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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.3 Lisboa dez. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150307 

Bem estar psicológico: comparação entre cuidadores de idosos com e sem demência

Psychological wellbeing: comparison between caregivers of older adults with and without dementia

 

Francine Náthalie Ferraresi Rodrigues Pinto & Elizabeth Joan Barham

Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós Graduação em Psicologia, São Carlos – Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Exercer a tarefa de cuidar de um idoso dependente, principalmente com demência, pode levar à sobrecarga dos cuidadores. Habilidades sociais (HS) e de estratégias de enfrentamento de estresse (EEE) podem servir como fatores de proteção. O objetivo do presente estudo foi comparar dois grupos de cuidadores familiares: um de idosos com dependência física e outro de idosos com dependência física e cognitiva quanto a sua percepção de sobrecarga, qualidade da relação com o idoso, habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse, além de comparar às necessidades decorrentes da prestação de cuidados ao seu parente idoso. Participaram deste estudo 20 díades idoso–cuidador, todos do sexo feminino, divididos em dois grupos: cuidadores de idosos lúcidos (N = 10) e cuidadores de idosos com demência (N = 10). Os cuidadores responderam a instrumentos de habilidades sociais, estratégias de enfrentamento de estresse, sobrecarga, qualidade da relação e necessidades. Os cuidadores de idosos com demência relataram maior: sobrecarga, dificuldade para lidar com críticas justas, auto controle emocional e percepção de necessidades de apoio e serviços da comunidade. Seria importante realizar estudos que avaliassem intervenções para promover a aquisição ou aprimoramento de HS e de EEE.

Palavras-chave - Cuidadores, idosos, habilidades sociais, estratégias de enfrentamento de estresse, sobrecarga, qualidade da relação, necessidades.

 

ABSTRACT

Exercise the task of caring for a dependent elderly, especially with dementia can lead the caregiver burden. Social skills (HS) and coping strategies (EEE) may serve as protective factors. The aim of this study was to compare two groups of family caregivers: elderly with physical dependence and other with elderly with cognitive and physical dependence as its perception of burden, quality of relationship with the elderly, social skills and coping strategies and to compare the needs arising from the provision of care to their elderly relative. The study included 20 elderly - caregiverdyads, all female, divided into two groups: lucid elderly caregivers (N = 10) and caregivers of patients with dementia (N = 10). Caregivers responded to instruments of social skills, coping skills, stress, burden, quality of the relationshipand needs. Caregivers of elderly with dementia reported more: burden, difficulties of dealing with fair criticism, emotionalself-control and needs perception for support and community services. It would be important to conduct studies that evaluated interventions to promote the acquisition or improvement of HS and EEE.

Key- words - Caregivers, elderly, social skills, coping, burden, quality of the relationship, needs.

 

Cuidar de um idoso, no decorrer da vida, está se tornando algo comum e esperado diante do aumento da proporção de pessoas idosas na população, e consequentemente diante do aumento de pessoas com doenças crônico-degenerativas. Mesmo ao cuidar de alguém que se estima, no geral, com o passar do tempo e a alta demanda por cuidados, esta tarefa se torna estressante e leva a uma diminuição na percepção da qualidade de vida de quem cuida (Pereira & Carvalho, 2012).

Em relação à dependência do idoso, no presente estudo investiga-se dois grandes conjuntos de demandas: físicas e cognitivas. As físicas existem quando o idoso apresenta restrições de movimentos, que fazem com que este possa precisar de ajuda para comer, higienizar-se, deslocar-se dentro e fora de sua residência (Israel, Andrade & Teixeira, 2011). As demandas cognitivas dizem respeito ao idoso com um quadro de demência crônico degenerativo, que não consegue se lembrar de informações importantes, se comunicar adequadamente ou realizar tarefas baseadas no raciocínio. Devido ao comprometimento cumulativo da memória, com o tempo, o idoso com demência não se recorda de como realizar as tarefas diárias, o que acarreta também em dificuldades de natureza física (Millán-Calentiet al. 2012).

Uma das doenças crônico-degenerativas que faz com que o idoso necessite de um cuidador é a doença de Alzheimer (DA). Este tipo de demência tem predomínio dentro da população idosa, afetando em torno de dois terços dos idosos com demência (Bottino et al. 2005). No DSM-IV (1995, p.139), a DA é definida como:

O desenvolvimento progressivo de déficits cognitivos múltiplos suficientemente severos para causar comprometimento nas ocupações cotidianas, sociais ou ocupacionais, incluindo comprometimento da memória e, no mínimo, de um dos seguintes sintomas: afasia, apraxia, agnosia ou disfunção executiva.

A doença de Alzheimer se caracteriza por inicio gradual e declínio cognitivo contínuo, mas há dificuldade em obter-se evidências patológicas diretas da presença de DA. Sendo assim, o diagnóstico apenas pode ser feito quando outras etiologias para demência são descartadas. Estima-se que entre 2 a 4% da população com mais de 65 anos apresenta este tipo de demência e sua prevalência cresce com o aumento da idade (DSM IV, 1995). Um idoso acometido com esta doença necessita de alguém que fique responsável por prover assistência de forma contínua, desta forma surge então o papel de cuidador de idosos.

 

O cuidador de idoso

A definição de cuidador, segundo a Política Nacional de Saúde do Idoso (Brasil, 1999, p.14) é:

Cuidador é a pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, cuida do idoso doente ou dependente no exercício das suas atividades diárias, tais como alimentação, higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde e demais serviços requeridos no cotidiano, excluídas as técnicas ou procedimentos identificados como profissões legalmente estabelecidas, particularmente na área de enfermagem.

