, havia levado o periódico a decidir fazer uma reportagem sobre o local, sob a égide do tema da propaganda regionalista e do turismo:

O sr. Conde Armand, saindo ao nosso encontro, convida-nos gentilmente a entrar no seu palácio, a despeito das nossas escusas.

A sua amabilidade de pessoa requintadamente educada, causa-nos uma impressão de inolvidável reconhecimento.

O sr. Conde Armand é relativamente novo, alto, elegante, com um semblante simpático, duma simplicidade atraente, captivando pelo seu aspecto de distinção e mostrando pela sua palavra fluente e fácil, uma vasta cultura e conhecimentos profundos dos grandes centros turísticos47.

 

Figura 17

 

 

 

Nesta entrevista, Roger Ernst, à semelhança de seu pai, deixa transparecer uma profunda paixão pela natureza e, em particular, pela paisagem da Arrábida que emoldurava a sua casa, afirmando que a perspetiva formada pela

[...] magnificência da Serra, o surpreendente aspecto do luminoso estuário do Sado e os lindos arredores de Setúbal, constituem um conjunto panorâmico de incomparável beleza pela sua harmonia sedutora48.

Para ele “os prodigiosos encantos” da região eram os verdadeiros atrativos turísticos a levar em conta, pelo que “a Natureza é o verdadeiro motivo de sublime beleza que o homem nunca pode exceder”, apelando ao “máximo cuidado e carinho na sua conservação, defendendo-a dos rudes ataques originados pela falsa compreensão do progresso [...]”. Se Abel Armand havia demonstrado uma total compreensão pelo espírito deste lugar, ao patrocinar, através da mão e do génio criador de Raul Lino, uma arquitetura em verdadeira simbiose com o seu entorno, Roger Ernest, melhor ainda, compreendia a importância de um ordenamento cauteloso deste território, tão apetecível à voracidade dos complexos turísticos. Face à ameaça da “urbanização” das paisagens naturais, havia que evitar “deformações” nessa mesma paisagem, “e no conjunto artístico das construções que, pelo seu elevado número e proporções extravagantes, teem convertido num aglomerado incompreensível panoramas tão belos como os da Côte d'Azur”.

Aparentemente, as obras na casa da Comenda terão continuado ao longo de décadas, sobretudo no que se refere aos seus interiores. Como é característico da grande parte das suas obras, Raul Lino ocupava-se da conceção de todos os pormenores construtivos. Tudo era pensado e desenhado por si, de acordo, naturalmente, com as exigências dos seus encomendadores. E Roger Ernest terá sido especialmente exigente e interventivo na sua própria casa, acompanhando exaustivamente a obra, mesmo a partir da sua residência parisiense. Em janeiro de 1936 questiona sobre a “execução” das lareiras, sugerindo, inclusivamente, um executor especializado para o trabalho – José Guilherme dos Santos, residente em Setúbal49. No mês seguinte, expressa vontade, através de carta a Raul Lino, em que se comece, o mais rapidamente possível, a execução de todo o trabalho de boiserie, mas sugere alterações aos desenhos que o arquiteto lhe havia proposto inicialmente, solicitando que lhe sejam enviados novos desenhos. A sua minúcia é tal, que demonstra preocupação relativamente à madeira a utilizar, exigindo que se utilize um “carvalho absolutamente seco”50. Em janeiro do ano seguinte, Roger Ernst envia a Raul Lino um cheque no valor de 1950$00, relativamente a honorários, agradecendo não só os conselhos dados pelo arquiteto, mas elogiando também a qualidade dos seus projetos. Na mesma carta, porém, aproveita para dar conta de que, “apesar das suas recomendações, o Sr. Abreu não utilizou madeira suficientemente seca, e as boiseries da biblioteca mostram já sinais de deterioração”51. Em janeiro de 1938 ainda se tratava de pormenores não terminados na construção, nomeadamente relativamente às lareiras e ainda aos trabalhos de madeira interiores.

