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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.1 Lisboa mar. 2014

https://doi.org/10.15309/14psd150120 

Intervenção na hipertensão arterial em doentes em cuidados de saúde primários

Intervention in hypertension in primary health care

 

Paula Sousa & M. Graça Pereira

Universidade do Minho, Escola de Psicologia, Braga, Portugal

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Trata-se de um programa de intervenção em grupo para doentes hipertensos que tem como objetivos: Aumentar conhecimentos e informações acerca da doença, promover uma melhor gestão da doença através do desenvolvimento de competências necessárias para os autocuidados de forma a promover um melhor ajustamento à doença, promover uma boa adesão terapêutica e, por último fomentar estratégias de coping e gestão do stresse. Este programa foi composto por seis sessões semanais de noventa minutos baseando-se numa abordagem multidisciplinar que incluiu: Psicólogo, médico de família, enfermeiro, nutricionista e fisioterapeuta. Assim, as primeiras duas sessões abordaram aspetos clínicos da doença (i.e. sintomas, causas, consequências, tratamento e evolução da doença) e prevenção de comportamentos de risco e saúde (álcool, tabagismo, monitorização da pressão arterial e adesão à medicação), a terceira sessão abordou a promoção de hábitos alimentares saudáveis, a quarta focou-se na promoção do exercício físico e a quinta e sexta sessões abordaram efeitos do stresse na hipertensão e estratégias de coping para a sua gestão (i.e. treino de relaxamento, treino de autoinstrução e treino de resolução de problemas). Cada sessão terminou com uma tarefa para casa, de forma a consolidar conhecimentos e criar uma interligação entre todas as sessões. O programa foi avaliado através de três instrumentos: Representações da doença (IPQ-Brief), adesão à medicação (MARS) e estilos de vida na hipertensão (HPLP-II). Devido ao reduzido número de participantes, para avaliar a eficácia do programa, foi calculado o Índice de Mudança Confiável e o Índice de Significância Clinica, segundo o método de JT.

Palavras-chave - Hipertensão, estilos de vida, adesão à medicação, representações da doença

 

ABSTRACT

This is an intervention program for hypertensive patients whose aims were: Increase knowledge and information about the disease, promote better management of the disease through the development of skills needed for self-care in order to promote a better adjustment to disease, to promote adherence and finally promote coping strategies and stress management. The program consisted of six weekly sessions with ninety minutes each, based on a multidisciplinary approach that included: Psychologist, family doctor, nurse, nutritionist and physical therapist. The first two sessions addressed clinical aspects of the disease (symptoms, causes, consequences, treatment, and disease outcomes) and prevention of risk and healthy behaviors (alcohol, smoking, blood pressure monitoring and adherence to medication), the third session addressed the promotion of healthy eating habits, the fourth session focused on the promotion of physical activity and the fifth and sixth session addressed the effects of stress in hypertension as well as coping strategies for their management (relaxation, training, self-instruction training and problem solving). Each session ended with a homework assignment to consolidate knowledge and create a link between all sessions. The program was evaluated through three instruments: Illness representations questionnaire (IPQ - Brief), medication adherence report scale (MARS) and the Health Promoting Lifestyle Profile (HPLP-II). Due to the small number of participants, the effectiveness of the program was assessed through the Reliable Change Index and the Clinical Significance Index according to JT method.

Key-words - hypertension, lifestyle, medical adherence, illness representations

 

A hipertensão arterial é um transtorno do sistema cardiovascular caracterizado pela existência de valores persistentes de pressão arterial superiores aos considerados universalmente normais, sendo que a pressão arterial normal de um adulto corresponde a uma pressão sistólica máxima menor ou igual a 140 mmHg e a uma pressão diastólica menor ou igual a 90 mmHg (World Health Organization [WHO], 2013).

Afetando cada vez mais a população mundial, a hipertensão é um fator de risco para a ocorrência de enfartes do miocárdio, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e outras doenças vasculares (Ribeiro, et al., 2011). Existem vários fatores que se encontram na origem e desenvolvimento da hipertensão como a existência de uma história familiar de hipertensão, a personalidade, o stresse, a obesidade, o consumo de cafeína tabaco ou álcool, sedentarismo, entre outros (Matthews, et al., 2004).

A adoção de um estilo de vida saudável pode prevenir o aparecimento da hipertensão arterial, ou diminuir os níveis de pressão arterial, prevenindo assim o risco de doença cardiovascular (Durrani, Irvine, & Nolan, 2012). Existem alguns hábitos de vida que podem reduzir os valores de pressão arterial ou evitar os seus níveis elevados como a perda de peso, redução do consumo do álcool e tabaco, atividade física regular, consumir refeições com quantidades reduzidas de sal, fazer uma dieta saudável e a redução do stress usando técnicas de gestão de stress (Durrani, et al., 2012; Dusek, et al., 2008; Ribeiro, et al., 2011).