Os cuidadores são, em sua maioria, do sexo feminino, sendo principalmente esposas e filhas dos idosos, com idades concentradas entre 50 e 65 anos, geralmente não têm emprego fixo ou trabalham apenas em empregos de tempo parcial e têm baixo nível econômico e educacional (Santos & Pavarini, 2010). Independente do perfil do cuidador, uma observação importante, relatada repetidas vezes na literatura é o impacto negativo deste papel no bem estar do cuidador. Mesmo quando a saúde inicial dos cuidadores é muito boa, depois que eles passam a exercer essa tarefa, via de regra, sua qualidade de vida piora (Tomomitsu, 2012), como pode-se observar por meio de reduções ligadas aos indicadores devem estar psicológico, físico, social e financeiro. Por exemplo, cuidadores de idosos quando comparados a não cuidadores, apresentam maior probabilidade de adquirir doenças coronárias, maiores taxas de depressão e percepção de saúde física pior (Tomomitsu, 2012), além de relatarem maior isolamento social e custos financeiros diretos mais altos (por exemplo, para comprar medicamentos) e indiretos (por exemplo, impossibilidade de trabalhar) (Smith et al. 2010).

A medida que a enfermidade do idoso evolui, as demandas sobre o cuidador aumentam. Em muitas famílias, somente uma pessoa fica responsável pelo idoso. No entanto, quando há colaboração entre os familiares, de forma que consigam se organizar para oferecer cuidados de boa qualidade no domicílio, este suporte entre eles (amor, afeição, preocupação e assistência) tende a reduzir os efeitos negativos do estresse causados pela doença do idoso (Lin, Chen, & Li, 2013; Neri, 2006).

Figueiredo e Sousa (2008) realizaram um estudo em Portugal no qual compararam cuidadores de idosos dependentes, com e sem demência, quanto à sua percepção de sobrecarga e ao seu estado de saúde. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto à percepção de sobrecarga (alta nos dois grupos); no entanto, diferenças quanto à saúde mental desses cuidadores revelaram que quando assistiam a um idoso com demência, sentiam-se mais nervosos, deprimidos e tristes quando comparados aos cuidadores de idosos lúcidos. Nesse estudo, a maioria dos cuidadores relatou ter ajuda de um cuidador secundário pago, algo que se diferencia da realidade brasileira (Camargo, 2010), mas mesmo assim, todos os cuidadores apresentaram um alto índice de sobrecarga de forma geral. Além disso, foi constatado que quanto maior a percepção de sobrecarga por parte desses cuidadores, mais negativa era a percepção do seu próprio estado de saúde.

 

Sobrecarga do cuidador de idoso

Sobrecarga é um termo traduzido da língua inglesa e conhecido internacionalmente como burden: sentimento de sobrecarga experimentado pelo cuidador ao realizar uma gama de atividades potencialmente geradoras de estresse e efeitos negativos (Luzardo, Gorini & da Silva, 2006). Associado com isso, o cuidador pode apresentar um alto nível de ansiedade, tanto pelo sentimento de sobrecarga, quanto por constatar que a sua estrutura familiar está sendo afetada pela modificação dos papéis sociais dele e do idoso com demência.

Um dos modelos clássicos de estresse em cuidadores e que, segundo Neri (2006), ainda influencia pesquisas sobre estresse entre cuidadores de idosos, é o de Pearlin, Mullan, Semple e Skaff (1990). Trata-se de um modelo multidimensional, que foi proposto para explicar como diferentes cuidadores expostos a um mesmo contexto podem perceber ou lidar com a mesma demanda de maneiras distintas, principalmente no que diz respeito à forma como lidam com o estresse. Segundo esses autores a forma como estes cuidadores lidam com o estresse pode ser influenciada por variáveis como sexo, idade, etnia, escolaridade, entre outros. Eles descrevem quatro domínios, cada um deles compreendendo múltiplos componentes: contexto e história de cuidado; estressores e tensões; mediadores do estresse e tensões; e resultados ou consequências do estresse.

 

Qualidade da relação

Segundo o modelo de Pearlin et al. (1990), as habilidades bem adaptadas e a ajuda de outras pessoas podem atuar como moderadores com efeito positivo, ou seja, como facilitadores do processo de enfrentamento de estresse (Neri, 2006). Sendo assim, é importante que o cuidador consiga manter qualidade nas relações tanto com o idoso, como com outras pessoas envolvidas no cuidar, uma vez que há estudos que mostram que uma baixa competência social por parte do cuidador nas relações com o próprio idoso e com outras pessoas envolvidas no cuidar pode comprometer a saúde do idoso e consequentemente aumentar ainda mais às pressões sobre o cuidador (Dornelles, 2010; Pinto, Barham & Albuquerque, 2013; Pinto & Barham, 2014; Robinson, 1988; Robinson & Yates, 1994). A falta de ajuda externa pode levar o cuidador a avaliar negativamente a situação de cuidado, quando este sente dificuldade para realizar as tarefas sozinho e havia expectativa de receber ajuda de outras pessoas. Assim, o uso adequado dessas habilidades e apoios pode afetar a avaliação que o cuidador faz da situação, levando-o a classificá-la como positiva ou negativa (Lin, Chen & Li, 2013; Neri, 2006).

Diante disso, percebe-se a importância de desenvolver habilidades, tais como habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse, específicas ao contexto de um cuidador de idoso, uma vez que há estudos que mostram que o uso das mesmas implica na melhora da qualidade de vida do idoso (Carneiro et al. 2007) e em uma menor percepção de sobrecarga por parte do cuidador (Dornelles, 2010; Pinto & Barham, 2014, Robinson, 1988; Robinson & Yates, 1994).