Em correspondência de janeiro de 193852, Armand refere-se ao projeto para “painéis de azulejos”, corroborando-se a teoria de J. Meco53 de que os painéis neoclássicos, área em que Lino não se revelou especialmente, não seriam contemporâneos da primeira década do século XX, mas sim de uma campanha posterior. Hoje sabemos com segurança que o registo de Nossa Sr.ª da Ajuda colocado na fachada norte, e muito provavelmente também o silhar colocado na varanda do piso térreo pertencem à mão de José António Jorge Pinto, conhecido ceramista.

Durante as décadas seguintes, a casa da Comenda serviu de cenário a glamorosos verões, fosse na presença da própria família Armand e do círculo da melhor aristocracia europeia e portuguesa de que se rodeavam, fosse como estância de veraneio de outras famílias a quem os Armand cediam a casa, fosse a personalidades mais mediáticas, como princesa Lee Radziwill, irmã da viúva do presidente norte-americano J.F. Kennedy, e do seu inseparável amigo Truman Capote, que no verão de 1965 aqui terão passado uma temporada. Ao nível das melhores costas mediterrânicas, como a Sardenha (onde a princesa Lee Radziwill tinha residência) ou a Côte d'Azur, a Comenda oferecia os mesmos ou melhores esplendores estivais, mas, seguramente, num ambiente muito mais pacato e tranquilo.

Após a morte da condessa viúva, mãe de Roger Ernest, em 1946, a propriedade fica apenas em nome dos seus filhos, e mais tarde, em nome de “Sociedade Agrícola da Quinta da Comenda de Mouguelas” na qual participavam, por cotas, todos os irmãos Armand, com predomínio de Roger Ernest e sua mulher.

O conde Roger Ernest terá morrido no início da década de 80. No final dessa década a propriedade é adquirida pelo conhecido urbanizador António Xavier de Lima, que introduz uma série de alterações na casa as quais se revelaram bastante desqualificadoras da arquitetura de Raul Lino, que havia perdurado intacta até aí. Curiosamente, Xavier de Lima também nunca terá usufruído plenamente da sua propriedade, uma vez que morreu em 2009.

Atualmente a propriedade está em nome dos seus herdeiros, mas encontra-se totalmente abandonada. A casa da Comenda, longe dos seus gloriosos verões aristocráticos, está em avançado estado de degradação, ameaçando ruína.

Conclusão

A obra de Raul Lino encontra-se já bastante explorada, tendo sido alvo de inúmeros estudos que se constituíram como importantes referências no conhecimento da arquitetura do século XX. Contudo, das primeiras obras por ele projetadas, algumas das quais absolutamente incontornáveis na sua arquitetura, a casa da Comenda apenas mereceu, sistematicamente, breves abordagens, claramente insuficientes para o seu estudo.

É neste contexto que o presente artigo se configura inédito, seja pelo contributo histórico e cronológico que fornece, seja pelo enquadramento que caracteriza a sua encomenda, o seu encomendador e a sua utilização como casa de veraneio de uma culta aristocracia europeia, ao longo de mais de 70 anos.

Se cada projeto de Raul Lino tem, naturalmente, a sua especificidade, a sua filosofia própria, em todos, contudo, é possível identificar um traço inconfundível em quase toda a sua obra: a procura incessante da relação com o lugar, com a vida. O genius locci em Lino está presente de forma natural nas suas “casas”, mas afigura-se--nos magistralmente conseguido na casa da Comenda, demonstrando aqui a sua capacidade inigualável da compreensão da natureza, da paisagem, do lugar.

O principal contributo deste estudo reside, assim, no facto de se poder constituir, finalmente, como pedra de arranque numa discussão - que se prevê salutarmente longa - sobre esta obra incontornável de Raul Lino.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes

Arquivo Municipal de Lisboa

Fundo Artur Pastor, Quinta da Comenda (entre 1942 e 1944). PT/AMLSB/ART/001549.

Livro 1º de D. Manuel I.

 

Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar da Direção de Infraestruturas do Exército

Carta topográfica militar do terreno da península de Setúbal. 1813/1816 (José Maria das Neves Costa).