De facto, o modo como as pessoas lidam com as situações stressantes, como a existência de uma doença, tem sido alvo de inúmeras investigações nos últimos anos, particularmente no que respeita ao diagnóstico e adaptação à doença. Cada vez mais se tem constatado a existência de uma associação entre o stresse, a origem e evolução de várias doenças, incluindo a doença cardiovascular, visto que a ativação fisiológica tem efeitos nefastos na saúde a longo prazo (Cohen, Janicki-Deverts, & Miller, 2007).

O modelo transacional do stresse, de Lazarus e Folkman (1984), defende que o stresse resulta da avaliação dos acontecimentos de vida tendo em conta o seu potencial de ameaça e a perceção que o indivíduo tem acerca da sua capacidade e dos recursos que dispõe para lidar com essa ameaça. De acordo com este modelo, perante um acontecimento stressor, o individuo pode fazer dois tipos de avaliação: Uma avaliação primária, onde avalia o stressor tendo em conta as suas exigências e uma avaliação secundária, onde avalia os recursos disponíveis para lidar com ele. Esta segunda avaliação apenas ocorre quando, na primeira avaliação, o stressor é avaliado como uma ameaça. Assim, um acontecimento só é causador de stressepara o indivíduo quando é avaliado como algo potencialmente ameaçador e a capacidade de lidar com ele é reduzida.

Por seu turno, Ogden (2000) define stressecomo uma resposta a um stressor ou ao sofrimento que envolve mudanças bioquímicas, fisiológicas, comportamentais e psicológicas. Estudos mostram que o stresse construi um fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial, na medida em que aumenta os níveis de pressão arterial (Matthews, et al., 2004; Ribeiro, et al., 2011) sendo a sua redução uma das estratégias a utilizar no tratamento da hipertensão arterial (Dusek, et al.,2008)

Existem várias técnicas de gestão de stresse como técnicas cognitivas, treino de resolução de problemas, técnicas de relaxamento, entre outras. Contudo, as técnicas de relaxamento são as mais comuns na gestão do stresse já que em intervenções generalizadas, as técnicas cognitivas são de difícil aplicação (Bennett & Murphy, 1999). O objetivo do treino de relaxamento é fornecer ao indivíduo habilidades para relaxar, tanto quanto for possível e apropriado, ao longo do dia e, particularmente, em momentos de stresse. Adicionalmente, a aprendizagem destas técnicas possibilita ao indivíduo adquirir um maior controlo percebido sobre o stresse, um fator bastante relevante do ponto de vista terapêutico (Bennett & Murphy, 1999). Estudos mostram que as técnicas de relaxamento são eficazes na hipertensão arterial por levarem à redução do stresse que, por sua vez, se traduz na redução da pressão artérial (Rainforth, et al., 2007).

Uma outra estratégia frequentemente utilizada na redução do stresse,desenvolvida por Meichenbaum (1985), consiste no treino de autoinstrução. Este treino tem como objetivo interromper o fluxo de pensamentos provocadores de stresse e substitui-los por outros mais positivos. Uma das formas de autoinstrução consiste em lembrar as técnicas de gestão do stresse de que a pessoa dispõe (i.e. “Acalma-te”; “Respira fundo”). Uma outra autoinstrução passa pela tranquilização, recorrendo à capacidade de lidar eficazmente com os sentimentos de stresse no momento (i.e. “Já lidaste com isto antes consegues lidar de novo”).

Adicionalmente, o treino de resolução de problemas envolve a identificação de problemas e de alternativas à sua resolução (Safren, Gonzalez, & Soroudi, 2008). Na mesma linha, Nezu, Nezu, Friedman, Faddis e Houts (1998) definem a resolução de problemas como uma estratégia geral de coping e transversal a inúmeras situações, que visa ajudar as pessoas na gestão de situações stressantes, auxiliando no aumento da flexibilidade e do controlo percebido sob as estas situações resultando numa minimização do sofrimento emocional. Assim, as pessoas que vivem eventos stressantes, como diagnóstico de uma doença, e que possuam competências de treino de resolução de problemas alcançam uma melhor qualidade de vida e um menor sofrimento emocional reduzindo assim o stresse.

Em suma, o stresse é um fator de risco para o desenvolvimento e manutenção de altos níveis de pressão arterial e da hipertensão arterial (Matthews, et al., 2004). Neste sentido, uma intervenção na hipertensão arterial deve incidir, além da alteração dos estilos de vida nomeadamente na alimentação saudável, prática de exercício físico, também na redução dos níveis de stresse, fornecendo estratégias para a sua gestão que pode ser feita através do treino de relaxamento, do treino de resolução de problemas e do treino de autoinstrução. Todas estas estratégias resultam eficazmente na redução dos níveis de stresse, e consequentemente na redução da pressão arterial (Meichenbaum, 1985; Nezu et al., 1998).