 

Habilidades Sociais

Para que um cuidador de idoso consiga estabelecer e manter relacionamentos saudáveis com as demais pessoas envolvidas no contexto de cuidar é necessário que ele tenha um repertório em habilidades sociais bem desenvolvidas (Braz et al.2013, Pinto & Barham, 2014). De forma geral, as habilidades sociais envolvem competências que facilitam a iniciação e manutenção de relacionamentos sociais positivos, contribuem para a aceitação pelos pares e resultam em ajustamento social satisfatório no ambiente (Gresham, 2010).

Pesquisadores da área mostram que as habilidades sociais podem ser agrupadas em várias subáreas e que o indivíduo pode se comportar de maneira agressiva, passiva ou assertiva em função de déficits na aquisição ou na percepção da necessidade de uso de determinadas habilidades sociais (Olaz, 2010). Recomenda-se sempre o uso da assertividade, a qual consiste na habilidade de afirmação e defesa dos próprios direitos, por meio da expressão de pensamentos, sentimentos e crenças, de forma direta e honesta, levando-se em consideração os direitos dos outros, ao mesmo tempo (Braz, 2010).

Em relação a evidências sobre a importância das habilidades sociais para o bem estar das pessoas, estudos, incluindo estudos com pessoas idosas, têm demonstrado que indivíduos que são mais assertivos e têm bom relacionamento interpessoal são mais saudáveis e menos propensos a doenças (Braz, Del Prette & Del Prette, 2011; Gresham, 2010). Duran, Obregozo, Uribe-Rodríguez e Linde (2008), em seu estudo sobre integração social e habilidades sociais em idosos, apontam a importância das interações sociais enquanto fator de proteção à saúde, visto que, ao se relacionar com outrem, é possível estabelecer vínculos e se engajar em um nível constante de atividade, produzindo acesso a redes de apoio social, que, por sua vez, auxiliam na passagem por crises, na melhora da autoestima, na eficácia pessoal e na reconstrução da identidade nesta fase de vida. No caso de cuidadores de idosos e especialmente para cuidadores de idosos com demência, ainda não existe um knowhow bem desenvolvido e difundido sobre como lidar com as demandas e tensões interpessoais que surgem neste contexto. Assim, a probabilidade do cuidador cometer erros nas interações com outras pessoas é maior do que em outros contextos mais conhecidos.

Além disso, por mais que o cuidador passe a dominar diferentes habilidades sociais, nem sempre é possível remover um estressor por meio de ajustes e acordos com outras pessoas. Assim, para complementar e auxiliar as habilidades sociais seria interessante que esse cuidador desenvolvesse também estratégias de enfrentamento de estresse.

 

Estratégias de Enfrentamento de Estresse

Lazarus e Folkman (1991) definem o enfrentamento da situação estressante (coping) como esforços cognitivos e comportamentais empreendidos para o controle de demandas específicas, sendo esta uma resposta do indivíduo a situações que estão sobrecarregando-o ou excedendo seus recursos pessoais. O enfrentamento tem duas principais funções. Uma envolve o gerenciamento ou alteração do evento estressor; nesse caso, o enfrentamento está focalizado no problema. Uma segunda função diz respeito ao controle, redução ou eliminação das respostas emocionais ao evento estressor; esse enfrentamento está focalizado na emoção, sendo paliativo. O sujeito procura aliviar o estresse, ou seja, busca sentir-se melhor diante de um evento que não pode ser modificado.

Para Lazarus e Folkman (1991), o modelo de estresse é dinâmico e interacional, envolvendo dois níveis de avaliação ou apreciação (appraisal, em inglês): primária e secundária. Segundo estes autores, na apreciação primária, a pessoa examina em que ela foi atingida pela situação estressora. O resultado dessa apreciação contribui para a qualidade e intensidade da sua reação emocional. Na apreciação secundária, a pessoa procura soluções, indagando: “O que posso fazer? Quais minhas opções para enfrentar esta situação?” As respostas influenciarão no tipo de estratégia que a pessoa irá utilizar para lidar com tal situação. Modos de enfrentamento focalizados no problema serão utilizados se as consequências de uma situação estressante forem apreciadas como sendo reversíveis, ou seja, que podem ser removidas ou alteradas. O enfrentamento focalizado na emoção é mais utilizado se as consequências do estressor forem apreciadas como inalteráveis, como no caso de comportamentos com impactos negativos para o cuidador, mas que o idoso com demência, por exemplo, não controla.

Essas duas formas de enfrentamento são inter-relacionadas, visto que as pessoas, diante de um mesmo evento estressor, utilizam ambas as formas de enfrentamento, pois uma estratégia que, em princípio, está focalizada no problema, pode ter também uma função focalizada na emoção e, portanto, a emoção e o enfrentamento ocorrem em uma relação dinâmica e recíproca. Além disso, pessoas diferentes utilizam formas diferentes de enfrentamento devido a sua história de vida e encaram o problema estressor de maneira distinta e também possuem habilidades diferentes para lidar com o mesmo.

As estratégias mais utilizadas por cuidadores de idosos são as centradas na emoção, principalmente as que dizem respeito à religião (coping religioso), que é o modo como aspessoas utilizam a religião para lidar com situações de estresse e de dificuldade em suas vidas (Almeida & Stroppa, 2009; Simonetti & Ferreira, 2008). Estratégias centradas na emoção podem ser vistas como a única saída para enfrentar as dificuldades encontradas ao cuidar de um idoso com uma doença crónica, como a Doença de Alzheimer, por exemplo, uma vez que este idoso não tem perspectiva de ser curado e muitas vezes não há apoio por parte de outros familiares.