 

Arquivo Distrital de Setúbal

Arquivo pessoal Almeida Carvalho, 60/27.

 

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Visitações de Setúbal (1533) e de Mouguelas (1534). Ordem de Santiago/Convento de Palmela, Livro 264.

 

Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian

Espólio Raul Lino 1902-1974, Projeto da casa da Comenda – Alçados. Casa da quinta da Comenda, Setúbal.

 

Biblioteca Nacional de Portugal

Planta do rio de Setuval (…). In Correa,João Thomas - Livro de varias plantas deste Reino e de Castela [Visual gráfico] [Em linha]. 1736. [Consult.: 04-01-2016]. Disponível na Internet: http://purl.pt/12158.

Coleção particular da família Armand

M. Ernest Armand.

A casa existente na Comenda antes da reconstrução levada a cabo por Abel Armand.

A casa existente no sítio da Comenda antes da reconstrução e a paisagem envolvente.

A construção da casa da Comenda de Abel Armand. Entre 1903-1908 (estimado).

Vista da latada (ainda despida) e de parte da fachada nascente. 1906 (aprox.).

Vista da mesma latada. 1913 (aprox.)

A varanda do rés-do-chão. 1913 (aprox.).

Roger Ernest Armand. 1913 (aprox.)

 

Coleção particular de António Cunha Bento

Postal da casa da quinta da Comenda.

Postal “Velha casa da quinta da Comenda, quando pertença de Agostinho Maria Rodrigues Albino”. 1ª edição “Centenária Cig”, n.º 3-C, 1960.

Postal ilustrado Col. Etelvino Machado, 1927 (data de circulação).

Escriptura de partilha amigável que faz a Ex.ma D. Maria Marianna Albino, viúva do Ill.mo Agostinho Rodrigues Albino, com seus filhos e genro, dos bens de raiz, e fundos em dinheiro, que ficaram por falecimento do seu dito marido, pai e sogro. 14 de novembro de 1868. (cópia do original localizado no Arquivo Distrital de Setúbal).

Projeto de Investigação “Arquitectura(s) de Papel – Estudo Sistemático de imagens e projectos de arquitectura no início do século XX através d'a construcção moderna (1900-1919)” (FCT, 2004)

 

ESTUDOS

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submissão/submission: 31/01/2016

aceitação/approval: 24/03/2016

 

 

NOTAS

* Licenciada em Arquitetura de Gestão Urbanística pela FA.UL (1998) e em Arquitetura pela ULusíada (2001), pós-graduada em Reabilitação Urbana e Arquitetónica pelo ISCTE (2006), é atualmente investigadora doutoranda em Arquitetura pela FA.UL e bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia (2012-2013), desenvolvendo investigação na área das tipologias domésticas e história da arquitetura. Docente na FA.UL (2000) e técnica superior na Câmara Municipal de Setúbal desde 1998, desempenhando funções na área da reabilitação e salvaguarda do património histórico. Correio eletrónico: isabelsmacedo@gmail.com

1 RIBEIRO, Irene – Raul Lino: pensador nacionalista da arquitectura. Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 1994. p. 17.

2 RASTEIRO, Joaquim - Notícias arqueológicas da Península da Arrábida. O archeologo português. Lisboa: Museu Ethnografico Português. Vol. III (1897), p. 4.

3 COSTA, António Inácio Marques da – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal: habitações pré-históricas ao longo da costa marítima; estação pré-histórica da Commenda: estações de Outão e Galapos. O archeologo português. Lisboa: Museu Ethnografico Português. Vol. X (1905), p. 185-193.

4 COSTA, Marques da, op. cit, p. 189.

5 GONÇALVES, Vítor dos Santos – Notas sobre algumas povoações romanas nos arredores de Setúbal. I – A estação romana da Comenda. Boletim da Sociedade Portuguesa de Espeleologia. Lisboa: Sociedade de Espeleologia. 2.ª Série Vol. II N.º 1 (1964), p. 1. Separata.