A forma como concetualizamos uma doença é multidimensional, sendo as várias dimensões sobre o que significa estar doente descritas no contexto das cognições/crenças/representações de doença (Ogden, 2000). Leventhal, Meyer e Nerenz (1980) definiram representações da doença como crenças implícitas do senso comum que o paciente tem sobre a sua doença e que se organizam em cinco dimensões (Leventhal, Brisse, & Leventhal, 2003): Identidade (diagnóstico médico e sintomas sentidos); a causa percecionada da doença (podem ser biológicas ou psicossociais); dimensão temporal (crenças relativas ao tempo que a doença vai durar); consequências (efeitos da doença nas suas vidas, podendo ser físicas, emocionais ou uma combinação de ambas) e controlo da doença (possibilidade de cura, em que medida é que as consequências da doença podem ser controláveis seja pelo próprio paciente ou por outros). Estas cinco dimensões determinam o modo como a pes­soa age, mesmo em termos da adesão terapêutica (Castillo, Godoy-Izquierdo, Vázquez, & Godoy, 2013) constituindo um esquema para a construção de significados sobre os sintomas, para a avaliação do risco destes para a saúde, e mesmo para o en­volvimento no processo de recuperação da doença (Petrie, Weinman, Sharpe, & Buckley, 1996).

Numa tentativa de analisar a representação cognitiva da doença do paciente e por consequente o seu comportamento de coping, ao associar esta abordagem das rep­resentações de doença aos modelos de resolução de problemas, Leventhal et al. (1980) formularam o Modelo de Autorregulação da Doença. Este mod­elo assume que as pessoas são ativas no processamento de informação e que, perante uma ameaça à saúde, elaboram representações de doença e reagem emocionalmente à doença (Leventhal, Leventhal, & Cameron, 2001).

Um estudo realizado com indivíduos hipertensos mostrou que aspetos associados a representações da doença estão associados à adesão ao tratamento, nomeadamente uma forte resposta emocional associa-se a uma baixa adesão ao tratamento bem como uma perceção da doença como tendo poucas consequências na sua vida, um baixo controlo pessoal e um alto controlo sobre o tratamento estão relacionados com uma alta adesão (Ross, Walker, & MacLeod, 2004).

Além da intervenção nos hábitos de vida dos indivíduos e na gestão do stresse, promovendo estilos de vida saudáveis e prevenindo/alterando comportamentos de risco, a promoção de uma boa adesão terapêutica ao tratamento e de competências de gestão da doença são fundamentais quando se trata de uma doença crónica, como a hipertensão arterial. Segundo Corbin e Strauss (1988), os autocuidados na doença crónica exigem a presença de autocuidados médicos, ou seja envolvimento da gestão médica na doença (medicação), autocuidados associados aos papéis do doente na sua vida e as implicações na manutenção desses papéis e, autocuidados relacionados com as consequências emocionais da doença. Neste caso, sendo a hipertensão uma doença crónica, a intervenção passa essencialmente pela adaptação a esta nova condição, tentando melhorar o funcionamento do doente e promover a adesão ao seu tratamento.

A adesão consiste no grau de conformidade entre as recomendações dos profissionais de saúde e o comportamento da pessoa relativamente ao regime terapêutico proposto (Haynes, Ackloo, Sahota, McDonald, & Yao, 2009). Bugalho e Carneiro (2004) defendem que para uma melhor adesão terapêutica devem existir dois tipos de intervenções: as intervenções educacionais e as comportamentais. As intervenções educacionais são intervenções que visão a promoção do conhecimento sobre a doença e o tratamento, enquanto as intervenções comportamentais visam sobretudo incorporar na rotina diária os mecanismos de adaptação ao tratamento pretendendo facilitar a adesão.

O programa de intervenção aqui apresentado inclui intervenções educacionais e comportamentais na medida em que possui sessões dedicadas à promoção do conhecimento sobre a doença e seu tratamento de caracter psicoeducativo, mas incorpora nessas mesmas sessões uma componente comportamental existindo tarefas para casa no final de cada sessão onde os participantes têm de praticar em casa as estratégias aprendidas nas sessões. Tendo como referência a importância da alteração de hábitos de vida e da promoção da adesão terapêutica na hipertensão arterial, bem como a importância das cognições da doença na recuperação e na adesão terapêutica, o presente programa de intervenção pretendeu ajudar os indivíduos que possuem hipertensão arterial a lidar e a viver melhor com a sua doença, mais especificamente a) Aumentar conhecimentos e informações acerca da doença; b) promover uma melhor gestão da doença através do desenvolvimento de competências necessárias para os autocuidados de forma a promover um melhor ajustamento à doença; c) promover uma boa adesão terapêutica e, por último d) fomentar estratégias de coping e gestão do stresse.