Nestas situações, é importante entender como cuidadores de idosos com demência utilizam estratégias de enfrentamento de estresse de forma construtiva e quais se mostram mais eficazes para sua relação com o idoso e com os outros membros da família. Acredita-se que a comparação de cuidadores que assistem idosos com dependência física, apenas, com um grupo que seja formado por cuidadores que assistem idosos com dependência física e cognitiva, pode representar uma estratégia que contribua para a identificação de especificidades em relação às habilidades que são especialmente importantes para o cuidador de um idoso com demência. Isto porque idosos acamados com e sem demência requerem uma grande dedicação de seu cuidador e necessitam de atenção quanto à higiene, alimentação, locomoção, entre outros, mas o fator fundamental que os diferencia são as limitações cognitivas apresentadas pelos idosos com demência (Freitas, Meneghel, & Selli, 2011).

O objetivo do presente estudo foi comparar dois grupos de cuidadores familiares: um de idosos com dependência física e outro de idosos com dependência física e cognitiva quanto a sua percepção de sobrecarga, qualidade da relação com o idoso, suas habilidades sociais e suas estratégias de enfrentamento de estresse, além de comparar às necessidades decorrentes da prestação de cuidados ao seu parente idoso.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desse estudo 20 díades idosa-cuidadora. Todas as idosas eram acamadas (sem capacidade de andar) e altamente dependentes para as atividades da vida diária. Para controlar os efeitos de cuidar de um idoso que envolvesse questões culturais ligados ao gênero e tendo em vista uma maior homogeneidade entre os grupos, no presente estudo restringiu-se a participação às díades do sexo feminino. Elas foram divididas em dois grupos: um grupo (GL) composto por 10 díades, no qual as idosas eram lúcidas e no outro grupo (GD), composto por 10 díades, no qual as idosas tinham indício de demência, confirmadas pelo seu resultado no Mini Exame do Estado Mental aplicado nesse estudo. As díades foram recrutadas em um Programa de Atendimento Domiciliar (PAD) oferecido pelo município. As idosas, de ambos os grupos, tinham mais de 60 anos e estavam acamadas em caráter irreversível há pelo menos seis meses. A idade média dos cuidadores do GL foi de 54 anos (DP= 11,6) e do GD de 53 anos (DP= 9,08). A idade média das idosas do GL foi de 70 anos (DP= 5,04) e do GD foi 75 anos (DP= 6,3). As idosas acamadas, porém lúcidas, foram escolhidas como grupo de comparação, uma vez que, tal como idosos com demência e acamados, também demandam muito apoio para a realização de atividades da vida diária.

A pesquisa foi realizada em uma cidade de médio porte do interior de São Paulo. Tendo em vista que as idosas eram dependentes e acamadas, a coleta de dados foi realizada nas residências das mesmas. Para que fosse mantida a privacidade das participantes, a coleta foi feita em conjunto com uma aluna da graduação, previamente treinada, a qual aplicava o Mini Exame do Estado Mental para rastreio de demência e permanecia com as idosas durante o período em que a pesquisadora entrevista as cuidadoras emoutro cômodo da residência.

Material

Sobrecarga: O nível de sobrecarga das cuidadoras foi medido por meio da Escala de Burden de Zarit (ZBI). A escala é de pontuação do tipo Likert de 5 pontos. As alternativas são 0, nunca; 1, raramente; 2, algumas vezes; 3, muito frequente e 4, sempre. O último item da escala avalia, de forma geral, o quanto o cuidador se sente sobrecarregado por cuidar do paciente, pontuado da seguinte forma: 0, nada; 1, pouco; 2, moderadamente; 3, muito e 4, extremamente. A pontuação neste instrumento pode variar entre 0 e 88 e ele apresenta 22 questões que avaliam a sobrecarga subjetiva destes familiares cuidadores. As questões da escala avaliam o impacto da sobrecarga nos seguintes aspetos da vida de um cuidador: relacionamento entre cuidador e paciente, condições de saúde do cuidador, bem-estar psicológico deste, situação financeira e relações interpessoais (Taub, Andreoli, & Bertolucci, 2004). O Burden Interview de Zarit tem quatro fatores: Impacto da prestação de cuidados, relação interpessoal, expectativas com o cuidar e perceção de auto - eficácia. Segundo os resultados do estudo de validade brasileira conduzido por Scazufca (2002), a versão Brasileira da Burden Interview apresenta boa consistência interna, avaliada por meio do alfa de Cronbach (a = 0,87).

Qualidade da Relação Diádica: Esta escala é uma versão em português da Dyadic Relationship Scale (Sebern & Whitlatch, 2007), traduzida por Thomazatti e Barham (2010). A Dyadic Relationship Scale tem uma versão específica para cada membro da díade. Na versão do cuidador, o instrumento é composto por 11 afirmações a respeito da qualidade da relação entre os membros da díade e das transformações decorrentes da situação de cuidado. A Dyadic Relationship Scale é composta por duas subescalas: uma escala para medir a interação positiva entre os membros da díade e uma escala para medir o conflito entre os membros da díade. Quanto maior a pontuação nessas duas subescalas, maior é o grau de interação positiva (sub escala 1) ou de conflitos (sub escala 2) na relação. Este instrumento apresenta uma boa consistência interna, avaliada por meio do alfa de Cronbach, para a sub escala de conflitos (a = 0,89) e para a sub escala de interação positiva (a = 0,85) (Sebern & Whitlatch, 2007).