6 Op. cit., p.5.

7 SILVA, Carlos Tavares da; SOARES, Joaquina – Arqueologia da Arrábida. Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, 1986. p. 194 (Parques Naturais; n.º 15).

8 PORTOCARRERO, Gustavo – Sistemas de defesa costeira na Arrábida durante a Idade Moderna. Lisboa: Edições Colibri, 2003.

9 Op. cit., p. 21.

10 VARGAS, José Manuel - Mouguelas: uma comenda da Ordem de Santiago no termo de Setúbal. In Encontro sobre ordens militares, 4, Palmela, 2002 - As ordens militares e as ordens de cavalaria na construção do mundo ocidental: actas. Lisboa: Edições Colibri; Palmela: Câmara Municipal, 2005. p. 485-515.

11 Op. cit., p. 486.

12 Op. cit., p. 486.

13 Trata-se do livro com os “Estabelecimentos de Pero Escacho”, também chamado Livro das tábuas ferradas.

14 “Guarda-se actualmente no Archivo Nacional, sob o número 2011, um códice de pergaminho, que fez outr'ora parte do cartório de Palmella, da ordem de Santiago […]”. AZEVEDO, Pedro de - Lembranças de um códice do Mosteiro de Palmela. Arquivo histórico português. [S.l.: s.n.], 1903. I. p. 336.

15 FONSECA, Luís Adão da – Vasco da Gama: o homem, a viagem, a época. Lisboa: Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998, 1997.

16 Idem, p. 28.

17 AML, Livro 1º de D. Manuel I, doc. 106: [D. Manuel I convoca as autoridades municipais de Lisboa para a povoação de Mouguelas], 03/05/1506, PT/AMLSB/CMLSB/CHR/0031/0101.

18 Transcrição da responsabilidade de Sara de Menezes Loureiro, mestre em Paleografia e Diplomática, gentilmente cedida pelo Arquivo Municipal de Lisboa.

19 GÓIS, Damião de – Crónica do felicíssimo rei D. Manuel. Nova edição, conforme a primeira, anotada e prefaciada por Joaquim Martins Teixeira de Carvalho e David Lopes. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926. parte II, p. 39.

20 VARGAS, op. cit., p. 490.

21Visitações de Setúbal (1533) e de Mouguelas (1534). Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Ordem de Santiago/Convento de Palmela, Livro 264, f. 45v.-47. Tradução feita por José Manuel Vargas, Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago.

22 COSTA, Marques da, op. cit., p. 188.

23 LEAL, Augusto Pinho - Portugal antigo e moderno: diccionario geográfico, estatístico, chorographico, heraldico, archeologico, histórico, biografico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1880. vol. IX.

24 Arquivo Distrital de Setúbal (ADS), Arquivo pessoal Almeida Carvalho, 60/27.

25 A Comenda ter-se-á mantido ainda na posse dos condes de Galveias pelo menos por mais uma geração.

26 CLARO, Rogério Peres – Setúbal após o terramoto de 1755: as informações paroquiais de 1758. Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2011. p. 59-62.

27 ADS, “Escriptura de partilha amigável que faz a Ex.ma D. Maria Marianna Albino, viúva do Ill.mo Agostinho Rodrigues Albino, com seus filhos e genro, dos bens de raiz, e fundos em dinheiro, que ficaram por falecimento do seu dito marido, pai e sogro.” 14 de novembro de 1868. O documento consultado (cópia do original) pertence à coleção particular de António Cunha Bento.

28 Em Portugal, as ordens religiosas militares foram extintas a 30 de junho de 1834, por um diploma que tornou aplicável às ordens militares o decreto de 30 de maio do mesmo ano, que extinguiu os conventos religiosos. A família Albino gozava de grande desafogo financeiro, sendo grande proprietária na região de Setúbal, integrando bens adquiridos ao Estado que haviam sido confiscados à igreja e às ordens militares religiosas.

29 CLARO, Rogério Peres - Desdobrável alusivo à exposição “Os Albinos”, patente no Museu de Setúbal/Convento de Jesus entre 8 de março e 10 de abril de 1988. Coleção particular de António Cunha Bento.