O programa incluiu seis sessõese baseou-se numa abordagem multidisciplinar, abordando aspetos clínicos da doença (i.e. sintomas, causas, consequências, tratamento e evolução), prevenção de comportamentos de risco e promoção de competências de gestão na doença (álcool, tabagismo, monitorização da pressão arterial e cuidados com a medicação), promoção de hábitos de vida saudáveis e consciencialização para o consumo de sal, promoção do exercício físico e efeitos do stresse na hipertensão e formas de o gerir (i.e. treino de relaxamento, treino de autoinstrução e treino de resolução de problemas). O programa contou com a colaboração de uma médica de família, enfermeiros, uma nutricionista e uma fisioterapeuta, contribuindo cada um com conhecimentos da área que representam. As sessões ocorreram com uma periocidade semanal e duração de noventa minutos cada. Cada sessão terminou com a definição de uma tarefa para casa, tendo como objetivo consolidar conhecimentos e de criar uma interligação entre todas as sessões. Foi feita uma avaliação pré e pós intervenção, onde foram utilizados os instrumentos que avaliam as representações da doença, estilos de vida na hipertensão e adesão à medicação.

 

MÉTODO

Participantes

Este programa de intervenção contou com sete participantes, 71,4% do sexo masculino, utentes da Unidade de Saúde Familiar S. Nicolau, situada em Guimarães. Todos os participantes residem em zona urbana, e possuem uma média de idades de 60,45 (DP=7,02) anos. A duração do diagnóstico variou entre os três e os 10 anos, com uma média de 6,28 anos (DP=2,56). Todos os participantes se encontravam reformados.

Material

Foi administrado um conjunto de instrumentos destinados a obter informações acerca das variáveis em análise neste programa de intervenção. Todos os instrumentos, à exceção do questionário sociodemográfico, foram aplicados duas vezes (antes e após a intervenção). Todos os instrumentos encontravam-se adaptados para a população portuguesa com doenças crónicas.

Medical Adherence Report Scale (MARS), (Horne, 2001; Versão Portuguesa de Pereira, Pedras, & Machado, 2012) Tem como objetivo avaliar a adesão à medicação. É constituída por cinco itens que avaliam não só a adesão à medicação, bem como a frequência com que os indivíduos alteram ou ajustam as doses recomendadas pelo médico. Valores elevados indicam uma melhor adesão à medicação. Este instrumento possui propriedades psicométricas razoáveis ao nível da fidelidade, apresentando um alfa de 0,70 e uma fidelidade teste-reteste de 0,97, bem como uma boa validade discriminante. Na versão Portuguesa, a consistência interna da escala foi de 0,74. (Pereira, et al., 2012).

Illness Perception Questionnaire – Brief (IPQ-Brief), (Broadbent, Petrie, Main, & Weinman, 2006; Versão adaptada de Figueiras, et al., 2010).Trata-se de um questionário que pretende avaliar as crenças acerca da doença. É composto por 9 itens que avaliam as diferentes dimensões das representações da doença, dos quais cinco avaliam as representações cognitivas da doença: Consequências (item 1), duração (item 2),controlo pessoal (item 3), controlo de tratamento (Item4) e identidade (item 5). Dois dos itens avaliam as representações emocionais: Preocupação (item 6) e resposta emocional (Item 8). Um item avalia a compreensão (item 7). Possui ainda e um item que avalia as causas da doença. Todos os itens são avaliados utilizando uma escala de resposta de 0 a 10. Os itens 3, 4 e 7 são invertidos. Um resultado global elevado indica uma perceção da doença como mais ameaçadora. De acordo com os autores (Broadbent, et al., 2006), o instrumento apresenta boas características psicométricas em diversas amostras com doença física. Num estudo em doentes crónicos, com síndrome de apneia do sono de Sampaio (2012), encontrou características razoáveis de fidelidade para as representações cognitivas da doença de 0,60, e de 0,72 para as representações emocionais.