Versão reduzida do Inventário de Habilidades Sociais:Em relação às habilidades sociais, utilizou-se uma versão reduzida do Inventário de Habilidades Sociais (IHS) de Del Prette e Del Prette (2001), foram selecionados18 itens claramente pertinentes ao contexto de cuidar de um idoso. Os itens do IHS-Del-Prette apresentam uma estrutura de cinco classes: Enfrentamento e autoafirmação; Autoafirmação na expressão de sentimentos positivos; Conversação e desenvoltura social; Auto exposição a desconhecidos e situações novas; e Autocontrole da agressividade. Existem alguns itens da escala que não se enquadram nestes cinco fatores e que são analisados individualmente. Neste estudo, selecionou-se cinco destes itens. As propriedades psicométricas do IHS-Del-Prette na versão para idosos estão sendo avaliadas em um estudo em andamento por Del Prette e Del Prette.

Versão reduzida do Inventário de Estratégias de Enfrentamento de Estresse do Canadian Aging Research Network (1993): Em relação às estratégias de enfrentamento de estresse, utilizou-se também uma versão reduzida do Inventário de Estratégias de Enfrentamento de Estresse e foram selecionados itens pertinentes ao contexto de cuidar de um idoso. Este instrumento apresenta uma estrutura de 5 fatores: Reavaliação positiva, Auto controle emocional, Suporte Social, Afastamento e Resolução de problemas. Não há dados das propriedades psicométricas desse instrumento na literatura. Foram selecionados 12 itens claramente pertinentes ao contexto de cuidar de um idoso.

Questionário sobre Necessidades das Famílias: Ao final da entrevista, o Questionário sobre Necessidades das Famílias (Pereira, 1996) foi incluído. As cuidadoras respondiam se tinham necessidades relativas aos cuidados (maior necessidade de apoio, de informação, financeira, de como explicar aos outros sobre o problema da idosa, de serviços da comunidade e relativas ao funcionamento da vida familiar). Elas podiam responder sim ou não sobre a existência destes tipos gerais de necessidades.

Procedimento

Após contato com os responsáveis pelo programa de atendimento, foi realizada uma pré-seleção dos participantes que se enquadravam no perfil estabelecido para este estudo. Em seguida, foi realizado contato telefônico a fim de saber se as cuidadoras tinham interesse em participar do estudo. Com as cuidadoras que aceitaram, foi agendado uma visita domiciliar para que fosse realizada a coleta de dados. Antes do início da coleta, era solicitado às cuidadoras que ficassem em um cômodo diferente das idosas naquele momento, para garantir que as cuidadores pudessem responder aos instrumentos com privacidade, principalmente no caso de idosas lúcidas. No outro cômodo, as idosas permaneciam com uma aluna de graduação que aplicava o Mini Exame do Estado Mental nelas e mantinha uma conversa com a idosa durante o período da entrevista com a cuidadora.

A coleta de dados foi realizada em forma de entrevista. Durante a entrevista, foram aplicados os instrumentos de habilidades sociais, de estratégias de enfrentamento de estresse, de necessidades, de sobrecarga e de qualidade da relação.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (Parecer No.416/2011). Todos os participantes receberam informações acerca dos objetivos da pesquisa, as atividades a serem desenvolvidas e seus direitos, antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para verificar dados estatísticos descritivos, foram calculadas a média, o desvio padrão e os valores mínimos e máximos. Para comparar os resultados obtidos nos dois grupos utilizou-se o teste-t para examinar médias para conjuntos de itens. Para alguns resultados a tendência à diferença significativa entre os dois grupos foi levada em consideração, uma vez que ao obter tendência infere-se que não é um resultado ao acaso, tendo validade clínica. A proporção de cuidadoras em cada contexto que indicou necessitar de cada tipo de apoio foi comparada usando o teste de Chi-quadrado.

 

RESULTADOS

Sobrecarga

Os resultados em relação ao escore total da Escala de Burden de Zarit (ZBI) constam na figura 1.

 

 

De acordo com os resultados apresentados na figura 1, observa-se que as cuidadoras que assistiam idosas com demência percebiam sua sobrecarga como sendo maior, quando comparadas às cuidadoras que assistiam idosas lúcidas. As cuidadoras do GL se encontravam na faixa de sobrecarga leve a moderada, já as cuidadoras do GD se encontravam na faixa de sobrecarga de moderada a severa, o que representou uma diferença estatisticamente significativa (t (18) = 3,10; p = 0,006) entre os grupos. Ou seja, cuidadoras que assistiam idosas com demência se percebiam como mais sobrecarregadas do que cuidadoras que assistiam idosas lúcidas.

Na figura 2, observa-se que as cuidadoras que assistiam idosas com demência percebiam um maior impacto negativo em suas vidas, decorrentes dos cuidados prestados às idosas, em comparação com as cuidadoras do GL, sendo esta diferença entre os grupos estatisticamente significativa (t (18) = 3,40; p = 0,003). Quanto às expectativas com o cuidar, que envolvem medos e receios do cuidador, principalmente quando pensam na sua capacidade de manter os cuidados no futuro, observa-se que as cuidadoras do GD mostraram-se mais preocupadas com a continuidade dos cuidados oferecidos do que as cuidadoras do GL (t (18) = 1,87; p = 0,07). Para os fatores que envolviam dificuldades de relação interpessoal e percepção de auto eficácia, não houve diferença entre os grupos.

 

 

Qualidade da Relação

Na figura 3, apresenta-se os resultados dos escores totais para as duas subescalas da Escala de Qualidade da Relação Diádica.

 

 

Observa-se, na figura 3, que não houve diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre os grupos, quando se compara os escores totais referentes à interação positiva e aos conflitos que ocorriam no relacionamento da díade.