30 Acreditamos que se trata de um lapso, e que as ruínas descritas se referem à antiga igreja (ou capela, pela reduzida dimensão) de Nossa Senhora da Ajuda.

31 ADS, “Escriptura de partilha amigável (...), op. cit.

32 Conservatória do Registo Predial de Setúbal. Apresentação n.º 271, registada a 20 de maio de 1872. Cópia gentilmente cedida por João Reis Ribeiro.

33 O palácio de Santos, também conhecido pelo palácio dos marqueses de Abrantes, foi, em 1909, definitivamente adquirido pelo Estado francês encontrando-se atualmente aí instalada a embaixada francesa em Lisboa.

34 Mariages. Le Gaulois. Paris: [s.n.]. (6 Agosto 1891).

35 Excertos de um texto autobiográfico de Raul Lino, escrito sem o propósito de publicação. Foram reproduzidos na síntese biográfica coligida no catálogo por PIMENTEL, Diogo Lino - Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.

36 RAMOS, Rui Jorge Garcia – A casa: arquitectura e projecto doméstico na primeira metade do século XX português. Porto: Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2010.

37 THOREAU, Henry David – Walden; or, life in the woods. 1st ed. Boston: Ticknor and Fields, 1854.

38 QUINTINO, José Luís – Raul Lino, 1879-1974. Lisboa: Editorial Blau, 2003.

39 A casa do Sr. Conde Armand na quinta da Commenda, próximo a Setúbal. A architectura portuguesa. Lisboa: [s.n.]. N.º 6 (Junho 1908).

40 Idem.

41 Idem.

42 Esta foto foi gentilmente cedida pelo Dr. Gabriel Armand, sendo que as datas por ele apontadas são aproximadas.

43 “Elle (o château do sr conde) ergue-se aprumado airosamente como a Torre de Belém, mas sobranceiro ao rio Sado, destacando a sua alvura contra os tons: verde-bronse da vegetação, sanguíneo da argila do solo, e azul das águas do rio”.

44 A casa do Sr. Conde Armand na quinta da Commenda, próximo a Setúbal, op. cit.

45 Idem.

46 Correio do Sado: notícias de Setúbal: regionalista independente. Setúbal: [s.n.]. N.º 1 (23 Março 1932).

47 Está em Setúbal o Sr. Conde Armand. Correio do Sado: notícias de Setúbal: regionalista independente. Setúbal: [s.n.]. N.º 1 (23 Março 1932).

48 Idem.

49 Correspondência de Roger Ernst Armand para Raul Lino. 16 de janeiro de 1936. BAFCG, Casa da quinta da Comenda, Setúbal. Espólio Raul Lino, 1902-1974. O conhecimento de artesãos locais indica o interesse do conde em manter estreita relação com a cidade, relação já construída pelo seu pai, através do fornecimento de palmeiras para o embelezamento de espaços públicos em Setúbal e outras benesses, tendo granjeado, por mais do que uma vez, o reconhecimento do executivo municipal.

50 Correspondência de Roger Ernst Armand para Raul Lino. 5 de fevereiro de 1936. BAFCG, Casa da quinta da Comenda, Setúbal. Espólio Raul Lino, 1902-1974.

51 Correspondência de Roger Ernst Armand para Raul Lino. 25 de janeiro de 1937. BAFCG, Casa da quinta da Comenda, Setúbal. Espólio Raul Lino, 1902-1974. A carta encontra-se escrita em francês, pelo que a tradução é da responsabilidade da autora.

52 Correspondência de Roger Ernst Armand para Raul Lino. 28 de janeiro de 1938. BAFCG, Casa da quinta da Comenda, Setúbal. Espólio Raul Lino, 1902-1974.

53 MECO, José – A azulejaria na obra de Raul Lino. In Colóquio Nacional Raul Lino em Sintra, Sintra, 2015 - IV ciclo de conferências. Sintra: Castelo do Amor, 2015.

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