Health Promoting Lifestyle Profile (HPLP-II), (Walker, Sechrist, & Pender, 1987;Pereira & Pereira, submetido). Trata-se de uma medida genérica que avalia a adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis nos hipertensos. É um instrumento que possui 52 itens, autoadministrado em formato de resposta Likert de 4 pontos (“nunca” é atribuída uma pontuação de 1, “às vezes” atribuição de 2 pontos, “muitas vezes” atribuição de 3 pontos e “diariamente” atribuição de 4 pontos), com elevados valores a indicar a adoção de estilos de vida saudáveis. Este instrumento mede comportamentos promotores de saúde que podem ser classificados ao longo das seguintes seis dimensões: Responsabilidade pela Saúde; Atividade Física; Nutrição; Crescimento Espiritual; Relações Interpessoais e Forma de lidar com o stresse. As propriedades psicométricas do HPLP II na sua versão original revelam que o coeficiente de Cronbach total do instrumento é de 0,92 e a consistência interna das seis subescalas varia entre 0,70 e 0,92. Na versão Portuguesa Pereira e Pereira (submetido) encontraram numa amostra de hipertensos um alfa de 0,90.

Procedimento

Numa primeira fase foi pedida autorização à Diretora e Coordenadora da Unidade de Saúde Familiar para o recrutamento e realização da intervenção em grupo naquela unidade. Após aprovação foi contactada a equipa de enfermagem e os médicos de família no sentido de selecionar os utentes que mais beneficiariam com a participação neste programa. Depois desta triagem os utentes foram contactados telefonicamente para a participação no programa onde foram explicados os objetivos, conteúdos e cronograma do programa e informado que a participação era voluntária, sendo respeitados todos os procedimentos éticos. Além disto, foram também distribuídos, pela USF, panfletos publicitários sobre a intervenção em grupo com todas a informações acerca do programa e dos locais de inscrição para participação no mesmo. De salientar que apesar de estarem inscritas 20 pessoas, apenas 12 compareceram na primeira sessão e apenas sete se mantiveram em todas as sessões. Diversos foram os motivos referidos pelos utentes para as desistências: Doença, dificuldades económicas (algumas pessoas teriam de pagar transportes para se deslocarem até ao centro) e existência de outras atividades no mesmo horário.

As seis sessões que constituem o programa estão estruturadas em dois módulos, um módulo que aborda as características da doença e outro relacionado com aspetos psicológicos da doença: A primeira sessão, numa primeira parte, englobou a apresentação de todos os elementos e dos objetivos do programa, bem como, do cronograma das sessões. Na segunda parte, com a colaboração da médica de família e do enfermeiro de família, foram abordadas as características da Hipertensão (i.e. sintomas, causas, consequências, tratamento e evolução).

A segunda sessão complementou a primeira, e contou com a colaboração de alguns elementos da equipa de enfermagem que abordaram os principais comportamentos de risco e promoveram as competências de gestão na hipertensão arterial (monitorização da pressão arterial – aparelhos para medir, condições e cuidados a ter com as medições, o que significa o que se mede, aprender a fazer medições com diversos aparelhos - e cuidados com a medicação). Esta sessão contou ainda com o apoio da médica de família no sentido de esclarecer dúvidas mais específicas relacionadas com a medicação.

A terceira sessão foi dedicada à alimentação saudável na hipertensão arterial (destacando-se a consciencialização para a redução do consumo de sal) e contou com a colaboração de uma nutricionista que forneceu informações quanto à quantidade de sal máxima que deve ser consumida, quais os alimentos a evitar e alternativas ao uso de sal na confeção de refeições. Foram distribuídos pelos participantes folhetos com alternativas saudáveis ao uso de sal na confeção das refeições.

A quarta sessão destinou-se à promoção do exercício físico, contando com a ajuda de uma fisioterapeuta e novamente da equipa de enfermagem. Nesta sessão foram praticados exercícios físicos específicos para doentes com hipertensão arterial e com outras problemáticas associada (hemiparesias, dificuldades de locomoção) visto alguns dos participantes apresentarem esse tipo de problemas. Foram medidas as tensões arteriais de forma a observar as alterações da tensão arterial após um estado de atividade e depois de um momento de repouso, e explicado o seu significado e implicação.

Na penúltima sessão, foram abordados os efeitos dostresse na hipertensão arterial e diversas formas de o gerir tendo sido ensinado e praticado o treino de relaxamento muscular progressivo de Gonçalves (1999) e o treino de autoinstruções de Meichenbaum (1985). A última sessão continuou a temática da sessão anterior, onde foi abordado e praticado o treino de resolução de problemas de D´Zurilla e Goldfried (1971, citado por Gonçalves, 2006), identificando obstáculos que os participantes viviam no seu dia-a-dia e desenvolvendo estratégias de resolução de problemas específicas para os referidos obstáculos. Além disto esta sessão teve por objetivo consolidar os temas abordados e avaliar a participação no programa.