Habilidades sociais

Na figura 4, observa-se que, no que dizia respeito às classes de enfrentamento e autoafirmação com risco, auto afirmação na expressão de sentimento positivos, conversação e desenvoltura social e auto controle da agressividade, não houve diferença entre os grupos. Observa-se, na figura 5, que nos itens que não pertenciam a nenhuma classe: pedir mudança de conduta, interromper a fala do outro, expressar desagrado a amigos, pedir ajuda a amigos, lidar com críticas justas e recusar pedido abusivo também não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

 

 

 

Estratégias de enfrentamento de estresse

Na figura 6 observa-se que não houve diferença estatisticamente nos fatores de reavaliação positiva, suporte social,auto controle emocional, afastamento e resolução de problemas.

 

 

Necessidades

Verifica-se, na figura 7, que grande parte das cuidadoras de ambos os grupos relataram ter necessidades não supridas, associadas às atividades de cuidar de um idoso. No que se refere a diferenças entre os grupos, não houve diferença estatisticamente significativa. No entanto, percebeu-se que uma proporção maior de cuidadoras de idosas com demência relatou necessitar de mais apoio de outras pessoas e de maior acesso a serviços da comunidade quando comparadas às cuidadoras de idosas lúcidas, sendo esta diferença clínica.

 

 

DISCUSSÃO

Sobrecarga

A partir da análise dos resultados, foi possível observar que as cuidadoras que assistiam idosas acamadas e com demência, em comparação com cuidadoras que assistiam idosas acamadas e lúcidas, relataram perceções de sobrecarga mais intensas, embora em ambos os contextos a sobrecarga percebida foi de moderada a severa. Quando se trata da perceção de sobrecarga, os dados obtidos no presente estudo não estão de acordo com os achados de Figueiredo e Sousa (2008), uma vez que no estudo desses autores, todos os participantes relataram perceções de sobrecarga moderada, de forma que não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre esses dois grupos. No entanto, o estudo desses autores foi realizado em Portugal e a maioria dos cuidadores relatou ter um cuidador secundário pago que os ajudava nas atividades da vida diária, algo diferente da realidade dos participantes do presente estudo e da realidade brasileira de forma geral (Camargo, 2010).

Embora o estudo de Figueiredo e Sousa (2008) não apresentasse diferença entre os dois grupos de cuidadores (cujos idosos apresentavam ou não demência) em relação à perceção de sobrecarga especificamente, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em relação à perceção de bem-estar, pois os cuidadores de idosos com demência relataram com maior frequência que sentiram um forte impacto em sua saúde física e mental depois que passaram a exercer esse papel (Tomomitsu, 2012), indo de acordo com os resultados encontrados no presente estudo.

Qualidade da relação

Ao analisar-se a qualidade da relação entre as cuidadoras e as idosas, os aspetos positivos foram mais salientes do que os conflitos e nota-se que não houve diferença estatisticamente significativa entre as cuidadoras dos dois contextos. Este resultado foi surpreendente uma vez que acreditava-se que dificuldades de comunicação com um idoso com demência poderia aumentar os conflitos e reduzir os aspetos positivos da relação. Possivelmente isso não aconteceu em função dos critérios de seleção dos participantes. Um dos critérios de inclusão no presente estudo foi de que a cuidadora teria que ter provido cuidados a idosa por pelo menos seis meses no momento da entrevista. Assim, cuidadores com menor interesse, disponibilidade e habilidades para assumir este tipo de responsabilidade não entraram nessa amostra. Além disso, nos meses iniciais os cuidadores passam por um período de adaptação e aprendizagem intenso, de forma que muitos desenvolvem estratégias intra e interpessoais razoavelmente bem ou até muito bem adaptados ao contexto (Pereira & Carvalho 2012). Neste sentido, em pesquisas futuras, seria importante avaliar cuidadores que assumiram recentemente esse papel, acompanhando-o ao longo do período inicial de cuidado, para verificar fatores externos, tais como condições de saúde física e cognitiva do idoso dependente e internas, tais como HS e EEE que dificultam ou facilitam sua adaptação e permanência nesse papel e a própria capacidade do cuidador de manter sua própria saúde.

Habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse

A maior parte das habilidades sociais e das estratégias de enfrentamento de estresse que foram examinadas nesse estudo eram usadas com frequência pela maioria das cuidadoras. No que diz respeito às diferenças na frequência relatada do uso das habilidades sociais pelas cuidadoras, as cuidadoras de idosas lúcidas relataram conseguir, com maior frequência, lidar com críticas justas, quando comparadas às cuidadoras de idosas com demência. É possível que isso aconteça porque idosas lúcidas conseguem entender o que gera tensão com a sua cuidadora, de forma que muitas vezes podem oferecer críticas construtivas ou até defender a cuidadora em possíveis conflitos familiares. O mesmo pode não acontecer com a idosa que apresenta demência. Esta pode, ao contrário, relatar situações que não se encontram em acordo com a realidade e promover desentendimentos familiares (Luzardo, Gorini & da Silva, 2006).

Diferenças na frequência relatada de habilidades sociais por parte das cuidadoras dos dois grupos podem refletir, também, em maiores dificuldades de interação com a própria idosa com demência. As implicações para intervenção parecem apontar para a importância de ajudar o cuidador a desenvolver habilidades sociais específicas a este contexto, como a de pedir ajuda, dar elogios a outros familiares que se proponham a ajudar na rotina de cuidados, corrigir sem humilhar alguém que não sabe realizar uma atividade adequadamente, aceitar elogios, reconhecer os próprios erros no trato com ajudantes ou com o próprio idoso, recusar pedidos abusivos por parte de pessoas corresponsáveis ou do próprio idoso, entre outras habilidades que possam aumentar a chance deste cuidador melhorar seus relacionamentos e conseguir ajuda de boa qualidade por parte de outros familiares (Dornelles, 2010; Pinto, Barham, & Albuquerque, 2013; Pinto & Barham, 2014). Uma vez que há poucos estudos (Dornelles, 2010; Pinto & Barham, 2014; Robinson, 1988; Robinson & Yates, 1994) com foco nas habilidades sociais em cuidadores de idosos, deve-se considerar os resultados de outros estudos com crianças e adultos que mostram que a melhora nas habilidades sociais acarreta em melhora nos relacionamentos interpessoais de forma geral (Gresham, 2010; Olaz, 2010). Nesse sentido, ao aumentar ou modificar as habilidades sociais por parte de cuidadores de idosos com demência, pode haver aumento de interações positivas com as pessoas de seu circulo social, bem como com o idoso, o que pode em parte compensar a dificuldade de lidar com as implicações da doença do idoso. Seria possível, por meio de interações socialmente habilidosas, construir normas sociais positivas que valorizassem e apoiassem o papel de cuidador de idoso, tornando mais visível a importância deste trabalho e contribuindo para a diversificação de opções de apoio profissional por parte dos cuidadores (Pinto & Barham, 2014).

Além das habilidades sociais das cuidadoras, investiga-se também como as cuidadoras usam estratégias construtivas de enfrentamento de estresse. Observou-se que as cuidadoras de idosas com demência relataram utilizar com mais frequência as estratégias que envolviam autocontrole emocional, quando comparadas às cuidadoras de idosas lúcidas, indo de acordo com os achados de Simonetti e Ferreira (2008). Isto pode indicar que as cuidadoras de idosas com demência não conseguem manter relações da mesma qualidade com seu parente idoso, uma vez que essa relação naturalmente se modifica com o declínio cognitivo do idoso e que a cuidadora necessita se controlar para lidar com situações adversas em função da doença (Luzardo, Gorini, & da Silva, 2006).

Além disso, ao não obter sucesso ao solicitar apoio prático por parte dos familiares, os cuidadores cessam os pedidos e assumem eles mesmos todas as responsabilidades referentes ao idoso (Camargo, 2010). Desta forma, no contexto de cuidar de um idoso acamado e com demência, as responsabilidades mais complexas ficam com o seu cuidador principal e o próprio idoso tem pouca capacidade de ajudar ou colaborar. Pior ainda, em vários momentos, o idoso pode ter uma perceção contra factual dos cuidados que recebeu (por exemplo, não se lembrar de que almoçou e reclamar com outros filhos que não está sendo bem alimentado), o que pode gerar conflitos entre o cuidador e outros familiares, de forma que os familiares podem se transformar em outra fonte de estresse para o cuidador ao invés de uma fonte de apoio. Sendo assim, outros familiares que não participam desta rotina e não estão familiarizados com o dia-a-dia do idoso podem questionar as atitudes do cuidador principal, também levando o cuidador a usar estratégias de enfrentamento focadas no controle de suas reações emocionais para lidar com momentos de desconfiança por parte de seus familiares (Neri, 2006).

Em geral, diante das dificuldades do idoso com demência para modificar seu comportamento, em comparação com um idoso lúcido, é necessário que cuidadores de idosos com demência utilizem com mais frequência estratégias de enfrentamento de estresse focadas na emoção. Por meio da comparação entre cuidadores em dois contextos com demandas físicas similares, mas com ou sem demência foi possível detetar especificidades ligadas a cada contexto que podem fundamentar o desenvolvimento e avaliação de intervenções mais específicas para cada situação. À medida que as dificuldades das cuidadoras de idosas com demência refletem problemas de interação com familiares, sendo estes de diferentes naturezas, como apontado por Camargo (2010) pode-se aproveitar os dados do presente estudo para direcionar intervenções para cuidadores de idosos com demência a fim de ajudá-los a lidar melhor com as pessoas na sua rede de apoio social ou para sensibilizar o grupo familiar sobre suas necessidades de apoio (Camargo, 2010).

Nesse sentido, sugere-se desenvolver formas adequadas de utilizar habilidades sociais para cada situação, porque o que se espera de pessoas envolvidas em diferentes contextos varia. Ou seja, para ajudar cuidadores de idosos com demência a melhorar suas habilidades sociais é preciso trabalhar com situações hipotéticas ou reais ligadas a estas demandas específicas. Por exemplo, os comportamentos usados com um idoso com demência que derruba um copo de leite devem ser diferentes dos comportamentos usados com idosos sem demência que se comporta da mesma maneira.

Necessidades de ajuda

Em relação à perceção do cuidador sobre os tipos de ajuda que necessita, é importante notar que as cuidadoras em ambos os contextos apresentaram similaridades quanto às necessidades de obter mais informação, de ajuda financeira, em como explicar aos outros sobre a doença e ao funcionamento da vida familiar. No entanto, as cuidadoras do GD relataram com maior frequência necessitar de apoio e de maior acesso a serviços da comunidade. Este resultado esta de acordo com os estudos de Camargo (2010) e de Figueiredo e Souza (2008), uma vez que estes autores afirmam que cuidadores de idosos com doenças crônicas (como no caso de idosos acamados em caráter irreversível e idosos com demência), necessitam de mais suporte social. Nesse sentido, fica claro que todas as cuidadoras precisavam de mais ajuda. As dúvidas, o cansaço e o isolamento social que afetam muitos cuidadores de idosos poderiam ser reduzidos com a oferta de mais recursos de apoio, desde que estes cuidadores se sentissem confortáveis em pedir e usar estes apoios (Camargo, 2010). Sendo assim, pode ser importante não somente investir na oferta de mais serviços, como também pensar sobre como ensinar aos cuidadores formas de melhor aproveitar sua rede de apoio formal e informal, que seriam relevantes para ambos os grupos estudados aqui e provavelmente para todos os cuidadores de idosos.