Dado o reduzido número de participantes, para avaliar o programa recorreu-se ao cálculo do Índice de Mudança Confiável (IMC) no sentido de verificar se as mudanças (comparando dados pré com pós-intervenção) podiam ser atribuídas aos procedimentos utilizados ou se eram meras oscilações, artefatos ou erros de medida. O método utilizado foi o Método JT (Jacobson & Truax, 1992). A partir do IMC pode-se afirmar que ocorreu uma mudança, em termos de melhora (ou piora) do cliente, e que esta foi devida à intervenção realizada. Assim sendo, o IMC está relacionado com a validade interna, ou seja, com o grau em que os resultados podem ser atribuídos aos procedimentos utilizados e não a erros de medida. Quando falamos no Método JT, deve-se ter em conta dois conceitos chave: O IMC e a significância clínica. Além de estatisticamente confiáveis, as melhoras associadas a programas de intervenção devem ocorrer numa extensão que as caracterize como clinicamente relevantes, ou seja, possuírem significância clínica. O IMC é considerado um pré-requisito para a significância clínica (SC), assegurando que o grau da mudança é de magnitude suficiente para exceder a margem de erro de medição (Jacobson, Roberts, Berns, & McGlinchey, 1999). O IMC foi calculado tendo em conta os seguintes procedimentos:

IMC = (Pós – Pré) / Sdif); Sdif = (2 (Sem)2) ½ ; Sem = DPx (1–r xx´ )½. Em que Sdif é o erro padrão de diferença; Sem é o erro padrão de medida; DP é o desvio-padrão do instrumento e r xx´ é uma estimativa da fidelidade do instrumento. Se a mudança for maior que 1,96, então a hipótese de «mudança zero» é rejeitável (com confiança de 0,95) e a mudança observada é considerada verdadeira e confiável.

Importa ainda referir que, considerando a disponibilidade de dados normativos a respeito da distribuição dos resultados sobre um determinado aspeto do funcionamento psicológico avaliado, Jacobson e Truax (1992) sugerem três critérios para analisar se uma mudança pode ser considerada clinicamente significativa. Os três critérios implicam em diferentes pontos de corte na distribuição de resultados da população funcional e/ou disfuncional. O critério A é particularmente útil quando não se dispõe de dados normativos para a população funcional (não clínica), podendo-se estimar a média e desvio padrão com base nos dados pré-intervenção da própria amostra disfuncional sob tratamento. O critério B é utilizado quando se dispõe de dados normativos sobre a distribuição dos resultados da população funcional, em que uma mudança clinicamente relevante será considerada quando os dados pós-intervenção deslocam o indivíduo para dentro da distribuição da população funcional. Por último, o critério C é usado quando se dispõe de dados normativos sobre a distribuição dos resultados da população funcional e da disfuncional, onde uma mudança clinicamente relevante deve levar o indivíduo, após a intervenção, simultaneamente para fora da distribuição disfuncional e para dentro da distribuição funcional. Para determinar o ponto de corte para a significância foi utilizado o critério A (média e desvio padrão da população clínica).

 

RESULTADOS

Resultados ao Nível do Estilo de Vida

As figuras que se seguem ilustram os resultados para o IMC e a SC para o Estilo de Vida na Hipertensão. Importa referir que nas figuras correspondentes ao IMC, a linha diagonal central chamada de bissetriz indica que indivíduos localizados acima dela tiveram melhora devido à intervenção e indivíduos abaixo tiveram piora devido à intervenção. Contudo, para os indivíduos localizados acima da linha ou dentro do intervalo de confiança (traçados abaixo e acima da bissetriz) não podem ser feitas afirmações de melhora ou piora relacionadas à intervenção.

 

figura 1

 

Nas figuras associados ao cálculo da SC importa ressalvar que a linha horizontal central indica o ponto de corte para SC. Se o ponto que representa o score do participante estiver acima dele significa que este teve mudança positiva no estado clínico para a variável em questão, e para os participantes localizados abaixo, significa que não houve mudança de estado clínico. Ressalta-se que as linhas horizontais acima e abaixo do ponto de corte, para SC, delimitam uma faixa de incerteza dentro da qual pode haver erros de medida. Assim, são mais confiáveis os valores que se encontram fora desta faixa de incerteza. Quando não existiam mudanças confiáveis, calculadas a partir do IMC, o cálculo da SC não foi realizado visto este último pretender perceber se a mudança ocorrida foi ou não uma mudança clinicamente significativa.

Relativamente ao resultado global na dimensão estilos de vida na hipertensão, ao nível do IMC, os resultados mostram que quatro participantes (S2, S3, S6 e S7) apresentaram mudança confiável já que os resultados ficaram localizados acima da bissetriz, ou seja, apresentaram melhorias positivas devido à intervenção. Relativamente à SC, o ponto de corte para significância clínica é de 164,59. Os resultados mostraram que em nenhum dos participantes da intervenção apresentou mudança clinicamente relevante.