Ao falarmos das diferenças e similaridades entre grupos, uma limitação do presente estudo foi o fato de haver um número relativamente pequeno de cuidadoras que atendiam aos critérios de inclusão na cidade em que ele foi realizado. Assim, somente foi possível coletar dados com 20 cuidadoras. Se a amostra fosse maior, o poder estatístico maior para comparar as diferenças entre os grupos; ou seja, é provável que alguns resultados que foram classificados como tendências se tornassem diferenças estatisticamente significativas. Mesmo assim, houve vários resultados estatisticamente significativos, o que parece indicar que existem algumas diferenças muito importantes entre estes dois contextos, principalmente no que diz respeito à necessidade de apoio e perceção de sobrecarga em cada grupo. Em pesquisas futuras seria importante ampliar o número de participantes para verificar se essas diferenças se manteriam.

Finalmente, cabe ressaltar a importância da presença de cuidadores secundários, uma vez que estes podem atuar como fator protetivo (Camargo, 2010; Lin, Chen e Li, 2013; Neri, 2006) na saúde dos cuidadores primários. A presença de um cuidador secundário pode contribuir em uma melhor qualidade de vida e em uma menor perceção de sobrecarga por parte do cuidador principal, uma vez que este pode apoiar tanto nos cuidados ao idoso, como na parte psicológica. O cuidador secundário pode, por exemplo, ajudar o cuidador principal a pensar em alternativas diferentes perante às dificuldades ou mesmo servir de companheiro e companhia. Esta interação triádica, idoso - cuidador primário - cuidador secundário, também é importante no sentido de ajudar estas pessoas a desenvolverem suas habilidades sociais e de enfrentamento de estresse. Quando esses indivíduos conseguem fazer uso dessas ferramentas, percebe-se os possíveis benefícios, no sentido de diminuir a perceção de sobrecarga por parte dos cuidadores, como também melhorar os relacionamentos interpessoais entre eles (Robinson, 1988; Robinson & Yates, 1994).

Sendo assim, a partir do presente estudo, nota-se a necessidade de uma assistência voltada para esses cuidadores de idosos, em que se invista na promoção de habilidades intra e interpessoais que podem contribuir para a manutenção da saúde dos mesmos, de forma que tenham melhores condições de exercer seu papel. Como por exemplo, ter a habilidade de convidar e interagir positivamente com outras pessoas que possam ajuda-los por períodos delimitados de tempo ou em outras atividades que não as de cuidado direto, de forma a possibilitar ao cuidador um tempo para cuidar de si ou para descansar; a criação de grupos de cuidadores que oferece à oportunidade de discussão de suas dificuldades e de estratégias de cuidado com a própria saúde e a troca de experiências sobre as ações de cuidado com o outro; além de fortalecer programas de assistência domiciliar ao cuidador para atendê-lo do ponto de vista médico, psicológico, social e funcional, com o objetivo de manter e restaurar a autonomia e bem-estar desse cuidador.

Além disso, seria importante investigar habilidades sociais e estratégias de enfrentamento de estresse e possíveis diferenças entre outros grupos de cuidadores de idosos com ou sem demência, como por exemplo, cuidadores do sexo masculino, esposas e cuidadores formais, para determinar se as relações identificadas neste estudo existem para outros subgrupos de cuidadores. Seria importante comparar também os resultados obtidos com esta amostra com dados de outras amostras que diferissem em relação aos fatores que são identificados na literatura científica como possíveis influências na perceção de estresse entre cuidadores de idosos com demência, tais como sexo, idade, nível educacional, nível socioeconômico, índice de desenvolvimento humano na cidade onde reside, entre outros (Pinto, Barham, & Albuquerque, 2013).

É preciso refletir também sobre a forma como se realizou a avaliação das habilidades sociais e das estratégias de enfrentamento de estresse, uma vez que instrumentos já existentes foram utilizados de maneira parcial. Isso ocorreu porque os instrumentos completos são extensos e podem abordar assuntos íntimos, como relacionamento sexual ou conjugal, que não estavam de acordo com o objetivo do presente estudo. Como este trabalhava se tratava de uma primeira investigação sobre a relevância de examinar habilidades específicas por parte dos cuidadores, optou-se por manter o foco da coleta de dados sempre em comportamentos que poderiam fazer parte da relação entre a cuidadora e a idosa, pois objetivou-se avaliar somente as habilidades referentes ao contexto de cuidar de um idoso. Os itens foram selecionados de acordo com a experiência clínica da pesquisadora e de sua orientadora. Em pesquisas futuras, seria importante verificar o ponto de vista de cuidadores em relação às habilidades que eles consideram relevantes ao seu papel.

Ao obter um instrumento adaptado para cuidadores de idosos, seria importante avaliar também a relação entre as demandas específicas que existem em cada contexto de cuidado, as habilidades e recursos de apoio usados pelos cuidadores e a sua perceção de sobrecarga, para melhor identificar habilidades e apoios que reduziriam os impactos negativos desta tarefa para o cuidador, sendo possível assim, intervir com maior eficiência e propiciar um melhor relacionamento no contexto de cuidar de um idoso com demência.

 

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Endereço para Correspondência

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Recebido em 4 de Março de 2014/ Aceite em 25 de Outubro de 2014

 

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES pelo financiamento do projeto de mestrado da primeira autora.