 

figura 2

 

figura 3

 

Quanto à variável responsabilidade pela saúde, os resultados do calculo do IMC revelaram que nenhum participante apresentou mudança confiável já que os valores ficaram localizados entre os traços acima e abaixo da bissetriz, ou seja, não melhoraram nem pioraram ao nível da responsabilidade pela saúde devido à intervenção. O cálculo do IMC para a variável atividade física também mostrou que nenhum dos participantes apresentou mudança confiável. Relativamente à variável nutrição, o cálculo do IMC mostrou que três dos participantes (S2, S4 e S6) apresentaram mudança confiável já que os valores para esta variável ficaram localizados acima da bissetriz, ou seja, apresentaram melhorias positivas devido à intervenção. Ao nível da SC, a linha horizontal central indica o ponto de corte (28,4). Os resultados mostram que um dos participantes apresentou SC (S4), i.e. a intervenção apresentou mudança clinicamente relevante.

Na variável crescimento espiritual, o cálculo do IMC demostrou que três dos participantes (S2, S3, S7) apresentaram mudança confiável já que os resultados ficaram localizados acima da bissetriz, ou seja, apresentaram melhorias positivas devido à intervenção. Relativamente ao cálculo da SC, nenhum participante apresentou mudança clinicamente relevante.

 

figura 4

 

Ao nível do IMC, para a variável relações interpessoais, os resultados mostraram que um dos participantes (S4) apresentou mudança confiável já que o seu resultado localiza-se acima da bissetriz, ou seja, apresentou melhorias positivas devido à intervenção. Relativamente à SC, os resultados mostraram que não apresentou mudança clinicamente relevante.

 

figura 5

 

Por último, relativamente à variável formas de lidar com o stresse, os resultados do cálculo do IMC mostraram que 3 dos participantes (S2, S3, S5) apresentaram mudança confiável já os resultados encontram-se acima da bissetriz, o que indica melhorias positivas devido à intervenção. Quanto á SC, o ponto de corte foi de 24,31 e os resultados mostraram que 1 dos participantes apresentou SC (S5).

 

figura 6

 

figura 7

 

Em suma, os resultados mostram que o programa de intervenção produziu mudanças confiáveis, ou seja produzidas pela intervenção em si, nas variáveis estilo de vida total, nutrição, relações interpessoais, formas de lidar com o stressee crescimento espiritual, em alguns dos participantes. Contudo, destas variáveis apenas em duas se verificou significância clinica: Formas de lidar como stressee a nutrição.

Resultados ao Nível das Representações da Doença

Relativamente à variável representações cognitivas na dimensão representações da doença, ao nível do IMC, os resultados mostram que um dos participantes (S6) apresentou mudança confiável já que o resultado ficou localizado abaixo da bissetriz, ou seja, apresentou melhorias positivas devido à intervenção (o facto de existirem itens invertidos nesta escala explicam as mudanças negativas que aparecem no figura, porém as melhorias ocorrem no sentido desejado, isto é, representações menos ameaçadoras). Relativamente à SC, o ponto de corte para significância clínica é de 13,94. Os resultados mostraram que a intervenção não apresentou mudança clinicamente relevante.

 

figura 8

 

Quanto à variável representações emocionais, os resultados do calculo do IMC mostrou que nenhum participante apresenta mudança confiável já que os valores ficaram localizados entre as linhas acima e abaixo da bissetriz, ou seja, não melhoraram nem pioraram ao nível das representações emocionais devido à intervenção.

Resultados ao Nível da Adesão à Medicação

Os resultados mostram que na adesão à medicação não foram observadas melhorias em nenhum dos participantes, uma vez que estes demonstravam já excelente adesão antes da participação no programa. O valor máximo possível, na escala, o nível global é de 20 e seis dos participantes pontuaram 20 tendo apenas um pontuado 19.

 

DISCUSSÃO

O objetivo da intervenção na doença crónica também passa pela promoção da saúde, enfatizando a diminuição de comportamentos de risco e tendo como objetivo aumentar os comportamentos de saúde, no sentido de diminuir a progressão da doença, aumentar a qualidade de vida e favorecer um bom controlo e adaptação à doença (Breslow, 1999). Em termos globais podemos constatar um efeito positivo do programa de intervenção verificando-se mudanças positivas ao nível dos estilos de vida dos participantes. De facto, os resultados indicaram que os participantes, foram capazes de assimilar competências ao nível da modificação dos estilos de vida, adotando estilos de vida mais saudáveis, particularmente ao nível da alimentação e da gestão do stresse. Estes resultados vão ao encontro da literatura que mostra a eficácia de programas de intervenção na hipertensão direcionados para a alteração de estilos de vida (Gordon, et al., 2004; Rainforth, et al., 2007).

Com efeito, ao longo do programa procurou-se alterar estilos de vida, ao nível da alimentação, através da consciencialização para a redução do consumo de sal fornecendo informações sobre as quantidades ideais de sal que um hipertenso poderia consumir e fornecendo igualmente protótipos de receitas que os participantes poderiam incluir na sua alimentação. Além disto, foram ainda oferecidos aos participantes panfletos com informações sobre formas de cozinhar sem sal. Num programa de intervenção em estilos de vida nos hipertensos, Gordon e colaboradores (2004) obtiveram resultados similares, demonstrando a eficácia de uma dieta saudável na diminuição da pressão arterial sendo um fator importante em doentes com hipertensão arterial.

Verificaram-se igualmente mudanças ao nível da gestão do stresse. De facto este programa forneceu aos participantes ferramentas de gestão de stresseque permitiram adquirir competências para melhor lidar com as situações stressantes. McCraty, Atkinson e Tomasino (2003), com a aplicação de um programa de redução de stresse em hipertensos, encontraram resultados semelhantes revelando a eficácia de estratégias de redução do stresse na redução dos valores de pressão arterial. Rainforth e colaboradores (2007), num estudo de revisão e meta-análise sobre a eficácia de programas de intervenção para a hipertensão arterial, verificaram que as técnicas comportamentais são eficazes na redução da atividade fisiológica e, consequentemente, na diminuição da pressão arterial.

Ao nível da adesão á medicação a participação no programa não podia produzir grandes mudanças, dado que os participantes possuíam níveis elevados de adesão antes do início do programa, indo ao encontro de um estudo de Ross et al. (2004), na população hipertensa, que refere que a adesão ao tratamento medicamentoso é alta uma vez que os pacientes acreditam que a medicação é necessária e imprescindível ao tratamento. Ao nível das representações da doença as mudanças ocorreram apenas para um dos participantes, ao nível das representações cognitivas. Estes resultados apontam para um efeito positivo da intervenção ao nível da dimensão de controlo pessoal, controlo do tratamento, consequências, duração, sintomas e identidade. Neste programa de intervenção procurou-se intervir na educação acerca da hipertensão (i.e. sintomas, causas, consequências, tratamento e evolução), contudo existiu apenas uma sessão dedicada às cognições da doença, podendo dever-se a este facto, a mudança apenas de um participante a este nível. Porém, além da relevância clinica este ganho é igualmente importante na manutenção de uma boa adesão ao tratamento (Ross, et al., 2004).

Apesar do reduzido número de participantes, os resultados deste programa de intervenção foram positivos e prometedores. As mudanças ocorridas foram confiáveis, nas variáveis estilo de vida total, nutrição, relações interpessoais, formas de lidar com o stresse, crescimento espiritual e representações cognitivas e algumas significativas indicando a importância desta intervenção, nomeadamente ao nível da variável nutrição e formas de lidar com o stresse. De salientar a mais-valia da inclusão de uma equipa multidisciplinar neste programa de intervenção uma vez que a hipertensão é uma doença multifatorial, sendo importante uma intervenção diferenciada e que aborde os diversos fatores de risco.

O presente programa de intervenção teve algumas limitações. O facto de o número de participantes ser bastante reduzido não permitiu fazer análises mais complexas, avaliando diferenças de géneros ou a influência de outras variáveis clinicas nas representações da doença, estilo de vida e adesão á medicação. Uma outra limitação consistiu no facto do programa apenas ter incluído uma sessão dedicada às representações da doença e que merece, em futuros programas nesta população, mais sessões, dada a sua relevância ao nível do estilo de vida.

Intervenções futuras devem incluir um maior número de participantes e incluir sessões de follow-up após seis e doze meses, no sentido de averiguar se as mudanças verificadas se mantêm. Seria também pertinente a existência de um grupo de controlo que apenas recebessem o tratamento padrão, fornecido pela unidade de saúde familiar, para a hipertensão arterial de forma a comparar resultados e evidenciar as diferenças entre ambas as formas de intervenção.

Alem disto, este programa foi dirigido apenas a pacientes com hipertensão. Contudo, os estudos mostram que as intervenções eficazes na modificação dos comportamentos de risco devem incluir na sua abordagem o apoio social do parceiro e da família, uma vez que estes ajudam a motivar e manter a mudança dos comportamentos (Pereira, 2006). Neste sentido, programas futuros deverão incluir a participação dos parceiros neste tipo de programas de intervenção.

 

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Recebido em 9 de Dezembro de 2013/ Aceite em 20 de Março de 2014